Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
358/23.3T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
CONCAUSALIDADE
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – NELAS – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 19º DA LEI Nº 15/2013, DE 8 DE FEVEREIRO
Sumário: I – Encontra-se hoje consolidado o entendimento, designadamente face à redação do nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro, no sentido de que no contrato de mediação imobiliária o direito à remuneração só existe se o contrato final de compra e venda vier a ser celebrado, e desde que se verifique entre a atividade da mediadora e o dito contrato um nexo de causalidade.

II – Sendo dogmaticamente possível a concausalidade, se a factualidade provada apontar para uma situação em que cada uma das duas mediadoras contribuiu igualmente para a realização do negócio de compra e venda [uma delas ao ser determinante na formação da vontade dos compradores, e a outra sendo determinante na formação da decisão da proprietária em vender], a justiça do caso passa por se fixar a comissão em que a primeira mediadora e ora Autora têm direito, em metade da remuneração contratualmente acordada com a Ré proprietária/vendedora.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

A..., Lda.”, sociedade comercial por quotas, com o número de identificação de pessoa coletiva ...00, com sede na Avenida ..., ..., ... ..., freguesia de..., concelho ..., veio intentar a presente ação declarativa de condenação contra AA, divorciada, contribuinte fiscal n.º...41, residente na Avenida ...- ..., ... ..., peticionando a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de € 15.067,50€, bem como no montante devido a título de juros de mora vencidos, à taxa legal comercial, contados desde 30 de julho de 2022, e os vincendos até integral e efetivo pagamento.

Tal pedido mostra-se alcandorado na seguinte alegação aqui sincopadamente referida:

No exercício da sua atividade de mediação imobiliária, celebrou com a Ré um contrato de mediação imobiliária para a alienação de um imóvel de que a Ré é titular, em regime de exclusividade.

A Autora desenvolveu diligências para promover a venda do imóvel, no âmbito da qual angariou interessados os quais fizeram uma proposta de aquisição, que veio a ser recusada pela Ré.

Após a Ré procedeu à denúncia do referido contrato, com efeitos a partir de 10 de maio de 2021.

A 16 de setembro de 2021, a Ré alineou o imóvel aos interessados angariados pela Autora.

Termina alegando que a sua atividade desenvolvida foi determinante para a conclusão do negócio, pelo que lhe é devida a remuneração acordada, tendo emitido a fatura respetiva e enviada à Ré, a qual não procedeu ao pagamento.

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Citada, veio a Ré apresentar contestação na qual, excecionou a competência territorial do Juízo Local Cível da Guarda; aceitando a celebração do contrato de mediação mobiliária com duração de seis meses, o qual denunciou porque a Autora não angariou nenhuma proposta no montante de € 260 000,00, como se obrigou.

Uma vez que o contrato não foi renovado, por denúncia por parte da Ré, entende que nada deve à Autora.

Após ter denunciado o contrato que celebrou com a Autora, acordou com outra imobiliária a promoção da venda, a qual, após ter colocado uma placa informativa, logrou conseguir uma melhor proposta apresentada pelos interessados que haviam realizado uma visita ao imóvel na vigência do contrato celebrado com a Autora, pelo que nada deve à Autora.

Termina pugnando pela improcedência da ação.

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A 03.10.2023 foi proferida decisão que julgou verificada a exceção de incompetência relativa em razão do território e, em consequência, declarou-se o Juízo Local da Guarda incompetente para conhecer da presente ação, sendo competente o Juízo de Competência Genérica de Nelas.

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Na sequência da decisão da exceção de incompetência relativa em razão do território, com a remessa dos autos para o Juízo de Competência Genérica de Nelas, veio neste a ser designado dia para a realização de uma audiência prévia, na qual foi proferido despacho a fixar o valor desta causa, despacho a fixar o objeto do litigio e enunciar os temas de prova, e os autos seguiram para a realização da Audiência Final, que teve lugar com observância das formalidades legais, tal como resulta das Atas que antecedem.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que atividade desenvolvida pela Autora foi determinante para a conclusão do negócio, sendo devida à Autora a remuneração acordada relativa ao mesmo, acrescida de IVA e juros à taxa legal, o que se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«Dispositivo

Com os fundamentos de facto e de direito, o tribunal julga a presente ação procedente e, em consequência, condena-se a Ré AA no pagamento à Autora A..., Lda da quantia de €12.250,00€ (doze mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no montante de €2.817,50 (dois mil, oitocentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos) perfazendo a quantia total de 15.067,50€ (quinze mil, sessenta e sete Euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, vencidos desde 1 de agosto de 2022 até integral e efetivo pagamento. Custas por autor e réu, em função do respetivo decaimento, que se fixa em 1,4% para o autor e 98,6% para o réu – n.ºs 1 e 2 do art. 527.º do Código de Processo Civil.

