Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
304/16.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
INQUÉRITO JUDICIAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 216, 288, 292 CSC, 1049 CPC
Sumário:
I - Os artigos 216.º e 292.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, não prevêem, como fundamento de inquérito judicial, o facto de o sócio ter sido impedido de participar em assembleia da sociedade ou a alegação de suspeitas de negócios irregulares praticados pelos administradores.
II - O inquérito judicial previsto nas normas acima citadas tem a sua razão de ser na violação do direito do sócio de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato ou na previsão da violação de tal direito.
III – O dever de informação previsto no artigo 288.º do CSC pode ser cumprido mediante a colocação à disposição do accionista, na sede da sociedade, dos livros e documentos relativos à vida social ou pode ser efectivado através do envio ao accionista, por correio electrónico, de alguns dos livros e documentos.
IV - O cumprimento através de uma forma ou de outra não está na disponibilidade da sociedade. Esta só se exonerará do seu dever de informação mediante o envio de alguns dos livros e documentos se tal não for proibido pelos estatutos e se o accionista assim o requerer.
V - A decisão que julgar que há motivos para proceder a inquérito não terá como consequência necessária a realização de inquérito à sociedade nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1049.º do CPC.
VI - A tal decisão pode seguir-se uma determinação à sociedade para prestar a informação pedida ou a fixação de prazo para a apresentação das contas da sociedade.
Decisão Texto Integral:
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A (…), residente na rua (…), Pombal, requereu, com invocação do disposto nos artigos 216.º e 292.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais [CSC], e no artigo 1048.º do Código de Processo Civil [CPC] inquérito judicial à sociedade A (…), S.A. com sede (…).
Os fundamentos do pedido foram em resumo os seguintes:
1. Que era sócio da requerida;
2. Que os administradores da requerida, desde 2012, são: F (…), na qualidade de presidente do conselho de administração, e P (…) na qualidade de vogal;
3. Que solicitou à requerida, nos termos do disposto nos artigos 21.º e 288.º, ambos do CSC, e no artigo 576.º do Código Civil, em 21 de Novembro de 2014 e 03 de Dezembro de 2014, a consulta de vários elementos relativos à sociedade (identificados no artigo 36.º da petição e que correspondem aos enunciados nas alíneas a) a e), do n.º 1 do artigo 288.º do CSC);
4. Que apesar de a requerida ter designado o dia 6 de Fevereiro de 2015 para o requerente consultar tais elementos na sede da sociedade, em tal dia, a requerida recusou ao requerente o acesso a tais documentos;
5. Que impediu o requerente de comparecer na assembleia geral ordinária convocada para o dia 20 de Maio de 2015, pelas 12 horas, nas suas instalações comerciais;
6. Que a presidente do conselho de administração vem administrando a requerida em prejuízo dela e do requerente;
7. Que o inquérito era motivado não apenas pelo acesso aos documentos contabilísticos e outros ínsitos no artigo 288.º do CSC, mas também o de apreciação de actos de gestão em que se verificavam indícios de irregularidades e ainda o de averiguar e determinar a veracidade, abrangência e idoneidade constante dos relatórios de gestão e a garantia do direito de informação em relação aos actos substantivos e às operações em que a gestão da sociedade se objectivava, tendo em conta a especial posição dos administradores da requerida por representarem accionistas maioritários, contrária à posição do requerente, accionista minoritário e sem qualquer intervenção ou conhecimento dos destinos daquela.
No final da alegação pediu, nos termos do disposto no artigo 292.º, n.º 6 do CSC, se procedesse a inquérito da requerida, sem precedência do pedido de informações à sociedade, com suspensão imediata do cargo dos acima identificados titulares dos cargos do conselho de administração, nos termos do artigo 1056.º do CPC e ainda que, no âmbito do inquérito, se procedesse:
1. À averiguação da regularidade da situação económico-financeira da requerida e da sua conexão com os desequilíbrios verificados com a actividade desenvolvida pelos seus administradores;
2. Auditoria às contas dos exercícios dos últimos 5 anos;
3. Análise económico-financeira comparativa inter anual, sectorial e percentual dos últimos 5 exercícios e respectivos comentários;
4. Levantamento plurianual das rubricas relacionadas com comissões, artigos para oferta, despesas não documentadas e quaisquer outras rubricas de carácter duvidoso e respectivas conclusões;
5. Análise de consumos-coeficientes técnicos de produção com dados do sector;
6. Análise exaustiva das encomendas e ordens de produção, cruzando-as com as guias de remessa, respectivas facturas e controle de existências;
7. Averiguação de todas as estruturas de custo atribuídas à administração, incluindo ordenados, subsídios, ajudas de custo e outras concessões, como carros, combustíveis, refeições, deslocações, telemóvel, seguro, cartões de crédito e quaisquer outras despesas pagas com análise comparativa inter anual e respectiva evolução;
8. Análise dos últimos 5 anos dos movimentos relacionados com as contas de suprimentos autorizações das assembleias gerais, suporte documental, meios e critérios de pagamento;
9. Análise detalhada de compras e matérias-primas ou outras, comparando com preços de mercado e restantes condições alternativas;
10. Averiguação da correspondência entre as receitas efectivamente recebidas pela requerida e as constantes da contabilidade e das existências.
Mais requereu:
1) Se nomeasse um administrador à requerida, atribuindo-lhe os poderes estatuídos nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do artigo 292.º do Código das Sociedades Comerciais;
2) Se destituíssem da gerência as pessoas cuja responsabilidade por actos praticados no exercício de cargos sociais fosse apurada;
3) Se tomassem quaisquer outras medidas ou providências que, face ao apuramento dos factos, melhor se entendesse por convenientes à cabal satisfação da situação em apreço.
