Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM AGRAVAMENTO DA SERVIDÃO REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 04/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DE FRADES DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1564.º, 1565.º E 1568.º, N.ºS 1 A 3, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I – A propósito da mudança do leito da servidão para sítio diferente (locus servitutis) a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art. 1568.º do Código Civil o legislador, embora sempre de forma manter o equilíbrio das posições respetivas, utilizou uma redação ligeiramente distinta; quando a mudança seja efetuada a pedido do proprietário do prédio serviente (n.º 1), basta-se com a conveniência para este, desde que com isso não fiquem prejudicados os interesses do proprietário do prédio dominante, já quando se trate de mudança a pedido do dono do prédio dominante (n.º 2), é consentida quando dela resultem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio dominante. II – Se quanto ao prejuízo da contraparte (2.ª parte dos referidos preceitos) parecem não subsistir dúvidas quanto à sua coincidência exegética - em ambos os casos esse prejuízo deve ser sério, relevante, afastando a mera futilidade da oposição, o mero não querer egoístico – quanto ao outro requisito o legislador parece ter pretendido uma maior exigência (advirem vantagens e não a simples conveniência) na situação em que a mudança é pedida pelo proprietário do prédio dominante, o que se compreende na medida em que visa precisamente a compressão do direito de propriedade, tornando mais gravosa a posição do prédio serviente. III – A alteração do modo e do tempo do exercício da servidão efetuada a pedido do proprietário do prédio dominante (art. 1568.º, n.º 3 do Cód. Civil) está dependente da prova em como da alteração lhe advenham vantagens reais (sérias, palpáveis, efetivas), novas utilidades ou benefícios, de caráter real e não simples comodidades subjetivas. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 5426/16.5T8VIS.C2 Juízo de Competência Genérica de Oliveira de Frades _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório AA e BB, residentes em ..., ..., ..., intentaram contra CC, DD e EE, também residentes em ..., ..., ..., a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma comum, pedindo, com os fundamentos que aduziram, “declarar-se constituída a favor dos prédios dos autores e onerando os prédios dos réus supra indicados uma servidão permanente de passagem de carro, contra o pagamento da indemnização que vier a ser arbitrada e que se estima que não seja superior a 500,00€, tendo em conta que se trata do prédio já onerado, nos termos supra expostos”. * Os RR. contestaram, impugnando a parte nuclear dos factos alegados pelos AA. e pugnando, a final, “A) Deve a acção ser julgada não provada e improcedente com as inerentes consequências legais; por mera cautela, sem conceder B) Deve a pretensão dos AA. ser julgada ilegítima à luz do abuso do direito, instituto que expressamente se invoca; C) Deve ser alterado/actualizado o valor da acção, tornando-o adequado aos custos do ónus objecto da pretensão dos AA., em quantia não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros) Ainda sem conceder, finalmente D) Declarando o respectivos prédios encravados, nos termos em que o fazem os AA., os RR., como é seu direito, pretendem, em ordem à desoneração dos seus prédios adjacentes a prédio urbano (casa de habitação), adquiri-los, pagando o seu justo valor”. * Por sentença de 11.08.2023, a Sra. Juíza, com os fundamentos que dela constam e que aqui se dão por reproduzidos, julgou a ação “totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus CC, DD e EE de todo o peticionado. Face à improcedência total da acção, fica prejudicado o conhecimento da reconvenção apresentada”. * Inconformados, os AA. interpuseram recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever: Os recorrentes pugnaram, a final, pela revogação da decisão. * Os recorridos responderam acentuando o acerto da decisão, defendendo a sua manutenção. * No despacho que admitiu o recurso, mau grado ter sido suscitada a nulidade da decisão recorrida, a Sra. Juíza omitiu pronúncia para efeitos do disposto no art. 617.