Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/22.3PBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA
FIXAÇÃO OBRIGATÓRIA DE INDEMNIZAÇÃO
RECURSO DA DECISÃO SOBRE A INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM AUDIÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO E REJEITADO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Legislação Nacional: ARTIGO 82.º-A E 400.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGO 21.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO
Sumário: I – Resulta do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal que para que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil seja admissível é necessário que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e que a sucumbência do recorrente seja superior a metade do valor dessa alçada.

II – No caso de recurso de indemnização arbitrada oficiosamente, atenta a impossibilidade de utilização do primeiro critério há que fazer uso apenas da segunda condição prevista na norma, que remete para a sucumbência do recorrente, no sentido do quantum do prejuízo da decisão em que o mesmo decaiu ou, no caso, o valor do decaimento da pessoa no interesse de quem foi deduzida a pretensão recursória.

III – Seguindo, com as devidas adaptações, o critério previsto no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o montante indicado no recurso como valor a atribuir a título de indemnização, no caso 2.000 €, corresponde ao valor que, na situação, o Ministério Público recorrente determinou para a sucumbência, traduzindo o quantum em que a decisão recorrida foi desfavorável à vítima.

IV – Uma vez que, como determina o artigo 44.º, n.º 1 da LOSJ, o valor da alçada a atender corresponde a 5.000 €, sendo a sucumbência de 2.000€ resulta que a decisão é irrecorrível.

Decisão Texto Integral:

                                Recurso n.º 26/22.3PBCLD.C1

Acordam, em audiência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. … o arguido AA, … foi pronunciado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, alínea a), do Código Penal.

Na acusação que deduziu contra o arguido, o Ministério Público requereu o arbitramento de indemnização à vítima …, nos termos conjugados do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal (doravante CPP) e no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

No decurso da audiência de julgamento, após a produção da prova, foi comunicada ao arguido a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, no sentido de o crime de violência doméstica imputado ser também punido pelos n.os 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal.

Na sequência dessa comunicação, o arguido requereu a inquirição das testemunhas que indicou, o que foi deferido, tendo sido reaberta a audiência para esse efeito, na qual também voltou a ser ouvida a assistente BB, tendo o arguido prestado o seu consentimento para os efeitos do disposto no artigo 52.º, n.º 3 do Código Penal.

Após, a 1.ª instância proferiu sentença em que decidiu:

- Condenar o arguido … pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (pena principal).

- Suspender a execução dessa pena por igual período, determinando que seja acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, tendo como objectivo da ressocialização o aprofundamento da análise crítica do arguido sobre o seu funcionamento nas questões conjugais e a orientação para a mudança comportamental, nomeadamente ao nível da gestão das emoções (frustração), bem como da aprendizagem de estratégias de resolução de problemas.

- O regime de prova inclui a imposição das seguintes regras de conduta:

a) A avaliação médica ao nível da saúde mental e seguimento subsequente, caso seja considerado clinicamente necessário …

b) A obrigação de frequentar o programa para agressores de violência doméstica; e

c) A proibição de contactos com a vítima.

- Condenar o arguido nas seguintes penas acessórias, previstas nos n.os 4 e 5 do artigo 152º do Código Penal (cuja execução deve ser integrada e fiscalizada no âmbito do regime de prova supra determinado):

1) Obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (n.º 4 do artigo 152º do Código Penal); e

2) Proibição de contacto com a vítima pelo período de 1 (um) ano (n.os 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal), devendo incluir o afastamento da residência e dos locais de trabalho desta, e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal).

Mais decidiu a 1.ª instância não arbitrar à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos (em conformidade com o disposto no artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP, aplicável ex vi artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto da Vítima constante da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro), por considerar que não há particulares exigências de protecção da vítima.

2. Inconformado, o arguido AA veio recorrer da sentença, concluindo do seguinte modo …

A) INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA;

- As circunstâncias concretas da prática de injúria, difamação e perseguição e as acusações ,em apreço nestes autos não permitem qualificar a prática dos autos como de maus tratos psíquicos.

10º - Não se provou a frequência da injúria, difamação e perseguição da ofendida. Estaremos perante uma conduta repetida? Não se provou a intensidade dessa repetição (sendo que a ausência de prova a este respeito há-de beneficiar o arguido, à luz do princípio in dubio pro reo).

11º - A conduta do arguido (que a ter cometido os crimes, não deixa de configurar crimes de injúria, difamação e hipoteticamente assédio) não representa um aviltamento da dignidade humana da vítima com a sua “coisificação” que é própria do crime de violência doméstica.

12º - Não provocou, por outro lado, danos na saúde psíquica da vítima. Segundo os critérios acima expostos, não estaremos perante um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, a), do Código Penal.

16º - A assistente, podia ter chamado o Órgão de Polícia Criminal sempre que se viu perseguida, ou participar sempre que se viu injuriada.

17º - Pelo que, não está preenchido o desejo de prevalência, de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto ao perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.

26º - Considerando a matéria provada, o crime de violência doméstica, nunca poderia ter sido dado como provado.

27º - … não foram apurados fatos para tal condenação, verifica-se, portanto, no modesto entendimento do Recorrente, o vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea a) do C.P.P..

28º - Tal interpretação sempre seria violadora do Princípio da Presunção da Inocência plasmado nos artigos 2º e 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 6º, n.º 2 da C.E.D.H.

29º - Inconstitucionalidade que, desde já, para os devidos e legais efeitos se invoca.

B) ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, ALÍNEA C) DO N.º 2 DO ARTIGO 410º DO C.P.P.

34º - O Tribunal a quo deu, nomeadamente, como provados os seguintes pontos:

No mês de fevereiro de 2021, a vítima teve necessidade de bloquear o arguido das redes sociais, porquanto o mesmo controlava tudo o que a vítima escrevia, gerando-se discussões entre o casal.

No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vítima, e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe “és uma miserável, és arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome.”

35º - Assim, e salvo o devido respeito por opinião diversa, entende o Recorrente que o Tribunal a quo ao dar como provada matéria de facto sem um documento que suporte tais fatos, procede a um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º2, alínea c) do C.P.P.

C) NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E EXAME CRÍTICO DA PROVA;

36º - A sentença proferida pelo Tribunal a quo padece do vício de falta de fundamentação, exigido nos artigos 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todas as disposições do C.P.P..

40º - Acontece, porém, que analisada a referida sentença, constatamos que o Tribunal a quo não procede a qualquer exame crítico da prova.

41º - Assim, como não é possível retirar da fundamentação apresentada o raciocínio lógico do tribunal a quo para dar como provada a matéria de facto que considerou.

D) CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NA FUNDAMENTAÇÃO, ALÍNEA B) DO N.º 2 DO ARTIGO 410º DO C.P.P.

55º - Ora, no caso sub Júdice a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de manifestas incoerências e contradições.

Senão vejamos:

56º - O Tribunal a quo deu como factos relativos á aplicação da pena que:

B) Condições sociais e pessoais do arguido

a) Foi elaborado relatório social, do qual consta, além do mais o seguinte:

II) Condições sociais e pessoais

…. O arguido refere que a iniciativa da separação foi sua e considera que a ofendida o passou a tratar de forma diferente a partir do momento em que o arguido recusou contrair matrimonio com ela.

Do que nos foi possível apurar não há qualquer contato ou tentativa de contato ou interação entre o arguido e ofendida a partir de março do corrente ano.

57º - Assim, afigura-se ao Recorrente que a “matéria de facto” dada como provada pelo Tribunal a quo é contraditória entre si.

58º - Anteriormente, na Fundamentação, o Meritíssimo Juiz a quo, dá como provado que:

Após a separação da vitima e do arguido e até ao dia de 16/01/2022, quase diariamente, o arguido seguiu a vitima nas artérias desta cidade. (ainda que a acusação não contemplasse fatos até ao ano civil de 2022)

E) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA

60º - O Recorrente impugna os seguintes concretos pontos da matéria de facto dada como provada:

“De forma a evitar conflitos, a vítima dirigiu-se para o quarto.

A partir daquela data, o arguido passou a esperar, pela vítima, à saída do trabalho, no interior do veículo do mesmo, sentindo-se a vítima incomodada com tal situação e até controlada por aquele.

No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vitima, e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe” és uma miserável, arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome.”

61º - Os referidos pontos não consubstanciam verdadeira matéria de facto mas sim matéria puramente conclusiva.

65º - É que, os referidos pontos não identificam as circunstâncias de modo tempo e local concreto de alegadas práticas, mas apenas e só uma generalidade não sindicável.

Vejamos:

“A partir daquela data…”

66º - Considerando a redação dada ..” A partir daquela data…”, quando a afirmação anterior começa “No verão de 202, em dia e mês concretamente não apurados…”; “ A partir do mês de Dezembro de 2020, iniciaram-se desentendimentos entre a vitima e o arguidos por o último ter substituído determinados objetos que já existiam na residência.”

74º - Assim, como não identifica de forma concisa os momentos em que ocorreram mensalmente as discussões.

F) DO CRIME IMPUTADO

82º - Ora, como acima tivemos oportunidade de referir, no caso sub judice, entende o Recorrente que não se mostravam verificados os pressupostos para que o mesmo pudesse ser condenado pela prática dum crime de violência doméstica.

95º - O Douto Tribunal não dá por provado que o arguido tivesse querido molestar o corpo da vítima e perturbar a sua tranquilidade.

96º - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o artigo 229º-A do C.P.

G) DA MEDIDA DA PENA.

119º - É da convicção do recorrente que este não poderia ser condenado pelo crime de violência doméstica conforme foi.

121º- Caso assim não se entenda, sempre deve a pena ser comutada por uma “mais leve”.

122º - Em face de todo este circunstancialismo, entende o Recorrente que a sua pena não deveria ter sido superior a 2 anos e 3 meses de prisão.

G) DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO

128º - A suspensão da execução por um período tão extenso, acompanhada das medidas e das condições sentenciadas, afigura-se muito superior à culpa.

”.

                                                                                                                                   

3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio apresentar resposta em que pugna pelo seu não provimento …

4. Respondeu também a assistente BB, pugnando pela improcedência do recurso, …

5. O Ministério Público também interpôs recurso da sentença, relativamente ao segmento da sentença recorrida no qual se decidiu não arbitrar uma quantia à vítima, a título de reparação, tendo o Digno recorrente formulado as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.152º, nº 1, al.b), e nº2, al.a), do Código Penal.

2. Estabelece o art.21º, nº 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, o direito da vítima a uma indemnização por parte do condenado pelo crime de violência doméstica.

3. Por via do disposto no nº2 do art.21º da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro, que determina a aplicação do art.82°-A do Código de Processo Penal, a fixação da indemnização por parte do Tribunal de condenação é obrigatória, desde que a vitima a tal não se oponha.

4. Tal indemnização tem carácter automático e tem sempre de ser fixada, o que se impõe ao Tribunal.

5. A sentença recorrida, ao decidir não arbitrar indemnização a favor da vítima na ausência de oposição expressa desta, violou a referida norma estabelecida no art.21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

…”.

6. Admitido o recurso interposto pelo Ministério Público, veio a assistente BB responder, pugnando pela sua procedência …

7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPP, emitiu no sentido de que o recurso que o Ministério Público interpôs … merece integral provimento, …

8. Após, realizou-se a audiência, conforme foi requerido pelo recorrente, observando-se as correspondentes formalidades legais nos termos constantes da respectiva acta.

Cumpre agora decidir.

                                                           *

II – Fundamentação 

[1], …[2].

Atentas as razões de divergência com a decisão impugnada que assim apresentaram os recorrentes, são as seguintes as questões a decidir:

Recurso do arguido AA

- Nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação (exame crítico das provas).

- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

- Contradição insanável da fundamentação.

- Erro notório na apreciação da prova.

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e a consequente modificação dessa decisão.

- O imputado crime de violência doméstica e a qualificação jurídica dos factos provados.

- A excessiva medida da pena principal (quantum da pena de prisão e período fixado para a suspensão da sua execução).

Recurso do Ministério Público

- Obrigatoriedade legal de fixação de uma quantia em sede de arbitramento oficioso de indemnização à vítima.

Oficiosamente, esta Relação irá analisar a seguinte questão:

- Admissibilidade do recurso da sentença, na parte relativa à decisão de não arbitrar à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

                                                          *

2. A sentença recorrida.

2.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição)

1.1. Factos relativos à culpabilidade

1.1.1. Factos provados

Em 09/03/2020, a vítima BB e o arguido iniciaram uma relação de namoro.

A partir da segunda quinzena do mês de Agosto de 2020, o arguido alterou o seu comportamento para com a vítima, ficando mais controlador, manipulador, agressivo verbalmente e demonstrando ciúmes, passando a exigir que tudo fosse feito à maneira dele.

No Verão de 2020, em dia e mês concretamente não apurados, quando a vítima e o arguido se achavam de férias no Algarve, juntamente com outras pessoas, pelas 21 horas, o arguido disse que se iria deitar.

Naquela ocasião, a vítima ficou à conversa com as restantes pessoas que se achavam a passar férias com os mesmos. Todavia, passados cerca de 30 minutos, o arguido surgiu no local onde se encontravam e perguntou à vítima se não estava farta de calhandrice.

De forma a evitar conflitos, a vítima dirigiu-se com o arguido para o quarto.

A partir daquela data, o arguido passou a esperar, pela vítima, à saída do trabalho, no interior do veículo do mesmo, sentindo-se a vítima incomodada com tal situação e até controlada por aquele.

A vítima chegou a dizer ao arguido que não gostava de tal comportamento, tendo aquele retorquido "então tens alguma coisa a esconder, vais ter com gajos".

No mês de Setembro do ano de 2020, a vítima e o arguido passaram a viver como se de marido e de mulher se tratasse, na residência da vítima, sita na Rua ..., em ....

A partir do mês de Dezembro de 2020, iniciaram-se os desentendimentos entre a vítima e o arguido por o último ter substituído determinados objectos que já existiam na residência.

No mês de Fevereiro de 2021, a vítima teve necessidade de bloquear o arguido nas redes sociais, porquanto o mesmo controlava tudo o que a vítima ali escrevia, gerando-se discussões entre o casal.

No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vítima, e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe "és uma miserável, arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome”.

No inicio do mês de Novembro de 2021, a vítima e o arguido terminaram a relação entre ambos.

Após a separação da vítima e do arguido e até ao dia 16/01/2022, quase diariamente, o arguido seguiu a vítima nas artérias desta cidade.

Numa das vezes, o arguido abordou-a e agarrou-a pelo braço, fazendo força, o que lhe provocou dores, dizendo-lhe que queria falar com a mesma.

Ao ouvir as palavras injuriosas proferidas pelo arguido, a vítima sentiu a sua honra e consideração pessoal afectadas.

O arguido quis agir como agiu, ao actuar da forma supra descrita, querendo molestar a saúde da vítima, como fez, assim como quis ofendê-la na sua honra e consideração pessoal, perturbar a sua liberdade e humilhá-la, tendo actuado, a maior parte das vezes, na residência onde coabitavam.

Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.

                                                                   *

1.2. Factos relativos à aplicação da pena

1.2.1. Factos provados

A) ANTECEDENTES CRIMINAIS

O arguido já foi condenado por decisões transitadas em julgado pela prática dos seguintes crimes:

- Condenação em pena de prisão suspensa, por decisão transitada em julgado em 12/8/2021, pela prática de: 1 CRIMES(S) DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CÔNJUGE OU ANÁLOGOS.

B) CONDIÇÕES SOCIAIS E PESSOAIS DO ARGUIDO

a)

Foi elaborado relatório social, do qual consta, …

II - Condições sociais e pessoais

Do que nos foi possível apurar não há qualquer contacto ou tentativa de contacto ou interação entre arguido e ofendida a partir de Março do corrente ano. …”.