A sociedade requerida e o presidente do conselho de administração e o vogal, respectivamente, F (…) e P (…) contestaram. Na sua defesa alegaram, em resumo, que o autor era parte ilegítima; que a recusa da ré na prestação de informação foi lícita; que o pedido do autor no sentido de se proceder a inquérito sem precedência de pedido de informações à sociedade e suspensão imediata dos cargos de administrador não estava em condições de proceder; por último impugnaram as alegações que sustentavam a pretensão do autor, pedindo se julgasse improcede a pretensão do autor. Para a hipótese de o autor demonstrar a sua qualidade de accionista, pediram que os presentes autos se restringissem aos limites legais impostos ao direito à informação consagrados no artigo 288.º do CSC, indeferindo-se o demais. Pediram ainda se indeferisse o pedido de suspensão dos órgãos sociais por o presente processo não ser a sede própria para tanto, nem a mesma ser admissível.
A excepção de ilegitimidade foi julgada improcedente.
O processo prosseguiu os seus termos.
Na audiência realizada em 10 de Janeiro de 2017, a requerida requereu a junção de vários documentos.
Após a realização da audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido de realização de inquérito.
O autor não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e a substituição dela por decisão que julgasse a acção procedente, determinando a realização de inquérito à sociedade e a prossecução dos autos para serem efectuadas as diligências pertinentes à averiguação de todos os factos alegados com vista a que o tribunal pudesse determinar as medidas cautelares convenientes à garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores sociais, com custas a cargo da requerida, sob pena de se violar o disposto nos artigos 21.º, 214.º, 215.º, 2166.º, 288.º e 292.º, todos do Código das Sociedades Comerciais, artigo 576.º do Código Civil, e artigos 527.º e 1048.º a 1051.º, do Código de Processo Civil.
Os fundamentos do recurso, mais desenvolvidos à frente, consistiram em resumo:
1. Na alegação de que o presente inquérito não era apenas motivado pelo acesso as documentos contabilísticos e outros previstos no artigo 288.º do CSC, mas também para apreciar os actos de gestão da sociedade em que se verificavam indícios da existência de irregularidades e ainda para determinar e averiguar a veracidade e abrangência e idoneidade constante dos relatórios de gestão;
2. Na alegação de que a acção devia ter sido julgado procedente por só tardiamente e sem que o recorrente pudesse ter feito uso do disposto no n.º 3 do artigo 298.º do CSC, ter facultado acesso aos elementos da escrita;
3. Na alegação de que foi a recorrida quem deu causa à acção pelo que devia ser ela a ser condenada nas custas do processo, sob pena de violação do disposto no artigo 527.º do CPC.
Os requeridos responderam ao recurso. Na resposta alegaram que o recurso versava sobre matéria de facto, mas que nessa parte devia ser rejeitado, por não cumprir os requisitos legais; que o recorrente não cumpriu o ónus de alegação na parte em que o recurso versava sobre matéria de direito, pois não indicou as normas alegadamente violadas, o sentido que devia ter sido considerado e o eventual erro na determinação da norma aplicável; e que caso assim se não entendesse o recurso era de julgar improcedente.
No despacho liminar, o ora relator apreciou a questão da rejeição do recurso, desatendendo a pretensão dos recorridos.
Em tal despacho, determinou-se ainda a notificação do recorrente e dos recorridos para se pronunciarem sobre a questão da licitude da recusa de informação. Tal notificação foi motivada pelo seguinte. A sentença sob recurso julgou improcedente o pedido de inquérito à sociedade, dizendo que não tinha havido recusa do dever de prestar informação e considerou, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão da licitude da recusa da informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, suscitada pelos requeridos na contestação. No caso de a apelação proceder, caberia à Relação conhecer de tal questão se dispusesse dos elementos necessários (n.º 2 do artigo 665.º do CPC), pelo que, nos termos do n.º 3 deste preceito, impunha-se ouvir as partes sobre tal questão.
O recorrente pronunciou-se sobre a questão alegando, em resumo, que a recusa de informação fora ilícita; que constituía um caso de abuso de direito e que ofendia os bons costumes.
Os recorridos alegaram, por um lado, que a recusa de informação foi lícita, por o autor não ter demonstrado a sua qualidade de accionista aquando do pedido de informação e por ter praticado os factos que levaram ao decretamento de providência cautelar que o impediu de entrar nas instalações da sociedade. Alegaram, por outro lado, que os autos não dispunham de elementos necessários para decidir a questão da licitude da recusa da informação, pelo que devia ser ordenada a produção da prova sobre tal questão. Sobre a alegação do autor de que a recusa de informação configurava abuso de direito, disseram que tal pronúncia extravasava “o âmbito da pronúncia em exercício”; que a dedução de factos ou imputações novas em sede de recurso era totalmente inadmissível, pelo que deveria ter-se por não escrito o vertido nos artigos 7.º a 9.º do requerimento do autor e que, caso assim se não entendesse, deveria ser concedido direito de contraditório aos requeridos.
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Questões suscitadas pelo recurso:
Como se vê pela exposição efectuada, o recurso visa o segmento da sentença que indeferiu o inquérito à sociedade e o que condenou o requerente no pagamento das custas da acção.
Quanto ao segmento que indeferiu o inquérito à sociedade, o recurso suscita a questão de saber se tal decisão deve ser substituída por outra que determine o inquérito à sociedade, com a realização das diligências pertinentes à averiguação dos factos alegados, a fim de o tribunal determinar as medidas cautelares convenientes à garantia dos interesses da sociedade, dos sócios e dos credores sociais.
Quanto ao segmento que condenou o requerente no pagamento das custas da acção, o recurso suscita a questão de saber se tal decisão deve ser substituída por outra que condene a requerida nas custas da acção.
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Uma vez que o recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto e que também não há razões para a alterar oficiosamente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença:
1. F (…) é presidente do Conselho de Administração da ré e a sociedade obriga-se com a assinatura da presidente do conselho de administração ou pela assinatura de um ou mais mandatários.
2. O vogal do Conselho de Administração da ré é P (…)
3. Das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de M (…) falecido no lugar e freguesia (…), concelho de Leiria, em 7 de Janeiro de 2014, e de sua mãe, M (…)falecida no mesmo lugar, em 18 de Junho de 2014, heranças essas das quais o autor, juntamente com sua irmã, F (…), porque únicos filhos dos falecidos, são os únicos e universais herdeiros, fazem parte, entre outros, as participações sociais que os falecidos detiveram na ré desde a data da sua constituição, constituídas por 18.500 acções ao portador no valor nominal cada de € 5,00, ou seja, no valor global de € 92.500,00, correspondente a 46,25% do capital social da ré no valor de € 200.000,00.
4. Sendo o restante capital desta sociedade distribuído por 20.000 acções ao portador no valor nominal cada de 5,00€ detido pela sociedade “K (…) S.A.”, 750 acções ao portador no valor nominal cada de 5,00€ detido pela referida F (…), sendo que a titularidade de 750 acções ao portador por parte do requerente se trata de questão pendente de decisão judicial no âmbito de acção executiva para entrega de coisa certa instaurada pelo aqui requerente com vista à entrega coerciva das acções de que alega ser titular e que se mostra pendente na 2ª Secção de Execuções da Instância Central da Comarca de Leiria - Tribunal de Pombal - sob o número 3747/15.3T8PBL (J1).
5. No âmbito da referida execução não consta terem sido entregues quaisquer títulos, cfr. informação prestada a estes autos no dia 17/10/2016, embora a oposição à execução mediante embargos de executado deduzida pela aqui sociedade requerida, ali executada, tenha sido julgada improcedente, tendo sido ordenado o prosseguimento da execução, mediante sentença datada de 30/03/2017, não transitada em julgado.
6. As acções da sociedade requerida são acções ao portador.
7. Por escrito datado de 21/11/2014, enviado através de carta registada com A/R, o requerente solicitou à requerida que lhe indicasse quais os dias em que poderia os elementos mínimos de informação ao abrigo do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, com o uso da faculdade prevista no n.º 3, alegando a premente necessidade de se inteirar da vida da sociedade e que já há mais de uma década existia um total corte de relações entre o requerente e os restantes accionistas.
8. Na sequência de pedido de esclarecimentos efectuado pela requerida, por escrito datado de 3/12/2014, enviado através de carta registada com A/R, o requerente solicitou à sociedade requerida lhe fosse permitida a consulta dos seguintes documentos:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;
b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos;
c) Os montantes globais das remunerações pagadas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
d) Os montantes globais das quantias pagadas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200;
e) O documento de registo de acções.
f) Mais solicitou que a exactidão dos elementos referidos nas alíneas c) e d) fosse certificada pelo revisor oficial de contas.
9. A requerida informou o requerente através de carta registada com A/R que se encontrava agendado o dia 6 de Fevereiro de 2015, pelas 11h00m, na sede da sociedade, para entrega do dossiê contendo os elementos e a documentação solicitada.
10. Naquela data, o dossiê contendo os elementos e a documentação solicitada não foi entregue ao requerente, justificando a requerida o facto através de escrito datado de 10 de Fevereiro de 2015, enviado ao requerente através de carta registada com A/R, invocando com base nos factos constantes do referido escrito, nesta sede considerados integralmente reproduzidos, a existência de legítimo impedimento ao exercício do direito a informação, nos termos do disposto no artigo 215º do Código das Sociedades Comerciais.
11. Os factos referidos no ponto que antecede motivaram a instauração de procedimento cautelar contra este, que correu termos sob o n.º 751/15.5T8PBL, no âmbito da qual se decidiu ordenar que o requerido, “por si ou através de terceiro, se abstenha de, a qualquer título, entrar, obstruindo o livre acesso, ou a qualquer título dificultar o acesso ou entrada nas instalações da Requerente A (…), S.A., sitas na Rua do Barracão, em Barracão, instalações essas demarcadas documento de fls. 401 dos autos (aqui doc. 4-A) e que se abstenha ainda, por si ou por intermédio de terceiro, de retirar ou recolher amostras, produto, matéria-prima ou stock das ditas instalações, tudo sem autorização expressa da Requerente ou decisão judicial nesse sentido”, tendo a requerente, aqui sociedade requerida, sido dispensada do ónus de propositura da acção principal.
12. Tal decisão baseou-se em factos considerados provados como tendo sido praticados pelo aqui requerente, ali requerido, ademais, nas seguintes datas: 27 de Janeiro de 2015, 29 de Janeiro de 2015, 5 de Fevereiro de 2015 e 6 de Fevereiro de 2015.
13. No decurso da causa, a requerida alegou ter procedido à entrega ao requerente da documentação por este pretendida e que sustentou ter-lhe sido recusada.
14. Em concreto, a requerida levou ao conhecimento do requerente os seguintes documentos, seja mediante junção aos presentes autos seja mediante junção em diversa acção judicial:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas relativos aos três últimos exercícios, de 2011 a 2014, em concreto balanço de 2011 a 2014, demonstração de resultados de 2011 a 2014, demonstração do fluxo de caixa de 2011 a 2014, demonstração das alterações do capital próprio de 2011 a 2014, anexos aos balanços e demonstração de resultados, pareceres do conselho fiscal de 2011 a 2014, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade
b) Os relatórios de gestão de contas de 2011 a 2013 foram assinados apenas por um membro do conselho de administração e que neles não consta anexo que se refira à titularidade das acções detidas por parte dos órgãos sociais;
c) Os pareceres da comissão de auditoria não foram juntos, mas a finalidade subjacente a estes documentos é coincidente com a finalidade subjacente à certificação legal de contas, junta nos termos referidos na parte final do ponto que antecede;
d) Os pareceres do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras não foram juntos, sendo que a sociedade requerida não dispõe de conselho geral nem de comissão para as matérias financeiras;
e) As actas das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos foram juntos pela requerida aos autos de processo n.º 3747/15.3T8PBL-A que corre termos na Comarca de Leiria – Pombal – Instância Central 2º Secção de Execuções J1, a 9-12-2016, tendo o requerente sido notificado de tais documentos;
f) As listas de presenças de todas as assembleias dos últimos três anos foram juntas em sede do processo referido em e) em 5-01-2017, tendo o autor sido notificado;
g) Convocatórias das assembleias realizadas em 2011, 2012, 2013 e 2014;
h) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
i) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas;
j) Relatório de conclusões factuais/informação certificada pelo ROC relativamente à remuneração dos funcionários e dos órgãos sociais nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014.