º, n.º 1 do CPC. * Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção dos votos e dos contributos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir: Saber se * III-Fundamentação Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e não provada. Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte: “Com relevância para a discussão da causa, o Tribunal deu como provados os seguintes factos: 3) Encontra-se registada a aquisição a favor do Réu EE do prédio rústico denominado “..., ... ou ...”, sito nos limites de ..., freguesia ..., a confrontar a Norte com OO e outro, a Sul com PP, a Nascente com QQ e a Poente com RR, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...24; 5) Encontra-se constituída servidão de passagem a pé a favor dos prédios referidos no ponto 1) sobre os prédios referidos nos pontos 2) e 3); 6) Encontra-se ainda constituída servidão de passagem de carro a favor dos prédios referidos no ponto 1) sobre os prédios referidos nos pontos 2) e 3), para afolhar e desafolhar, ou seja, na época das sementeiras (Abril) e na época das colheitas (Setembro); 7) A servidão tem o comprimento total de 83,90 metros: 56,10 metros no prédio referido no ponto 2) e 27,80 metros no prédio referido no ponto 3); 10) No restante caminho, a passagem tem 3,79 m de largura no seu ponto mais largo e 2,05 m de largura no seu ponto mais estreito; 11) No início do caminho público que dá acesso ao caminho de servidão, a passagem tem 3,07 metros de largura; 12) Mais à frente, o caminho público afunila, tendo apenas 2,18 m de largura: 13) Nos prédios referidos no ponto 1), os Autores construíram um pequeno curral de animais, que não se encontra legalizado; 14) A 23/05/2023, os Autores tinham, no referido curral, um bezerro, dois porcos e frangos; 17) Na mesma data, numa zona mais à frente e de pequenas dimensões, os Autores tinham as seguintes culturas: batatas, couves, cebolas, tomates, abóboras, flores, alface, curgete e videiras; 18) Ademais, nessa data, existiam fardos de palha ao lado do curral referido no ponto 9); 19) Encontra-se registada a aquisição a favor dos Réus CC e DD do prédio urbano sito nos limites de ..., freguesia ..., com a área coberta de 104 m2, a confinar a Norte, Sul e Nascente com o proprietário (Réus) e Poente com o caminho público, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...60; 20) O prédio referido no ponto 2) é adjacente ao prédio referido no ponto anterior. * O Tribunal considerou como não provados os seguintes factos: A) Os Autores necessitam de passar de carro para cultivar e amanhar os seus prédios, em específico para retirar dos mesmos os mais variados produtos, tais como pastos, batatas, uvas, milho, hortaliças; B) Os Autores necessitam ainda de transitar com enfardadeira para os fenos que ali se cultivam e o transporte dos respectivos fardos e tractor para executar lavragens, fresar a terra, semear, regar e colher os respetivos frutos; C) Os Autores necessitam de uma passagem com 4 metros de altura e 3,3 metros de largura”. * Sendo estes os factos, importa, agora, apreciar e decidir as questões sob recurso. A – Da invocada nulidade da sentença No entender dos recorrentes a sentença é nula nos termos do art. 615.º, n.º 1, c) do CPC. A propósito do vício em causa, o texto constante das alegações e bem assim das conclusões 5 a 8, não apresenta a necessária clareza, permitindo a dúvida se os recorrentes sustentam essa nulidade por os “pontos” não provados sob as alíneas a), B) e C) – que, na realidade, no seu entender, se tratam de conclusões e não de factos – estarem em contradição com os factos provados sob os números 13), 14), 15), 16) e 17), ou antes por os fundamentos que emergem dos factos dados como provados estarem em oposição com a decisão. Se, na alternativa, os recorrentes entendem que o vício decorre da contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, na situação presente, independentemente do acerto desta em termos de mérito, não vemos qualquer incoerência. Na verdade, a decisão proferida assenta no pressuposto que os factos provados não consentem o agravamento da servidão, com a