Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
903/10.0T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: RECURSO
DESPACHO
MEIOS DE PROVA
ADMISSÃO
REJEIÇÃO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
MANDATO
PROCURAÇÃO
Data do Acordão: 10/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV - JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 1161.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Cabendo recurso autónomo de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, o mesmo sobe em separado, sendo de 15 dias o prazo para a sua interposição (cf. art.º 644.º, n.º 2, al. d), 645.º, n.º 2 e 638.º, n.º 1, na sua parte final, sendo todos os preceitos do CPC).

II. Tal prazo, quando se tratar de despacho proferido oralmente, conta-se da data da sua prolação, se a parte estava representada no acto e dele foi notificada.

III. É intempestivo o recurso deste despacho se a parte a quem o mesmo foi desfavorável apenas o impugna no recurso interposto da decisão final, muito para além daquele prazo de 15 dias.

IV. O direito de exigir que outrem lhe preste contas provém do facto desse terceiro estar investido na administração de bens que lhe não pertencem, e pode resultar da lei ou dos próprios termos do negócio celebrado, assentando na ideia básica de que quem administra os bens estará em posição de saber e provar quais os créditos e as despesas da sua administração.

V. Embora negócios jurídicos distintos, a procuração e o mandato, quando através da outorga da primeira se habilitou o representado à prática de actos jurídicos em nome e no interesse do representante, praticados estes, fica o mandatário sujeito à obrigação de prestar contas nos termos do disposto no art.º 1161.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 903/10.0T2AVR.C1

I - Relatório
A... , casada, reformada, NIF (...), residente na Rua d (...), Aveiro, instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, que qualificou de petição de herança, ao abrigo do disposto no art.º 2075.º do Código Civil, contra B... , divorciada, reformada, NIF n.º (...), pedindo a final a condenação da ré:
a) a reconhecer a autora como única e universal Herdeira de C...;
b) a restituir à herança aberta por óbito de C... e, em consequência, à autora, enquanto sua universal e única herdeira, a quantia de € 100.000.00 que detém ilegitimamente na sua posse;
c) numa sanção pecuniária compulsória, à taxa diária 20.00€, enquanto não fizer a entrega dos documentos e objectos em ouro cuja restituição pediu;
d) a restituir a procuração referida na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 267º do Código Civil;
e) a ver reconhecida a invalidade e ineficácia da procuração outorgada pela mandante C... em relação à herança aqui peticionada, em tudo o que ultrapassa os poderes legítimos conferidos pela mandante, ou seja, em todos os actos que foram praticados em abuso de representação e abuso de direito de representação, no montante de €273 000,00, reduzindo a autora o pedido a 100.000,00 €, acrescido de juros moratórios contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
f) em alternativa, a restituir à herança, com base em enriquecimento sem causa, e por conseguinte à autora por única e universal herdeira, a quantia de 100.000,00€, e bem assim os objectos em ouro de que indevidamente se apropriou.
Em petição inicial aperfeiçoada na sequência de convite que para tanto lhe foi formulado, alegou, em síntese, ser a única e universal herdeira, assim instituída por testamento, de sua tia C..., falecida em 20 de Dezembro de 2010.
Mais alegou ter a falecida outorgado procuração a favor da ré em 28 de Agosto de 2009, conferindo-lhe latos poderes para movimentar quaisquer contas bancárias, emitir cheques, cobrar e receber quaisquer quantias e valores e, em geral, tratar de todos os assuntos necessários à gestão da vida corrente dela, mandante. Sucede que a ré havia sido antes beneficiária de idêntica procuração, desta feita outorgada a seu favor por F..., irmã da testadora C..., o que lhe conferiu acesso à quantia de € 343 566,48, que a primeira herdara de seu falecido marido. Tendo a identificada F... falecido em 21/8/2009, apenas a quantia de € 159 660,85 foi creditada em conta bancária da irmã C..., que àquela sucedeu como única e universal herdeira, sem que a ré alguma vez tivesse prestado contas do mandato que pela primeira lhe fora conferido.
Acresce que, fazendo uso da procuração outorgada pela também já falecida C..., e actuando em detrimento do património da mandante, a ré apoderou-se de quantias diversas, em montante superior aos reclamados € 100 000,00, de modo que, tendo por referência a data em que aquela revogou a procuração, restava na sua conta bancária apenas a quantia de € 17 158,61. Servindo-se ainda da influência que exercia sobre a falecida, idosa e doente, a ré apoderou-se de vários objectos em ouro, que igualmente se recusa a devolver, não obstante integrarem o acervo hereditário.
Alicerçando juridicamente as suas pretensões no disposto nos art.ºs 2075.º, 2194.º, 269.º e 334.º do CC, disposições legais que expressamente convocou, reclamou da ré a restituição à herança da quantia e objectos indevidamente apropriados.
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Regularmente citada, a ré contestou, peça na qual invocou a nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial, dada a formulação de “pedidos genéricos e contraditórios”.
Em sede de impugnação, negou a generalidade dos factos alegados pela demandante, afirmando que os bens e dinheiro que se encontram em seu poder lhe foram doados por uma e outra das referidas irmãs, designadamente a quantia de €90 000,00 proveniente de uns seguros do marido, a qual lhe foi doada pela falecida D. F..., e o montante de € 75 000,00, este doado pela falecida D. C..., destinando-se a pagar a casa da contestante, no cumprimento daquela que fora a vontade declarada pela irmã, a qual falecera sem a poder cumprir. Daí que, concluiu, nada tenha a devolver.
Em reconvenção, e com fundamento no facto de ter efectuado diversas transferências da sua conta pessoal tendo em vista o pagamento de importâncias várias da responsabilidade da falecida D. C... e da herança aberta por óbito da mesma, no valor global de € 86 252,34, requereu a final a condenação da autora reconvinda, atenta a sua qualidade de única e universal herdeira da devedora, no pagamento da aludida quantia, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento.
Replicou a autora, defendendo não padecer a petição inicial do vício da ineptidão, e tanto assim que a ré deduziu defesa esclarecida, revelando ter compreendido a pretensão que contra ela foi deduzida e respectivos fundamentos. Mais impugnou, por inverdadeiros, os factos alegados em suporte do pedido reconvencional, os quais são, em todo o caso, e conforme assinala, contraditórios com a situação de pobreza invocada pela própria reconvinte para justificar o pedido de apoio judiciário formulado no âmbito desta acção. Por assim ser, tendo a reconvinte deduzido em juízo pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer, terminou pedindo a condenação desta como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a fixar pelo Tribunal.
A ré respondeu, refutando a imputação de litigância de má-fé.
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Teve lugar audiência preliminar, diligência na qual o Mm.º juiz propôs às partes que os autos fossem convolados para processo de prestação de contas (cf. acta de fls. 320).
Foi depois proferido despacho a admitir o pedido reconvencional e a julgar improcedente a excepção da nulidade de todo o processo, prosseguindo os autos com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova nos termos que constam da acta de fls. 326/327.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que decretou a improcedência da reconvenção, absolvendo a autora reconvinda do pedido formulado, e a parcial procedência da acção, condenando a ré a reconhecer a autora como única herdeira de C... e a pagar-lhe a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Inconformada, recorreu a ré e, tendo apresentado a sua alegação, rematou-as com 33 condensadas conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes:
1.ª- Nos termos do artigo 2026º do C.C., a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato, sendo que nos termos do artigo 2031º, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele.