2.2. Por sua vez, na sentença recorrida constam indicados os seguintes factos não provados (transcrição):

1.1. Factos relativos à culpabilidade

1.1.2. Factos não provados

Com interesse e relevância para a decisão, não se provou o seguinte facto:

Ao actuar da forma supra descrita, o arguido quis molestar o corpo da vítima e perturbar a sua tranquilidade.

…”.

2.3. Em relação à motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo escreveu o seguinte na sentença recorrida (transcrição):

1.1. Factos relativos à culpabilidade

1.1.3. Motivação da decisão de facto

O arguido não prestou declarações.

A assistente, BB, prestou declarações e a sua mãe, CC, depôs como testemunha.

A assistente depôs em conformidade com a matéria de facto julgada provada (não depôs no sentido da realidade não julgada provada), tendo-o feito com objectividade e com aparente sinceridade e isenção, convencendo da realidade dos factos que declarou. O seu relato foi sentido e verosímil, tendo revelado forte perturbação em consequência dos factos que relatou.

A mãe da assistente depôs relativamente aos factos de que revelou ter conhecimento, que se deveu ao facto de ir diariamente a casa da sua filha para tomar conta do seu neto durante o dia, até Outubro de 2021. Daí que tenha percepcionado a substituição por parte do arguido de objectos que equipavam a habitação da sua filha (candeeiros e outros acessórios e adereços, que estavam funcionais), tendo também percepcionado que por vezes ocorriam discussões (embora não ouvisse o seu teor, por ocorrerem à porta fechada, no quarto do casal). Revelou ter também conhecimento dos factos ocorridos após a separação do casal, por ter visto várias vezes o arguido a rondar durante o dia os locais que a sua filha frequentava, sem outra explicação senão a de vigiar ou perseguir a sua filha (pois não estava de passagem e escondia-se para a observar).

São estas, em síntese, as razões que determinaram a decisão de facto proferida”.

                                                         *

”.

                                                       ***

3. Apreciando.

3.1. Recurso do arguido AA

3.1.1. Alega o recorrente que a sentença proferida pelo tribunal a quo padece do vício de falta de fundamentação, …

Vejamos.

                                                         *

Segundo dispõe o artigo 374.º, n.º 2 do CPP, a fundamentação da sentença consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Consagrada no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a fundamentação constitui uma garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, funcionando como condição de legitimação externa das decisões dos tribunais, ao permitir a verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que as determinaram.[3]

Para além disso, assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que assegura o conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, de modo a facultar a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos, revelando-se, assim, essencial para o exercício do direito ao recurso.[4]

Serve também um propósito intraprocessual, voltado para a reapreciação da decisão no âmbito do sistema recursório, permitindo ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo levado a cabo pelo julgador e que este transpôs para a decisão, a partir do qual efectuará o juízo próprio da sindicância que cumpre realizar.[5]

Na decisão sobre a matéria de facto, a exigida fundamentação impõe que a sentença contenha o enunciado dos factos provados e não provados. Para além disso, tem também em vista a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, o que pressupõe que, para além da indicação dos meios de prova que relevaram nesse iter decisório, aquele proceda à enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, dos motivos que sustentam determinada opção por um ou outro dos meios de prova, dos fundamentos da credibilidade reconhecida às declarações e depoimentos e do valor dos documentos e exames, ou seja, o que o julgador privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e uma pessoa média suposta pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio que seguiu e das razões da sua convicção.[6]

Quando está em causa a reapreciação da decisão em sede recursória, a fundamentação serve um propósito essencial que é o de permitir ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo levado a cabo pelo julgador e que este transpôs para a sentença, a partir do qual a instância de recurso efectuará o juízo próprio da sindicância que lhe cumpre realizar.

Para satisfazer as finalidades processuais que o justificam, o dever de fundamentação exige que a indicação e exame crítico da prova que serviu para formar a convicção seja revelado num formato tanto quanto possível completo, mas conciso, dando a conhecer com suficiência bastante aquele percurso lógico e racional do julgador.

 No referido exame crítico, o tribunal deve proceder à enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, dos motivos que sustentam determinada opção por um ou outro dos meios de prova, dos fundamentos da credibilidade reconhecida às declarações e depoimentos e do valor de documentos e exames, ou seja, de tudo o que o julgador privilegiou na formação da convicção.

Como se assinala no Acórdão do STJ de 12-04-2000, não dizendo a lei em que consiste esse exame crítico das provas, ele tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.[7]  

Trata-se, assim, da indicação das razões pelas quais e em que medida o tribunal valorou determinados meios de prova como idóneos e credíveis e entendeu que outros em sentido diverso não eram atendíveis, explicitando os critérios lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa, e que permite, assim, aferir a concreta utilização que o julgador fez do princípio da livre apreciação, previsto no artigo 127.º do CPP, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada na convicção pessoal, mas, em todo o caso, como, de resto, se assinalou na sentença recorrida, também ela uma convicção objectivável e motivável e, portanto, capaz de se impor aos outros[8].

Sublinhe-se, todavia, que para satisfazer as finalidades processuais que o justificam, o dever de fundamentação não impõe ao julgador que este proceda a uma relacionação exaustiva de cada um dos meios de prova em que se baseou para considerar provado cada um dos factos que assim considerou, como também não exige que redija uma espécie de “assentada” em que reproduz o conteúdo dos testemunhos e declarações da prova pessoal produzida.

Ponto é, pois, que a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, num formato tanto quanto possível completo, mas conciso, conforme diz a lei, permita cumprir as apontadas finalidades, dando a conhecer com suficiência bastante o percurso lógico e racional que, em sede de apreciação e valoração da prova, conduziu à demonstração da factualidade objecto da decisão recorrida.

Quando o tribunal de julgamento não efectuar o exame crítico das provas em que se baseou para formar a sua convicção, estará a omitir aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada de nulidade, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

Pois bem.

                                                        *

Pese embora o carácter sucinto que sobressai desta exposição de motivos da convicção formada, certo é que o tribunal a quo indicou com suficiência o raciocínio lógico que seguiu e a base probatória em que se apoiou, dando a conhecer o que de essencial releva e importa considerar quanto à ponderação que efectuou a respeito da prova pessoal produzida quanto à matéria da culpabilidade (para a motivação da decisão de facto quanto à matéria relativa à aplicação da pena, o julgador indicou, para além do CRC e do relatório social elaborado pela DGRSP, os depoimentos prestados pelas duas testemunhas indicadas pelo arguido e as declarações da assistente). Tendo, assim, explicitado, justificando, nos seus aspectos essenciais, as razões do sentido probatório que acolheu na sentença recorrida.

Isto sendo certo que, como assinala o Ministério Público na resposta que apresentou ao recurso, por caso em apreço o arguido não prestou declarações e, por conseguinte, não se mostrou necessário ao tribunal a quo explicitar o seu raciocínio interior para valorar uma versão (da assistente) em detrimento da outra (do arguido, caso fosse contrária àquela), ficando, nessa medida, simplificado o seu processo de fundamentação.

A circunstância de o recorrente não concordar com o resultado da convicção assim formada e de sustentar que não foi feita prova dos factos imputados, não se convencendo, pois, do mérito das razões do julgador, não retira suficiência à fundamentação da sentença recorrida, tal como ela consta descrita em 2.3., da qual se retira em grau bastante o sentido da valoração probatória que a 1.ª instância efectuou quanto à matéria da culpabilidade do agente.

Termos em que improcede a nulidade que a este respeito foi invocada …

                                                         *

3.1.2. Alega também o recorrente que existe uma nítida insuficiência da matéria de facto para sustentar a decisão condenatória, padecendo, assim, a sentença recorrida do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.

Vejamos.

                                                         *

Como é sabido, os vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP devem resultar do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não podendo, pois, estender-se a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte da decisão.

Neste contexto, a insuficiência descrita na alínea a) tem lugar quando a factualidade dada como provada não se revela suficiente para fundamentar a solução de direito alcançada, ou então quando o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material (artigo 340.º, n.º 1 do CPP) não investigou toda a matéria contida no objecto do processo que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado[9].

