Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1318/02
Nº Convencional: JTRC 05554
Relator: BARRETO DO CARMO
Descritores: BURLA INFORMÁTICA
Data do Acordão: 05/15/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Área Temática: DIREITO PENAL
Legislação Nacional: ARTS. 217º E 221º Nº1 DO C.P.
Sumário: I - Na brula (art. 217º do Código Penal), o bem jurídico aqui protegido consiste no património globalmente considerado.
II - A burla é um crime de execução vinculada ( a lesão do bem jurídico tem que ocorrer como consequência dos comportamentos típicos definidos pelo legislador), traduzindo-se, estes na utilização de um meio enganoso tendente a induzir a pessoa em erro, que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
III - Na burla o engano deve ser a causa da situação de erro em que se encontra a vítima e, por sua vez, esse estado de erro é a causa da prática pelo burlado dos actos de que decorrem prejuízos patrimoniais.
IV- É necessário que o erro ou engano tenham sido provocados astuciosamente, isto é, que a conduta do agente comporte a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade, que envolve a esvcolha dos meios idóneos para conseguir obter tal erro ou engano, sendo assim na adequação de meios que radica a astúcia, o que implica, a adequação do comportamento do agente à criação do erro ou engano.
V - Aponta-se três modalidades de execução do crime de burla:
- O agente provoca o erro de outrém descrevendo-lhe por palavras ou declarações expressas (orais ou escritas ou por códigos gestuais) uma falsa representação da realidade;
- O erro é ocasionado através de actos concludentes;
- O erro resulta de condutas que à luz de um critério objectivo - das regras da experiência comum e dos padrões ético-sociais vigentes no sector da actividade - se mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre certo facto (e não expressis verbis), considerando as particularidades da situação e da vítima.
VI - O crime de burla é apelidado de "crime de participação da vítima", uma vez que, a saída de valores ou de coisas da esfera fáctica do sujeito passivo, reporta-se tanto à conduta do agente, como à acção do próprio burlado, vindo como necessário que se verifique um duplo nexo causal, e portanto:
- O engano deve ser a causa da situação de erro em que se encontra a vítima - os meios enganosos devem ser adequados à produção do erro;
- O estado de erro é a causa da prática pelo burlado dos actos de que decorrem prejuízos patrimoniais - a prática de actos patrimonialmente prejudiciais deve ser adequada à situação de erro em que a vítima se encontra; estes nexos de causalidade aferem-se nos termos da teoria da causalidade adequada (art. 10º nº1), isto é, tendo em conta as circunstâncias concretas, aí incluídas as características do burlado.
VII - É elemento do crime o prejuízo patrimonial, já que é o requisito para a consumação.
VIII - O crime de burla é um crime material ou de resultado e um crime de dano, pelo que, só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo ou de terceiro.
IX - Existirá um dano patrimonial sempre que se verifique uma diminuição do valor económico do património da vítima, em relação à posição em que estaria se o agente não tivesse realizado a sua conduta ( critério objectivo-individual).
X - A burla é um crime que exige o dolo (art. 13º), em qualquer das suas modalidades (art. 14º). É, pois, um delito de intenção - exige-se a intenção do agente de conseguir, através da conduta, um enriquecimento (vantagem, lucro, proveito) ilegítimo próprio ou alheio, não obstante a sua consumação não exigir a concretização desse enriquecimento, verificando-se logo que ocorra o prejuízo patrimonial da vítima (crime de resultado parcial ou cortado).
XI - Na burla informática (art. 221º nº1 do C.P), quanto ao bem jurídico protegido, o tipo consubstancia um crime contra o património.
XII - É um crime de dano, a consumação depende da efectiva ocorrência de um prejuízo patrimonial, um crime material ou de resultado, que só se consuma com a saída dos bens e valores da esfera de disponibilidade fáctica da vítima.
XIII - É um crime de execução vinculada, mas a natureza vinculada restringe-se à exigência de que a lesão do património se produza através da utilização de meios informáticos, uma vez que, a referência a qualquer outro meio à "intervenção por qualquer outo modo não autorizado no processamento" inserida na parte final do nº1, consubstancia uma cláusula geral que confere a tal enumeração um carácter tão só exemplificativo.
XIV - A burla informática realiza-se num atentado directo ao património, isto é, num processo executivo que não contempla, de permeio, a intervenção de outra pessoa (por isso não comporta o duplo nexo de imputação causal referido no art. 217º).
XV - Quando ocorra o emprego de meios informáticos, pode verificar-se uma de duas hipóteses:
- O agente induz outra pessoa num erro que a leva, através de uma operação informática, a causar prejuízos patrimoniais próprios ou alheios, preenchendo-se o tipo legal do art. 217º (detecta-se aqui o duplo nexo de imputação objectiva);
- O agente produz um dano material mediante interferência directa num sistema infomático, caso em que se preencherá o tipo deste art. 221º do C.P.
XVI - Trata-se de um crime doloso, em que se exige que o agente actue com a intenção de obter para si ou para outrém, um enriquecimento ilegítimo - delito de intenção - mas, não se exige a efectiva verificação do benefício económico do agente ou de terceiro - delito de resultado cortado ou parcial, como aliás acontece na matriz.
Decisão Texto Integral: