Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
536/22.2T9PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
REFORMATIO IN PEJUS
DIREITO DE DEFESA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
EXCESSO DE CARGA
RESPONSABILIDADE PELA INFRACÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 7.º, N.º 2, 50.º, 50.º-A, 51.º E 72.º-A, N.º 1 E 2, DO RGCO, CONSTANTE DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO
ARTIGOS 31.º, N.º 2 E 4, DO DECRETO-LEI N.º 257/2007, DE 16 DE JULHO
Sumário: I – A circunstância de a entidade administrativa, aquando da notificado da prática da infracção, ter informado a arguida, desde logo, de que a coima a pagar voluntariamente seria uma, e, depois, em sede de decisão, ter aplicado valor superior não configura violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, porque aquele valor não foi fixado em nenhuma decisão, antes resulta do disposto no artigo 50.º-A do RGCO.

II - Os direitos de audição e de defesa, consagrados no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa e densificados no artigo 50.º do RGCO, impõem que se assegure ao visado o contraditório prévio à decisão, que exige a comunicação dos factos imputados, com a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante, contemplando a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate.

III – Resulta do artigo 7.º, nº 2, do RGCO que as pessoas colectivas respondem pelas condutas que resultam da vontade das pessoas singulares que são titulares dos respectivos órgãos sociais, sendo que tais condutas tanto podem ser protagonizadas pelos próprios titulares dos órgãos sociais, como por aqueles que actuam dentro da esfera da pessoa colectiva, como é o caso dos seus trabalhadores, funcionários e agentes, quando em exercício de funções ou por causa delas, tal como vem sendo a orientação dominante na jurisprudência, à qual aderimos

IV – Nestes casos, sendo tais condutas tidas como condutas da própria pessoa colectiva, é suficiente, para efeitos de responsabilidade, o conhecimento das referidas condutas, sendo dispensável a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contra-ordenação, porque a responsabilidade da pessoa colectiva não depende prévia ou concomitantemente da responsabilidade das pessoas singulares cujas condutas lhe são, directa e autonomamente, imputadas.

V – Nos casos em que estiver prevista uma qualificação legal em função da gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade as contra-ordenações que a lei qualifica como leves ou simples.

VI – Não prevendo o D.L. nº 257/2007, de 16 de Julho, relativo às infracções pelo incumprimento do regime jurídico do transporte rodoviário de mercadorias efectuado por meio de veículos automóveis ou conjuntos de veículos de mercadorias, previsto no Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, os graus de ilicitude muito grave, grave e leve terá que se considerar a gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. Por decisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (doravante IMT), à arguida A..., Lda., com os demais sinais dos autos, foi aplicada uma coima no valor de 1 300,00 € (mil e trezentos euros), pela prática de uma contra-ordenação de realização de transporte com excesso de carga igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, na sua redacção actual.

Inconformada, a arguida A..., Lda. veio impugnar judicialmente a decisão administrativa …

Realizou-se audiência de julgamento, na qual foi comunicada à recorrente uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão administrativa.

Foi, então, proferida sentença na qual o tribunal decidiu julgar improcedente o recurso.

2. A arguida A..., Lda. … interpôs recurso da sentença, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões …

“A. A ora Arguida dedica-se ao transporte de compra e venda de madeiras e exploração florestal;

B. No decurso da ação de fiscalização a arguida realizava transporte de madeiras;

C. Labora na área há mais de 20 anos e não tem quaisquer antecedentes criminais;

D. Há uma Violação do principio do Reformatio em Pejus;

E. A decisão condenatória proferida pela entidade administrativa é nula, por não observância da normas legais violadas.

F. Não há prova quanto ao dolo eventual, mas apenas quanto à negligência,

G. Caso seja entendimento da aplicação de alguma sanção, deverá ser uma ADMOESTAÇÃO

H. Face à gravidade diminuta da contraordenação e estarmos perante uma Recorrente sem ter sido punida com qualquer sanção anterior.

I. Mas caso seja considerada aplicação da de uma sanção deverá, pelo que o valor da coima mínima deverá ser especialmente atenuado

Normas Violadas:

3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pela improcedência e formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1- Não foi violado o princípio do reformatio in pejus: a opção de pagamento voluntário (colocando fim ao processo) não se confunde com uma decisão de fundo. A única decisão proferida pela autoridade administrativa foi a que aplicou a coima que o tribunal a quo decidiu manter.

2- … o próprio legal representante da sociedade afirmou conhecer a legislação aplicável.