2.ª- A autora nos presentes autos, sobrinha da falecida C... por afinidade, já que era sobrinha de seu falecido marido, apenas adquiriu a qualidade de herdeira testamentária na data da morte da autora da herança, óbito ocorrido no dia 20 de Dezembro de 2010;
3.ª- Assim sendo, a autora da herança podia fazer o que muito bem entendesse com os seus bens, durante a sua vida, dado que faleceu no estado de viúva e sem herdeiros legitimários;
4.ª- A ré, ora apelante, tratou com carinho, desvelo e amizade, a autora da herança, D. C..., ao longo dos últimos anos de vida desta, como confidente e como grande amiga que era;
5.ª- O tribunal decidiu dar como bons todos os depoimentos da autora e decidiu não ter em atenção o testemunho produzidos pelas testemunhas arroladas pela ré;
6.ª- O tribunal errou ao eliminar “in totum” o depoimento da testemunha I..., sem qualquer justificação e fundamentação para o efeito, alegando não ter merecido o mínimo de credibilidade;
7.ª- A testemunha Dr.ª I... tem conhecimento profundo dos factos aqui em apreço, e dos quais ressalta o facto de a autora da herança sempre dizer que tudo quanto tinha ficaria para a ré, e assim seria, se não fora o facto de, à última hora, a aqui autora ter levado a D. C... para a zona de Aveiro e, sabe-se lá em que condições, fez novo testamento a favor da “sobrinha”;
8.ª- Do longo depoimento e dos tempos 00:00 até 07:55, introdução atinente aos costumes, resulta a credibilidade do testemunho;
9.ª- “Desprezar” completamente o depoimento desta testemunha, chamando “ridículo” a um episódio relatado pela mesma, sem nada mais alegar ou fundamentar, parece-nos, no mínimo, falho de objectividade e, também, de bom senso;
10.ª- Donde entende-se assim, que os factos não dados como provados, nomeadamente o parágrafo 6.º de folhas 21 até “motivação” folhas 25, deveria ser dada como provada;
11.ª- Ainda deveria ser dado como provado o facto não provado no item 5. de folhas 21 da sentença, pois que, ao contrário do doutamente decidido, a D. F... pretendia fazer testamento a favor da aqui ré, conforma se alcança do depoimento da testemunha I..., em tempos 1:06:45 a 1:07:26;
12.ª- Acresce, por outro lado, que a ré pretendia provar que tudo com que ficou foi-lhe doado livremente e de boa-fé pela autora da herança C..., enquanto viveu e foi acompanhada pela ré. Para tanto, arrolou, também, a testemunha G... , que seria a apresentar. Infelizmente, nas datas agendadas para as sessões de audiência de discussão e julgamento, sempre esta testemunha se encontrava hospitalizada, conforme documentos comprovativos juntos aos autos, no início das respectivas sessões de julgamento;
13.ª- Acontece que a ré tinha esperança de a apresentar na sessão de julgamento que ocorreu no dia 6 de Janeiro 2014, pelas 14 horas;
14.ª- Contudo, a testemunha, tendo saído do hospital no mês de Dezembro, teve que ser novamente sujeita a internamento hospitalar e, por via disso, a ré remeteu aos autos requerimento enviado no dia 3 de Janeiro 2014, Ref.ª Citius 15490100, requerendo que a mesma fosse ouvida nos termos do art.º 520º do C.P.C., pela via mais célere;
15.ª- Infelizmente, este requerimento não mereceu provimento do Mm.º Juiz, impedindo, deste modo, que pelo testemunho a prestar por esta testemunha fosse dado passo importante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa;
16.ª- Assim, com o impedimento desta testemunha prestar o seu depoimento (e uma vez que o Mmº Juiz decidiu, quanto a nós mal, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que o depoimento da testemunha I... não merece credibilidade), a ré ficou impedida de fazer valer, com verdade, a razão que entende assistir-lhe, nomeadamente, que tudo com que ficou lhe foi doado livremente, em vida da autora da herança;
17.ª- Ora, deste modo a ré ficou impedida de exercer o contraditório, pilar base em que assenta o direito português, violando o preceituado no artigo 3.º do C.P.C., especialmente no seu n.º3;
18.ª- Acresce que, no final da sessão de julgamento que teve lugar no dia 10 de Dezembro de 2013, o Mmº Juiz emitiu um Despacho, em que determinava que a ré juntasse aos autos documentos comprovativos do destino dado às importâncias que, a débito, foram lançadas na conta da C.G. Depósitos nº (...) entre Março de 2010 e Outubro de 2010, referindo esse Despacho vários cheques e importâncias;
19.ª- Dado que a ré não tinha na sua posse documento comprovativo do destino dos cheques, requereu que o Tribunal notificasse a C.G. D. para vir informar para onde foram, em que conta e em nome de quem foram efectuados os depósitos constantes desses cheques, com excepção do cheque da importância de 75.000,00€, cujo destino a ré sempre manteve e mantém para que se destinou, requerimento que mereceu o seguinte Despacho: “…sendo certo que também não se justifica a realização da restante diligência probatória solicitada – expedição de ofício à CGD ….”;
20.ª- Ora, era imprescindível, do ponto deã vista da ré, que o tribunal tivesse conhecimento onde foram depositados todos e cada um desses cheques, porquanto pensa que foram cheques depositados na conta da autora, tal como aconteceu com a transferência de 9.500,00€, cuja informação foi junta aos autos no dia 17 de Outubro de 2013, da qual se pode ver que essa transferência, feita pela ré a mando da autora da herança, ocorreu antes da revogação da procuração;
21.ª- O mesmo tendo acontecido com os cheques referidos no douto despacho, que foram depositados todos e cada um deles na conta da aqui autora ou seus familiares e todos e cada um deles antes da referida C..., autora da herança, ter revogado a procuração que emitira a favor da ré;
22.ª- O Tribunal errou ainda quando considerou que os docs. juntos de fls. 208 a 291 não demonstram a matéria que, em sede de contestação, fora alegada a propósito de alegadas despesas suportadas pela ré no decurso da relação que manteve com a falecida C..., porquanto, todos e cada um desses documentos, (com excepção dos recibos de táxi, os quais não contêm o nome do utilizador do serviço), de todos os outros se pode aferir que se destinaram a Finanças, Notário, pagamento de água, luz, renda de casa da D. C..., etc.;
23.ª- O Tribunal violou o princípio da livre apreciação da prova ínsito no n.º 5 do art.º 607.º do CPC; violou o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º quando não fundamentou as razões pelas quais entendeu que o depoimento de I... não merece credibilidade, 615º, nº 1, alínea b) do C.P.C., a impor que ocorra renovação da prova conforme prevê a al. a) do n.º 2 do artigo 662º do C.P.C.;
24.ª- Tal como muito bem decidiu o T.R.C. Proc. 1504/09.5TBFIG.C1, in www.dgsi.pt. “O facto de na data do óbito existirem contas de depósitos bancários em nome do falecido não permite que se conclua que o saldo dessas contas pertencia ao seu titular, integrando por isso o acervo da herança aberta pela sua morte”;
25.ª- Ora, se este douto acórdão assim decidiu, e muito bem quanto a nós; por maioria de razões assiste à ré o direito a ficar com aquilo que lhe foi doado em vida da autora da herança;
26.ª- Acresce ainda que: “Autorizar alguém a movimentar a sua conta bancária, é dar-lhe todos os valores depositados nessa conta bancária” (Cfr. Revista 320/07.3 TBAGN. TA.C1.S1. da 2.ª secção do S.T.J.).
Precisando que nos termos do n.º 2 do art.º 640.º do CPC pretende a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha I... – tempos 00:00 a 7:55; de 09:30 até 17:05; 21:10 a 22:07; 26:05 a 26:24 e de 1:06:45 a 1:07:26- pede a final que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença proferida e substituída por decisão que absolva a recorrente e condene a autora na quantia peticionada em via reconvencional.
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A recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão apelada.
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Questão Prévia
Delimitação do objecto do recurso
Questiona a apelante no recurso interposto o despacho proferido pelo Mm.º juiz “a quo” na última sessão da audiência de julgamento, que teve lugar em 6 de Janeiro de 2014, no qual indeferiu a inquirição em momento posterior da testemunha faltosa G...-cujo depoimento a recorrente aqui reputa de imprescindível e cuja não audição redundou, em seu entender, em intolerável violação do princípio do contraditório- e ainda a expedição de ofício à CGD, tendo em vista indagar a identidade dos beneficiários dos cheques que identifica, todos sacados sobre conta da falecida testadora D. C....
Revelam os autos, a propósito, que:
- No requerimento probatório oportunamente apresentado, a ré indicou como testemunha G..., residente em Lisboa, comprometendo-se a apresentá-la (cf. fls. 339 do PP);
- Na data designada para a realização da audiência de julgamento, em 11 de Novembro de 2013, o Il. Mandatário da ré comunicou ao Tribunal que a referida testemunha G... se encontrava doente, juntando documento comprovativo e requerendo a sua audição numa outra data (cf. acta de fls. 344 a 348);
- Teve lugar a 2.ª sessão de julgamento no dia 21 de Novembro de 2013 e, verificada a falta da testemunha, deu novamente conhecimento o Il. Mandatário da ré do impedimento daquela, por se encontrar hospitalizada, para o que juntou o pertinente documento comprovativo, mais requerendo a sua audição em posterior sessão (cf. acta de fls. 350 a 352);
- Na 3.ª sessão de julgamento, que teve lugar em 10 de Dezembro de 2013, continuando a testemunha ausente por se manter internada, com fundamento na impossibilidade da mesma se deslocar ao TJ de Aveiro, requereu o Il. Mandatário da ré a sua audição por videoconferência, a ter lugar em posterior sessão, o que foi deferido, atenta a não oposição da parte contrária.
