Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
176/23.9T8PBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
PETIÇÃO FACTUALMENTE DEFICIENTE
INEPTIDÃO DA P.I..
FACTOS SUPERVENIENTES
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1782.º, A), DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 6.º; 186.º, 3; 265.º, 1 E 6; 581.º, 4; 588.º, 3, A); 590.º, 3 E 4 E 611.º, DO CPC
Sumário: I - Petição factualmente insuficiente, desajeitada ou obscura não a fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido.
II - Assim, só existe falta de causa de pedir que implica a ineptidão quando o autor não indica o facto genético ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito, ie., seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual a causa de pedir e o pedido que aspira fazer valer.

III – Em abono da justiça material, da celeridade e da economia de meios, devem ser tidos em consideração até à audiência final, os factos supervenientes atempadamente invocados, sem que tal constitua ilegal alteração da causa de pedir, máxime quando tais factos sejam uma concretização, desenvolvimento ou completude dos liminarmente alegados – artºs 588º e 611º do CPC.

Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Fernando Monteiro
Alberto Ruço




ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA,  instaurou contra BB ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

 Alegou.

O réu provocou discussões e assumiu comportamentos  violentos, física e verbalmente.

A partir do dia 28 de Agosto de 2022 deixou de existir qualquer partilha de refeições, de conversas ou de planos em família.

Não obstante o réu continuar a dormir na mesma casa e deitando-se na mesma cama da autora, que não encontra maneira de amigavelmente, terminar com este circunstancialismo, que não é manifestamente saudável para ninguém.

Não existe qualquer possibilidade de reatamento da relação de ambos, desde logo por não ser mais essa a vontade da autora.

 

Pediu:

Que, ao abrigo da al. d) do artigo 1781º do CC, a ação seja julgada procedente, e em consequência seja  decretado o divórcio entre autora e réu, com a consequente dissolução do vínculo conjugal.

O réu contestou.

Disse que a autora não alegou factos concretos para o decretamento do divórcio, mas apenas conclusões e opiniões subjetivas e que, ademais,  defluiu da própria alegação da autora que a separação  de facto seria a partir do dia 28/7/2022, pelo que apenas irá perfazer um ano em 27/7/2023.

Pediu:

Que  a ação seja julgada improcedente.

Ponderando a Srª Juíza  a quo a possibilidade de os  autos findarem no despacho saneador, por ineptidão da petição inicial nos termos do artº 186º nº 1 e 2 al. a) do CPC, face à falta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, foram as partes notificadas para querendo no prazo de 10 dias se pronunciarem (artº3º nº 3 do Cód. Proc. Civil).

Notificada, veio a autora em 12/7/2023 pronunciar-se alegando que:

- requereu, em apenso próprio, a fixação provisória da casa de morada de família bem como a regulação provisória das responsabilidades parentais e também aí, a autora descreveu outros factos concretos supervenientes à propositura da presente ação que, têm de ser levados em linha de conta nos autos principais.

- desde a tentativa de conciliação ocorrida no passado mês de Março, o réu tem, sistematicamente importunado a autora com cartas de amor que a incomodam não obstante a autora lhe ter pedido que parasse de o fazer tendo-lhe reiterado a sua vontade em se divorciar.

- em virtude da não aceitação das referidas cartas e declarações por parte da autora, o réu ameaça “partir a casa toda” onde ainda infelizmente todos residem, ameaçando inclusivamente a autora com agressões.

- a autora encontra-se a dormir na sala desde Fevereiro por ter medo de dormir no seu quarto, tem de ficar no quarto dos filhos até o réu ir dormir porque tem medo de se cruzar com ele nas outras divisões da casa.

- a autora e os seus filhos têm de guardar os bens alimentares no quarto daqueles porque de outro modo o réu consome-os (sem que tenha contribuído para a sua compra) ou estraga-os sem qualquer justificação.

- a autora e os seus filhos procuram fazer horários opostos aos feitos pelo réu para tentar evitar o contacto, sempre desagradável, com ele.

- o réu insiste sistematicamente em circular nu pela casa, entrando pela casa de banho ainda que esta esteja ocupada pela autora ou pelos seus filhos, provocando contacto físico indesejado com estes.

- o réu não pratica os deveres de respeito, cooperação e assistência para com a autora, desconhecendo esta se ele ainda hoje é fiel ao casamento, sendo que a coabitação apenas existe na forma de partilha de teto por o réu se recusar a abandonar, contra a vontade da autora, uma casa que é bem próprio desta.