15. Da documentação junta não consta a remuneração da mesa da assembleia geral relativamente aos três últimos anos, em concreto do presidente da mesa e do secretário, nem dela consta que não são remunerados.
16. Não foi junto pela requerida o documento do registo de acções nem uma relação dos accionistas da sociedade.
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Descritos os factos passemos à resolução das questões suscitadas.
Recurso contra o segmento da sentença que indeferiu o inquérito judicial
Antes de entrarmos na apreciação dos fundamentos do recurso, recordemos, em termos resumidos, as razões levaram a sentença a julgar improcedente o pedido de inquérito judicial.
A sentença começou por indicar os casos em que a lei permite a realização de inquérito judicial, remetendo para os artigos 292.º, 288.º, 291.º e 67.º, todos do Código das Sociedades Comerciais. De seguida afirmou que o requerente havia pedido inquérito judicial com fundamento apenas no facto de lhe ter sido recusada informação solicitada ao abrigo do disposto no artigo 288.º do Código das Sociedades Comerciais, mas que, na pendência na causa, a requerida levou ao conhecimento dele os seguintes elementos:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas relativos aos três últimos exercícios, de 2011 a 2014, em concreto balanço de 2011 a 2014, demonstração de resultados de 2011 a 2014, demonstração do fluxo de caixa de 2011 a 2014, demonstração das alterações do capital próprio de 2011 a 2014, anexos aos balanços e demonstração de resultados, pareceres do conselho fiscal de 2011 a 2014, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade;
b) As actas das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos foram juntos pela requerida aos autos de processo n.º 3747/15.3T8PBL-A que corre termos na Comarca de Leiria – Pombal – Instância Central 2º Secção de Execuções J1, a 9-12-2016, tendo o requerente sido notificado de tais documentos;
c) As listas de presenças de todas as assembleias dos últimos três anos foram juntas em sede do processo referido em d) em 5-01-2017, tendo o autor sido notificado;
d) Convocatórias das assembleias realizadas em 2011, 2012, 2013 e 2014;
e) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
f) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas;
g) Relatório de conclusões factuais/informação certificada pelo ROC relativamente à remuneração dos funcionários e dos órgãos sociais nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014.
Continuando, apesar de reconhecer que os elementos que foram levados ao conhecimento do requerente continham irregularidades, entendeu que estas não justificavam se ordenasse a realização de inquérito à sociedade porquanto o que levou o requerente a pedi-lo não foram as irregularidades na elaboração de tais elementos, ou a prestação de informação incompleta ou não elucidativa, mas a recusa da prestação de informação solicitada ao abrigo do disposto no artigo 288.º do Código das Sociedades Comerciais.
Rematou a fundamentação dizendo que o inquérito era um instrumento subsidiário do direito à informação, com natureza sancionatória, e que, por isso, era legítima a apresentação tardia da informação, ainda que na pendência da causa, como havia sucedido no caso, e que a falta de alguns deles ou as irregularidades cometidas na sua elaboração não eram susceptíveis de serem qualificadas como recusa do dever de prestar informação ao requerente, apta a fundamentar a realização de inquérito à sociedade.
O recorrente contestou, desde logo, a afirmação de que ele, requerente, havia pedido inquérito judicial com fundamento apenas no facto de lhe ter sido recusada informação solicitada ao abrigo do disposto no artigo 288.º do Código das Sociedades Comerciais. Contestou tal afirmação com a alegação de que decisão impugnada não atentou no facto de ele, requerente, ter pedido o inquérito também com base no facto de a requerida o ter impedido de comparecer na assembleia geral ordinária convocada para 20 de Maio de 2015, e com base em suspeitas de negócios menos claros praticados pela administração da requerida e de ter pedido inquérito à requerida sem precedência do pedido de informação à sociedade.
Entrando na apreciação desta argumentação, cabe dizer que é exacta a alegação do recorrente sobre os fundamentos do pedido de inquérito. Com efeito, examinada a petição, verificamos que o inquérito à requerida não assentou apenas na recusa da informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC. Estribou-se ainda na alegação de que a ré o impediu de comparecer na assembleia geral ordinária de 20 de Maio de 2015 e na alegação de que os administradores vinham praticando negócios irregulares, prejudicais à sociedade. E é ainda exacta a alegação de que o autor, ora requerente, pediu, no final do articulado, inquérito à sociedade sem precedência do pedido de informação à sociedade, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 292.º do CSC.
Sucede que a razão que assiste à recorrente não tem o efeito que ela pretende, ou seja, a revogação e a substituição da sentença por decisão que determine inquérito à sociedade.
É que nem o facto de a requerida ter impedido o requerente de comparecer na assembleia geral ordinária convocada para o dia 20 de Maio de 2015, nem o facto de o requerente ter suspeitas da prática de negócios irregulares pelos administradores constituem para a lei, concretamente para os preceitos invocados pelo requerente [216.º, 292.º e 292.º, n.º 6, todos do Código das Sociedades Comerciais] casos de inquérito judicial às sociedades comerciais. Vejamos.
O artigo 216.º - que prevê inquérito judicial no âmbito das sociedades por quotas – faculta o pedido de inquérito ao sócio a quem tenha sido recusada informação ou a quem tenha sido prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.
O artigo 292.º - que prevê inquérito judicial no domínio das sociedades anónimas – faculta o pedido de inquérito ao accionista a quem tenha sido recusada informação pedida ao abrigo dos artigos 288.º e 291.º ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.