Como se assinala no Acórdão do STJ de 04-10-2006[10], existirá insuficiência, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando “os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (…)”.

Em reforço do acima exposto, é de referir, como no Código de Processo Penal Comentado (anotação ao artigo 410.º) [11], que “[a] afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado dessa indagação ter tido ou não êxito, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtido a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente –  afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido resposta de «não provado», então – e só então – o vício de insuficiência está afastado. Os factos pertinentes obtiveram resposta do tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão. Já assim não será se o julgamento deixou de dar reposta a um facto essencial postulado pelo referido objecto de processo, isto é, deixou por esgotar o thema probandum”.

De notar, porém, que a insuficiência detectada só conduz à verificação do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, se não for suprível pelo tribunal ad quem, ou seja, quando no recurso a mesma se revelar inultrapassável.

Assim, se não for possível sanar o vício e este não permitir decidir da causa, a Relação ordenará o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento, nos termos estipulados no artigo 426.º, n.º 1 do CPP.

Pois bem.

                                                         *

Seja como for, sempre se dirá que da análise do texto da sentença recorrida não resulta qualquer elemento que revele que o tribunal a quo não indagou os factos pertinentes para a decisão condenatória que proferiu e que está em falta o apuramento de outra matéria necessária ao enquadramento jurídico-penal suscitado pelo objecto do processo, nos termos definidos pela acusação, bem como sobre o que de relevante foi trazido pela defesa ou surgiu no decurso da discissão da causa, matéria essa em relação à qual se impunha a sua investigação.

Se os factos dados como provados permitem concluir, como na sentença recorrida, pelo preenchimento dos elementos constitutivos do imputado crime é outra questão que deve ser tratada, não em sede do apontado vício decisório, mas no âmbito da qualificação jurídica da matéria que se considerar definitivamente fixada na presente instância.

Assim, face ao acima exposto, conclui-se que não se verifica qualquer omissão subsumível no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP e, por conseguinte, o vício de insuficiência suscitado pelo recorrente deve improceder.

Do mesmo passo, no presente âmbito da factualidade que foi averiguada e dada como provada pelo tribunal a quo, nos termos descritos, também não se divisa ter sido adoptada de uma interpretação que viola o princípio da presunção de inocência, plasmado nos artigos 2.º e 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 6.º, n.º 2 da CEDH, invocado pelo recorrente que, todavia, não esclarece qual o sentido interpretativo e de que norma suscita a inconstitucionalidade que invoca. Improcedendo, pois, de igual modo, essa sua pretensão recursória.

                                                     *

3.1.3. Diz-se ainda no recurso que existe contradição insanável da fundamentação, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, quando, em sede dos factos relativos à aplicação da pena que fez constar na sentença recorrida, o tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria sobre as condições sociais e pessoais do arguido:

a) Foi elaborado relatório social, do qual consta, além do mais o seguinte:

…. O arguido refere que a iniciativa da separação foi sua e considera que a ofendida o passou a tratar de forma diferente a partir do momento em que o arguido recusou contrair matrimonio com ela.

Do que nos foi possível apurar não há qualquer contato ou tentativa de contato ou interação entre o arguido e ofendida a partir de março do corrente ano”.

Matéria que, segundo se sustenta no recurso, é contraditória com o que o julgador também deu como provado na sentença recorrida, nos seguintes termos:

Após a separação da vítima e do arguido e até ao dia de 16/01/2022, quase diariamente, o arguido seguiu a vítima nas artérias desta cidade”.

Vejamos.

                                                       *

A contradição insanável da fundamentação, prevista na citada alínea b), pode consistir na incompatibilidade entre os factos provados (consideram-se como provados dois factos contraditórios), ou entre os factos provados e os não provados (o mesmo facto é, simultaneamente, considerado provado e não provado), como ainda na oposição entre a fundamentação da matéria da facto e a solução factual encontrada.[12]

De notar, porém, que a contradição só conduz à verificação do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, quando não for suprível pelo tribunal ad quem, ou seja, quando a contrariedade detectada se revelar inultrapassável e, por conseguinte, insanável.

                                                       *

Como se observa, não existe incompatibilidade, muito menos inultrapassável, entre os pontos em análise, pois pese embora ambos se refiram à existência ou não de contacto entre a vítima e o arguido a partir da separação do casal, cada um aborda um aspecto factual diverso que é consentâneo com o outro, nada obstando a que, sob o ponto vista da coerência lógica da matéria em discussão, ambos tenham sido dados como provados, pois uma coisa é que, após a separação da vítima e do arguido e até ao dia de 16/01/2022, quase diariamente, o arguido seguiu a vítima nas artérias da cidade [...], outra perfeitamente conciliável com aquela é que, do que foi possível apurar aos técnicos da DGRSP que elaboraram o relatório social, não há qualquer contacto ou tentativa de contacto ou interacção entre o arguido e ofendida a partir de Março do corrente ano [2022, conforme resulta dos restantes elementos indicados na sentença recorrida, relativos ao mesmo relatório social, tendo ainda por referência que a sentença recorrida foi proferida em 2022].

Assim sendo, é de concluir que não se verifica qualquer contradição insanável nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP e, por conseguinte, a pretensão que o recorrente invocou a este respeito deve igualmente improceder.

                                                      *

3.1.4. Alega ainda o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP, ao dar como provados factos relativos à culpabilidade sem um documento que os suporte.

                                                      *

O erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do indicado normativo, é um vício de raciocínio que não passa despercebido ao comum dos observadores, o qual, pela simples leitura da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que, ao considerar provado (ou não provado) um determinado facto, o tribunal violou as regras da experiência, baseou-se em juízo ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou então desrespeitou critérios legalmente fixados para a valoração da prova.[13]

Como se assinala no Acórdão do STJ de 20-04-2006, o erro notório “consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova”.[14]

                                                        *

In casu, alega-se no recurso que o tribunal a quo incorreu em erro na avaliação probatória pois, segundo sustenta, deu como assente matéria sem um documento que a suporte.

A matéria em questão consta descrita nos parágrafos 10 e 11 da sentença recorrida e tem o seguinte teor:

“No mês de Fevereiro de 2021, a vítima teve necessidade de bloquear o arguido das redes sociais, porquanto o mesmo controlava tudo o que a vítima escrevia, gerando-se discussões entre o casal.

No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vítima, e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe “és uma miserável, és arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome”.

                                                      *

Como se observa, o recorrente discorda da valoração da prova produzida e convicção formada pelo tribunal a quo pois, segundo invoca, a factualidade questionada carecia de prova documental para suportar a sua demonstração.

Sucede que, nesta matéria, vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, nos termos do qual, salvo existência de prova vinculada ou tarifada (como é o caso da pericial, face ao valor que lhe é reconhecido no artigo 163.º, n.º 1 do CPP), o tribunal decide quanto ao mais de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.

Livre apreciação que, embora não se encontre sujeita a regras legais que pré-determinem o valor das provas, tem de se traduzir “em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.[15]   

Levando-se ainda em linha de conta que, em matéria de prova testemunhal e por declarações, a imediação e a oralidade que caracterizam a actividade da 1.ª instância permitem o contacto directo do julgador com os elementos de que tem de extrair a sua convicção (no caso, a assistente BB, que prestou declarações, e a testemunha CC que prestou depoimento) e fornecem importantes contributos para a formação da convicção baseada na livre apreciação.

Daí que a credibilidade e o valor que a 1.ª instância atribuiu a certas declarações ou depoimentos, na medida em que se inscrevem num resultado de imediação sujeito à livre apreciação, só deverão ser objecto de censura pelo tribunal de recurso quando ficar demonstrado que a opção tomada viola as regras da experiência comum consideradas válidas e legítimas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico e, portanto, dotadas de razoabilidade (Acórdão do STJ de 19-12-2007[16]).

E, por isso, “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova” (Acórdão do STJ de 12-09-2013[17]).