3- Não estão reunidos os pressupostos para aplicação da admoestação …

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto … emitiu parecer concordante com a posição assumida na resposta do Ministério Público da 1.ª instância …

                                                        *

II – Fundamentação 

Conforme decorre do preceituado no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO, em sede contra-ordenacional como a presente o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo de eventual alteração da decisão do tribunal recorrido, nos termos do n.º 2, alínea a), do referido normativo.

Contudo, mesmo limitado à matéria de direito, o tribunal de recurso conhece dos vícios decisórios indicados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP (cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95).

… as questões a apreciar são as seguintes:

- Violação da proibição da reformatio in pejus.

- Nulidades da decisão administrativa e da sentença recorrida.

- A aplicação de admoestação.

- A atenuação especial da coima.

- A redução do montante da coima.

                                                        *

2. A sentença recorrida.

2.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No dia 02/04/2019, pelas 20.43 horas, na Zona Industrial – ..., em ..., a arguida realizou o transporte de mercadorias … através do conjunto de veículos, composto pelo veículo pesado, tractor de mercadorias, com a matrícula ..-..-MG, e pelo semirreboque com a matrícula L-......, conduzido por AA;

2. … o dito motorista, AA, igualmente legal representante da sociedade arguida, fazia o transporte em apreço por conta e o interesse da mesma;

3. O conjunto dos veículos identificado tem o peso bruto de conjunto de 40.000 kg e uma tara de 7.140 kg, tendo o semirreboque um peso bruto de 33.000 kg;

4. O conjunto de veículos identificado tem um peso máximo legal de 40.000 kg, (soma da tara do tractor com o peso bruto do semirreboque, com o limite de peso bruto de conjunto constante do certificado de matrícula do veículo tractor);

5. O veículo pesado de mercadorias em apreço foi submetido a pesagem em balança da marca CAPTELS ORA 10, série nº 860, composta pelas plataformas nºs 03063445 e 03063446, aprovadas pela ANSR, através do Despacho 13179/08, de 12/05/2008 e com o certificado de aprovação de modelo CE nº T6377, efectuada pelo NMI GERTIN B.V. – Holanda, em 16/02/2013, válido até 16/12/2023, e com certificado de verificação periódica nº 201.24/18.09693 Rev. 0 de 23/05/2018, efectuado pela TAP MAINTENANCE & ENGINEERING, Laboratório de Calibrações;

6. O conjunto de veículos identificado acusou um peso total em trânsito de 51.820 kg, correspondente ao valor registado de 52.120 kg, deduzido o erro máximo admissível, circulando com um excesso de carga de 11.820 kg, correspondente a 29.5%, relativamente ao peso máximo permitido para esse veículo, de 40.000 kg;

7. A balança utilizada pela entidade fiscalizadora encontrava-se devidamente aferida, aprovada e certificada para as funções desempenhadas, sendo composta por duas plataformas de pesagem e um indicador electrónico ligados entre si, tendo a instalação das plataformas sido feita em superfície horizontal, ficando as plataformas e os respectivos estrados novelados e estáveis, conforme manual do fabricante, tendo o conjunto de veículo sido pesado nas mesmas condições em que se encontrava a circular;

8. A balança foi operada por agente com formação para o efeito;

9. A arguida dedica-se à serração de madeiras e exploração industrial;

10. A arguida conhece o tipo de mercadoria transportada, bem como dos limites de carga dos veículos utilizados no desenvolvimento da sua actividade social, conhecendo os limites de carga do conjunto de veículos em concreto, sendo-lhe exigível que conforme o seu comportamento aos referidos limites;

11. Era exigível à arguida que evitasse o transporte de mercadorias em excesso, considerando a capacidade de carga do conjunto de veículos utilizado, o que esta não fez;

12. A arguida conhece as obrigações legais decorrentes da sua actividade, sendo-lhe exigível que actue de acordo com as mesmas, o que não fez, representando como como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal e não se abstendo de actuar desse modo

13. Ao agir conforme supra descrito, a arguida actuou de modo livre e consciente, tendo por propósito a realização do transporte nas condições em que o veículo

manifestamente apresentava, representando como consequência possível da sua conduta e conformando-se com tal representação a violação de um comando legal;

Mais se provou que:

14. O condutor referido em 1, além de ser motorista da arguida/recorrente, é o seu legal representante desde a sua constituição, há mais de vinte anos;

15. Actualmente, a arguida tem apenas dois trabalhadores, a saber o seu legal representante, que desempenha igualmente funções de motorista, a esposa deste;

20. E teve cerca de € 700,00 de lucro no último ano”.

2.3. E o tribunal a quo fez constar a seguinte fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (transcrição):

Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127º do CPP.

A medida do valor da prova prestada por depoimento, como é o caso das declarações dos arguidos/recorrentes e das informações prestadas por testemunhas mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores:

Seriedade (boa motivação da testemunha para depor).

Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior).

Razão de Ciência – fonte de conhecimento dos factos.

Coerência Lógica:

Interna (depoimento confrontado consigo mesmo).

Externa (depoimento confrontado com os demais).

É no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes).

Se a lógica pura e simples não der a resposta completa (por exemplo, um facto pode ser possível, mas de difícil verificação), aí entra a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras de experiência (artigo 127º do Código Penal).

Refira-se, ainda, que o depoimento prestado pelo arguido/recorrente, à semelhança do que sucede no processo penal, deve ser também valorado à luz dos factores de credibilidade com que se julga a prova testemunhal, embora tendo em conta as especificidades decorrentes do seu estatuto. O arguido/recorrente é também aqui, como se sabe, a “testemunha” principal do processo, pois que ele mais que outra pessoa está em posição para relatar – ou não – os factos de que vem acusado. Porém o arguido/recorrente tem um estatuto processual especial no nosso direito, não sendo obrigado a prestar declarações nem sequer a falar verdade.

É com base nestes pressupostos que se irá avaliar as versões em oposição nos autos.

… o legal representante da sociedade arguida, AA, quis prestar declarações, tendo explicado ao Tribunal não só que era o próprio que, aquando da fiscalização, efectuava aquele transporte, na qualidade de motorista e, assim, por conta e no interesse na sociedade arguida, mas também que nunca procede à pesagem da madeira antes de a transportar, sendo que, nas suas palavras, vê “sempre a olho” … Mais admitiu conhecer quer o peso do conjunto dos veículos em causa, quer a legislação em vigor quanto a peso máximo neste tipo de transporte.

Por sua vez, as testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, concretamente BB (agente autuante), CC e DD acabaram, por, de forma espontânea, objectiva e coerente, corroborar os factos nos exactos termos dados como provados, como veremos de seguida.

Deste modo, para prova dos factos constantes dos pontos 1 a 13, o Tribunal alicerçou a sua convicção na conjugação da prova documental junta aos autos, concretamente auto de contraordenação de fls. 2, talão de pesagem de fls. 3, ficha técnica do sistema de controlo de peso de fls. 4, certificado de verificação periódica de fls. 4 verso, certificado de formação de fls. 4 verso, guia de transporte de fls. 5 e certidão permanente junta já após o recebimento do recurso de impugnação, com o depoimentos das três mencionadas testemunhas (BB, CC e DD).

Outrossim, relativamente aos factos integradores do elemento subjectivo, constantes dos pontos 10 a 13, a sua prova resulta da conjugação de todos os elementos probatórios supra considerados, aqui não se podendo ignorar, de forma alguma, quer as explicações avançadas pelo legal representante da sociedade arguida, que, muito embora reconheça saber os limites legalmente previstos de carga do conjunto de veículos em apreço, admitiu não pesar o material transportado … razão pela qual lhe é exigível que, tendo perfeito conhecimento da legislação em vigor que evitasse o transporte de mercadorias em excesso, considerando a capacidade de carga do conjunto de veículos utilizado, o que esta não fez, representando como como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal e não se abstendo de actuar desse modo, actuando, assim, de modo livre e consciente, tendo por propósito a realização do transporte nas condições em que o veículo manifestamente apresentava, representando como consequência possível da sua conduta e conformando-se com tal representação a violação de um comando legal.

Para prova das condições económicas da arguida, o Tribunal ateve-se nas declarações prestadas pelo próprio legal representante da mesma, as quais se revelaram espontâneas e coerente, merecendo credibilidade do Tribunal”.

                                                         *

3. Apreciando.

3.1. Alega a recorrente que o tribunal a quo violou a proibição da reformatio in pejus quando na sentença recorrida decidiu manter a decisão administrativa que, em vez de ter aplicado uma coima especialmente atenuada, a agravou, desrespeitando o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do RGCO. Uma vez que a recorrente agiu sem consciência da ilicitude, ainda que se considere que esse erro lhe é censurável, a coima deveria ser especialmente atenuada pela autoridade administrativa, o que não aconteceu, antes pelo contrário, ainda a agravou.

Pois bem.

Conforme dispõe o artigo 72.º­A, n.º 1 do RGCO, sob a epígrafe “proibição da reformatio in pejus”, impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. Por sua vez, o n.º 2 acrescenta que o disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver, entretanto, melhorado de forma sensível.

Ora, no caso dos autos verifica-se, desde logo, que o quadro invocado pela recorrente não diz respeito a uma situação para a qual deva ser chamada a proibição da reformatio in pejus pois, como se observa, a decisão administrativa aplicou a coima concreta de 1 300,00 € e esse valor foi mantido nos seus exactos termos na sentença recorrida, o que significa que não houve, em sede de recurso de impugnação judicial, modificação da sanção em prejuízo da arguida, ora recorrente.

