Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/09.6TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
DESCANSO INTERCALAR
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 158º, 159º, NºS 1 E 2, E 179º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003; 180º DO REG. C. TRABALHO (LEI Nº 35/2004, DE 29/07)
Sumário: I – Dispõe o nº 1 do artº 159º do Código do Trabalho de 2003 que “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho”.

II – O nº 2 desse mesmo preceito dispõe que “o horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal”.

III – O artº 158º do mesmo código dá-nos o conceito de período normal de trabalho: “o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”.

IV – O artº 179º do C. Trab. impõe que nos locais de trabalho seja afixado o mapa de horário de trabalho “elaborado pelo empregador de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis”.

V – Por sua vez, o artº 180º do RCT, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29/07, dispõe acerca do que deve constar do mapa de horário de trabalho, designadamente as horas de início e termos dos períodos normais de trabalho, com indicação dos intervalos de descanso.

VI – Nada na lei impõe que no horário de trabalho se indiquem as horas de início e de termo dos intervalos de descanso (apenas se exige a indicação dos intervalos de descanso).

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida, agora recorrente, condenada – pela Autoridade para as Condições do Trabalho - na coima de € 2.100,00, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 180º, nº 1, al. f) e nº 2 e 482º, nº 1 ambos Regulamentação do Código do Trabalho (RCT) aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho e 620º, nº 3, al. e) do Código do Trabalho (CT) na redacção da Lei nº 99/2003, de 27/08.
Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Viseu, o qual veio a ser julgado improcedente.
É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

[…]

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer manifestando-se no sentido que o recurso não merece provimento.

Corridos os vistos cumpre decidir.


*

II- São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo:

1- A arguida “A.....”, NIPC ...., com sede ...., com actividade bancária, tem estabelecimento e local de trabalho ....., com a qualidade de empregador.

2- Em 14 de Março de 2008 a arguida entregou nos serviços da Unidade Local da ACT de Viseu, o mapa de horário de trabalho, referente aos trabalhadores que prestam serviço naquele estabelecimento (doc. de fls. 6 dos autos que aqui se dá por reproduzido).

3- Do aludido mapa de horário de trabalho constava como “Intervalo para alimentação e descanso – 1 hora (das 12 horas às 14,30 horas), ou seja, no período de 2h30m (entre as 12h00 e as 14h30m) cada um dos trabalhadores apenas podia dispor de 1 hora.

4- A arguida fez ainda constar de tal mapa de horário de trabalho que “Os períodos de entrada e saída relativos à hora de almoço de cada um dos trabalhadores, são os que constam de um sistema informático de registo de presenças”.

5- Por os serviços da ACT considerarem que o mapa de horário de trabalho não estava elaborado de acordo com as disposições legais aplicáveis, nomeadamente por o intervalo de descanso não ser comum a todos os trabalhadores foi o banco arguido informado por ofício, datado de 27-03-2008 da necessidade de proceder à correcção do referido mapa, conforme documento de fls. 7 que aqui se dá por reproduzido.

6- Dado que a arguida não deu cumprimento ao ofício aludido no nº 5, foi novamente oficiado à arguida, em 29-04-2008, para dar cumprimento ao solicitado, conforme documento de fls. 8 que aqui se dá por reproduzido.

7- Em 14-05-2008 deu entrada nos serviços da ACT de Viseu um fax remetido pela arguida, dando conta que era “entendimento do banco que o mapa de horário de trabalho entregue nessa delegação cumpre os requisitos legais previstos no artº 180º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho”, conforme documento de fls. 9.

8- Em 27-05-2008 os serviços da ACT de Viseu remeteram novamente um ofício à arguida a informar da necessidade de corrigir o mapa de horário de trabalho em questão, conforme documento de fls. 10 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

9- Entretanto, até à presente data a arguida não procedeu a qualquer alteração do mapa de horário de trabalho, conforme lhe foi por diversas vezes solicitado e explicado.

10- Ao agir da forma descrita na elaboração do mapa de horário de trabalho, a arguida não agiu com o cuidado que podia e devia ter nas circunstâncias concretas.

11- No ano de 2007 a arguida apresentou um volume de negócios € 349.823.058,00.

III- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
Decorre do exposto que, em face das conclusões do recurso, a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma: se, ante os factos provados, designadamente do modo como o mapa de horário de trabalho referenciado se encontra elaborado, quanto ao intervalo de descanso, é possível concluir que a arguida/recorrente cometeu a contra-ordenação de que vinha acusada.