seguinte fundamentação: “A maioria do terreno dos Autores está plantado com milho, cujo cultivo é feito em Abril e a colheita ocorre em Setembro, ou seja, na altura em que os Autores podem passar de carro. No mais, os Autores apenas têm um curral com alguns animais (um bezerro, dois porcos e frangos), uma pequena horta (com batatas, couves, cebolas, tomates, abóboras, alface e curgete), algumas videiras e algumas árvores de flor. Não ficou provado que os Autores cultivem feno no seu terreno, pois apenas foram observados fardos de palha, já colhida, junto ao curral. Desde logo, há que ter em consideração que o curral construído pelos Autores não está legalizado, não podendo estes justificar a sua necessidade de modificação da servidão com base numa construção ilegal. Por outro lado, para levar as rações e retirar o estrume existem utensílios que podem ser usados o ano todo tal como a servidão está constituída, como carrinhos de mão (que até existem eléctricos), não se justificando, especialmente tendo em conta a pequena dimensão, a utilização de maquinaria como veículos automóveis ou tractores. O mesmo se diga quanto ao cuidado da horta, das videiras e das árvores de fruto. A dimensão de tais culturas é diminuta, não se vislumbrando que tipo de maquinaria poderiam os Autores ter de usar. Para colher os frutos de tais plantações, existem outras opções, como já referido. Adicionalmente, é necessário ter em conta que os 1.ºs Réus utilizam parte do terreno para cultivo quando a passagem dos Autores se faz apenas a pé (a servidão passa de 3,15 metros de largura para 60 cm de largura), pelo que a modificação da servidão também lhes traria prejuízo que, conforme se indicou, não se justifica. Ou seja, existe efectivo prejuízo para o prédio serviente e não existe vantagem considerável para o prédio dominante”. B – Do mérito da decisão Sustentam os recorrentes que, de acordo com a factualidade apurada nos autos, devia ter sido proferida decisão que acolhesse a sua pretensão de agravar a servidão existente, no sentido de ser constituída servidão de passagem de carro (trator), sem limitação aos meses de abril e setembro, que onere os prédios dos RR. Agravamento justificado, segundo invocam, pelas necessidades de cultivo dos autores, incompatíveis com a passagem de carro apenas nos meses estabelecidos e por terem mais de 60 anos, não lhes podendo ser exigido que pratiquem todos os atos referidos de 14 a 18) dos factos provados, transportando culturas, matos e palhas às costas, sem recurso a quaisquer alfaias. O art. 1543.º do C.C. define a servidão predial como “o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”. As mais modernas doutrinas jurídicas vêm nesta figura uma limitação do direito de propriedade que tem como característica a elasticidade ou compressibilidade. Neste sentido pode dizer-se que o ónus – servidão – supõe apenas um limite ao exercício do direito de propriedade, obstando a que o proprietário do prédio serviente impeça o exercício da servidão. Tem ele a obrigação de deixar fazer ou tolerar - pati - o que, no exercício pleno do seu direito de propriedade, poderia proibir. Neste sentido, a constituição da servidão acrescenta direitos de um lado e diminui-os do outro, mas não dá nenhuma transferência dominial. Assim, a servidão pode ser concebida como um ius in re aliena, um direito real limitado que “incide em princípio sobre o prédio, considerado como um todo (ita difusa est ut omnes glebas serviant), havendo muitas vezes que distinguir entre o objecto da servidão que é o prédio, e o local do exercício dela, que pode ser uma parte limitada do prédio” (Antunes Varela e Pires de Lima, Cód. Civ. Anotado, pág. 615) e que tem como características a inseparabilidade, indivisibilidade, atipicidade de conteúdo e ligação objetiva (cfr. Mota Pinto, RDES, 121.