Termina pedindo:

Que a petição inicial não seja julgada inepta, devendo os factos cujo conhecimento ora traz aos autos principais (e que constam do requerimento do apenso datado de 23 de Junho) ser aceites como parte integrante da petição inicial dado o seu carácter superveniente face à entrada da petição inicial.

 

O réu pronunciou-se.

Alegando que  não se poderá considerar o articulado superveniente previsto nos artºs 588º e 589º do CPC,  pelo que não estão preenchidos os pressupostos para a autora requerer o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Posteriormente, em 29/8/2023, veio a autora apresentar articulado, que denominou de articulado superveniente, alegando que:

- tal como aduzido em sede de petição inicial, mormente no artigo 21.º da mesma, desde o “dia 28 de Agosto de 2022 deixou de existir qualquer partilha de refeições, de conversas ou de planos em família”, situação esta que ao dia de hoje, 29 de Agosto de 2023, se mantém inalterada, existindo, assim, uma rutura total entre o casal, pelo menos desde essa data, que apenas não se manifesta no facto de ambos viverem em casas diferentes, porque o réu não quer sair de casa e a autora não tem outro sítio para onde ir, a não ser que fosse viver para a rua.

- existe, desde 28 de Agosto de 2022 uma separação de facto entre as partes nos presentes autos, uma vez que não existe qualquer comunhão conjugal nem se verifica nenhum dos deveres conjugais vertidos nos artigo 1672º do Código Civil, nomeadamente os de respeito, de cooperação ou de assistência.

- pelo que, sem prescindir de tudo o que já se encontra alegado nos presentes autos (e que no entender da autora fundamenta, de modo mais do que suficiente, motivo para o divórcio nos termos do artigo 1.781.º al. d)), a verdade é que, ao dia de hoje, também se encontra verificado o fundamento vertido na al. a) do referido artigo, ou seja, a separação de facto por um ano consecutivo.

Termina pedindo:

Que o articulado superveniente apresentado seja admitido e os factos ora aduzidos devidamente apreciados para a boa decisão da causa, devendo, nesse sentido, ser decretado o divórcio entre a autora e o réu, nos termos das als. a) e d) do artigo 1781º do Código Civil.

 

Notificado da apresentação do articulado superveniente veio o réu pronunciar-se, pugnando pelo indeferimento do requerimento apresentado. 

2.

Em sede de despacho saneador foi proferida a seguinte decisão:

«A autora, intentou a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pretendendo seja decretado o divórcio entre si e o réu.

Nos termos do artigo 1781.º do Cód. Civil:

São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:

a) A separação de facto por um ano consecutivo;

b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de  um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;

c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;

d)Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges,

mostrem a rutura definitiva do casamento.

E nos termos do artigo 1782.º do mesmo diploma legal:

Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.

Para ser decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge com fundamento na separação de facto, torna-se assim necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:

a) Ausência de comunhão de vida entre os cônjuges, ou seja, a cessação objetiva do  relacionamento afetivo, sexual, familiar, doméstico, social e económico entre os cônjuges pressuposto objetivo;

b)Propósito de pelo menos um dos cônjuges não restabelecer a comunhão de vida  conjugal-pressuposto subjetivo;

c)Separação de facto;

Nos termos da al. d) do artº 1781º do CC, são fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges quaisquer outros factos que independentemente da culpa dos conjuges, mostrem a rutura do casamento-artº 1781º al. d) do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 61/2008, de 31.10.

Notificada para se pronunciar sobre a possibilidade de os presentes autos findarem no despacho saneador por ineptidão da petição inicial, face à falta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, veio a autora de forma deslocada e extemporânea, através do requerimento apresentado em 12/7/2023, alegar factos que deveriam integrar a causa de pedir, com fundamento na alínea d) e que não alegou na petição inicial, sem que lhe tivesse sido dirigido pelo tribunal qualquer despacho de convite ao aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no artº 590º nº s 2 e 4 do CPC.

Tudo para concluir, que não tendo a autora sido convidada a aperfeiçoar a petição inicial, não poderão tais factos ser processualmente atendidos.

*

Cumpriria agora apreciar a exceção de ineptidão da petição inicial suscitada oficiosamente pelo tribunal. 