Condena-se a Ré no pagamento das custas.

Registe e notifique.»

                                                           *

           Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1 – No dia 10 de Novembro de 2020 a Ré AA celebrou com a Autora A... LDA, com Agência na cidade ..., que usa a denominação B..., um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, pelo período de 6 meses para que esta angariasse compradores para o imóvel que a Ré possuía na cidade ... pelo preço de 260.000,00€.

2 – Contrato que se poderia renovar automaticamente, por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo, os termos da Cláusula 8ª desse contrato.

3 – Durante o seu período de vigência a A. apenas conseguiu angariar um casal interessado – BB e marido CC – que apresentou uma proposta de aquisição para o imóvel da Ré pelo preço de 250.000,00€, com todo o recheio incluído.

4 – A A. deu conhecimento à Ré dessa proposta por escrito, em 24 de Fevereiro de 2021, tendo esta recusado essa proposta, também por escrito no dia 25 de

Fevereiro de 2021.

5 – E como, posteriormente, nem o referido casal melhorou a proposta apresentada nem a A. conseguiu angariar novos interessados.

6 – A Ré, nos termos da referida Cláusula 8ª do contrato, mediante carta registada com aviso de recepção, o dia 15 de Abril de 2021, denunciou o contracto para o seu termo informado a A. que, a partir de 10 de Maio de 2021 o mesmo deixaria de produzir quaisquer feitos entre as partes.

7 – Carta de denúncia que a A. recebeu mantendo-se em silêncio durante mais de um ano.

8 – Em 17 de Maio de 2021 a A. contactou uma nova imobiliária pertencente a DD com quem celebrou novo contrato de mediação para que esta angariasse interessados na aquisição do referido imóvel por 265.000,00€.

9 – Tendo esta colocado uma placa no imóvel, com o seu número de telefone a anunciar a venda.

10 – O referido casal, que passa com frequência no local e apesar de ter andado á procura de outros imóveis para comprar, apercebeu-se da placa e resolveu telefonar à nova imobiliária para saber das novas condições de venda.

11 – Agendaram nova visita ao imóvel e apesar de nunca terem referido que já tinham anteriormente estado no local e acabaram por celebrar acordo em fins de Maio de 2021 com a nova imobiliária estabelecendo o preço de 245.000,00€ pela aquisição do imóvel e pagando, separadamente, mais 10.000,00€ pelo recheio.

12 – Vindo a por celebrar a escritura de compra e venda apenas em 16 de Setembro de 2021 pelo facto dos compradores terem recorrido ao crédito bancário.

13 – Os compradores esclareceram que os contactos estabelecidos foram sempre através das referidas imobiliárias pois nem sequer tinham o contacto telefónico da vendedora.

14 – Caindo, assim, por terra a errada convicção da TRAPASSA a que se referiu a Mr.ª Juiz “ a quo”.

15 – Até porque se a nova imobiliária não tem colocado a placa com o seu contacto telefónico o referido casal nunca teria chegado a comprar o imóvel.

16 – Tratando-se, portanto, de um negócio celebrado entre a Ré e o referido casal no âmbito de um novo contrato de mediação imobiliária depois de o anterior celebrada com a A. ter sido denunciado pela Ré.

17 – Razão pela qual a Ré sempre afirmou que nada devida à A. e não tinha qualquer obrigação de pagar o que quer que fosse.

18 – Porém, a Mr.ª Juiz “a quo” não o entendeu assim e acabou por condenar a Ré a pagar o valor peticionado quando a deveria ter absolvido totalmente.

19 – Tanto mais que a decisão ora recorrida vai contra toda a jurisprudência dominante na matéria em tais circunstâncias.

20 – Prevalecendo sempre o disposto na legislação especial que regula o sector imobiliário – Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

21 – Designadamente nas situações previstas no art.º 19 n.ºs 1 e 2 que refere que a remuneração à imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação – E NÃO FOI!