Pois bem.

                                                        *

Conforme resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto que levou à sentença recorrida, o julgador, que começou por referir que o arguido não prestou declarações, formou a sua convicção com base nas declarações da assistente BB e no depoimento da sua mãe, a testemunha CC, tendo sido esta a (única) prova que indica como fonte da convicção formada quanto à matéria da culpabilidade.

Como se constata, foi com base nesta prova pessoal, em particular nas declarações prestadas pela assistente BB, que a 1.ª instância considerou demonstrada a matéria posta em causa no recurso.

Matéria cujo apuramento claramente não depende de prova vinculada ou tarifada, estando, pois, sujeita aos termos já referidos da livre apreciação do julgador.

Aqui chegados, importa assinalar que não existe qualquer obstáculo legal a que a prova da factualidade incriminatória questionada se faça sobretudo pelo relato de quem é ofendido no processo, sendo a sua credibilidade e valor probatório apreciados livremente pelo tribunal, que levará em linha de conta o interesse que a declarante tem na causa, em razão da sua condição de sujeito atingido da alegada conduta ilícita cometida pelo arguido.

Como se assinala, pois, no Acórdão da Relação de Coimbra de 15-12-2016,[18] a prova de um facto pode resultar da valoração de um único meio de prova, v.g., das declarações da assistente ou do depoimento de uma testemunha. O que é necessário é que o meio de prova fundamentador da convicção seja credível e que o tribunal explique as razões que lhe determinaram a atribuição de credibilidade.

Aspecto que, in casu, foi racional e logicamente sustentado pela credibilidade que justificadamente o tribunal a quo reconheceu às declarações de BB, sendo certo que o depoimento da testemunha CC se revelou, no essencial, consentâneo com o declarado pela assistente.

Assim, atendendo ao acima exposto, verifica-se que a fundamentação aduzida pelo tribunal a quo se mostra consentânea com a prova que indicou para suportar a conclusão a que chegou quanto à demonstração da referida matéria, revelando-se conforme às regras da experiência e demais princípios a considerar em sede de prova da matéria de facto, mormente da presunção de inocência, ficando, pois, afastada qualquer hipótese de, face ao texto da sentença recorrida, resultar que errou na ponderação probatória que efectuou quando considerou assente a mencionada factualidade.

Temos, pois, que o tribunal a quo sustentou a convicção formada a partir da prova perante si produzida, que valorou segundo princípio da livre apreciação previsto no artigo 127.º do CPP, apresentando uma explanação racionalmente sustentada em premissas lógicas, objectivas e em consonância com as regras da experiência, seguindo um percurso decisório que se apresenta conforme com os princípios e regras fundamentais em sede probatória, pelo que, feita a sindicância a que refere o artigo 410.º, n.º 2 do CPP, a Relação conclui que a sentença recorrida não padece do vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) deste normativo, inexistindo razões para no presente recurso se proceder a qualquer tipo de censura quanto ao desfecho alcançado, no sentido de considerar assente a questionada factualidade.

Improcedendo também o vício de erro notório na apreciação da prova, invocado no recurso do arguido AA.

                                                   *

3.1.5. Diz ainda o recorrente que impugna a seguinte matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

“De forma a evitar conflitos, a vítima dirigiu-se para o quarto.

(…)

A partir daquela data, o arguido passou a esperar, pela vítima, à saída do trabalho, no interior do veículo do mesmo, sentindo-se a vítima incomodada com tal situação e até controlada por aquele.

(…)

No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vítima, e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe “és uma miserável, arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome”.

                                                          *

Como é sabido, na impugnação ampla da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 412.º, n.os 3, 4 e 6 do CPP,  quem recorre invoca razões de ordem probatória que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da que consta nos pontos de facto que vem impugnar.

Neste caso a sindicância não se limita ao texto da decisão e estende-se à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites resultantes do que foi fornecido pelo recorrente, em cumprimento do ónus de especificação estabelecido nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º referido.

Não se trata, contudo, da realização de um novo julgamento, como se o da 1.ª instância não tivesse ocorrido, antes constitui um remédio jurídico destinado a dar resposta às situações em que a prova produzida impõe decisão diversa da alcançada pelo julgador.

No âmbito da impugnação ampla, compete exclusivamente a quem recorre fixar o objecto do recurso, através da indicação precisa e especificada dos elementos previstos no artigo 412.º, n.os 3 e 4 do CPP, ou seja, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Por outro lado, quando as provas tenham sido gravadas, a especificação deve ser feita por referência ao consignado na acta, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, indicação essa que terá de poder deduzir-se das conclusões formuladas (cf. artigos 412.º, n.º 4 e 417.º, n.º 3, ambos do CPP).

In casu, o recorrente indicou qual a factualidade provada que pretende impugnar, transcrevendo o seu teor para o recurso, sendo certo que, não estando a matéria de facto numerada na sentença recorrida, a transcrição do referido teor corresponde a uma forma possível de identificação do conteúdo impugnado.

Sucede, porém, que o recorrente não concretizou quais as provas que, no seu entendimento impunham decisão diversa da recorrida e que motivam a sua impugnação da matéria de facto, para além de que não efectuou qualquer tipo de especificação quanto às concretas passagens das declarações e depoimentos em que se funda a impugnação deduzida, não satisfazendo, pois, nenhuma das exigências estabelecidas no artigo 412.º, n.os 3, alínea b), e 4 do CPP.

O recorrente não observou, pois, o ónus de especificação, tal como exige o normativo acima indicado, ficando deste modo precludida a análise, pela Relação, de qualquer impugnação ampla da decisão sobre a referida matéria de facto, com a inerente reapreciação da prova produzida.

Resta sindicar a decisão que o tribunal a quo proferiu, ao dar como provados os factos descritos nos pontos questionados, à luz do vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP, atendendo a que em relação a eles e ao seu apuramento o recorrente vem pôr em causa o modo como o julgador valorou a prova e formou a sua convicção, bem como questionar a admissibilidade da sua inclusão no enunciado factual da sentença recorrida, com base no fundamento de que estamos perante formulações genéricas desprovidas de uma concretização mínima ou meros juízos conclusivos.

Vejamos, então.

                                                      *

Comecemos pelos segmentos dos factos provados que o recorrente vem pôr em causa por entender que os mesmos encerram formulações genéricas sem qualquer concretização mínima ou então são meros juízos conclusivos, encontrando-se em ambos os casos fora do âmbito do que se pode considerar como eventos materiais e concretos ou mudanças operadas no mundo exterior.

É verdade que as condutas parcelares integrantes do todo “violência doméstica”, devem constar “individualizadas e concretizadas”. Daí que “uma imputação genérica, isto é, a narração de um conjunto fáctico a que falta, em absoluto, a concretização da acção no tempo, no espaço, na motivação e no grau de participação do agente, não pode suportar uma condenação, sob pena da postergação do direito de defesa, na medida em que não é susceptível de ser contraditada” (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2018[19]).

Por outro lado, conforme se salienta no Acórdão da Relação Coimbra de 20-06-2018[20], o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, nomeadamente quando trazem em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto, pelo que é de se entender que os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum.

Contudo, não deixam de constituir uma consequência lógica retirada de outros factos que se apreendem pela materialidade que lhes é ínsita, ainda que reportada a um determinado quadro jurídico que nos permite identificar se estamos perante elementos com relevância típica e, por isso, a incluir no elenco factual da decisão.

Assim, tendo presentes as sobreditas exigências de concretização factual, as especificidades do delito aqui em julgamento e que apenas são de considerar não escritos os “factos” que integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum, entende a Relação que, no caso em apreço, as expressões que o recorrente veio pôr em causa não são meras imputações genéricas absolutamente desprovidas de concretização, nem contêm um juízo de valor da culpabilidade do agente, no sentido de uma verdadeira valoração jurídica de factos.