Todavia, veio a autora apresentar articulado superveniente em 29/8/2023, no qual alega factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos dos articulados, constitutivos do direito de requerer o divórcio com fundamento na separação de facto por um ano consecutivo (al. a) do artigo 1781º do CC), sendo que no caso de tal articulado vir a ser admitido, prejudicará a invocada exceção de ineptidão da petição inicial.  

Vejamos.

No articulado apresentado, alega a autora que, tal como aduzido em sede de petição inicial, desde o “dia 28 de Agosto de 2022 deixou de existir qualquer partilha de refeições, de conversas ou de planos em família”, situação esta que ao dia de hoje, 29 de Agosto de 2023, se mantém inalterada existindo, assim, uma rutura total entre o casal, pelo menos desde essa data, que apenas não se manifesta no facto de ambos viverem em casas diferentes porque o réu não quer sair de casa e a autora não tem outro sítio para onde ir, a não ser que fosse viver para a rua, pelo que, sem prescindir de tudo o que já se encontra alegado nos presentes autos, a verdade é que, ao dia de hoje, também se encontra verificado o fundamento vertido na al. a) do referido artigo, ou seja, a separação de facto por um ano consecutivo.

Dispõe o artigo 588º do CPC

Termos em que são admitidos

1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.

3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:

a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao  respetivo encerramento;

b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da  audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;

c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento  em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.

4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for  manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.

5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.

6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.

Prescreve a artigo 611º nº 1 do CPC que - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

O modo privilegiado de o tribunal aceder a tais factos é o de as partes os alegarem. O momento normal de alegação dos factos é da apresentação dos articulados. 

Porém pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição. 

Face ao disposto no citado artigo 611º nº 1 impõe-se carrear para o processo tais factos, sendo essa a função dos articulados supervenientes, regulando a lei diversos momentos para a alegação dos factos supervenientes.

Relativamente à autora, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê, tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no artº 265º( cf. Teixeira de Sousa, As Partes, O Objeto e a Prova na Ação Declarativa. p. 1990 e Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 299-300, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot, v. ii, 3ª ed., pp. 615-616 e 724 e RP 15-7-04, 0433943). 

In casu, veio agora a autora através de articulado superveniente alegar que os factos atinentes à separação de facto e que melhor concretizou, se prolongaram no tempo no decurso da ação, havendo agora separação de facto por um ano consecutivo.

Tais factos correspondem a factos que integravam a causa de pedir desenhada pela autora na sua petição inicial, os quais não foram objeto de convite ao aperfeiçoamento, por à data ainda não ter decorrido o requisito de um ano consecutivo.

Face à nova lei processual, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre   defendem que perante o atual art. 588º (que dispõe sobre os articulados supervenientes)  «a ocorrência do facto constitutivo (igual ou diverso do invocado na petição inicial) deve ser alegada e provada em articulado superveniente; mas o simples decurso de um período que falte para se completar um prazo sem o qual a ação não possa proceder talvez dispense a invocação em articulado superveniente. 

Esta perspetiva foi adotada no acórdão do STJ de 23-2-2021  no qual se expendeu: 

«O art. 611.º n.º 1 do CPC permite, com algumas restrições, que na sentença sejam tomados em consideração factos que se produzam depois da propositura da ação. (…) 

A atendibilidade do decurso do ano de separação de facto - neste estádio do processo, para efeitos do art. 1781.º al. a) do CC, não envolve tão pouco, no caso dos autos, alteração ou ampliação da causa de pedir, à revelia das normas que regem a modificação objetiva da instância (arts. 264.º e 265.º n.º 1 do CPC) - mas permitida pelo art. 588.º do CPC - porquanto se trata de facto alegado pela autora desde a petição inicial, como elemento da causa de pedir da presente ação. 

Sobre a referência temporal da falta do decurso do prazo de um ano consecutivo de separação de facto ao tempo da propositura da ação prevalece o princípio da atualidade da decisão consagrado no art. 611.º do CPC. Está em causa como que uma espécie de “utilidade superveniente da lide”».

In casu, resultando dos factos agora alegados em sede de articulado superveniente, que os mesmos são constitutivos do direito da autora ( al. a) do artigo 1781º do CC), ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos articulados, interessando os factos agora alegados à boa decisão da causa e considerando a fase processual em que o processo se encontra, em que ainda poderia ser convocada a audiência previa, (artº 588º nº 3 al. a) do CPC), admite-se o articulado apresentado e determina-se o prosseguimento dos autos, ficando prejudicado o conhecimento da exceção de ineptidão da petição inicial por neste momento se entender, face a tudo quanto vem exposto, que deixou de verificar-se.