Por sua vez, a outra vicissitude no processo que a recorrente também invoca para fazer vingar a tese de que houve desrespeito da proibição da reformatio in pejus, tem a ver com a circunstância de a entidade administrativa a ter notificado da alegada infracção, informando-a, desde logo, a aplicação de coima no valor de 1 250,00 €, para depois, na decisão final, a arguida ter sido confrontada com a aplicação, pela entidade administrativa, de uma coima de montante superior.

Acontece que essa circunstância não traduz uma modificação em prejuízo da arguida, sendo antes o reflexo do que legalmente ocorre em duas etapas diversas da fase administrativa: a primeira, em obediência ao disposto no artigo 50.º-A do RGCO, que permite o pagamento voluntário da coima, que será liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas, admissível antes da decisão; a segunda, em sede de decisão final proferida pela autoridade administrativa.

Assim, a recorrente quando, em 23-05-2019, foi notificada pelo IMT para pagamento da coima, foi devidamente advertida de que se quisesse pôr termo, de imediato, ao processo e procedesse ao pagamento voluntário da coima, pagaria apenas o montante mínimo de 1 250,00 €, acrescido de custas, no valor de 42,50 €. Na mesma notificação foi advertida que se não efectuasse o pagamento voluntário o processo seguiria os seus termos até decisão final, sendo apreciado de acordo com os elementos constantes e conforme de direito, podendo em caso de condenação a coima aplicada atingir o montante máximo de 3 740,00 €, a que acresceriam as custas devidas.

Pese embora a oportunidade dada à recorrente, esta optou pelo prosseguimento do processo até à decisão final, na qual a autoridade administrativa fixou a coima concreta na medida que considerou adequada, à luz dos critérios previstos no artigo 18.º do RGCO, dentro de uma moldura aplicável de 1 250,00 € a 3 740,00 €, tendo resultado no montante de 1 300,00 €.

A possibilidade de optar pelo pagamento voluntário, dentro de determinados limites temporais, prevista no artigo 50.º-A do RGCO não se insere em nenhuma decisão de fixação e aplicação de coima nem é determinante ou vincula a decisão que, na falta daquele pagamento voluntário, a autoridade administrativa venha a tomar sobre a infracção em causa no processo, fixando a coima concreta dentro do limite mínimo e máximo previsto na respectiva moldura abstracta.

O que, naturalmente, não configura violação da proibição da reformatio in pejus, nos termos já expostos.

                                                     *

3.2. Alega ainda a recorrente que a decisão condenatória proferida pela entidade administrativa é nula, por inobservância das normas legais violadas.

Concretizando, no corpo da motivação a recorrente vem dizer que:

1. Ocorreu uma limitação ao direito de defesa da arguida, não tendo sido respeitado o preceituado no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa …

2. Assumindo a função de peça acusatória, a decisão administrativa terá de obedecer aos requisitos previstos no artigo 283.º do CPP, mormente contendo os factos provados que irão definir o âmbito do objecto do processo judicial. A decisão administrativa objecto de impugnação não obedece aos esses pressupostos legais. Nela não consta a identificação da pessoa sócio-gerente da sociedade, pelo que a descrição sem os actos omitidos não é suficiente para que, posteriormente, o tribunal a quo possa balizar o seu conhecimento da efectiva imputação a pessoa colectiva, como acabou de o fazer de forma errada. …

3.  Não cometeu a infracção de que vem acusada, pelo que é de inteira justiça que, à luz dos fundamentos aduzidos, se declare a nulidade ou, pelo menos, a insuficiência probatória do auto e, consequentemente, a absolva da prática da contra-ordenação de que vem acusada.

Vejamos, então.

                                                         *

3.2.1. Da limitação do direito de audiência e defesa, em violação do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. 

O artigo 50.º do RGCO, com a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, estabelece que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

Esta norma dá cumprimento ao comando do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Ou seja, de acordo com a fórmula utilizada pelo Assento do STJ n.º 1/2003, de 16-10-2002, os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contra-ordenacional implicarão que ao arguido seja dada previamente a conhecer “a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”.

Dito de outro modo, os direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32.º, n.º 10 da CRP e densificados no artigo 50.º do RGCO, impõem que se assegure ao visado: o contraditório prévio à decisão, que só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009).

Tendo presente o sentido e alcance fixado para os direitos de audição e defesa em sede contra-ordenacional, nos termos acima expostos, verifica-se que na notificação que foi efectuada no presente processo, com o teor acima transcrito, a autoridade administrativa forneceu à arguida A..., Lda., todos os elementos necessários para que esta ficasse a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito que o caso suscitava.