Ao invés, estamos perante eventos materiais do mundo exterior, condutas do arguido com suficiente balizamento temporal e concretização bastante da motivação que o levou a agir como agiu (motivação expressamente definida no 16.º parágrafo do elenco dado como assente), os quais se encontram expostos com o grau de concretização que permite o pleno exercício do contraditório e do direito de defesa, como, aliás, ficou patente nos termos em que foi interposto o recurso do arguido.

Senão vejamos.

                                                     *

a) Os segmentos “De forma a evitar conflitos, a vítima dirigiu-se para o quarto” e “A partir daquela data, o arguido passou a esperar, pela vítima, à saída do trabalho, no interior do veículo do mesmo, sentindo-se a vítima incomodada com tal situação e até controlada por aquele” fazem parte da seguinte sequência de acontecimentos, descrita nos parágrafos 2.º a 6.º da sentença recorrida:

A partir da segunda quinzena do mês de Agosto de 2020, o arguido alterou o seu comportamento para com a vítima, ficando mais controlador, manipulador, agressivo verbalmente e demonstrando ciúmes, passando a exigir que tudo fosse feito à maneira dele.

No Verão de 2020, em dia e mês concretamente não apurados, quando a vítima e o arguido se achavam de férias no Algarve, juntamente com outras pessoas, pelas 21 horas, o arguido disse que se iria deitar.

Naquela ocasião, a vítima ficou à conversa com as restantes pessoas que se achavam a passar férias com os mesmos. Todavia, passados cerca de 30 minutos, o arguido surgiu no local onde se encontravam e perguntou à vítima se não estava farta de calhandrice.

De forma a evitar conflitos, a vítima dirigiu-se com o arguido para o quarto.

A partir daquela data, o arguido passou a esperar, pela vítima, à saída do trabalho, no interior do veículo do mesmo, sentindo-se a vítima incomodada com tal situação e até controlada por aquele.

A vítima chegou a dizer ao arguido que não gostava de tal comportamento, tendo aquele retorquido "então tens alguma coisa a esconder, vais ter com gajos".

Ora, quer uma, quer outra afirmação que foi posta em causa no recurso apresenta materialidade bastante e enquadramento espácio-temporal suficiente para se considerar satisfeitas as exigências de concretização factual acima referidas.

Diga-se ainda que, atento o contexto sequencial em que a mesma se insere, a expressão “A partir daquela data…”, acima mencionada, reporta-se à segunda quinzena de Agosto de 2020 que, de resto, é também no Verão de 2020, embora fora do período de férias da assistente, porquanto segundo resulta do ponto de facto em que se insere a sobredita expressão, esta diz respeito à conduta de o arguido esperar pela vítima, à saída do trabalho.

                                                            <>

b) Quanto à matéria descrita no parágrafo 11.º da sentença recorrida – No período de coabitação, cerca de uma vez por mês, o arguido iniciava discussões com a vítima e, nessas ocasiões, o arguido disse-lhe “és uma miserável, arrogante, és uma merdas, não mereces nada, se não fosse eu passavas fome” –, há que ter em conta o que o tribunal a quo deu como provado nos parágrafos 8.º e 12 do elenco factual assente:

Assim, atendendo ao teor do próprio ponto em questão e à delimitação temporal definida pelos indicados parágrafos 8.º e 12.º, é manifesto que estamos perante factos objectivos e concretos, sem que se exija (nem é razoavelmente de exigir), para a afirmação da sua materialidade e para se assegurar o exercício do direito de defesa pelo arguido, garantindo o contraditório na sua plenitude, que se identifiquem os momentos em que ocorreram mensalmente as discussões referidas, no sentido do dia e hora do mês respectivo.

                                                      <>

c) Relativamente aos desentendimentos a que se refere o ponto de facto “A partir do mês de Dezembro de 2020, iniciaram-se os desentendimentos entre a vítima e o arguido por o último ter substituído determinados objectos que já existiam na residência” – se serão desentendimentos sobre os materiais dos objectos, se sobre os formatos dos mesmos –, salvo o devido respeito, não se vislumbra qual a razão de ser das objecções a este respeito suscitadas pelo recorrente nem a pertinência que as mesmas revestem para o presente contexto recursório, sendo, pois, manifesto que também aqui a pretensa do recorrente deve soçobrar.

                                                     **

d) Ora, em relação ao questionado facto do parágrafo 10.º da sentença recorrida – No mês de Fevereiro de 2021, a vítima teve necessidade de bloquear o arguido nas redes sociais, porquanto o mesmo controlava tudo o que a vítima ali escrevia, gerando-se discussões entre o casal –, na senda do que se referiu em 3.1.4., estamos perante matéria cujo apuramento não depende de prova vinculada ou tarifada (no caso, prova documental, segundo invoca o recorrente), estando, pois, a sua demostração sujeita aos termos da livre apreciação do julgador, atrás aludidos, e não existindo qualquer obstáculo legal a que a sua prova se faça unicamente pelo relato de quem é ofendido no processo, como efectivamente sucedeu no presente caso, pelas razões já expostas em 3.1.4.

Donde a pretensão que o recorrente formulou quanto a este ponto deve também improceder.

                                                          <>

e) Por fim, quanto ao facto do parágrafo 12.º da sentença recorrida – “No início do mês de Novembro de 2021, a vítima e o arguido terminaram a relação entre ambos” –, resta dizer que se o recorrente pretendia fazer uso do relato da vítima para assim impugnar esta matéria, então deveria ter observado o ónus de especificação para assim viabilizar o conhecimento, pela Relação, da impugnação, com reapreciação da prova invocada. Como isso não se verificou, nada mais há determinar na presente fase, improcedendo, pois, também nesta parte, a pretensão do recorrente.

                                                       *

3.1.6. Conforme resulta do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na versão em vigor à data dos factos[21], comete o crime de violência doméstica quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.

Por sua vez, segundo preceitua o n.º 2, alínea a), do mesmo artigo 152.º, se o agente praticar o facto previsto no número anterior no domicílio comum ou no domicílio da vítima, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

O crime de violência doméstica protege o bem jurídico saúde, entendido na acepção complexa que abrange a saúde física, psíquica e mental, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana.

Tutela-se, pois, a dignidade pessoal de quem se encontra numa específica relação com o agente do ilícito, relação essa caracterizada por uma proximidade existencial (actual ou pretérita) que justifica a especial censura dos comportamentos ali tipificados.

O tipo objectivo do ilícito inclui os maus tratos físicos (ou seja, que atingem a integridade física da vítima), os maus tratos psíquicos (que podem consistir em ameaças, injúrias ou outras condutas que, afectando a dignidade pessoal da vítima, se traduzem na violação do bem jurídico protegido, como sucede com as acções intimidatórias, as humilhações e os comentários vexatórios), as privações de liberdade e as ofensas sexuais.

Tipo objectivo que, como vimos, tutela um bem jurídico complexo que radica na dignidade da pessoa humana, pelo que, para constituir violência doméstica, a conduta apurada deve consubstanciar uma ofensa que, pelas suas características (a analisar no caso concreto, à luz do contexto relacional, actual ou passado, em que se inserem o agente e a vítima), se reflecte negativamente na saúde física, psíquica ou mental da vítima e conduz à degradação da sua dignidade pessoal.

No que ao tipo subjectivo diz respeito, trata-se de um crime que exige o dolo, relevando, portanto, as manifestações que lhe são próprias (dolo directo, necessário ou eventual).

                                                          *

In casu, atentos os factos dados como provados na sentença recorrida, verifica-se que, para além do quadro relacional de proximidade que indiscutivelmente se apurou (a relação pretérita de namoro com coabitação, descrita na sentença recorrida), o arguido …, com a actuação narrada no factos provados, adoptou contra a assistente … comportamentos que, como acima se explanou, são ofensivos da sua saúde e bem-estar físico e psíquico, honra e liberdade de determinação, actuando aquele sempre de deliberado, com o propósito concretizado de molestar a saúde da vítima, assim como de a ofender na sua honra e consideração pessoal, perturbar a sua liberdade e humilhá-la.