Mais foi então determinada a notificação da ré para juntar aos autos os documentos comprovativos do destino dado às importâncias que, a débito, haviam sido lançadas na conta titulada pela falecida D. C... na CGD entre Março e Outubro de 2010, nomeadamente no que respeitava aos cheques identificados sob as als. a) a h) (cf. acta de fls. 354 a 356).
- Por requerimento apresentado em 18/12, respondendo à notificação, veio a ré indicar que o cheque no valor de € 75 000,00, correspondendo a uma dádiva da falecida, se destinou a pagar a fracção onde residia na qualidade de arrendatária e que assim passou a pertencer-lhe, requerendo em relação aos demais que fosse oficiado à CGD para que esta instituição identificasse os respectivos beneficiários.
- Por requerimento entrado em juízo a 3/1/2014, dando conhecimento da testemunha G... ter sido novamente sujeita a internamento e invocando informação não oficial no sentido de ter poucas probabilidades de sair do hospital com vida, requereu a ré a sua audição nos termos do art.º 520.º do CPC ou, não havendo acordo, nos termos do art.º 526.º do mesmo diploma legal.
- O assim requerido mereceu por banda do Mm.º juiz “a quo” o seguinte despacho:
“O requerimento apresentado pela ré relativamente ao adiamento da inquirição da testemunha faltosa carece de fundamento legal, atento o disposto no art.º 509.º do CPC, sendo certo que também não se justifica a realização da restante diligência probatória solicitada -expedição de ofício à CGD- uma vez que a ré não esclareceu com rigor os contornos em que tais títulos foram emitidos e não identificou minimamente os supostos beneficiários dos mesmos- matéria de que tem, necessariamente, de ter conhecimento, dado que refere que os aludidos cheques se destinariam a familiares da falecida C... e que foram emitidos ao abrigo de poderes conferidos à demandada por procuração. Termos em que se indefere o requerido”.
Resulta do relatado que estamos perante despacho que não admitiu a produção de determinados meios de prova requeridos pela ré.
Ora, decorre dos termos conjugados dos art.ºs 644.º, n.º 2, al. d) e 645.º, n.º 2 que, cabendo recurso autónomo de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, o mesmo sobe em separado, sendo de 15 dias o prazo para a sua interposição (cf. art.º 638.º, n.º 1, na sua parte final, sendo todos os preceitos do CPC). Tal prazo quando, como foi o caso, se tratar de despacho proferido oralmente, conta-se da data da sua prolação, uma vez que a parte estava representada no acto e dele foi notificada. Verifica-se assim que, tendo a ré sido notificada no dia 6 de Janeiro de 2014, o prazo para impugnar o despacho em crise terminou em 21 de Janeiro de 2014 termos em que, tendo sido impugnado apenas com o recurso da decisão final, interposto a 3 de Março de 2014, já há muito o decidido havia transitado em julgado.
Deste modo, dada a sua intempestividade, não se conhecerá do presente recurso, na parte em que impugnou o despacho proferido na sessão de audiência que teve lugar em 6 de Janeiro de 2014, ao qual se reportam as conclusões supra 12.ª a 21.ª.
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No corpo da alegação a recorrente insurge-se, para além do mais, contra a circunstância de ter sido dado como não provado (§6.º de fls. 17 da sentença apelada) que “A ré, por transferência bancária, debitou € 9 500,00 em 11/10/2010”, facto que se encontraria demonstrado pela informação prestada pela CGD em 17 de Outubro de 2013.
Mais aponta a existência de contradição entre o facto provado 22., na parte em que afirma que a recorrente prestava serviços de apoio a idosos numa instituição, e aqueloutro, dado como indemonstrado, de se arrogar a qualidade de ajudante familiar, na valência de apoio domiciliário a idosos da Casa de (...), sendo certo que, conforme consta da declaração emitida pela Junta de Freguesia de Benfica a fls. 108 dos autos, nunca a apelante ali trabalhou ou desempenhou serviços da referida natureza.
No que respeita à impugnação destes concretos pontos da matéria de facto, cabe relembrar que, nos termos do art.º 639.º do CPC, o recorrente encontra-se sujeito a um duplo ónus, impondo-lhe a lei que alegue e formule conclusões. O apelante cumpre o ónus de alegar “apresentando uma peça processual onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão é errada ou injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso”; dá cumprimento ao ónus de formular conclusões “terminando a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito por que pede a alteração ou anulação da decisão”[1].
Consoante prevê o n.º 4 do art.º 635.º “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, devendo entender-se que “Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir referência a essa decisão, o objecto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões”.[2]
Ora, analisadas as conclusões formuladas pela apelante, verifica-se serem as mesmas completamente omissas quanto à assinalada discordância com a decisão proferida a propósito dos identificados pontos da matéria de facto. Deste modo, sendo as conclusões que delimitam definitivamente o objecto do recurso, se a recorrente nelas não indicou, ainda que de forma sintética, aqueles concretos pontos da matéria de facto, nem especificou os concretos meios de prova que impunham sobre eles decisão diversa da recorrida, tal significa, à luz do citado n.º 4 do art.º 635.º, que excluiu tal matéria do objecto do recurso, pelo que dela igualmente não se conhecerá.
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Assente que pelas conclusões se delimita e define o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
i. Indagar da existência de erro de julgamento ao nível da matéria de facto;
ii. determinar se, decorrência da pretendida modificação da matéria de facto, a acção deve ser julgada improcedente e procedente a reconvenção.
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i. Da impugnação da matéria de facto
No corpo das alegações invoca a recorrente o depoimento da testemunha J...., em passagem que transcreve, da qual pretende que se extraia relevantemente que a falecida D. C... a tratava de B..., por ela nutrindo afecto, que terá sido instalada num lar após a alta hospitalar por não ter a apelante condições para a receber em sua casa, mormente pelo facto da banheira ser muito alta e não ter forças para a levar para lá, tendo ainda asseverado ter visitado a mesma D.ª C... duas vezes no dito lar, assim resultando contrariado quanto pela autora foi afirmado a respeito de terem sido interditadas as visitas à falecida durante a estadia no lar.
Pois bem, mesmo aceitando ter a testemunha declarado quanto pela apelante foi destacado, trata-se de uma narrativa de factos perfeitamente irrelevantes, inidóneos para alterarem o sentido da decisão no que concerne à alegada doação à recorrente das quantias em seu poder. Com efeito, correspondendo à verdade que a falecida instituiu a ré sua herdeira em testamento que outorgou em Março de 2010, o que se aceita como sinal de que, à data, nutriria por esta afecto e consideração, não é menos certo que veio a outorgar novo testamento escassos meses depois, revogando simultaneamente a procuração que outorgara a favor da mesma ré, sinal evidente de que lhe retirara a sua confiança e afecto. E a este respeito são perfeitamente inócuas as insinuações acerca das circunstâncias em que foi outorgado o testamento a favor da aqui autora, posto que a sua validade não foi posta em causa, sendo certo que, a atender aos termos da alegação da apelada, bem poderá questionar-se se sombra mais carregada não pairará sobre aquele que foi outorgado em benefício da apelante.
Pretende ainda a recorrente que foi indevidamente desconsiderado o testemunho prestado por I..., padecendo a sentença, para além do mais, do vício da falta de fundamentação, por dela não constarem as razões pelas quais esta testemunha não mereceu credibilidade ao Mm.º juiz “a quo”, daqui resultando ainda a violação do princípio da livre apreciação da prova.
Vejamos, pois, da pertinência destes fundamentos invocados pela apelante.
Nos termos do art.º 607.º do NCPC, que dispõe para a elaboração da sentença, deverá esta começar pela identificação das partes e do objecto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar (vide n.º 2 do preceito). Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (cf. n.º 3, que reproduz sem alteração o pretérito n.º 2 do art.º 659.º).
Em linha com o referido dever de especificação, a al. b) do n.º 1 do art.º 615.º sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º, também aqui reproduzindo sem alteração a al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC cessante). E que fundamentos são estes? Claramente a especificação dos factos provados, por um lado, e, por outro, a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas que o elenco factual convoca.