Cumpriria neste momento proceder à notificação do réu para responder, todavia, considerando que sobre o mesmo, o réu veio entretanto, pronunciar-se, conforme decorre do requerimento com a refª 10026212, considera-se cumprido o contraditório.

Ponderando que os factos agora alegados interessam à boa decisão da causa os mesmos serão objeto dos temas da prova nos termos do artigo 596º do CPC, o que se fará de seguida.

Enunciação dos temas da prova: 

Saber se a autora sempre trabalhou acumulando, sozinha, as lides domésticas sendo ela a única pessoa do casal que ia às compras, limpava a casa e providenciava de uma forma geral tudo o que é necessário para se poder viver.

Saber se a autora sempre se sentiu sozinha ao ser a única responsável por tudo, o que fez com que ao longo do tempo a relação de ambos se começasse a deteriorar.

Saber se foram diversas as situações desagradáveis e incómodas para a autora que existiram – desde comportamentos sociais inapropriados a comportamentos violentos, física e verbalmente.

Saber se o comportamento do réu manteve-se inalterado, sendo as discussões cada vez mais recorrentes e o tom das mesmas cada vez mais elevado, tendo culminado com uma ameaça no passado dia 4 de Agosto de 2022 que deixou a autora particularmente consternada e a temer pela sua segurança.

Saber se a partir do dia 28 de Agosto de 2022 deixou de existir qualquer partilha de refeições, de conversas ou de planos em família, situação esta que ao dia 29 de Agosto de 2023, se mantinha inalterada.

Saber se pelo menos desde 28 de Agosto de 2022, que autora e réu fazem vidas totalmente separadas, não comem juntos, não combinam nada em comum, não fazem férias nem passam tempo livre juntos, ausentam-se de casa sem darem qualquer explicação um ao outro.

Da pretensão da autora em não restabelecer a vida em comum com o réu.»

3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª) A A. não alegou os factos essenciais, suscéptiveis de integrar e preencher os requisitos legais exigidos, com vista a, ser decretada a dissolução do casamento por divórcio sem o consentimento do outro cônjugue, exigidos pelo disposto no art. 1781º do Código Civil.

2ª) As mesmas afirmações/conclusões expendidas nos pontos: 12º; 13º; 14º; 15º; 16º; 18º; 19º; 20º; 21º; 22º; 24º e 25º da p.i., não consubstanciam realidades/objetivas concretas, definidas e especificadas no tempo, modo e lugar circunstancializadas; mas, antes, conclusões, opiniões ou meras apreciações subjetivas da A.

3ª) Na ação, não se mostram preenchidos, nem articulados, factos constitutivos do pretenso direito da A., ver decretada a dissolução do seu matrimónio, na modalidade de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com o Réu.

4ª) Com a citação deste, a instância ficou estabilizada, quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir e; é esse, momento temporal e processual marcante para, a presente ação, na medida em que, não se verificam nenhuma das situações legais a modifica-la. Ademais!

5ª) A petição inicial enferma de ineptidão, cuja excepção dilatória foi expressamente tempestiva, arguida e invocada pelo R.

6ª) Tanto assim, o tribunal a quo, preparava-se para apreciar e julgar a defesa por excepção e, tendo notificado as partes nesse sentido, para – querendo – se pronunciarem; o que, a A. sem erro crasso sabia, ignorou e quis transmutar em articulado superveniente, indevidamente. Sem conceber ou condescender,

7ª) O Tribunal a quo não observou o regime processual previsto e consagrado pelo art. 588º, nº 3, al. a) e nº 4 do CPC, quanto ao instituto do articulado superveniente, em ato suscetível de influência no exame e na boa decisão da causa, isto é, há nulidade processual, tempestivamente reclamada.

8ª) À excepção da ineptidão da p.i., a ação devia ser julgada procedente, com absolvição da instância do Réu.

9ª) Os supostos factos articulados no denominado articulado superveniente, não podiam integrar a causa de pedir, nem os temas da prova, por falta da causa de pedir ab initio.

10ª) Por erro de interpretação e apreciação, a decisão não se revela a mais assertiva, nem consentânea, com a mens legis e, com os dispositivos legais aplicáveis.