Por seu turno, o n.º 6 do artigo 292.º consente, no âmbito da sociedades anónimas, inquérito sem precedência do pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a informação não será prestada ao accionista, nos termos da lei.
Como se vê, nenhum dos preceitos indicados admite, como fundamento de inquérito, o facto de o sócio ter sido impedido de participar em assembleia da sociedade ou a alegação de suspeitas de negócios irregulares praticados pelos administradores.
É certo que, em relação às suspeitas de negócios irregulares, nem sempre foi assim. Com efeito, no domínio do Decreto-lei n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969, se houvesse fundada suspeita de graves irregularidades no exercício das funções dos administradores da sociedade ou dos membros do conselho fiscal, podiam os accionistas que representassem a décima parte do capital social denunciar os factos ao tribunal, solicitando a realização de inquérito para o seu apuramento e a adopção das providências convenientes para garantia dos interesses da sociedade [n.º 1 do artigo 29.º]. Tal diploma foi, no entanto, revogado pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais.
O inquérito judicial previsto nas normas acima citadas tem a sua razão de ser ou na violação do direito do sócio de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato (previsto em termos gerais, pela alínea c), do n.º 1 do artigo 21.º do CSC), ou na previsão da violação de tal direito (hipótese do n.º 6 do artigo 292.º do CSC). O inquérito é, por outras palavras, um instrumento ao serviço do direito à informação.
Segue-se do exposto que a circunstância de a sentença sob recurso ter desconsiderado, como fundamento do pedido de inquérito, a alegação do autor de que a requerida o impediu de comparecer em assembleia geral e a alegação de que os administradores praticaram negócios irregulares, prejudiciais à sociedade, não a fez incorrer em erro de julgamento.
De igual modo, também não incorreu em erro de julgamento por não ter determinado inquérito ao abrigo do n.º 6 do artigo 292.º do Código das Sociedades Comerciais.
Como já escrevemos acima, este preceito permite que o inquérito seja requerido sem precedência de pedido de informações à sociedade se as circunstâncias fizerem presumir que a informação não será prestada ao accionista nos termos da lei.
Estamos perante um caso em que o inquérito é pedido não porque tenha havido uma recusa efectiva de prestação de informação, mas porque o sócio tem razões objectivas para suspeitar que a informação, caso seja pedida, não será prestada.
De tal preceito (n.º 6 do artigo 292.º do CSC), combinado com o n.º 1 do artigo 1048.º do CPC [preceito que enuncia os requisitos da petição do processo especial, de jurisdição voluntária, do inquérito judicial à sociedade] na parte em que dispõe que o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, resulta que cabe ao sócio, especificar, por um lado, a informação ou as informações que pretendia obter sobre a vida da sociedade e, por outro, as circunstâncias que o fazem presumir que tal informação ou informações não serão prestadas. Isto é, para se proceder a inquérito ao abrigo do preceito acima indicado não basta pedir inquérito sem precedência do pedido de informações à sociedade.
Foi, no entanto, o que o autor fez. Na verdade, pediu inquérito nos termos previstos no n.º 6 do artigo 292.º, mas não disse em nenhum passo da petição que o estava a fazer por pretender uma determinada informação, mas suspeitar que ela lhe não seria dada pela administração da requerida.
O autor não o disse e o tribunal, que podia investigar livremente os factos (n.º 2 do artigo 986.º do CPC), também não considerou provados factos que justifiquem o inquérito sem precedência de pedido de informações à sociedade.
Por todo o exposto, não merece qualquer reparo a decisão sob recurso por não ter ordenado inquérito ao abrigo do n.º 6 do artigo 292.º do CSC.
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O recorrente contestou, em segundo lugar, a afirmação feita pela sentença de que a natureza subsidiária do inquérito judicial legitimava a prestação tardia da informação inicialmente recusada ao interessado, ainda que na pendência da causa, como aconteceu no caso, e que a falta de junção de alguns dos elementos bem como as irregularidades subjacentes à elaboração de alguns deles não era de qualificar como recusa do dever de prestar informação ao requerente.
Contestou tal fundamentação com a seguinte alegação:
1. Que o tribunal a quo não atentou no facto de a o requerente ter usado, nos termos do artigo 288.º, n.ºs 1 e 3, do CSC, do direito de consulta e inspecção na sede da sociedade;
2. Que o direito à informação não se compadece com uma situação de mendigar os elementos necessários à vida da sociedade e que lhe hão-de permitir votar a deliberação de forma consciente (citação do acórdão do STJ de 17-04-2017);
3. Que a junção dos documentos em audiência não permitiu ao requerente fazer uso do n.º 3 do artigo 288.º do CSC.
Como se vê, o recorrente não concorda com o entendimento da sentença de que a junção aos autos de cópia dos elementos a que se referem as várias alíneas do n.º 1 do artigo 288.º do CSC vale como cumprimento do dever de informação que impendia sobre a requerida.
Pode, assim, dizer-se que a alegação do recorrente suscita a questão de saber se, tendo um accionista requerido inquérito com a alegação de que lhe foi recusada informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, deve considerar-se que não há recusa de informação – e, logo, fundamento para inquérito judicial à sociedade - quando esta juntar aos autos de inquérito cópias dos documentos a que se referem as várias alíneas do n.º 1 do artigo 288.º, ainda que alguns deles enfermem de irregularidades.
Questão cuja resposta tem a ver com o conteúdo do direito de informação previsto no artigo 288.º do CSC.
Resulta dos n.ºs 1 e 3 deste preceito que o direito à informação reconhecido ao accionista que possua acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, compreende os seguintes poderes:
1. O de consultar na sede da sociedade, os elementos indicados nas alíneas a) a e) do n.º 1;
2. O de requerer que a exactidão dos elementos referidos nas alíneas c) e d) [respectivamente: montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais; montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos dez ou aos cinco empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200];
3. O de se fazer assistir nessa consulta de um revisor oficial de contas ou de outro perito;
4. O de usar a faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil, ou seja, ou seja a faculdade de tirar cópias ou fotografias, ou usar de outros meios destinados a obter a reprodução de coisa ou documento, desde que a reprodução se mostre necessária e se lhe não oponha motivo grave alegado pela requerida.