Vejamos:

Dispõe o artigo 159º do Código do Trabalho de 2003 que (nº 1) “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho”. E que (nº 2) “o horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal”.

O artigo 158º do mesmo CT dá-nos o conceito de período de normal de trabalho, do seguinte modo: “o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”.

O artigo 179º impõe que nos locais de trabalho seja afixado o mapa de horário de trabalho “elaborado pelo empregador de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis”.

Por sua vez, dispõe o artigo 180º do RCT aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho:

1- Do mapa de horário de trabalho deve constar:

                (…)

               f) Horas de início e termo dos períodos normais de trabalho, com indicação dos intervalos de descanso;

               (…)

2- Quando as indicações referidas no número anterior não forem comuns a todos os trabalhadores, devem também constar dos mapas de horário de trabalho os nomes dos trabalhadores cujo regime seja diferente do estabelecido para os restantes, sem prejuízo do nº 4.

(…)

4- A composição dos turnos, de harmonia com a respectiva escala, se a houver, é registada em livro próprio ou em suporte informático e faz parte integrante do mapa de horário de trabalho”.

Por sua vez, ainda, verificamos que do mapa de horário em causa, constam o início e o termo do período normal de trabalho diário (das 8,30 horas às 16,30 horas, de 2ª a 6ª feira), sendo indicado o seguinte: “Intervalo para alimentação e descanso - 1 hora (das 12,00 Horas às 14,30 Horas)".

 Literalmente, a norma prescritiva do artigo 180º nº 1, al. f), do RCT indicado, surge cumprida. Estão indicadas as horas de início e termo dos períodos normais de trabalho, com indicação dos intervalos de descanso.

A sentença recorrida perfilhou, no entanto, o entendimento que, para efeitos de controlo, em concreto, do intervalo de cada trabalhador impunha-se a indicação das horas de início e termo dos intervalos de descanso.

Ora, a lei, como vimos, não exige que a indicação vá tão longe. Apenas exige a indicação dos intervalos de descanso

Essa indicação tem relevo para controlo dos limites de intervalos de descanso, indicados designadamente no artº 174º do Código do Trabalho de 2003, de acordo com o qual a jornada diária deve ser interrompida por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora, nem superior a duas, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.

Observado o mapa de horário de trabalho, verificamos que a indicação nele contida permite controlar a observância daquela norma.

Naturalmente, que um intervalo de descanso de uma hora compreendido entre as 12,00 horas às 14,30 horas, deixa uma latitude para o trabalhador gozar o intervalo de descanso em tempo diverso dentro desses limites.

Todavia, nada sabemos sobre o modo como era praticado o gozo desse intervalo pelos trabalhadores envolvidos.

Podemos, contudo e como diz a recorrente, aceitar que essa prática pode ser colhida através do registo de horas de trabalho a que alude o artigo 162º do CT de 2003. Registo que permite, designadamente, aferir do cumprimento e prestação dos limites legais do trabalho suplementar e demais imposições sobre o tempo de trabalho.

É certo que seria mais fácil, para a fiscalização da matéria, que do mapa de horário de trabalho constasse o início e termo do intervalo de descanso. Mas a maior dificuldade na fiscalização não é o melhor argumento para impor esse resultado como obrigatório. A fiscalização continua a ser possível.

Certo é que a lei não impõe que do mapa de horário de trabalho conste o início e termo do intervalo de descanso, mas tão só impõe a indicação do intervalo de descanso, ao contrário do que faz quanto à indicação do início e do termo do período normal de trabalho.

Assim sendo, não comportando, quanto a nós, a lei aquela exigência – de forma clara ou, mesmo, necessária, em função dos melhores critérios interpretativos – não é possível, em homenagem aos princípios da tipicidade ou da legalidade (614º do CT de 2003 e arts. 1º e 2º do RGCO – DL nº 433/82, de 27/10), julgar verificada a contra-ordenação que à arguida/recorrente foi imputada.

Assim, por tudo o exposto, terá de proceder o recurso apresentado pela arguida.


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III- DECISÃO
Termos em que se delibera dar provimento ao recurso, absolvendo a arguida/recorrente da acusação da prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 180º, nº 1, al. f) e nº 2 e 482º, nº 1 ambos Regulamentação do Código do Trabalho (RCT) aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho e 620º, nº 3, al. e) do Código do Trabalho (CT) na redacção da Lei nº 99/2003, de 27/08.

Sem custas ou taxa de justiça.