º, pág. 134). No caso dos autos, de acordo com a factualidade apurada (factos provados 5 a 18), - encontra-se constituída servidão de passagem a pé a favor dos prédios dos AA sobre os prédios dos RR. - encontra-se ainda constituída servidão de passagem de carro a favor dos prédios dos AA. sobre os prédios dos RR., para afolhar e desafolhar, ou seja, na época das sementeiras (abril) e na época das colheitas (setembro); - essa servidão tem o comprimento total de 83,90 metros: 56,10 metros no prédio pertença dos RR. CC e DD e 27,80 metros no prédio do Réu EE; - Para a passagem de carro, a largura da servidão é de 3,15 metros no seu ponto mais largo, na sua zona final; - Na altura de passagem apenas a pé, a passagem tem 60 cm de largura, sendo os restantes metros cultivados pelos RR. CC e DD quando a servidão se faz apenas a pé; - No restante caminho, a passagem tem 3,79 m de largura no seu ponto mais largo e 2,05 m de largura no seu ponto mais estreito; - No início do caminho público que dá acesso ao caminho de servidão, a passagem tem 3,07 metros de largura; - Mais à frente, o caminho público afunila, tendo apenas 2,18 m de largura: - Num dos seus prédios referidos no ponto os Autores construíram um pequeno curral de animais, que não se encontra legalizado; - A 23/05/2023, os Autores tinham, no referido curral, um bezerro, dois porcos e frangos; - Para cuidar dos referidos animais, os Autores têm de transitar diariamente pelos prédios dos RR., tendo também de levar matos, palhas e rações, bem como retirar estrume; - A 23/05/2023, os Autores tinham milho plantado, a ocupar a maioria do seu terreno; - Na mesma data, numa zona mais à frente e de pequenas dimensões, os Autores tinham as seguintes culturas: batatas, couves, cebolas, tomates, abóboras, flores, alface, curgete e videiras; - Nessa data, existiam fardos de palha ao lado do curral. Ou seja, estamos em presença de uma servidão que onera o prédio dos RR., cujo modo de constituição se desconhece (usucapião? contrato? testamento? destinação do pai de família?), e que apresenta 2 modos de exercício diferenciado, de carro nas épocas das sementeiras e das colheitas – afolhar e desafolhar – (abril e setembro, respetivamente) e a pé nos restantes períodos do ano. De acordo com o disposto no art. 1564.º do Código Civil “As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes”. Acrescenta-se no art. 1565.º do mesmo corpo normativo que “1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. 2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente”. Na situação presente não existem dúvidas quanto à extensão e modo de exercício da servidão, valendo, na inexistência de alteração, o que se encontra atualmente definido. É certo que as necessidades a satisfazer pela servidão não se restringem às existentes no momento da sua constituição, podendo atender-se a novas necessidades, desde que normais e previsíveis, mas não já aquelas que, como sucede no caso subjudice, representam um agravamento relevante do ónus suportado pelos prédios servientes (cfr. a este propósito o acórdão do STJ de 04.02.2021 proferido no processo 1988/17.8T8PTM.E1.S1), a envolver uma “compressão” do direito de propriedade dos RR. durante todo o ano e não apenas durante dois meses, como atualmente sucede. Excluída a aplicabilidade do art. 1565.º, n.º 2 do Código Civil, importa então aferir se é consentida a alteração da servidão. Decorre do art. 1568.º, n.º 3 do Código Civil que o modo e o tempo de exercício da servidão serão alterados, a pedido de qualquer dos proprietários (ou seja, quer do dono do prédio dominante, que do dono do prédio serviente) “desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores”. A propósito da mudança do leito da servidão para sítio diferente (locus servitutis) a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art. 1568.º do Código Civil o legislador, embora sempre de forma manter o equilíbrio das posições respetivas[4], utilizou uma redação ligeiramente distinta. Assim, quando a mudança seja efetuada a pedido do proprietário do prédio serviente (n.º 1), o legislador basta-se com a conveniência para este, desde que com isso não fiquem prejudicados os interesses do proprietário do prédio dominante. Já quando se trate de mudança a pedido do dono do prédio dominante (n.º 2), é consentida quando dela resultem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio dominante. Se quanto ao prejuízo da contraparte (2.