Em suma, face ao acima exposto, é forçoso concluir que não houve violação do direito de audiência e defesa da arguida, tendo a notificação efectuada na fase administrativa, observando as exigências legais ditadas pelo artigo 50.º do RGCO, em estrita conformidade com o comando constitucional constante do apontado artigo 32.º, n.º 10.

                                                       *

3.2.2. Segundo se alega no recurso, na decisão administrativa não consta a identificação da pessoa sócio-gerente da sociedade, pelo que a descrição sem os actos omitidos não é suficiente para que, posteriormente, o tribunal a quo possa balizar o seu conhecimento da efectiva imputação a pessoa colectiva, como acabou de o fazer de forma errada. Ora, tais factos não constam da decisão administrativa, nem podem ser valorados em sede de sentença final, tal como foram. Omitindo-se, assim, uma formalidade essencial do procedimento contra-ordenacional, a qual é geradora de nulidade insuprível da decisão que aplicou a coima.

Pois bem.

A questão já havia sido suscitada na impugnação judicial que a recorrente deduziu contra a decisão administrativa que lhe aplicou a coima, tendo na sentença recorrida o tribunal a quo apreciado e decidido do seguinte modo:

Da nulidade da decisão administrativa

A arguida invoca a nulidade da decisão administrativa, em virtude de não ser aí efectuada a identificação da pessoa sócio-gerente da empresa.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 62.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10, “recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.”.

Ora, “nas contra-ordenações o que vale como acusação é a decisão condenatória da autoridade administrativa com tudo o que esta arrasta e engloba …

Do exposto, resulta que a decisão condenatória administrativa, proferida em sede de procedimento contra-ordenacional, vale como acusação.

Nos termos do artigo 58.º n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10, a decisão que aplica uma coima ou sanções acessórias deve conter … nomeadamente a descrição dos factos imputados.

Revertamos ao caso em concreto, tendo por base que a nulidade invocada pela arguida se alicerça no facto de não ser feita a identificação do seu sócio-gerente e, assim, no disposto no art. 11º nº 1 do C.Penal.

Dispõe o artigo 118º nº 1 do Código de Processo Penal (doravante CPP) que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta foi expressamente cominada na lei …

Por sua vez, os artigos 119º e 120º do aludido diploma legal preveem respectivamente as nulidades consideradas insanáveis e as nulidades dependentes de arguição.

Finalmente, os efeitos da declaração da nulidade encontram-se previstos no artigo 122º do CPP.

… em causa inexiste qualquer nulidade, quer fosse insanável, porquanto nem sequer prevista na norma citada pela arguida/recorrente, ou sequer por se verificar qualquer uma das situações previstas no art. 119º do C.P.Penal, quer sanável, já que também não se verifica qualquer das situações elencadas no art. 120º do mesmo diploma legal.

Assim, quanto muito, em causa poderia estar uma insuficiência da matéria de facto em apreço, a qual, como oportunamente, também não se verifica, atenta designadamente a alteração não substancial dos factos comunicada em sede de audiência de discussão e julgamento.

Deste modo, da leitura da decisão da autoridade administrativa não se pode deixar de reconhecer a mesma é completa quanto a factos que permitam imputar objectiva e subjectivamente o ilícito contra-ordenacional à sociedade arguida.

Outrossim, da defesa apresentada pela arguida/recorrente em sede do presente recurso de impugnação da autoridade administrativa flui, de forma manifesta, que a mesma teve um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, da respetiva fundamentação e da coima e sanções aplicadas …”.

Sem prejuízo do que adiante se dirá quanto à responsabilidade directa das pessoas colectivas, consagrada no artigo 7.º, n.º 2 do RGCO, importa referir que as razões aduzidas pelo tribunal a quo, nos termos acima expostos, merecem a nossa concordância, pois não se divisa qualquer fundamento, por mínimo que seja, que suporte o acerto e a procedência da pretensão formulada pela recorrente.

Veja-se que na decisão administrativa consta indicado que o veículo que efectuava o transporte rodoviário … aqui em causa, era conduzido por AA … Condutor que, de resto, é o legal representante da sociedade arguida, conforme resulta, alías, do próprio teor da procuração forense junta pela recorrente (cf. fls.20).

Para além disso, tal como assinalou o tribunal a quo, da leitura da decisão da autoridade administrativa não se pode deixar de reconhecer que a mesma é completa quanto aos factos que permitem imputar objectiva e subjectivamente o ilícito contra-ordenacional à sociedade arguida A..., Lda.