Ou o negócio se não concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário – O QUE SE NÃO VERIFICOU A QUALQUER TÍTULO.

22 – Razão pela qual o DISPOSITIVO da referida Sentença se encontra totalmente errado ao condenar a Ré no pagamento à A. na quantia de 12.250,00€ acrescidos de IVA, acrescido dos juros de mora, em clara violação da lei e designadamente do disposto no art.º 19 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

23 – Porque a única decisão que se impunha e impõe, em face do exposto, é a total absolvição da Ré declarando-se que nada tem que pagar à A..

PELO EXPOSTO e pelo mais que doutamente será suprido por V.ªs Ex.ªs deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a douta Sentença recorrida que deve ser substituída por outra em que a Ré seja totalmente absolvida do pagamento de qualquer quantia à A.com o que mais um vez será feita inteira JUSTIÇA! »                                                    

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Ré nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

           - desacerto do enquadramento dos factos e decisão de direito  [concluindo-se no sentido de que a Ré devia ter sido «(…) totalmente absolvida do pagamento de qualquer quantia à A.»].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vejamos o que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido não versa sobre tal.

Consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “Factos provados”:

«1) A Autora A..., Lda é uma sociedade por quotas que tem por objeto o exercício da atividade de mediação imobiliária e tem na cidade ... uma loja /agência, sita na Rua ..., que usa a firma B....

2) No exercício daquela sua atividade, a 10 de novembro de 2020, a Autora e a Ré AA celebração um acordo epigrafado de “contrato de mediação imobiliária”, em regime de exclusividade, com a finalidade de a Autora obter interessado na compra, pelo preço de € 260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros), do prédio urbano, destinado a habitação, composto de 5 divisões assoalhadas, com uma área 395 m2, sito na Rua ..., ..., ou Rua ... – ..., denominado Lote ..., na Freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...86 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27 da Freguesia ..., prédio do qual àquela data era então proprietária.

3) Esse acordo, foi assinado presencialmente pela Ré de livre e esclarecida vontade, por concordar inteiramente com o seu conteúdo, do qual tinha perfeito conhecimento, assim o aceitando expressamente, com todas as condições constantes nas suas Cláusulas, nomeadamente: “Cláusula 5ª: a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro; o segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio for efetivamente concretizado, nos casos em que o preço seja superior a 100.000€, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.”

“Cláusula 8ª: o presente contrato tem uma validade de seis meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, coma antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo”.

4) Em cumprimento das obrigações decorrentes desse acordo, a Autora diligenciou no sentido de obter interessados na compra do prédio urbano atrás identificado, tendo promovido e acompanhado uma visita ao imóvel por parte de BB, e marido, CC, em 20 de fevereiro de 2021, através da consultora da Autora B..., EE, que fez a visita.

5) Os quais ficaram interessados na aquisição do imóvel, tendo assinado um contrato de reserva no dia 24 de fevereiro de 2021, propondo a sua compra pelo valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), incluindo mobiliário.

6) A Autora deu conhecimento à Ré a 25 fevereiro de 2021 da proposta referida no ponto 5, tendo a Ré, posteriormente, recusado por escrito a proposta por aquele valor, em 02 de março de 2021.

7) Por comunicação datada de 15 de abril de 2021, a Ré veio denunciar aquele acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, com efeitos a partir de 10 de maio de 2021.

8) A Autora veio a ter conhecimento que a Ré, em 16 de setembro de 2021, vendeu a BB e marido, CC, pelo preço de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros), o supra identificado imóvel objeto do aludido acordo celebrado com a Autora B..., através de Título de Compra e Venda, outorgado no âmbito de Procedimento Casa Pronta, na Loja do Cidadão da ....

9) A Autora interpelou a Ré para pagar a remuneração devida e calculada nos termos da Cláusula 5ª do referido Contrato de Mediação Imobiliária, remetendo-lhe uma comunicação por carta registada (com registo simples) datada de 26 de abril de 2022, juntamente com a fatura com o n.º 1 2200/000252, emitida em 23 de Março de 2022, no valor de € 12.250,00 (doze mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no montante de € 2.817,50 (dois mil, oitocentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos) perfazendo a quantia total de € 15.067,50 (quinze mil, sessenta e sete Euros e cinquenta cêntimos), com o IVA incluído, para que a Ré procedesse ao seu pagamento, no prazo de 30 dias.