Face ao teor dos dispositivos legais supra transcritos, evidente se torna não padecer a sentença recorrida do apontado vício, posto que o Mm.º juiz procedeu à discriminação dos factos assentes, enunciando, do mesmo passo, os argumentos de natureza jurídica em que alicerçou a sua decisão, fazendo indicação precisa das normas jurídicas aplicadas e sentido em que as interpretou.
Todavia, a par com o referido dever, autonomiza agora a lei um outro, a cumprir igualmente na sentença. Tendo o legislador reformista posto termo ao anterior sistema de cesure, de modo que a antes autonomizada decisão a proferir sobre a matéria de facto incorpora hoje a sentença final, nesta deve o juiz declarar “quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…) ”. E pese embora a eliminação da reclamação antes prevista no n.º 4 do defunto artigo 653.º, o incumprimento do aludido dever de fundamentação, não constituindo embora causa de nulidade da sentença, estas taxativamente elencadas no art.º 615.º, não deixa todavia de aportar um desvalor à decisão, a corrigir com recurso ao disposto na al. d) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC, podendo/devendo o Tribunal da Relação determinar, ainda que oficiosamente (o que constitui novidade face ao regime antes constante do n.º 5 do art.º 712.º), que o tribunal da 1.ª instância fundamente a decisão de forma conveniente.
Com efeito, e conforme a apelante não deixou correctamente de assinalar, o dever de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto sofreu um sensível alargamento aquando da reforma de 95/96, passando a abranger também a decisão de dar como não provado determinado facto e obrigando a uma apreciação crítica das provas, impondo assim ao julgador que, a par da indicação dos concretos meios de prova que foram decisivos para atingir a sua convicção, dê também a conhecer os motivos substanciais pelos quais os mesmos foram relevantes e outros não mereceram ser considerados. Tal dever de fundamentação, mantida a sua fisionomia pelo actual código, cumpre a função de “impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico lógico da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o Tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido”, assegurando também a “transparência do processo e da decisão”, tornando possível exercer um efectivo controlo externo sobre a fundamentação da decisão.[3]
Isto dito, e assente que a imputada ausência/deficiência da fundamentação da decisão de facto não é causa da nulidade da sentença, dando lugar à baixa do processo a fim de colmatar tal omissão, afigura-se-nos, em todo o caso, ter o Mm.º juiz dado cumprimento ao apontado dever de fundamentação, tendo referido expressamente os motivos pelos quais a testemunha I... não lhe mereceu consideração, a saber, pelo modo como depôs -e que ilustrou com o relato do telefonema a que alegadamente assistira-, e porque “as declarações prestadas não foram sustentadas por qualquer meio probatório relevante -e fidedigno- trazido aos presentes autos”, o que se afigura ser efectivamente uma razão de vulto.
Decerto que o princípio da livre apreciação da prova, que a apelante afirma ter sido violado, significando apenas que o julgador deve decidir segundo a sua íntima convicção, formada no confronto dos diversos meios de prova e de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis, não autoriza a arbitrariedade na apreciação da prova. Mas nada disso se passou aqui, tendo o Mm.º juiz “a quo” dado boa conta das razões pelas quais deu determinados factos como assentes e outros não. Poderá este colectivo, é certo, desincumbindo-se do seu dever de reponderação da prova produzida, chegar a uma convicção diferente, valorando de modo diverso o testemunho aqui em causa, caso em que se estará perante erro de julgamento com a consequência da matéria de facto sofrer alteração em conformidade.
Não cremos, todavia, o que se afirma em antecipação, que o invocado testemunho imponha a alteração dos factos no sentido pretendido pela apelante. Com efeito, ouvidas na totalidade as declarações prestadas por I..., revelaram-se as mesmas inconsistentes e até contraditórias, sem valor probatório que justifique a inclusão no elenco dos factos assentes dos indicados pela recorrente.
Trata-se de testemunha com 72 anos de idade à data em que prestou depoimento, e que declarou conhecer a ré B... desde 1959, desde os seus tempos de estudante universitária em Coimbra, conforme esclareceu. Revelou saber perfeitamente ao que vinha, lançando-se no relato das relações que estabeleceu com ambas as irmãs, antecipando e dispensando mesmo a colocação das questões, notando-se a preocupação de revelar pormenores que pressentia relevantes para apoiar a tese da ré, sublinhando e repetindo frases chave que atribuiu à falecida F..., tais como a afirmação de que queria que a casa e o recheio “ficassem para a ré” -numa outra ocasião tratava-se de “tudo, casa, recheio e dinheiro”-, para que nada fosse “parar às mãos da irmã”, com a qual não mantinha um bom relacionamento, o que, desde já se faz notar, ninguém confirmou. Não esqueceu ainda de referir que pouco antes do seu falecimento a mesma F... a procurou para que a ajudasse a formalizar tal anunciada intenção, o que terá coincidido com uma deslocação que a depoente fez a Coimbra e que a impossibilitou de prestar o seu auxílio, tendo sido surpreendida nesta cidade com a notícia da morte daquela.
Confirmou ter conhecido as irmãs F... e C... através da ré B..., já depois da morte do marido da primeira, impressionando o envolvimento que teve em todos os meandros que conduziram à identificação dos bens da herança, participando em reuniões havidas na CGD tendo em vista obter informação sobre as quantias que a F... teria herdado, tendo inclusivamente participado na feitura de uma exposição ao administrador desta instituição bancária, deslocando-se ao CNP, a fim de indagar se lhe tinha sido abonado o subsídio de funeral e, finalmente, intervindo nas escrituras de habilitação de herdeiros, mantendo com ambas as irmãs um contacto frequente, embora com a falecida C... apenas depois da morte da irmã desta. E se tal empenho pode ser facilmente explicável pelo natural altruísmo de quem, como a testemunha, se dá conta das vulnerabilidades de quem é idoso e está só, caso das duas irmãs, ficou por esclarecer cabalmente por que motivo se dá tal aproximação da falecida C... apenas após a morte da irmã desta. É certo que, conforme também referiu, só conheceu a mesma C... após a morte da irmã -coincidindo com a altura em que a ré B... a passou a visitar à hora de almoço- mas já sabia da sua existência (segundo as suas declarações, a F... referia frequentemente ser sua vontade que nada fosse “parar às mãos da irmã”). E temos para nós que conhecia também tratar-se de pessoa só e que residia muito próximo de si -da sua varanda vê a janela da casa que foi da D.ª C..., isto nas suas próprias palavras. Com efeito, sendo tais factos do conhecimento da ré, que até terá tido a iniciativa de reunir as irmãs no Natal, o que ocorreu contra a vontade e com o desagrado da F..., conforme não deixou de acrescentar, não é crível que os não tivesse comunicado à testemunha, dada até a coincidência de ser vizinha da referida C.... Mas não, o interesse pelo convívio com esta última, quer por banda da testemunha, quer por banda da ré, segundo resultou do depoimento que se analisa, terá despertado apenas após a morte da irmã.
Frequente ainda no discurso da testemunha a utilização do pronome “nós”, por associação à ré, durante o relato das diligências efectuadas em ordem a apurar os valores que integravam a herança da F... e a assegurar a sua qualidade de única herdeiro do falecido marido, tal como posteriormente teve activa intervenção na habilitação da C... como única herdeira de sua falecida irmã.
Não obstante imputar à F... a frequente afirmação de que pretendia que “tudo ficasse para a ré”, não deixou a testemunha de revelar que afinal a falecida F... desconhecia até se a casa onde residia estava em seu nome, nada sabendo quanto a dinheiros que pudesse ter herdado, manifestando preocupação, isto por alturas dos Santos, por estar convencida que apenas dispunha da quantia de € 7 500,00, preocupação que, desde já se assinala, mal se coaduna com a doação de todo o dinheiro que a testemunha pretende ter sido feita à ré. Com efeito, uma coisa é manifestar a intenção de deixar tudo a determinada pessoa, o que, conforme os factos evidenciam, não chegou a ocorrer porquanto, a despeito de ter outorgado procuração a favor da ré -ocasião que poderia ter sido aproveitada para outorgar testamento- a verdade é que não chegou a institui-la sua herdeira; outra, substancialmente diferente, é fazer uma doação em vida a favor de quem muito bem ao doador aprouver.