Seja como for, dir-se-á que a conclusão a que chegou o tribunal a quo no sentido da imputação à recorrente A..., Lda., da contra-ordenação aqui em causa, se afigura conforme à prova produzida, tal como ela consta descrita e analisada na decisão recorrida, para além de que se encontra juridicamente sustentada no que especificamente vem previsto no diploma que tipifica a imputada infracção (Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho), também descrito na sentença sob recurso.

Assim, segundo o artigo 31.º, n.º 2 do referido diploma, sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, a infracção é punível com coima de (euro) 1250 a (euro) 3740. Por seu turno, de acordo com o artigo 33.º, sem prejuízo do que dispõe o n.º 4 do artigo 31.º (que não revela para o presente caso), as infracções ao disposto no presente decreto-lei são da responsabilidade da pessoa singular ou colectiva que efectua o transporte.

A referida conclusão é também consentânea com o regime do artigo 7.º do RGCO, mormente do seu n.º 2 – As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções –, entendido este no sentido de que as pessoas colectivas respondem pelas condutas que resultam da vontade das pessoas singulares que são titulares dos respectivos órgãos sociais, sendo que tais condutas tanto podem ser protagonizadas pelos próprios titulares dos órgãos sociais, como por aqueles que actuam dentro da esfera da pessoa colectiva, como é o caso dos seus trabalhadores, funcionários e agentes, quando em exercício de funções, ou por causa delas, tal como vem sendo a orientação dominante na jurisprudência, à qual aderimos (cf. Acórdão desta Relação de 13-10-2021, proferido no processo n.º 3682/20.3T9LRA.C1, e Acórdãos da Relação de Lisboa de 27-06-2019, proferido no processo n.º 5840/14.0ECLSB.L1, de 12-01-2021, proferido no processo n.º 1874/19.7, da Relação de Évora 26-06-2018, proferido no processo n.º 3716/17.9T9STB.E1, e da Relação de Guimarães de 27-07-2020, proferido no processo n.º 510/19.6T8FAF.G1).

Veja-se, aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional sobre este assunto, quando no Acórdão n.º 566/2018 afirmou o seguinte:

No caso sub iudicio, sem prejuízo da discussão doutrinária no plano infraconstitucional, inexistem razões para questionar a interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO realizada pelo tribunal a quo.

Na verdade, a mesma filia-se na orientação preconizada pelo Parecer n.º 11/2013 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 16 de setembro de 2013, pp. 28814 e ss.) – o qual, por sua vez, se baseia em anteriores decisões dos tribunais. Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais – a uma realidade institucional ou estatutária (sobre as diferentes conceções a respeito da natureza de órgãos, v., por exemplo, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 624 e ss.). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem (v., a título meramente exemplificativo: o artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo – «centros institucionalizados de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva» –; e o artigo 1.º, alínea c), do Código de Processo Penal - «entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código»).

Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspectiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva –, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.

Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo “órgão” referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo; itálico aditado)”.

Donde é de considerar, como considerou o Tribunal Constitucional no indicado aresto, que a responsabilidade directa das pessoas colectivas, consagrada no artigo 7.º, n.º 2 do RGCO, tem como corolário que as condutas daqueles que agem em nome e por conta da pessoa colectiva, vinculando-a, ou seja, as pessoas ao serviço da pessoa colectiva cujas funções implicam uma posição de liderança, constituem actos próprios da pessoa colectiva. Esta actua por via daquelas pessoas, de tal modo que as respectivas condutas são tidas como condutas da própria pessoa colectiva. Daí que, para efeitos de responsabilidade, seja suficiente o conhecimento apenas das referidas condutas: a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contra-ordenação é dispensável, a partir do momento em que tal facto é próprio da pessoa colectiva. A sua responsabilidade não depende prévia ou concomitantemente da responsabilidade das pessoas singulares cujas condutas lhe são (directa e autonomamente) imputadas.

Temos, assim, como suficientemente descrita na decisão administrativa (bem como na sentença recorrida) a actuação da sociedade recorrente, por via da conduta daquele que age em nome e por conta da pessoa colectiva, vinculando-a (é a sociedade recorrente que efectua o transporte e, como tal, a infracção é da sua responsabilidade – artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 257/2007), sendo certo que não  é conhecido qualquer elemento do qual resulte que tenham sido praticados actos contrários às ordens, instruções e interesse da pessoa colectiva em causa, que não pode, pois, deixar de ser considerada agente da infracção verificada nos autos, por se mostrarem apurados todos os elementos objectos e subjectivos do ilícito contra-ordenacional que lhe foi imputado.

Improcedendo também, pois, este aspecto da nulidade invocada no recurso.