Socorrendo-nos das palavras de Coutinho de Abreu [Curso de Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, página 253, 2.ª Edição, Almedina] este direito à informação manifesta-se “como direito de consulta – poder de o sócio exigir à sociedade (ao órgão de administração) a exibição dos livros de escrituração e de outros documentos sociais para serem examinados…”.
Por sua vez, segundo o n.º 4 do mesmo preceito o direito de examinar os livros e mais documentos referidos no artigo 288.º, na sede da sociedade, poderá ser cumprido em relação a alguns deles [os referidos nas alíneas a) a d), do n.º 1] mediante o seu envio por correio electrónico ao accionista desde que tal não seja proibido pelos estatutos e desde que que o accionista assim o requeira.
Resulta do exposto que o dever de informação previsto no artigo 288.º do CSC pode ser cumprido mediante a colocação à disposição do accionista, na sede da sociedade, dos livros e documentos relativos à vida social ou pode ser efectivado através do envio ao accionista, por correio electrónico, de alguns dos livros e documentos.
Sucede que o cumprimento através de uma forma ou de outra não está na disponibilidade da sociedade. Esta só se exonerará do seu dever de informação mediante o envio de alguns dos livros e documentos se tal não for proibido pelos estatutos e se o accionista assim o requerer. Daí que, quando os estatutos não proibirem o envio de tais elementos, é ao accionista que cabe escolher como exercer o direito de informação: se através de consulta, na sede da sociedade, ou se através do exame dos documentos enviados pela sociedade.
E sendo ao accionista que cabe escolher como exercer o direito de informação previsto no artigo 288.º do CSC, não vale como cumprimento de tal dever a junção aos autos, pela sociedade, de alguns desses elementos.
Segue-se do exposto que o autor tinha o direito de consultar os originais dos livros e dos documentos na sede da sociedade, de os consultar com a assistência de um revisor oficial de contas ou de outro perito e de usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil. Por sus vez, a sociedade não tinha o direito de impor ao autor que exercesse tal direito mediante o exame das cópias dos documentos que ela lhe fornecesse.
Assim, estando provado que o autor solicitou à requerida informação ao abrigo do n.º 1 do artigo 288.º do CSC e que a requerida não permitiu que o autor consultasse na sede da sociedade os livros e os documentos referidos nas várias alíneas de tal preceito, é de afirmar que foi recusada ao autor informação pedida ao abrigo do artigo 288.º.
Recusa que, pelas razões acima expostas, não foi suprida mediante a junção a estes autos - ou a outro processo - de alguns dos elementos a que se refere o artigo 288.º do CSC.
Como se escreveu no despacho liminar, a sentença sob recurso julgou improcedente o pedido de inquérito à sociedade, dizendo que não tinha havido recusa do dever de prestar informação e considerou, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão da licitude da recusa da informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, suscitada pelos requeridos na contestação.
Uma vez que a apelação procedeu, cabe a esta Relação conhecer de tal questão se dispuser elementos necessários, por aplicação do n.º 2 do artigo 665.º do CPC.
Prevenindo esta hipótese, este tribunal determinou, em cumprimento do n.º 3 do artigo 665.º do CPC, a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da licitude da recusa de informação.
O recorrente pronunciou-se sobre a questão alegando, em resumo, que a recusa de informação fora ilícita; que constituía um caso de abuso de direito e que ofendia os bons costumes.
Os recorridos alegaram, por um lado, que a recusa de informação foi lícita, por o autor não ter demonstrado a sua qualidade de accionista aquando do pedido de informação e por ter praticado os factos que levaram ao decretamento de providência cautelar que o impediu de entrar nas instalações da sociedade. Por outro alegaram que os autos não dispunham de elementos necessários para decidir a questão da licitude da recusa da informação, pelo que devia ser ordenada a produção da prova sobre tal questão. Sobre a alegação do autor de que a recusa de informação configurava abuso de direito, disseram que tal pronúncia extravasava “o âmbito da pronúncia em exercício”; que a dedução de factos ou imputações novas em sede de recurso era totalmente inadmissível, pelo que deveria ter-se por não escrito o vertido nos artigos 7.º a 9.º do requerimento do autor e que, caso assim se não entendesse, deveria ser concedido direito de contraditório aos requeridos.
Perante a alegação dos recorridos, a questão que importa solucionar de imediato é a de saber se o processo contém os elementos necessários para julgar a questão da licitude da recusa.
Segundo os recorridos, o processo não disporia de tais elementos porque o Meritíssimo juiz do tribunal a quo, por despacho proferido em 22 de Março de 2017, limitou a prova produzir em sede de audiência de julgamento, dizendo que se destinava “a aferir essencialmente se os documentos juntos coincidem, ou não, com os solicitados, e se o requerente alegou motivo justificado para a consulta pretendida”.
É exacta a alegação de que o Meritíssimo juiz proferiu o citado despacho. Já não é exacta a seguinte alegação feita imediatamente a seguir: que não foi produzida em primeira instância qualquer prova quanto à licitude da recusa de informação. Vejamos.
Na oposição ao pedido de inquérito, os requeridos sustentaram que a recusa da prestação de informação havia sido lícita e que haviam comunicado ao autor, ora recorrente, por carta escrita em 10 de Fevereiro de 2015, as razões dessa recusa. Para prova da sua alegação juntaram cópia de tal carta [está junta a fls. 121 e v.º].
O tribunal a quo julgou provado – sem que esta decisão tenha sido impugnada - que, na data acordada com a requerida (6 de Fevereiro de 2015), esta não entregou ao autor o dossiê com os elementos e documentos solicitados [documentos solicitados por carta de 3/12/2014] e que justificou o facto através de escrito datado de 10 de Fevereiro de 2015, enviado ao requerente através de carta registada com a/r.