Ainda segundo as declarações da testemunha I..., noutra passagem intrigante -declarações não esclarecidas e, sobretudo, não confirmadas- terá sido muito difícil conseguir “que o dinheiro aparecesse”, o que em seu dizer, só ocorreu depois de, no decurso de uma reunião com a gerente da agência da CGD do Alto dos Moinhos, ter dito “vamos meter a PJ no assunto”, pois só a partir daí “o assunto se resolveu e o dinheiro apareceu”. Expressou mesmo a testemunha, a este respeito, que se terão “aproveitado da D.ª J... após a morte do marido, eu não sei quem mas houve pessoas, porque a D.ª J... de nada sabia”. Ora, não tendo a testemunha concretizado a que pessoas aludia, quiçá por desconhecimento, conforme referiu, e não tendo igualmente especificado em que medida é que a referida senhora terá sido prejudicada, aquilo que sabemos de concreto é que a ré sacou da conta daquela a quantia de € 90 000,00, proveniente de obrigações do tesouro, em 8 de Maio de 2009, escassos dias depois da outorga da procuração a seu favor.
Cabe aqui referir, ainda a propósito desta questão dos dinheiros, que uma outra declaração da testemunha suscitou a dúvida quanto ao efectivo conhecimento que a falecida F... terá chegado a ter das quantias herdadas. Referiu a mesma Sr.ª I... que, a dada altura, aquela manifestou o desejo de ter todo o seu dinheiro consigo, em sua casa, o que, atendendo aos montantes em causa, faz fundadamente suspeitar que deles não teria conhecimento efectivo.
Contraditórias e enredadas as explicações dadas a propósito dos dinheiros que a ré, no dizer da testemunha, terá emprestado à falecida C.... Com efeito, se atentarmos na cronologia dos factos, verificamos que, tendo a F... falecido em 21 de Agosto de 2009, logo no dia 28 desse mesmo mês foi habilitada a irmã C... como sua universal herdeira, data precisa em que foi outorgada procuração em favor da ré que, tendo tido até então poderes para movimentar as contas bancárias da falecida, passou a deter poderes para movimentar as contas da sua universal herdeira. Daqui resulta que, mesmo a ser verdadeira a declaração de que a falecida C... pedia dinheiro à ré -na opinião desta, que a testemunha partilha, para dar aos sobrinhos- não se vê por que motivo afirma que se tratava de dinheiro da própria ré, que esta esperava ver mais tarde reembolsado, quando o que se verifica é que não era a falecida quem tinha controlo dos dinheiros, e sim aquela sua procuradora. Isto mesmo, aliás, a testemunha acabou por confirmar ao esclarecer que era a ré quem, a pedido da D.ª C..., enviava dinheiros seus para ajudar os sobrinhos. Tal versão, há que dizê-lo sem rodeios, é inverosímil, e nela não se acredita.
Com efeito, e “prima facie”, o que é que levaria a falecida C..., que nesta versão não dispunha de meios para tal, a pedir à ré B... que remetesse dinheiro a esta pertencente para ajudar familiares seus? E a que propósito satisfaria a ré tais pedidos quando, conforme a testemunha também revelou, atravessava dificuldades, tendo-se mesmo visto na contigência de acolher uma sua filha que ficara desalojada por não conseguir satisfazer a renda da casa (isto a despeito de acrescentar efusivamente ser a apelante uma pessoa generosa e amiga de ajudar, tendo inclusivamente prestado ajuda à testemunha)? Como é óbvio, tal pedido só faz sentido quando se considere que se tratava dinheiros da própria C..., mas que eram movimentados pela ré.
Por outro lado, a considerar a testemunha, como parece que acontecia, que todo o dinheiro pertencente à F... tinha sido doado à ré, não se vê como podia esta esperar ser reembolsada dos empréstimos, por não poder deixar de saber que a D.ª C... não dispunha de quantias suas. É certo que a testemunha referiu que o reembolso seria efectuado após a venda do apartamento onde vivera a irmã e pelo produto da venda. Mas também aqui nos deparamos com um paradoxo. Com efeito, a despeito de ter afirmado e reafirmado que as irmãs tinham um mau relacionamento, a verdade é que, muito convenientemente, afinal a D.ª C... não teria deixado de respeitar a vontade expressada pela irmã, prontificando-se a doar à ré o apartamento onde aquela vivera, com todo o seu recheio, acabando esta por optar pela quantia necessária à aquisição da casa onde residia, escolha até mais favorável à doadora, por ser aquela fracção mais valiosa. Ora, se o reembolso dos empréstimos alegadamente efectuados esperava a ré obtê-lo pelo produto da venda do apartamento, não se vê, nem a testemunha explicou, onde é que a D. C... iria buscar a quantia necessária à aquisição da casa onde aquela vivia.
Inequivocamente intencional o seu depoimento quando reforçou que a falecida C... teria ido contrariada para Aveiro, dado o apego que sempre demonstrara ter em relação à casa onde nascera e sempre vivera, tanto mais que as sobrinhas só se teriam aproximado dela após a morte da irmã, quando o que remanesce é o facto daquela ter revogado a procuração que outorgara a favor da ré (cujo convívio com a falecida afinal de contas datará da mesma altura), outorgado novo testamento beneficiando a sobrinha e passado procuração a favor de advogada que subscreveu a carta que consta de fls. 58 a 60.
 Quanto ao relato do dito telefonema que terá tido lugar no dia 7 de Outubro, e no decurso do qual a D.ª C... teria tranquilizado a ré, dizendo-lhe que tinha assinado um papel, mas que seria tudo para ela, altura em que se teria ouvido um agudo e assustador “Não!”, após o que o telefonema foi interrompido, a verdade é que não se sabe a que papel se referia aquela –procuração, instrumento de revogação, procuração à advogada e novo testamento são todos posteriores. E a contrariar a referida afirmação, atribuída pela testemunha à falecida D.ª C..., está o facto da própria ré ter enviado àquela no dia 19 de Outubro uma carta “desvinculando-se de movimentar a conta” o que, na sequência dos factos, não impugnados, vertidos na sentença sob os n.ºs 30. e 31., é sinal inequívoco de que percebera ser diferente a disposição da sua representada.
Ademais, não pode deixar de se sublinhar que, neste contexto de intensa participação e profundo conhecimento dos acontecimentos arvorado pela testemunha, espanta que desconhecesse que a ré era remunerada pela falecida D.ª C... pelo apoio que lhe prestava, atribuindo as acções daquela a amor e generosidade.
Em suma, criticamente apreciado o depoimento que a apelante queria decisivo e filtrado à luz das regras da experiência comum, não podemos deixar de secundar o juízo sobre ele incidente feito pelo Mm.º juiz “a quo”, afigurando-se tratar-se de testemunho tendencioso e inconsistente nos seus aspectos mais relevantes, inapto, portanto, para nele se alicerçar uma convicção segura sobre a realidade dos factos vertidos nos pontos objecto de impugnação.
Quanto aos documentos, não se questiona ter sido a ré quem procedeu à liquidação das quantias neles referenciadas e que se trata, na sua maioria, de despesas da responsabilidade da falecida, ainda que por via da sua qualidade de única herdeira de sua irmã F.... Mas o que a apelante afirma é coisa diversa, pretendendo que tais despesas foram suportadas por si e com dinheiro seu, e tanto assim que, com tal fundamento, se permitiu formular pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora reconvinda na restituição de tais montantes. Acontece que tal prova não foi feita, antes resultando de todo inverosímil que as quantias em causa pertencessem à apelante.
Com efeito, sabe-se, por ter sido alegado pela autora nos artigos 27.º a 29.º da petição inicial corrigida, que a ré/apelante beneficiava de uma pensão de reforma no valor de € 363,00, que a falecida completava mensalmente com o montante de € 137,00, assim perfazendo 500,00, factos estes não impugnados, sem que aquela tenha invocado a existência de complementar fonte de rendimentos. Sabe-se também que residia em casa arrendada, porque a própria o revelou, sem que tenha trazido aos autos qualquer facto que justificasse ser possuidora de quantia superior a € 80 000,00 em ordem a emprestá-los à falecida D.ª C... que, de resto, não necessitava de empréstimos (cf., neste sentido, o depoimento da testemunha N..., que aquela conheceu através da sobrinha, aqui autora, tendo auxiliado na prestação de cuidados de que careceu nos últimos anos de vida, e de Umbelina Heitor, amiga da falecida durante mais de 40 anos, ambas se lhe referindo como pessoa extremamente organizada com os dinheiros, tal como aliás a testemunha I... acabou por reconhecer, aludindo ao facto da falecida não precisar de dinheiro para si, daí convencer-se que o dinheiro dos “empréstimos” se destinava aos sobrinhos).