                                                       *

3.2.3. A recorrente vem dizer que não cometeu a infracção de que vem acusada …

Ora, atendendo às razões já expostas e uma vez que a recorrente não aduziu qualquer outro argumento em abono da posição que assim assumiu (cf. supra 3.1. e 3.2.2.), sendo certo que não identifica a nulidade que diz existir neste segmento do recurso, é forçoso concluir que a sua pretensão também deve improceder, nesta parte.

                                                       *

3.3. Alega ainda recorrente que, uma vez que agiu sem consciência da ilicitude, ainda que se considere que esse erro lhe é censurável, a coima deveria ter sido ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do RGCO.

Com efeito, nos pontos 9 a 13 da sentença recorrida, o tribunal a quo deu como provado que a arguida se dedica à serração de madeiras e exploração industrial, conhece o tipo de mercadoria transportada, bem como os limites de carga dos veículos utilizados no desenvolvimento da sua actividade social. Conhecendo os limites de carga do conjunto de veículos em concreto, é-lhe exigível que conforme o seu comportamento aos referidos limites. Era exigível à arguida que evitasse o transporte de mercadorias em excesso, considerando a capacidade de carga do conjunto de veículos utilizado, o que esta não fez. A arguida conhece as obrigações legais decorrentes da sua actividade, sendo-lhe exigível que actue de acordo com as mesmas, o que não fez, representando como como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal e não se abstendo de actuar desse modo. Ao agir conforme descrito, a arguida actuou de modo livre e consciente, tendo por propósito a realização do transporte nas condições em que o veículo manifestamente apresentava, representando como consequência possível da sua conduta e conformando-se com tal representação a violação de um comando legal.

Nas declarações que prestou AA, legal representante da sociedade arguida, aquele explicou que era o próprio que, aquando da fiscalização, efectuava o referido transporte na qualidade de motorista, por conta e no interesse da sociedade, mas que também nunca procedia à pesagem da madeira antes de a transportar, vê “sempre a olho”, carregando o veículo, em todas as ocasiões, tendo em consideração o mesmo nível e altura da madeira no camião. Admitiu ainda conhecer, quer o peso do conjunto dos veículos em causa, quer a legislação em vigor quanto ao máximo permitido para este tipo de transporte.

Perante a prova e os factos que dela resultaram demonstrados, o julgador concluiu … que a sociedade arguida actuou a título de dolo eventual, já que se encontra provado que, conhecendo o tipo de mercadoria transportada, bem como dos limites de carga dos veículos utilizados no desenvolvimento da sua actividade social, conhecendo os limites de carga do conjunto de veículos em concreto, lhe era exigível que evitasse o transporte de mercadorias em excesso, considerando a capacidade de carga do conjunto de veículos utilizado, o que esta não fez, representando como como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal e não se abstendo de actuar desse modo, tendo, por isso, a arguida actuado de modo livre e consciente, tendo por propósito a realização do transporte nas condições em que o veículo manifestamente apresentava, representando como consequência possível da sua conduta e conformando-se com tal representação a violação de um comando legal.

                                                        *

3.4. Subsidiariamente, a recorrente veio requerer a aplicação de admoestação, nos termos previstos no artigo 51.º do RGCO.

Na sentença recorrida … o tribunal a quo decidiu desfavoravelmente, entendendo para tanto que o caso dos autos não pode de forma alguma reconduzir-se às situações previstas no artigo 51.º, n.º 1 do RGCO, pois, além de estar em causa uma conduta dolosa (dolo eventual), torna-se evidente, face à factualidade dada como provada, que a mesma assume já alguma gravidade uma vez que a arguida procedeu ao transporte das mercadorias em apreço com um excesso de peso na ordem de 29,5% (11.820 kg a mais do máximo legalmente permitido), pelo que se está perante uma situação em que a actuação da arguida reveste já alguma censurabilidade.

Pois bem.

Segundo dispõe o artigo 51.º, n.º 1 do RGCO, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

A aplicação da admoestação depende, pois, da verificação dos seguintes requisitos: 1) "reduzida gravidade da infracção" e 2) reduzida "culpa do agente".

Neste contexto, conforme referem Simas Santos e Lopes de Sousa, a admoestação está reservada para as contra-ordenações em que o grau de ilicitude é reduzido, sendo que, nos casos em que estiver prevista uma qualificação legal em função da gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade as contra-ordenações que a lei qualifica como leves ou simples.

No caso das infracções pelo incumprimento do regime jurídico do transporte rodoviário de mercadorias efectuado por meio de veículos automóveis ou conjuntos de veículos de mercadorias, previsto no Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, não constam previstos os três graus de ilicitude [muito grave, grave e leve] que vemos acolhidos noutros instrumentos jurídicos que instituem responsabilidade contra-ordenacional.