Esta matéria compreende as razões invocadas pela requerida para recusar ao autor, ora recorrente, a consulta na sede da sociedade dos elementos indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 288.º do CSC. É à luz delas que deve ser aferida a licitude da recusa da requerida. Assim sendo, é de afirmar que há elementos necessários no processo para este tribunal se pronunciar sobre tal questão.
Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente a alegação dos requeridos de que era lícito à sociedade recusar a informação pretendida pelo ora recorrente.
São várias as razões que podem justificar a recusa de informação, pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC.
Em primeiro lugar, resulta do teor n.º 1 deste preceito que a sociedade pode recusar licitamente a informação a quem não for accionista, a quem não possuir acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social e a quem não alegue motivo justificado para obter a informação.
Em segundo lugar, resulta do artigo 215.º, n.º 1 do CSC – aplicável directamente às sociedades por quotas e, por analogia, às sociedades anónimas, como escreve Coutinho de Abreu, na obra supra citada, página 264 – que a sociedade pode recusar licitamente a consulta dos elementos mencionados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 288.º do CSC se recear que o accionista utilizará a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar a violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros.
Na carta que escreveu ao autor para justificar a recusa da prestação de informação, a sociedade invocou “a questão prévia da elegibilidade do pedido que foi formulado” [isto é, a prova de que o autor era accionista], a conduta do requerente perante funcionários e terceiros, nomeadamente fornecedores e clientes, e a associação e exposição do requerente junto de empresas concorrentes”, que a levavam a recear “seriamente que qualquer informação dada fosse utilizada para fins estranhos à sociedade e, mormente, em prejuízo desta, junto da concorrência”.
Considerando o que se escreveu acima sobre as razões que tornam lícita a recusa da informação, vemos que a sociedade alegou duas delas, concretamente: 1) a falta de prova da qualidade de accionista do requerente; 2) o receio de que o autor utilizasse as informações para fins estanhos à sociedade e com prejuízo desta.
Sucede que não foram estas as verdadeiras razões da recusa. Vejamos.
Está assente que, depois de o autor ter requerido a consulta dos elementos mencionados nas alíneas do n.º 1 do artigo 288.º do CSC, a sociedade informou-o que havia agendado o dia 6 de Fevereiro de 2015, pelas 11 horas, na sede da sociedade, para entrega do dossiê com os elementos e a documentação solicitados.
Esta resposta - marcação de dia, hora e local para entrega dos elementos e documentação solicitados – significou inequivocamente que a sociedade reconhecia ao autor legitimidade para requerer a consulta de tais elementos e que não tinha razões para a recusar.
Sucede que, poucos dias depois de agendar dia e hora para o autor consultar os elementos e documentos pedidos ao abrigo do artigo 288.º do CSC, a sociedade alterou a sua posição e, através da sua advogada, comunicou ao advogado do autor que ficava sem efeito a entrega dos elementos e cancelado o encontro na sede da sociedade. É o que se colhe na carta datada de 10 de Fevereiro [cujo conteúdo constitui matéria provada]. Carta que, diga-se, corrobora o que os requeridos alegaram na oposição e que repetiram, neste recurso, sobre a questão da licitude da recusa da informação [ponto n.º 12 das alegações]. Com esta comunicação, a sociedade manifestou em termos inequívocos que não iria permitir ao autor a consulta dos elementos pedidos. E com ela o autor passou a saber que a sociedade lhe não permitia consultar os elementos pedidos. Assim, com a comunicação deu-se a recusa da informação.
Colhe-se na carta que nos temos vindo a referir que a razão pela qual a sociedade alterou a sua posição quanto à consulta dos elementos pelo autor não foi nem facto de este último não ter comprovado a sua qualidade de accionista nem o facto de aquela recear que o autor utilizasse a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta.
Resulta dessa carta (que, também aqui, corrobora o que os requeridos alegaram na oposição e que repetiram, neste recurso, sobre a questão da licitude da recusa da informação) que as razões que levaram a sociedade a “dar sem efeito a entrega do dossiê e a cancelar o encontro agendado para o efeito” foram as idas do autor às instalações dela nos dias que precederam a data marcada para a consulta dos documentos na sociedade, nas quais, segundo texto da carta acima mencionada, o autor levantava suspeitas quanto ao exercício da administração da ré, promovia a “criação de um ambiente de instabilidade e medo e suspeita”, referia de “viva voz que a sociedade era sua”, confrontava “os funcionários com acções individuais ilegais”, obstruía “a livre circulação de pessoas (clientes e funcionários) e mercadorias” e procurava “ostensivamente a provocação a todo o tempo e até a intervenção física”.
Sucede que tais acções não justificavam a recusa da prestação de informação, uma vez que não se ajustam aos casos em que tal recusa é vista como lícita. Conclui-se, assim, que a recusa de informação foi ilícita.
Impõe-se, pois, a revogação da decisão recorrida e a substituição dela por outra decisão. Outra decisão que não tem, no entanto, o alcance pretendido pelo recorrente. Vejamos.
O recorrente pede a substituição da sentença por decisão a determinar a realização de inquérito e a ordenar o prosseguimento dos autos para serem efectuadas as diligências pertinentes à averiguação de todos os factos alegados com vista a que o tribunal possa determinar as medidas cautelares convenientes à garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores sociais.
Antes de mais deve dizer-se que não tem amparo na lei a pretensão do recorrente no sentido de que, perante as irregularidades denunciadas pelo recorrente, devia a Meritíssima juíza do tribunal a quo ter ordenado as medidas cautelares consideradas convenientes com vista a garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores da sociedade, atento o que dispõe o artigo 1050.º do CPC.
Este artigo prevê a hipótese de o tribunal ordenar medidas cautelares consideradas convenientes para garantia dos interesses da sociedade, sócios e credores da sociedade se durante a realização do inquérito surgirem indícios da existência de irregularidades ou a prática de quaisquer actos susceptíveis de entravar a investigação em curso.