Por outro lado, e conforme se assinalou já, tendo a apelante poderes para movimentar as contas bancárias tituladas pela mesma D.ª C... desde 28/8/2009, data que coincidiu com aquela em que esta foi habilitada como herdeira universal da sua falecida irmã, sempre ficaria por esclarecer por que motivo os pagamentos não foram efectuados através da movimentação destas contas, havendo necessidade da ré dispor de dinheiros seus.
Indemonstrada ficou igualmente a tese das sucessivas doações, frágil desde o início, desde logo pela inconsistência da versão que a própria apelante trouxe aos autos, sendo certo que ninguém a confirmou de modo consistente.
No que respeita ao montante de € 90 000,00 que alega ter-lhe sido doado pela falecida F..., parece a apelante justificar a doação com a circunstância da doadora desconhecer a sua existência donde, infere-se, com este dinheiro não estaria a contar. Não obstante, sabemos, por ter sido alegado pela própria ré, que a D. F... afinal fez a habilitação de herdeiros “à pressa”, a fim de recuperar essa quantia “que estava em vias de nunca ser recebida”. E para quê? Segundo a alegação da apelante, para logo depois lhe fazer doação da totalidade do dinheiro assim obtido (cf. o art.º 11.º da contestação), como se de uma quantia insignificante se tratasse. E note-se que o relacionamento entre a falecida D. F... e a ré não era antigo, posto que esta não chegou a conhecer o defunto marido da primeira, falecido em Março de 2007, escassos dois anos antes da esposa.
De realçar ainda que, tendo a aludida F... sido julgada habilitada a 24 de Abril de 2009, logo a 27 desse mês constituiu a ré sua procuradora que, fazendo uso dos poderes conferidos, no dia 8 de Março sacou da conta a aludida quantia de € 90 000,00, numa rápida sucessão que não pode deixar de impressionar negativamente.
Explica depois a apelante que a identificada D. F... pretendia financiar a compra da casa onde aquela residia na qualidade de inquilina, e que se encontrava então à venda, financiamento que era uma recompensa pela amizade e carinho que por aquela lhe eram dedicados. Tendo todavia falecido sem cumprir esse desiderato -e isto a despeito de lhe ter doado os referidos € 90 000,00, donde tratar-se de dádivas diferentes, acrescendo a doação do apartamento à da aludida quantia em dinheiro- foi afinal a irmã, D.ª C..., que, conhecedora da vontade da falecida, e dando-lhe cumprimento, entregou à ré o cheque no valor de € 75000,00 (cf. art.º 11 da mesma peça). Mais tarde, a versão modifica-se um pouco -cf. articulado de fls. 358 a 361- vindo a ré alegar que afinal a D. C... queria doar-lhe o andar que fora da falecida irmã, ao que a apelante respondeu que preferia que esta satisfizesse o preço da fracção onde habitava, sendo aquela mais valiosa. E repare-se que estas dádivas, totalizando €165 000,00, se destinavam a compensar a ré por serviços prestados à primeira durante período que se desconhece exactamente, mas não superior a 2 anos, e à segunda durante cerca de 9 meses.
A referida versão, muito inconsistente em relação à falecida F... -fragilidades que o corroborante testemunho de I...também evidenciou- mais frágil se torna quando se considere a falecida C... que, a despeito de ter efectivamente, a dada altura, instituído a ré sua herdeira, a verdade é que, por exemplo, nunca lhe fez entrega -nem a ré tal alegou- de quantia superior à acordada, e isto a despeito da sua modéstia, pelos serviços que esta lhe prestava, o que, só por si, permite duvidar da sua intenção de lhe fazer doação da referida quantia de € 75 000,00. É que, conforme se teve já ensejo de fazer notar, uma coisa é dispor por morte, outra, substancialmente diferente, é dispor de avultadas quantias em vida, para mais quando se é idoso e está só, desconhecendo-se se e quando virá a precisar. Neste contexto, aliás, não pode deixar de se fazer apelo ao testemunho prestado pela já mencionada testemunha N...., a qual relatou que a falecida, na sequência de contacto telefónico mantido com a ré, no âmbito do qual esta lhe comunicou a quantidade de dinheiro que restava, se sentiu burlada, tendo dado instruções para que se lhe arranjasse uma advogada, a fim de recuperar o que lhe pertencia, conduta absolutamente contraditória com a invocada doação.
Deste modo, porque os meios de prova indicados pela apelante não impõem, por si ou conjugados com a demais prova produzida, que sobre os pontos de facto impugnados seja proferida decisão diversa da proferida, é a mesma mantida nos seus precisos termos.
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Fundamentação
2.1. de facto
Improcedendo a pretensão modificativa da apelante e não havendo razões que determinem a sua alteração oficiosa, são os seguintes os factos a considerar, tal como nos chegam da 1.ª instância:
1. Por escritura lavrada em 23 de Abril de 2009, F... foi habilitada como única herdeira de seu falecido marido H..., na sequência de óbito do mesmo ocorrido em 16 de Março de 2007 (documento de fls. 27 a 31 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
2. Por instrumento lavrado a 27 de Abril de 2009, perante a notária E..., F... constituiu sua procuradora a ora ré B..., a quem conferiu poderes “para junto de quaisquer instituições de crédito, nomeadamente junto do BPI, SA e Caixa Geral de Depósitos, SA, poder abrir contas bancárias, movimentar contas bancárias à ordem ou a prazo, levantar capitais ou quaisquer outros títulos, cancelar contas e/ou depósitos à ordem e a prazo, constituir depósitos a prazo ou outro tipo de aplicações financeiras, assinar e requisitar cheques, requisitar cartões a crédito ou a débito, solicitar cadernetas ou substituição de caderneta, conversão de depósito a prazo em depósito à ordem” e ainda “para a representar junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente, Caixa Nacional de Pensões, Segurança Social, Assembleia de Condóminos, nos CTT, receber quaisquer correspondências, assinar os respectivos registos, e nos Serviços de Finanças, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos”, conforme documento cuja cópia consta de fls. 293/294 dos autos, aqui se dando quanto ao mais por reproduzido o respectivo teor.
3. F... faleceu em 21 de Agosto de 2009, tendo, por escritura lavrada em 28 de Agosto de 2009, sido habilitada como única herdeira a sua irmã C... (documentos de fls. 32 a 37 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
4. Por instrumento lavrado em 28 de Agosto de 2009, perante a notária E...., C... declarou constituir sua procuradora a ora ré B..., a quem conferiu poderes “para junto de quaisquer instituições de crédito, nomeadamente junto do BPI, SA e Caixa Geral de Depósitos, SA, poder abrir contas bancárias, movimentar contas bancárias à ordem ou a prazo, levantar capitais ou quaisquer outros títulos, cancelar contas e/ou depósitos à ordem e a prazo, constituir depósitos a prazo ou outro tipo de aplicações financeiras, assinar e requisitar cheques, requisitar cartões a crédito ou a débito, solicitar cadernetas ou substituição de caderneta, conversão de depósito a prazo em depósito à ordem” e ainda “para a representar junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente, Caixa Nacional de Pensões, Segurança Social, Assembleia de Condóminos, nos CTT, receber quaisquer correspondências, assinar os respectivos registos, e nos Serviços de Finanças, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos”, conforme documento cuja cópia consta de fls. 119/120 dos autos, aqui se dando quanto ao mais por reproduzido o respectivo teor.
5. Por testamento público lavrado em 5 de Março de 2010, C... instituiu a ora ré B... como herdeira de todos os bens de que pudesse dispor à hora da sua morte (documento de fls. 116 a 118 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
6. Por testamento público lavrado em 29 de Outubro de 2010, C... instituiu como única e universal herdeira a ora autora A... (documento de fls. 23/24 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
7. Em 29 de Outubro de 2010, perante a notária D..., C... declarou proceder à revogação expressa de todo e qualquer mandato por si conferido à ré B... (documento de fls. 57 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
8. Em 20 de Dezembro de 2010, aos 89 anos de idade, faleceu C... (documento de fls. 25 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
9. Por escritura lavrada em 28 de Dezembro de 2010, a ora autora A... foi habilitada como única herdeira da falecida C... (documento de fls. 20 a 22 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
10. Pelo extracto de conta nº (...) de que é titular a falecida C..., verifica-se a existência de vários depósitos e transferências, a saber:
30.10.2009 – Depósito de 10.000,00 €.