11ª) Mostram-se violados os princípios constitucionais do direito civil e processual civil; bem como, os comandos aplicáveis; mormente, o disposto nos arts.: 26º, nº 1; 36º, nº 1, 2 e 3 e; 202º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa; arts.: 1577º; 1671º; 1773º, 12 nº 3; 1781º do Código Civil; arts.: 5º; 152º; 186º, nº 2, al. a); 195º, nº 1; 260º; 552º, nº 1, al. d); 584º, nº 1 e 588º, nºs 2 e 3, al. a) e nº 4 do Código Processo Civil.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é a seguinte:

Ineptidão da petição por falta de causa de pedir, por inadmissibilidade de consideração dos factos do articulado superveniente.

5.

Apreciando.

5.1.

O nosso direito adjetivo, e quanto à causa de pedir, adota a teoria da substanciação perante ou em função da qual pode definir-se causa de pedir como sendo o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer – cfr. artº 581º nº4 do CPC.

 Tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico material concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.

A causa de pedir é, pois, o facto material apontado pelo autor e produtor de efeitos jurídicos e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe.

A ideia geral  e primordial  - desde logo na perspetiva do julgador - no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre desde logo não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento, “judicium”- Cfr. Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, p.47.

O fito secundário – na perspetiva das partes – é permitir o cabal conhecimento por banda do réu das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.

 Por isso o estatuído no nº3 do artº 186º.

A dificuldade reside em manter uma linha de separação entre a ineptidão da petição, vício formal, e a inviabilidade ou improcedência, questão de mérito ou substancial.

Nesta matéria urge ter presente que os factos que podem enformar os articulados  se podem integrar em três espécies, a saber:

- Factos essenciais ou estruturantes, aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção.

- Factos complementares, que concretizam a causa de pedir ou a exceção complexa.

- Factos instrumentais, probatórios ou acessórios, que indiciam os factos essenciais e/ou complementares.

Ora apenas a falta na pi dos factos essenciais determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela.

Já os factos complementares são indispensáveis à sua procedência, não contendendo a sua falta com aquele vício, mas com a questão de mérito a dilucidar a final – Neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed pág. 70.

Destarte, pode dizer-se que, por via de regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso é de improcedência e não de ineptidão.

O que interessa, do ponto de vista da apreciação da causa de pedir, é que o ato ou o facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição.

Na verdade e na lição sempre atual do Mestre Alberto dos Reis, há que ter presente que:

 «Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.

Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente…quando…sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstancias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga - Comentário, 2º, 364 e 371.

No seguimento destes ensinamentos a jurisprudência tem, desde sempre, vindo a defender, em uníssono, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa petendi, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido.

Efetivamente, reitera-se, petição prolixa não é o mesmo que petição inepta e causa de pedir obscura, imprecisa ou inadequada não é o mesmo que causa de pedir inexistente ou ininteligível.

No fundo só existe falta de causa de pedir quando o autor não indica o facto genético ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer. – cfr. entre outros Acs. do STJ de 12.03.1974, BMJ, 235º, 310, de 26.02.1992, dgsi.pt, p.082001 e Acs. da RC de 25.06.1985 e de 01.10.1991, BMJ, 348º, 479 e 410º, 893.

Nesta conformidade, verdadeiramente só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedircfr. Acs. do STJ de 30.04.2003, 31.01.2007 e 26.03.2015,  p.03B560,  06A4150 e  6500/07.4TBBRG.G2,S2, in dgsi.pt,.

Neste entendimento se enquadra o estatuído no citado nº3 do artº 186º.

Pois que, mesmo que o réu, na contestação, invoque a falta ou ininteligibilidade do pedido, tal invocação não é atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, inteligiu o feito que o demandante introduziu em juízo e está cônscio das consequências que dele pretende retirar.

Efetivamente:

«A petição inicial constitui um ato processual da parte, dirigido ao tribunal, que encerra declarações de vontade do respetivo autor.

Não estando, ao menos quanto à narração, sujeita a fórmulas especificamente fixadas, as declarações em causa estão, como quaisquer outras, sujeitas a interpretação…tendo sempre presente a sua natureza e fins em razão do processo» – Ac. do STJ. de 16.12.2010, p. 942/04.4TBMGR.C1.S1 in  dgsi.pt..

(sublinhado nosso)

Por conseguinte, é exigível um esforço interpretativo no sentido de se alcançar qual a pretensão do autor/reconvinte e as razões/fundamentos em que a alicerça.