ª parte dos referidos preceitos) parecem não subsistir dúvidas quanto à sua coincidência exegética - em ambos os casos esse prejuízo deve ser sério, relevante, afastando a mera futilidade da oposição, o mero não querer egoístico – quanto ao outro requisito o legislador, ao utilizar a referida diversidade de vocábulos, parece ter pretendido uma maior exigência (advirem vantagens e não a simples conveniência) na situação em que a mudança é pedida pelo proprietário do prédio dominante, o que se compreende na medida em que visa precisamente a compressão do direito de propriedade, tornando mais gravosa a posição do prédio serviente. Temos assim que, no caso dos autos, para que a ação possa obter procedência, de acordo com as regras que presidem ao ónus da prova, mostra-se necessário, desde logo, que os AA. demonstrem que da alteração do modo e do tempo de exercício da servidão lhe advenham vantagens reais (sérias, palpáveis, efetivas), novas utilidades ou benefícios. Acrescenta justamente a este propósito Mário Tavarela Lobo (Mudança e Alteração de Servidão, Coimbra Editora, 1984, pág. 79) que “essas vantagens devem revestir natureza real, como utilidade objetiva do prédio, e não restritas ao interesse pessoal do titular da servidão”. Ora, desprezadas, porque irrelevantes, as comodidades subjetivas (não desprezíveis, mas, ainda assim, de natureza estritamente pessoal) de poderem passar fazer uso de carro na servidão ao longo do ano, ao invés de o fazerem apenas durante as épocas do plantio e da colheita, não foi feita qualquer prova de qualquer vantagem na alteração pretendida. Na verdade, os AA. não lograram demonstrar o que de útil alegaram a este propósito, ou seja, que, fora dos períodos em que já o podem fazer, “ E a decisão da matéria de facto é inequívoca no sentido de esclarecer que, apesar de nos seus prédios os AA. efetuarem o cultivo em pequenas dimensões de produtos hortícolas (batatas, couves, cebolas, tomates, abóboras, flores, alface, curgete e videiras), não terem logrado fazer prova de que para tal efeito necessitem de usar carro, o mesmo ocorrendo quanto às atividades ligadas ao cuidado com os animais existentes no curral (um bezerro, dois porcos e frangos). Acresce que também não satisfizeram o ónus da prova quanto à inexistência de prejuízo para o proprietário do prédio serviente[5], antes parece decorrer da factualidade apurada que esse prejuízo efetivamente ocorre para o R. EE, já que, com o agravamento da servidão, ficará impedido de, como hodiernamente sucede, cultivar o terreno ocupado pela serventia (durante o período em que não é exercida a passagem de carro). Em suma, não tendo os AA. logrado efetuar prova quanto aos requisitos legalmente exigidos para o agravamento da servidão a que se refere o art. 1568.º, n.º 3 do Cód. Civil (com referência ao n.º 2 do mesmo preceito), a sentença recorrida não merece qualquer censura, o que, na decorrência, impõe a sua confirmação. *
Sumário[6]: (…).
III - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. * Custas do presente recurso a cargo dos AA. (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC), devendo ainda tomar-se em consideração que, nos termos já decididos com trânsito em julgado, tendo os AA. decaído totalmente neste recurso, suportarão integralmente as custas relativas ao anterior recurso. * Coimbra, 23 de abril de 2024 ______________________ (Paulo Correia) ______________________ (Helena Melo) _______________________ (José Avelino) [1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Melo e José Avelino [2] - Por todos o acórdão STJ, de 9.4.2019 (processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1.) [3] - Cfr. o acórdão STJ de 17.10.2017 (processo. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1). [4] - Equilíbrio designado por Mota Pinto como “conciliação de interesses” (RDES, XXI, pág. 154) [5] - No sentido de que o ónus dos requisitos relativos à mudança ou agravamento da servidão competem ao proprietário interessado: - Mário Tavarela Lobo, obra citada, págs. 73, 74 e 77 a 79 - Guilherme Moreira, As Águas no Direito Civil Português, II, 2.ª edição, 1960, pág. 147 (na vigência do Código Civil de 1867) - em termos de jurisprudência, por todos, os Ac. do TRG de 15.04.2021, proferido no processo 1213/18.4T8VVD.G1. [6] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). |