27.01.2010 – Depósito de 5.000.00 €.
25.02. 2010 – Transf. F... de 1.323.00€.
03.03.2010 – Tranf. Habilitação de herdeiros de 101.337,85€.
26.03.2010 – Depósito de 15.000,00€.
20.10.2010 – Transferência IB de 10.000.00€.
21.10.2010 –Transferência IB de 7.000.00€.
11. Os montantes referidos em 10. provinham da herança aberta por óbito da F....
12. Em 19.10.2010, a ré enviou à falecida C... uma carta desvinculando-se de movimentar esta conta.
13. Em 19/10/2010 a conta da falecida C... apresentava o saldo positivo de €10.158,61.
14. A procuração referida em 4. ficou imediatamente na posse da ré, não tendo sido entregue qualquer cópia à mandante, nem então, nem posteriormente, sendo que não veio a ser restituída.
15. A falecida C... confiou na ré.
16. A falecida C..., viúva, vivia só no (...), em Lisboa.
17. Pagava de renda de casa 23,00€.
18. À data do falecimento da irmã, a 21 de Agosto de 2009, contava 88 anos de idade.
19. Em Março de 2010 a falecida C... adoeceu com um linfoma (cancro), a exigir tratamento com quimioterapia.
20. A ré ofereceu-se para cuidar dela, assistindo-a no que preciso fosse.
21. A falecida C... aceitou, por não querer ir para França para casa da Autora.
22. A C... contratou-a para, em horário livre (por a ré também prestar serviços de apoio a idosos numa instituição), lhe prestar serviços de apoio familiar, fazendo compras, confeccionar-lhe ou comprar-lhe algumas refeições, tratamento de roupa, cuidados de higiene e conforto pessoal e, bem assim, realizar no exterior os serviços necessários à sua condição, nomeadamente, acompanhá-la nas deslocações a médicos e hospitais, aviar os medicamentos, ministrar-lhe a medicação prescrita, se fosse necessário.
23. A ré assistiu-a na doença, no período compreendido entre Março de 2010 e 22 de Setembro de 2010.
24. A ré prestou-lhe os cuidados de higiene e tratamento de roupas, alimentação, medicamentos, acompanhando-a a médicos e hospitais.
25. A falecida C... e a ré acordaram como preço dos serviços prestados, a fim de completar a reforma da ré no valor de 363,00€ e até perfazer no valor de 500,00€, que a mesma C... lhe pagava todos os meses a diferença, a saber, 137.00€/mês.
26. Para pagamento dos seus serviços, a falecida C... entregou à ré, de Setembro a Dezembro de 2009 e de Janeiro a Abril de 2010 a quantia de 137.00€ x 8 meses (total de €1.096.00).
27. E assim fizeram, no período compreendido entre fim de Agosto de 2009 e Outubro de 2010 (13 meses x 137.00€=€1.772.00).
28. A falecida C... foi internada no Hospital de S. José, com infecção urinária, e outros sintomas entre o dia 28.08.2010 e 02.09.2010.
29. A ré, após a alta do hospital de S. José ocorrida a 2 de Setembro de 2010, internou a C... num lar de idosos, onde permaneceu até ao dia 10 de Setembro de 2010.
30. No dia 22 de Setembro de 2010, após novo internamento e alta hospitalar, a autora trouxe a falecida C... para a sua casa em Eixo, onde cuidou dela até à morte.
31. A falecida C..., em 22.09.2010, no dia da alta hospitalar, telefonou à ré, pedindo-lhe que lhe fosse entregar o B.I, o cartão de contribuinte, cartão multibanco e cheques, e ainda que lhe levantasse dinheiro, porque iria morar com a autora, para Eixo.
32. A ré apenas lhe foi levar €1.000.00, referente a um levantamento a débito realizado a 22.09.2010.
33. A ré levantou da conta da falecida C... 300,00 € em 30.9.2010, 200,00 € em 1.10.2010, 200,00 € em 1.10.2010 e 1.000.00 € em 1.10.2010.
34. Em 16.9.2010, a ré debitou na referida conta um cheque de €20.000.00, cuja cópia se encontra junta a fls. 61.
35. A falecida C... prescindiu dos serviços da ré a partir de 22 de Setembro de 2010.
36. A falecida C..., já em Eixo, na casa da autora, telefonou à ré, por várias vezes, insistindo que esta lhe enviasse todos os documentos que tinha em seu poder, entre os quais o bilhete de identidade e o de contribuinte, o cartão multibanco e cheques da sua conta da Caixa.
37. Por carta datada de 19 de Outubro de 2010, a ré remeteu-lhe o bilhete de identidade, cartão de contribuinte, cartão de contribuinte da irmã, chaves do apartamento da irmã, chaves da casa do Rato, 5 cheques, certidão do testamento do H...., certidão de habilitação de herdeiros, contrato de mediação imobiliária, exames médicos e 3 cartas.
38. Nessa mesma carta (19/10/2010) refere “ Não necessita abrir nova conta na Caixa, pois amanhã vou retirar o meu nome da conta que poderá ser movimentada por si, refiro-me aos cheques. O que poderão comprovar, e vou depositar o restante dinheiro que tenho seu, pelo que me sinto desobrigada de qualquer outro compromisso “.
39. A ré devolveu à falecida C... mediante depósito em 20.10.2010, a quantia de 10.000.00 €, e em 21.10.2010 a quantia de 7.000.00 €.
40. A falecida C... não estava a par dos movimentos da sua conta.
41. A 24 de Outubro de 2010, a identificada C... passou procuração à mandatária constituída nos presentes autos (documento de fls. 56 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
42. Por carta datada de 23 de Novembro de 2010, registada com AR, recebida a 25.10.2010, a falecida C..., por intermédio da sua mandatária, notificou a ré da revogação da procuração, mais comunicando que, “pela sua conduta abusiva, lhe retira todos os poderes, deixando de poder praticar quaisquer actos em nome dela, mandante. Queira, em consequência, apresentar contas do seu mandato, e enviar-lhe todos os pertences, incluindo o ouro que ainda retém em seu poder”, solicitando ainda a entrega de todos os documentos, incluindo bancários e outros de sua pertença, e ainda os relativos ao destino da herança que a D.ª C... teria que receber por morte da irmã, D. F..., tudo conforme consta do documento cuja cópia consta de fls. 58 a 60, cujo teor aqui se dá, quanto ao mais, por reproduzido.
43. A ré recusou-se a apresentar contas referentes ao seu mandato.
44. Em 25 de Março de 2010, a ré passou um cheque de 75.000.00 € a uma Sr.ª M....
45. A falecida C... nunca conheceu, nem com essa senhora teve qualquer negócio, a quem devesse pagar, tal quantia.
46. Ao longo do seu mandato a ré retirou da conta da falecida C... as seguintes quantias, entre outras de menor valor:
Em 13.11.2009 - 8.000.00;
Em 27.11.2009 - 5.000.00;
Em 22.02.2010 - 1.000.00;
Em 31.03.2010 - 75.000.00;
Em 19.04.2010 - 2.500,00;
Em 29.04.2010 - 2.500,00;
Em 29.04.2010 - 5.000,00;
Em 31.05.2010 - 1.500,00;
Em 25.06.2010 - 2.500,00;
Em 6.07.2010 - 1.150,00€;
Em 19.7.2010 - 2.500,00 €;
Em 29.07.2010 - 1.000,00 €;
Em 8.2.2010 - 1.000,00 €;
Em 25.8.2010 - 1.150,00 €;
Em 16.09.2010 - 20.000.00 €;
Em 11.10.2010 - 1.000.00 €.
47. A ré, em 8 de Maio de 2009, debitou da conta da F... a importância de 90.000,00 €, relativa a obrigações do tesouro.
48. A ré tem na sua posse objectos em ouro, que pertenceram à falecida C..., que se recusa a devolver.
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De Direito
A apelante no recurso não questionou a caracterização da relação jurídica subjacente à obrigação reconhecida como contrato de mandato, refutando todavia a existência da obrigação de entrega de quaisquer quantias, alegando que aquelas que reconhecidamente reteve lhe foram doadas.