E se esta interpretação, que, até certo ponto, se pode considerar restritiva no sentido da verificação do vício em dilucidação, já assim era maioritária antes da reforma processual de 1995, maior pertinência e acuidade ganhou com esta reforma, atento o fito primordial por ela propugnado, qual seja, privilegiar a obtenção de uma decisão de fundo, que aprecie o mérito da pretensão deduzida, em detrimento de procedimentos que condicionam o normal prosseguimento da instância.

Na verdade, e conforme se alcança do relatório do DL 329-A/95 de 12/12, consagrou-se como regra, que «a falta de pressupostos processuais é sanável».

 Tudo de sorte a «obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio».

Sendo que o processo civil - rectius as respectivas normas - não pode ser perspetivado, interpretado e aplicado como um fim em si mesmo, mas antes como: «um instrumento ou …mesmo uma alavanca no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos…»

A reforma de 2013 acentuou ainda mais este fito, impondo ao juiz uma atuação pro ativa no sentido de, se entender existir deficiência alegatória, diligenciar pelo suprimento da mesma – cfr. artºs 6º e 590º nºs 3 e 4 do CPC.

Nesta senda citem-se alguns arestos mais recentes.

Assim:

Ac. RP de 21.10.2019, p. 4138/18.0T8MTS-A.P1, in dgsi.pt, como os restantes:

«I - A ineptidão da petição inicial, apenas, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade...

II - Ainda, que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pela autora e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a), do nº 2, do art. 186º, do CPC seja, com fundamento na falta ou ininteligibilidade de causa de pedir ou do pedido, a arguição não é julgada procedente quando, conforme estipula o nº 3, daquele mesmo artigo.

IV - O juiz deve, oficiosamente, determinar que a autora aperfeiçoe a petição inicial, suprindo as omissões detectadas, no prazo fixado e só depois é que poderá extrair as consequências daquela omissão, caso não sejam supridas as insuficiências.»

Ac. RE de 09.09.2021, p. 1884/19.4T8EVR-B.E1

«V – Sobre as partes recai o ónus de alegarem os factos essenciais em sentido estrito e os factos complementares, sendo que quando faltem os primeiros estamos perante uma nulidade do processo por ineptidão da petição inicial; e quando faltem os segundos, deverá o tribunal a quo convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado, nos termos do artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b) e 4, do Código de Processo Civil.»

Ac. RG de 13.07.2022, p. nº 2561/20.9T8VCT.G1

«A ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir pressupõe que, do ponto de vista lógico e racional, o pedido se oponha e brigue com a causa de pedir.

Não há ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir se o acervo fáctico que serve de base à pretensão deduzida for compreensível, pese embora, eventualmente, não conduza à procedência da ação.»

Ac. RL de 10.11.2022, p. 118395/21.4YIPRT.L1-2

«II) A petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir.

III) A falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, também não terá lugar a prolação de despacho de aperfeiçoamento.

IV) Contudo, só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir.»

(sublinhado nosso).

5.2.

In casu.

É obvio que a petição inicial não é um modelo a seguir no que tange ao cumprimento do aludido dever de substanciação, através da alegação de factos concretos, concisos e incisos, ie. ocorrências materiais da vida.

Antes atendo-se, essencialmente, à alegação de factos genéricos, conclusivos e opinativos: «ausência de ideia de família, discussões e ameaças» – cfr. artºs 16º, 20º  e 24º.

No entanto alguns factos são alegados.

É o caso do vertido nos artºs 12º e 14º da pi, pois que a autora ao plasmar que ela arcou «sozinha com as lides domésticas», está a querer dizer que o réu delas se alheou, o que viola o dever de cooperação.

Bem como o alegado no artº 15º, pois que, não contribuindo o réu atempadamente com a anuída entrega de um certo valor – 1.400,00 euros -  para as despesas familiares, está ele a violar o dever de assistência.

Acresce que o réu, não obstante as deficiências invocadas, inteligiu o feito que a demandante introduziu em juízo e está cônscio das consequências que ela dele pretende retirar.

Assim sendo, parece-nos que o vício da petição não é tanto o da ineptidão, mas mais é o da deficiência.

Nesta conformidade, a Julgadora, em vez de ordenar a notificação das partes, no sentido de evitar decisões surpresa, no entendimento de que a petição era inepta, melhor teria  decidido se convidasse a autora a concretizar factualmente, em termos de modo, tempo e lugar, as alegadas ausências, discussões e ameaças por banda do réu.