Ainda assim, será de referir, a este respeito, o que nos diz o Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018, de 26 de Setembro de 2018, quando assinala que a gravidade de uma infracção é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infracção como grave ou muito grave, o legislador considerou-a, em abstracto, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá, desde logo, determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram estabelecidos para as contra-ordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade.

Ora, analisado o elenco de contra-ordenações do artigo 31.º do citado Decreto-Lei, verifica-se que a moldura da coima aplicável à infracção praticada pela recorrente, tipificada no seu n.º 2, apresenta os limites mínimo e máximo mais elevados, face aos cominados para as infracções descritas no n.º 1 (que supõem um excesso de carga inferior a 25% do peso bruto do veículo), não prevendo a norma uma sanção que supere o valor da coima abstracta com que é punida a conduta dos autos, com o valor mínimo de 1 250,00 € e máximo de 3 740,00 €.

Significa isto que, atenta a intensidade da ilicitude pressuposta pela moldura prevista naquele n.º 2 e o grau de desvalor que, em concreto, se extrai da matéria apurada, a conduta em causa não pode ser considerada como sendo de reduzida gravidade.

Por outro lado, estando provado que a recorrente agiu com dolo, se bem que eventual, tal significa que a intensidade da culpa não é, ainda assim, de desprezar. 

Como correctamente entendeu o tribunal a quo, a factualidade provada assume já alguma gravidade, uma vez que a arguida procedeu ao transporte das mercadorias em apreço com um excesso de peso na ordem de 29,5% (11.820 kg a mais do máximo legalmente permitido), tratando-se, pois, de uma situação em que a actuação da arguida reveste já alguma censurabilidade.

Em suma, porque nem a gravidade da infracção, nem a culpa são diminutas, há que concluir que, in casu, não estão verificados os pressupostos de aplicação da admoestação, pelo que a pretensão que nesse sentido foi formulada pela recorrente deve também improceder.                                                      

                                                        *

3.5. Ainda subsidiariamente, a recorrente veio invocar que o montante da coima fixada é excessivo e deve ser reduzido para o mínimo.

Isto porque, segundo alega, o grau de ilicitude é diminuto, o dolo foi na forma menos grave de dolo eventual, a recorrente assumiu uma postura de colaboração com a justiça na descoberta da verdade material e que segundo resulta da globalidade dos factos, o acto da recorrente tratou-se de uma ocorrência de momento.

Vejamos, então.

Tendo por referência a moldura que o artigo 31.º, n.º 2 prevê para a infracção cometida – coima no montante mínimo de 1 250,00 € e máximo de 3 740,00 € –, o tribunal a quo o decidiu a fixação do montante da coima do seguinte modo:

 “…

- Gravidade da contra-ordenação: a infracção cometida reveste-se de gravidade já relativamente alta, atento, por um lado, o excesso de carga em apreço (11.820 kg acima do máximo legalmente permitido) e o facto de com essa conduta colocar nomeadamente em causa a segurança rodoviária;

- Culpa do Arguido: a Arguida agiu de forma dolosa (dolo eventual);

- Situação económica da Arguida: além de a arguida ter actualmente apenas dois trabalhadores (o próprio legal representante que é simultaneamente motorista, e a esposa do mesmo), resulta provada a existência de lucros de valor baixo (cerca € 700,00);

- Benefícios retirados pela Arguida com a prática dos factos: não resulta provado o valor de venda dos bens transportados, sendo esse excesso de carga que consubstancia o benefício da arguida, já que se tratava de bens vendidos pela arguida;

Ora, face a tais elementos entende o tribunal que a coima a aplicar sempre teria de se situar um pouco acima do mínimo legalmente previsto.

Assim, … o Tribunal entende ser adequada a aplicação da coima nos termos fixados, ou seja € 1300,00, o que se determina.”.

Ora, tendo em conta a moldura abstracta da coima aplicável e sopesados os factores acima indicados, a imagem global dos factos apurados e o grau de ilicitude que os mesmos revelam, bem como a culpa da recorrente, conclui a Relação que o circunstancialismo apurado justifica o quantum concreto que o tribunal a quo definiu para a coima em análise.

A coima de 1 300,00 € foi fixada dentro dos parâmetros estipulados na lei e não se verifica ter existido violação das regras de experiência ou desproporção da quantificação efectuada, pelo que na presente sindicância não ocorrem razões para uma intervenção correctiva no sentido da sua redução, não merecendo, pois, acolhimento a pretensão que a este respeito a recorrente A..., Lda., deduziu no recurso.

                                                     *

III – Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 8 de Março de 2023

(Elaborado e revisto pela primeira signatária, assinado electronicamente por todas as signatárias – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP)

Helena Bolieiro – relatora

Rosa Pinto – adjunta

Alice Santos – adjunta