Não está em causa que, conforme assinalado na sentença recorrida, a autora foi chamada à sucessão aberta na sequência do óbito da identificada C..., sendo o título da vocação sucessória o testamento referido nos autos, conforme decorre do disposto nos artigos 2024º, 2026º, 2030º, nºs 1 e 2, 2031º, 2032º, nº1, e 2179º, nº1, todos do Código Civil.
Não se questiona igualmente que, nos termos do art.º 2026.º, a sucessão se abre no momento da morte do seu autor e que, em vida, o autor da sucessão pode dar aos bens o destino que entender tanto mais quando, como é o caso, não tiver herdeiros legitimários.
A questão foi todavia colocada num plano diferente e, aceite o pressuposto de que a ré estava obrigada a prestar contas pelo exercício do mandato, obrigação não cumprida, tendo-se apurado que não justificou o desvio de quantia superior a € 100 000,00, a sua condenação na entrega do montante peticionado foi meramente consequente.
Nos termos do art.º 941.º do CPC a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las, tendo por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
O direito de exigir que outrem lhe preste contas provém do facto desse terceiro estar investido na administração de bens que lhe não pertencem, e pode resultar da lei ou dos próprios termos do negócio celebrado, assentando na ideia básica de que quem administra os bens estará em posição de saber e provar quais os créditos e as despesas da sua administração.
O mandatário tem o dever, que decorre da lei, de prestar contas (cf. art.º 1161.º, al. d) do Código Civil). Todavia, procuração e mandato são negócios jurídicos diferentes, sendo a primeira um negócio unilateral e o segundo um contrato. Do mesmo passo, enquanto no mandato o mandatário tem o dever de o exercer, praticando os actos nele compreendidos segundo as instruções do mandante (cf. al. a) do citado art.º 1161.º), na procuração trata-se tão-somente de um poder (mas não um verdadeiro dever).
Outro traço distintivo entre os dois negócios é a essencialidade da atribuição voluntária de poderes na procuração, ao passo que o mandato pode ser acompanhado da outorga de poderes representativos (mandato com representação, a que se reportam os art.ºs 1178.º e 1179.º) ou desacompanhado da outorga de tais poderes (mandato sem representação- cf. art.º 180.º).
Todavia, sendo a procuração o acto pelo qual alguém confere a outrem, voluntariamente, poderes de representação, se o procurador celebrar o negócio ou acto jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, aqueles produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado (vide art.ºs 262.º, n.º 1 e 258.º). E tratando-se, também aqui, da administração de bens alheios, existe a obrigação de prestar contas, independentemente da caracterização como mandato representativo do acordo celebrado. Ademais, "se ao representante foram, pela procuração, atribuídos poderes representativos, não deixa o procurador de ser mandatário e, como tal, de ser titular dos direitos e obrigações do mandatário/representante (1161.º e 1178.º CC)"[4].
Do contrato de mandato resulta, por força da lei, a obrigação de prestar contas findo o mandato ou quando o mandante o exigir (cf. art.º 1161.º, al. d) do Código Civil).[5] E não há dúvida também que ambos os mandatos conferidos à ré se extinguiram, o primeiro por morte da mandante (art.º 1174.º, al. a)), o conferido pela testadora C... por revogação (cf. art.º 1170.º).
De referir que, no caso da procuração, o art.º 265.º prevê como causas de extinção, nos seus n.ºs 1 e 2, a renúncia do procurador, a revogação pelo representado e a cessação do negócio-base, sendo que esta última convoca as regras dos artigos 1174.º e 1175.º, cujo regime é, assim, igualmente aplicável à procuração em caso de morte do representado, seja directamente, quando subjacente haja um contrato de mandato, seja por analogia, nas demais situações.
Apurou-se nos autos que, fazendo uso da procuração outorgada pela autora da sucessão C..., à semelhança do que ocorrera já com a F..., a quem aquela sucedera como herdeira universal, a ré praticou uma pluralidade de actos, tendo procedido designadamente ao levantamento de diversas quantias das contas bancárias tituladas pelas suas representadas. Tendo-se extinto o mandato, subsiste a obrigação de prestar contas, obrigação legal que a mandatária aqui ré se recusou a cumprir (cf. o facto n.º 43), a despeito de para tanto ter sido expressamente interpelada em vida da mandante. Daí que a autora, que à mandante C... sucedeu como herdeira universal, tenha o direito de exigir em juízo a sua prestação.
Não questionando ter em seu poder pelo menos € 165 000,00 euros da herança -90 000 + 75 000-, intentou a ré fazer prova de que tais quantias lhe haviam sido doadas pelas mandantes, a fim de se subtrair à obrigação de entrega. Todavia, e a despeito de quanto dispõe o art.º 947.º quanto à forma das doações, tal não dispensa obviamente a prova de que teve lugar, por espírito de liberalidade do seu autor, um acto de disposição gratuita. O ónus da prova desse facto recaía aqui inequivocamente sobre a ré, enquanto facto impeditivo do direito que a autora pretendia fazer valer, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º, sendo certo que dele não se desincumbiu.
Por outro lado, considerando o montante global de € 132 660,95 proveniente de transferência e depósitos efectuados na conta bancária titulada pela mandante C... entre Outubro de 2009 e Março de 2010, e que herdara de sua irmã, a também falecida mandante F..., o que se constata é que até Outubro de 2010 a ré, fazendo uso da aludida procuração, retirou da mesma conta € 122 502,24 -aqui se incluindo a já referida quantia de € 75 000,00. Deste montante a apelante devolveu apenas €17 000,00 por meio de depósitos efectuados nos dias 19 e 20 de Outubro de 2010 (cf. facto 39.), sem que tenha justificado o destino dos restantes valores, superiores ao saldo aqui reclamado.
Invoca a apelante em abono da sua pretensão recursiva uma decisão do STJ segundo a qual, e cita, “Autorizar alguém a movimentar a sua conta bancária, é dar-lhe todos os valores depositados nessa conta bancária”. Apesar de todos os esforços não lográmos localizar o acórdão, que cremos inédito ou, em alternativa, incorrectamente identificado. De todo o modo, e desconhecendo embora qual a matéria de facto em que assentou a decisão, não podemos concordar com a conclusão destacada pela apelante, se entendida em termos absolutos, posto que a intenção de doar não resulta inequívoca, em nosso entender, daquela singela circunstância. De todo o modo, a outorga de uma procuração para executar determinados actos em nome do mandante/representado seguramente que, por si só, não tem esse significado.
Quanto à solução encontrada no aresto desta mesma Relação de 29/1/2013, no identificado processo 1504/09.5 TBFIG[6], da qual não se diverge, a verdade é que não tem aqui aplicação. Com efeito, não questionou a apelante que as quantias em causa pertencessem às sucessivas mandantes, antes pretendendo que as mesmas lhe foram doadas. E foi esta prova que não foi feita, ao invés do que ocorreu no aresto citado, em que ficou cabalmente demonstrada a intenção do autor da sucessão, ainda em sua vida, beneficiar a ali ré com os saldos das contas bancárias identificadas. Mas nada disso se provou ter ocorrido no caso que nos ocupa, tanto mais que a mandante, ainda em vida, expressamente interpelou a ré para que lhe prestasse contas.
Finalmente, e quanto ao pedido reconvencional, não tendo a apelante feito prova dos seus fundamentos, não pode deixar de ser confirmado o juízo de improcedência formulado pela 1.ª instância, deste modo improcedendo todas as conclusões do recurso.
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III Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença apelada.
Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.
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Maria Domingas Simões (Relator)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Fernando Amâncio Ferreira, in “Manual dos recursos em processo civil”, 9.ª edição, págs. 175 e 178, a propósito do predecessor do art.º 639.º que ora se analisa, comentário que, contudo, dada a identidade das disposições, se mantém válido.
[2] Cf. aut. e ob. cit., pág. 159.
[3] Do acórdão do TC 55/85, citado pelo C.º Lopes do Rego, in CPC anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 545.
[4] Acs. do STJ de 01/07/2003, no Proc. 1913/03, 6ª secção, e de 9/2/2006, processo 05B4061, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Diploma legal ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[6] Do qual a apelante destaca os seguintes pontos do sumário “I. O facto de na data do óbito existirem contas de depósitos bancários em nome do falecido não permite que se conclua que o saldo dessas contas pertencia necessariamente ao seu titular, integrando por isso o acervo da herança aberta pela sua morte.
II. A titularidade de uma conta de depósito bancário pode nada ter a haver com a propriedade das quantias nela existentes”.