Sendo que a ação prosseguiria  e seria julgada perante os parcos factos alegados e outros que eventualmente a autora viesse a alegar em face do convite aludido, e o pedido procederia ou improcederia em função dos factos que viessem a ser dados como provados ou não provados.

Tendo entendido que a petição seria inepta, certo é que a autora veio a alegar factos mais concretos.

E estes factos foram alegados como objetivamente supervenientes, ie. ocorridos já após a instauração da ação.

O réu não coloca em crise esta natureza de tais factos.

E a tempestividade de alegação dos mesmos também se verifica.

Como bem se  expende na decisão, eles poderiam ainda ser alegados em sede de audiência prévia, nos termos do artº 588º nº3 al. a) do CPC, diligência que o processo admite, pelo que tendo sido alegados antes desta fase, a sua tempestividade é patente.

Dito isto, e nesta conformidade, emerge o disposto no artº 611º do CPC, o qual estatui:

«Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes

1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.»

Certo é que nos termos do artº 265º nº 1 do CPC:

«1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.»

Porém, a mais adequada exegese para a compatibilização dos dois preceitos aponta no sentido de que o artº 265º apenas proíbe a alteração da causa petendi se ela for alicerçada em factos já ocorridos ao tempo da instauração da ação.

Se forem supervenientes, objetiva ou subjetivamente, podem e devem eles ser tomados em consideração na decisão final – Cfr. Ac. da R Évora de 14.01.2021, p. 168/05.0TBVVC-N.E1, e Ac. R Lisboa de 28.03.2023, p. 915/14.9TVLSB-B.L1-7, in dgsi.pt.

Isto sob pena de se retirar efeito útil ao artº 611º.

E, acima de tudo,  em abono do magno princípio da prevalência da substância sobre a forma, sucessivamente reiterado nas últimas reformas processuais, ou seja, da realização da justiça material; e, inclusive, em defesa dos princípios da celeridade e da economia de meios.

Esta ideia de que a estabilização da causa de pedir e a sua imutabilidade não são sacramentais, resulta ainda do nº6 do artº 265º, o qual permite, sem a restrição do nº 1, a modificação da causa de pedir, desde que acompanhada da modificação do pedido e tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

Efetivamente:

« A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo, assim, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao conceito amplo de causa de pedir.

 Segundo este conceito, só haverá alteração da causa de pedir se nenhum dos factos constitutivos das normas invocadas quanto ao pedido inicial for comum ao pedido ampliado.» - Ac. R Coimbra de 26.01.2021, p. 5362/18.0T8CBR-B.C1, in dgsi.pt.

(sublinhado nosso)

Ora no caso sub judice, e como se viu, na pi. a autora invoca alguns factos que alicerçam, comumente com os factos supervenientemente alegados, o seu pedido, o qual nem sequer é ampliado, mas se mantém inalterado: o decretamento do divórcio.

E assim, summo rigore, inexistindo uma verdadeira alteração da causa de pedir, mas antes uma concretização, desenvolvimento ou completude da liminarmente invocada.

E tal ideia dimana ainda do facto de, tal como bem decido, que o prazo de um ano da separação de facto a que alude a al. a) do artº 1782º do CCivil, pode não estar completado no momento da instauração da ação, relevando para o efeito deste preceito se se completar até à prolação da decisão final.

Neste sentido se  tem inclinado a doutrina e a jurisprudência mais recentes, como sejam o Ac.do STJ de 23.02.2021, p. 3069/19.0T8VNG.P1.S1, citado na decisão,   o voto de vencido proferido no Ac. R Évora de 21.03.2013, p. 292/10.7T2SNS.E1. e  o Ac. R Lisboa de 23.02.2021, p. 1942/19.5T8CSC-D.L1-7, todos in dgsi.pt.

No caso vertente esta possibilidade é tanto mais de admitir quanto é certo que a autora já tinha invocado factos que apontavam para tal fundamento – artº 21º da pi.

Destarte, se atingindo a final conclusão que os vícios/ilegalidades apontados à decisão, inexistem; antes esta melhor se compaginando com a realização mais célere da justiça material.

 Fito este que, prevalecentemente, deve orientar a subsunção dos factos ao direito e a interpretação da lei.

Improcede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2024.05.21.