Note-se que o suposto elemento constitutivo do crime de violência doméstica que o recorrente alega não se verificar no caso em apreço – o que afastaria o seu cometimento – isto é, o desejo de prevalência de dominação do agressor sobre a vítima, numa relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente, não se mostra previsto no tipo incriminador da violência doméstica. O recorrente não tem, assim, qualquer fundamento para exigir a verificação deste requisito do crime de violência doméstica, quando o mesmo não faz parte do respectivo tipo legal.

Aliás, como se refere no acórdão desta Relação de 22-09-2021[22], “[a] exigência da verificação de uma relação de domínio por parte do autor do crime deixaria de fora múltiplas situações que em bom rigor deveriam considerar-se abrangidas pela norma (…), o que evidencia o desajustamento da exigência desse elemento que, na verdade, não tem apoio na letra do tipo legal de crime”.

Donde, pelas razões já enunciadas, assentes na ideia fundamental de que o tipo objectivo que, como vimos, tutela um bem jurídico complexo que radica na dignidade da pessoa humana, pelo que, para constituir violência doméstica, a conduta apurada deve consubstanciar uma ofensa que, pelas suas características (analisadas no caso concreto, à luz do contexto relacional, actual ou passado, em que se inserem o agente e a vítima), se reflecte negativamente na saúde física, psíquica ou mental da vítima e conduz à degradação da sua dignidade pessoal.

O que, repete-se, no presente caso, se verificou, registando-se, como se disse, que os factos provados são, na globalidade do desvalor patenteado, reveladores de um comportamento do arguido que viola a dignidade pessoal da ofendida e da respectiva saúde física, mental e psíquica.

Factos que, se individualmente considerados, não revestem relevância típica, mas que, no contexto da conduta global que se apurou, nos termos acima expostos, confirmam uma actuação apta a provocar, como provocou, mau estar psicológico à ofendida, a quem se impôs abusivamente, sujeitando-a a um comportamento degradante da dignidade pessoal da visada.

                                                        *

3.1.7. Aqui chegados, cumpre apreciar a questão suscitada no recurso, de que a pena de dois anos e seis meses de prisão que foi imposta na sentença recorrida é manifestamente excessiva, assim como é excessivo o período que foi fixado para a suspensão da sua execução, …

                                                          *

Como é sabido, a determinação da medida concreta da pena deve obedecer aos critérios da prevenção e da culpa (artigos 40.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal), tendo presente que a prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e que a culpa, dirigida ao agente do crime, funciona como “limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas”[23].

                                                          *

Em sede de determinação da medida da pena principal que, como vimos, fixou em dois anos e seis meses de prisão, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão do seguinte modo:

“- O grau da ilicitude é abaixo da média, …

- Porém, o grau da culpa é acima da média, tendo em consideração que os factos em causa ocorreram na pendência do processo no qual o arguido veio a ser julgado e condenado pela prática de um crime de violência doméstica, o que impunha ao arguido uma especial ponderação sobre a natureza e implicação dos seus actos, devendo especialmente abster-se de os praticar, uma vez que estava a ser julgado por factos de idêntica natureza.

- Quanto à conduta anterior aos factos, é de considerar que o arguido tem antecedentes criminais, sendo uma dessas condenações pela prática de um crime de violência doméstica (decisão que foi proferida e transitou em julgado durante o período em que ocorreram os factos em causa nos autos).

- …

- Quanto às exigências de prevenção geral são muito elevadas, relativamente ao tipo de crime em causa, …

As exigências de prevenção especial são acima da média, tendo em conta, por um lado, o referido antecedente criminal do arguido (cuja condenação foi contemporânea com a prática dos factos destes autos) e, por outro lado, a sua personalidade (controladora e ciumenta), manifestada na prática dos factos”.

Por tudo isto, e tendo por referência que o crime de violência doméstica agravado, previsto no artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, alínea b), do Código Penal, é punível com pena de prisão de dois a cinco anos, o tribunal a quo considerou justa e adequada a pena concreta de dois anos e seis meses de prisão.

                                                      *

Ora, analisadas as razões acima descritas, verifica-se que, no essencial, a 1.ª instância procedeu a uma correcta identificação das circunstâncias a considerar na determinação da medida concreta da pena.

Há aqui que recordar, na senda do Acórdão do STJ de 15-09-2021[24], que relativamente à decisão sobre a pena, em particular quanto à sua medida, o recurso é um remédio jurídico em que o tribunal ad quem só intervém, alterando a pena, quando detecta incorrecções ou distorções no processo desenvolvido pelo tribunal de julgamento, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a determinação da sanção. Mas não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1.ª instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de 1.ª instância enquanto componente individual do acto de julgar. Donde a sindicabilidade, em sede de recurso, da medida concreta da pena, “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”, como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídica do Crime, 1993, pág.197) e como a jurisprudência do Supremo tem reiterado.

Assim, face ao acima exposto e tudo ponderado, considerando a imagem global dos factos apurados e o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, conclui a Relação que as necessidades de prevenção geral e especial se encontram adequadamente reflectidas no quantum que o tribunal a quo definiu para a pena aplicada nos autos, …

                                                          *

                                                      ***

3.2. Recurso do Ministério Público

Na acusação que deduziu contra o arguido AA, imputando-lhe a prática do crime de violência doméstica acima analisado, o Ministério Público requereu o arbitramento de indemnização à vítima BB, nos termos conjugados do disposto nos artigos 82.º-A do CPP e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu não arbitrar à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos …, por considerar que não há particulares exigências de protecção da vítima, decisão que fundamentou do seguinte modo:

“O Art. 16º, nº 2, do ESTATUTO DA VÍTIMA constante da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro, dispõe que há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

Por sua vez, o Art. 82º-A, nº 1, do CPP, dispõe que “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.”

Realce-se, em primeiro lugar, que o referido normativo do Estatuto da Vítima não obriga ao arbitramento de uma indemnização, mas sim à aplicação da indicada norma do CPP, para a qual remete. Esta, por sua vez, também não impõe que o tribunal arbitre necessariamente uma indemnização, pois refere-se expressamente à reparação pelos prejuízos sofridos. Ora, o conceito de prejuízo é próprio do conceito de dano patrimonial, como resulta do disposto no Art. 564º (lucros cessantes e danos futuros) e no Art. 566º (cálculo da indemnização de acordo com a teoria da diferença - que avalia situações patrimoniais) do Código Civil. De modo que o Art. 82º-A, nº 1, do CPP, ao referir-se à reparação pelos prejuízos sofridos estará a referir-se a danos patrimoniais, como sucederá, v.g., nos casos em que as vítimas se encontram numa tal situação de dependência económico/financeira do agressor que carecem de apoio económico (patrimonial/financeiro) para poderem prover ao seu digno sustento sem terem de depender daquele.

Por outro lado, os danos não patrimoniais estão previstos no Art. 496º do Código Civil, sendo certo que aos mesmos é completamente estranha qualquer diminuição patrimonial (ou seja, qualquer prejuízo), por tais danos visarem compensar o lesado de um mal que sofreu e não reconstituir a situação patrimonial que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso.

Como tal, salvo melhor opinião, os prejuízos sofridos pela vítima que o Art. 82º-A, nº 1, do CPP visa acautelar não é a compensação moral da vítima pela lesão na sua pessoa do bem jurídico tutelado pelo crime cometido pelo arguido (dano não patrimonial, ou dano moral sofrido), mas sim a situação patrimonial que a prática do crime para si acarretou - e apenas quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. De modo que também estas exigências de protecção se têm de referir à situação patrimonial da vítima e não à dimensão da ofensa moral sofrida.

No caso dos autos, não se vislumbra que hajam particulares exigências de protecção da vítima. Razão pela qual não se verifica o pressuposto do qual depende o arbitramento oficioso de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos”.

                                                      *

No recurso que interpôs contra esta parte da decisão, o Ministério Público veio sustentar que a fixação da indemnização por parte do tribunal da condenação é obrigatória, desde que a vítima a tal não se oponha. …

Devendo, assim, a sentença ser revogada nesta parte e o arguido condenado, consequentemente, no pagamento de uma indemnização a favor da vítima, fixada em valor não inferior a 2 000,00 € (dois mil euros).