Como resulta da letra do preceito acabado de transcrever, o decretamento de medidas cautelares pressupõe que o inquérito à sociedade esteja em curso e que ele revele a existência de irregularidades ou a prática de quaisquer actos susceptíveis de entravar a investigação em curso.
Ora, quando a decisão sob recurso foi proferida não havia inquérito em curso; a decisão tinha por objecto precisamente a questão de saber se havia motivos para proceder a inquérito (n.º 1 do artigo 1049.º do CPC).
Assim, mesmo que a decisão recorrida tivesse sido do entendimento que havia razões para inquérito, não lhe competia ordenar medidas cautelares ao abrigo do artigo 1050.º do CPC.
Também não tem amparo na lei a pretensão do recorrente no sentido de se proceder às averiguações, auditorias, análises e levantamentos sobre as matérias indicadas na parte final da petição. Vejamos.
Segundo o n.º 1 do artigo 1049.º do CPC, “haja ou não resposta dos requeridos ao pedido de inquérito à sociedade, o juiz decide se há motivos para proceder ao inquérito, podendo determinar logo que a informação seja prestada, ou fixar prazo para a apresentação das contas da sociedade”.
O n.º 3 do mesmo preceito estabelece que “se for ordenada a realizada de inquérito à sociedade, o juiz fixa os pontos que a diligência deve abranger, nomeando o perito ou peritos que devem realizar a investigação, aplicando-se o disposto quanto à prova pericial”.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 292.º do CSC, estabelece que o juiz pode determinar que a informação pedida seja prestada.
Resulta destes preceitos que a decisão que julgar que há motivos para proceder a inquérito não terá como consequência necessária a realização de inquérito à sociedade nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1049.º do CPC.
A tal decisão pode seguir-se uma determinação à sociedade para prestar a informação pedida ou a fixação de prazo para a apresentação das contas da sociedade.
A fixação de prazo para a apresentação das contas da sociedade tem lugar quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas e o juiz, ouvidos os gerentes ou administradores, considerar procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação das contas. É o que resulta do n.ºs 1 e 2, do artigo 67.º do CSC combinado com o n.º 3 do artigo 1048.º do CPC.
Quanto à decisão de determinar que a informação pedida seja prestada, a lei não indica os casos em que, existindo motivos para proceder a inquérito, tal deverá suceder.
Ponderando, no entanto, os interesses do sócio [consistente em obter informações sobre a vida da sociedade] e os da sociedade [em não ver a sua vida devassada por pessoas estranhas à sociedade], o tribunal deverá determinar a prestação da informação pedida quando, com ela, se dê satisfação plena ao direito do sócio e se preserve a sociedade da intromissão de um terceiro que lhe é estranho (perito ou peritos nomeados para proceder á averiguação dos factos).
Nos outros casos, designadamente naqueles em que a sociedade prestou informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, é que se justifica a realização de inquérito nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1049.º do CPC.
Observe-se, citando o que se escreveu no acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 21 de Janeiro de 1998 [recurso n.º 21 461, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XIII – 1998, Tomo 1, páginas 194 a 196], que “… o inquérito terá de versar, logicamente, sobre pontos distintos, conforme o accionista tem apenas direito mínimo à informação, caso em que recairá apenas sobre os elementos referidos no artigo 288.º, ou o direito colectivo a informação, versando, então, sobre os factos mencionados no art. 291.º. Doutro modo, permitir-se-ia o acesso de accionistas só com direito mínimo à informação, e através da via judicial, àquilo a que eles não teriam direito pela via social: o acesso a informação sobre outros assuntos sociais”.
No caso, entendemos que, justificando-se o inquérito por ao autor ter sido recusada informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC, será suficiente para satisfazer a sua pretensão, determinar à requerida que preste a informação pedida nos termos em que ela é consentida pelo artigo 288.º, n.ºs 1 e 3, do CSC.
Pelo exposto, a decisão recorrida será substituída por decisão a determinar aos requeridos que prestam ao autor a informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC.
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Recurso contra a decisão que condenou o requerente no pagamento das custas da acção
Para bem se perceber esta parte do recurso, importa recordar as razões que levaram o tribunal a quo a fazer recair sobre o autor as custas da acção.
Segundo a sentença, o regime de custas no âmbito do processo de inquérito judicial estava previsto no artigo 1052.º do CPC. No seu entender, as custas eram da responsabilidade do requerente porque, embora a improcedência da acção haja decorrido de uma conduta ulterior da sociedade requerida, nem por esse facto o requerente deixou de ficar vencido. E assim, por aplicação do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, era sobre ele que recaía a obrigação de pagar as custas.
O recorrente insurgiu-se contra esta decisão com a alegação de que quem deu causa à acção foi a requerida pelo que devia ser ela a suportar as custas sob pena de se violar o disposto no artigo 527.º do CPC.
Como é bom de ver, a resolução da questão da reforma da sentença quanto a custas só teria interesse se este tribunal mantivesse a decisão recorrida. Uma vez que revogou a decisão proferida em 1.ª instância, é seu dever pronunciar-se sobre a responsabilidade pelas custas processuais, tanto na acção como no recurso. É o que resulta do n.º 6 do artigo 607.º do CPC aplicável ao acórdão proferido em apelação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do mesmo diploma.
Pelo exposto, não se conhece da questão da reforma da sentença quanto a custas por a resolução da mesma estar prejudicada pela solução dada ao recurso interposto contra a decisão de indeferir o inquérito à sociedade.
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Decisão:
Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se e substitui-se a decisão recorrida por outra a determinar que a requerida satisfaça ao requerente o direito à informação pedida ao abrigo do artigo 288.º do CSC e nos termos em que este a consente.
Considerando que os recorridos ficaram vencidos na acção e no recurso, ao abrigo do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 527.º do CPC, condenam-se os requeridos nas custas da acção e do recurso.

Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018.

Emídio Santos ( Relator )
Catarina Gonçalves
António Magalhães