                                                      *

Conforme dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada.

Segundo esta norma, para que o recurso seja admissível é, pois, necessário que se mostrem preenchidos dois pressupostos cumulativos: 1) o valor do pedido deve ser superior à alçada do tribunal recorrido e 2) a sucumbência do recorrente há-de ser superior a metade do valor dessa alçada.

No caso de recurso de indemnização arbitrada oficiosamente ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do CPP e artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, o primeiro critério constante do artigo 400.º, n.º 2 do CPP não é aplicável pois não há pedido cível formulado, sendo que no caso concreto aqui em análise o Ministério Público não fez qualquer indicação quanto ao valor da indemnizatório a fixar, quando na acusação requereu o seu arbitramento.

Ora, quer se trate da formulação processual de um pedido de indemnização, quer consista na atribuição oficiosa de indemnização de igual natureza e fundamento jurídico, a realidade é uma mesma, consubstanciada no arbitramento de uma indemnização de natureza cível com origem em facto ilícito criminal, pelo que se impõe interpretar da mesma forma o preceito da recorribilidade constante do artigo 400.º, n.º 2 do CPP. Isto porque o regime de definição de admissibilidade do recurso assenta na natureza do objecto de recurso – obrigação de indemnização quantificável – e não na característica processual, necessariamente secundária, da forma de arbitramento, baseada no dispositivo das partes ou oficiosa, consoante os casos, argumento que, de resto, sai reforçado pela própria norma do artigo 82.º-A, ao prever no seu n.º 3 que a quantia arbitrada a título de reparação seja tida em conta na acção que venha a conhecer do pedido civil de indemnização (cf. Acórdão da Relação de Évora de 10-04-2018[25]).

Assim, atenta a impossibilidade de utilização do primeiro critério constante do artigo 400.º, n.º 2 do CPP, há que fazer uso apenas da segunda condição ali prevista, que remete para a sucumbência do recorrente, no sentido do quantum do prejuízo da decisão em que o mesmo decaiu ou, no caso, o valor do decaimento da pessoa no interesse de quem ele deduz a pretensão recursória.

No sentido de que, quando se tratar de arbitramento oficioso de indemnização pelo crime de violência doméstica, a admissibilidade de recurso quanto a esta matéria se rege apenas pelo valor da sucumbência, vejam-se, para além do aresto da Relação de Évora atrás indicado, os Acórdãos da Relação do Porto de 16-10-2013 (processo n.º 670/11.4PDVNG.P1), 14-09-2016 (processo n.º 724/14.5PBVLG.P1) e 21-03-2018 (processo n.º 315/16.6GALSD.P1), da Relação de Lisboa de 16-03-2023 (processo n.º 743/21.5SXLSB.L1-9) e da Relação de Coimbra de 21-06-2023 (processo n.º 235/21.2GBCLD.C2).[26]

Nos presentes autos a 1.ª instância não fixou qualquer quantia indemnizatória, pelo que, numa primeira leitura, não tendo havido indicação do valor do pedido, não teríamos sequer qualquer determinação do prejuízo resultante da improcedência do requerido arbitramento oficioso de reparação à vítima.

Sucede, porém, que como acima já foi dito, no recurso o Ministério Público concluiu pedindo que a sentença recorrida seja revogada nessa parte e o arguido condenado, consequentemente, no pagamento de uma indemnização a favor da vítima, fixada em valor não inferior a 2 000,00 € (dois mil euros), o que a vítima (e assistente) reiterou, na resposta que apresentou ao recurso, pugnando para lhe seja paga um valor não inferior aos indicados 2 000,00 € (dois mil euros).

Ora, seguindo aqui, com as devidas adaptações, o critério previsto no artigo 12.º, n.º 2 do RCP, estabelecido para a fixação do valor tributário dos recursos, temos que o indicado montante de 2 000,00 € (dois mil euros) corresponde ao valor que, na situação em análise, o Digno recorrente determinou para a sucumbência, traduzindo precisamente o quantum em que a decisão recorrida foi desfavorável à vítima, na medida em que, segundo o entendimento vertido no recurso, o tribunal a quo deixou de arbitrar tal valor à assistente BB.

Uma vez que o valor da alçada a atender corresponde a 5 000,00 € (cf. artigo 44.º, n.º 1 da LOSJ), verifica-se que, no presente caso, em que temos uma sucumbência de 2 000,00 € (dois mil euros), a decisão é irrecorrível.

A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior, pelo que nada obsta a que esta instância conheça e aprecie os pressupostos de admissibilidade da impugnação, nos termos previstos no artigo 414.º, n.º 3 do CPP.

Assim, considerando que a sentença proferida pela 1.ª instância é, na parte em que decidiu não arbitrar à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, irrecorrível, deve o recurso que dela interpôs o Ministério Público ser rejeitado, em conformidade com o preceituado nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, e 414.º, n.º 2, ambos do CPP.

                                                        *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:

1. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

2. Rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, relativamente à parte da sentença recorrida que versou sobre o arbitramento de indemnização à vítima, nos termos do disposto no artigo 82.º-A do CPP.

Custas do recurso interposto pelo arguido a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Recurso do Ministério Público sem tributação.

                                   Coimbra, 29 de Junho de 2023

(Elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP)

                                        Helena Bolieiro – relatora

                                         Rosa Pinto – 1.ª adjunta

                                       Luís Teixeira – 2.º adjunto





[1]
[2]
  
  
[3] Cf. Acórdão do STJ de 16-03-2005, proferido no processo n.º 05P662 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[4] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/00, de 21-03-2000, disponível na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt>.
[5] Cf. Acórdão do STJ de 16-03-2005, atrás indicado.
[6] Acórdão do STJ de 16-03-2005.
[7] Acórdão proferido no processo n.º 141/2000-3.ª, Sum. dos Acórdãos STJ, n.º 40, pág.48.
[8] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I vol. reimp., Coimbra Editora, 1984, págs.202-205.
[9] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág.74. Cf. ainda o Acórdão desta Relação de 24-10-2018, proferido no processo n.º 10/18.1T9FIG.C1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[10] Aresto proferido no processo n.º 06P2678 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[11] Cf. António Henriques Gaspar et al., Código de Processo Penal Comentado (anotação ao artigo 410.º, por António Pereira Madeira), 2.ª ed., Almedina, 2016, pág.1274.
[12] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág.77.
[13] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág.80.
[14]  Aresto proferido no processo n.º 06P363 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.

[15] Cf. Acórdão n.º 1165/96 do Tribunal Constitucional de 19-11-1996, disponível na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>.
[16] Aresto proferido no processo n.º 07P4203 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[17] Acórdão do STJ de 12-09-2013, proferido no processo n.º 150/09.8PBSXL.L1.S1 e citado no Acórdão do STJ de 11-06-2014, proferido no processo n.º 14/07.0TRLSB.S1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[18] Aresto proferido no processo n.º 55/15.3GCMBR.C1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[19] Aresto proferido no processo n.º 3/17.6GCIDN.C1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[20] Aresto proferido no processo n.º 13/16.0GTCTB.C1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.

[21] O tipo legal foi objecto de uma alteração – irrelevante para o caso em análise –, introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de Agosto, passando a ler-se, no corpo do n.º 1, “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns”.

[22] Aresto proferido no processo n.º 158/19.5GABBR.C1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[23] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág.109.
[24] Aresto proferido no processo n.º 549/20.9JABRG.G1.S1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>. Cf. ainda o Acórdão do STJ de 14-05-2009, proferido no processo n.º 19/08.3PSPRT e disponível no mesmo sítio da Internet.
[25] Aresto proferido no processo n.º 127/16.7GBSTC.E1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[26] Cf. ainda António Gama, et al, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I (anotação de Tiago Caiado Milheiro ao artigo 82.º-A), Almedina, 2019, pág.887.