10) Tal carta registada, veio a ser devolvida pelos CTT, com a indicação de “Recusado” / “Faleceu”.

11) A Autora veio a remeter à Ré nova missiva datada de 30 de junho de 2022, por carta registada simples, que lhe foi entregue a 01 julho de 2022.

12) Após a recusa da proposta apresentada por BB e CC a Ré nunca mais foi contactada por estes.

13) A Ré, após a denúncia do contrato com a Autora, colocou à venda o seu imóvel pelo preço de € 265.000,00 na imobiliária de DD;

14) A nova agente imobiliária, DD, colocou uma placa a anunciar a venda do imóvel.

15) Após a colocação da placa, DD foi contactada por CC e BB a manifestar, de novo, o seu interesse na aquisição.

16) Os quais apresentação uma nova proposta (que foi aceite pela Ré) para aquisição do imóvel, no valor de € 245.000,00, sem os bens móveis, os quais foram adquiridos pelos compradores do imóvel pelo valor de € 10 000,00.»

                                                                       ¨¨

E o seguinte em termos de “Factos não provados”:

«-BB, e marido, CC, após a realização da visita declararam que, pelo preço pelo qual o imóvel se encontra à venda, não estavam interessados.

- A nova agente imobiliária recebeu (para além do descrito no ponto 15 dos factos provados) novas propostas de aquisição do imóvel.»

                                                                       *         

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos então da questão neste particular supra enunciada, reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, que ocorreu desacerto do enquadramento dos factos e decisão de direito  [concluindo-se no sentido de que a Ré devia ter sido «(…) totalmente absolvida do pagamento de qualquer quantia à A.»]

Será assim?

Importa começar por referir que no caso vertente não se encontra questionada entre as partes a legitimidade da denúncia do contrato de mediação imobiliária que as partes haviam celebrado entre si em 10 de novembro de 2020, com a duração de 6 meses, nem os decorrentes efeitos da mesma.

Na verdade, recorde-se que a Ré, por comunicação datada de 15 de abril de 2021 dirigida à A., denunciou o acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, com efeitos a partir de 10 de maio de 2021.

Porém, na medida em que a A. teve conhecimento de que a Ré, em 16 de setembro de 2021, veio a vender o imóvel objeto do dito contrato de mediação precisamente aos mesmos terceiros que no tempo de vigência do contrato de mediação com a Ré havia angariado para esta [os quais fizeram uma proposta então não aceite pela Ré], considera-se com direito à comissão que havia sido contratualizada entre as partes, cujo pagamento reclamou extrajudicialmente da Ré, mas sem sucesso.

Sendo nesse quadro que propôs a ação contra a Ré.

De referir que defesa da Ré – no sentido de que nada deve à A. – consistiu essencialmente na alegação de que após ter denunciado o contrato que celebrou com a A., acordou com outra imobiliária a promoção da venda, a qual, após ter colocado uma placa informativa, logrou conseguir uma melhor proposta apresentada pelos interessados que haviam realizado uma visita ao imóvel na vigência do contrato celebrado com a A..

Ora, apesar de não se ter apurado que tivesse existido um qualquer conluio entre os ditos terceiros/interessados que vieram a adquirir o imóvel e a Ré sua dona, na sequência imediata da visita que aqueles fizeram ao imóvel enquanto angariados pela A. [no sentido de virem a realizar a compra e venda sem a mediação da A. e à revelia desta], a sentença recorrida, desconsiderando o concreto valor pelo qual teve lugar a final compra e venda, e a mediação de outra mediadora imobiliária, perfilhou o entendimento de que a atividade desenvolvida pela A. foi determinante para a conclusão do negócio, donde ser devida à A. a remuneração acordada relativa ao mesmo.

Porém, é logo quanto a este aspeto de a atividade desenvolvida pela A. ter sido determinante para a conclusão do negócio, que surge o nossa discordância com a sentença recorrida.

Na verdade, salvo o devido respeito, não é isso que se extrai nem direta nem indiretamente dos factos “provados”.

O que destes resulta é antes que houve duas fases autónomas, mas ambas relevantes, na e para a conclusão do negócio.

Senão vejamos.

A atividade de mediação imobiliária contratualmente desenvolvida pela A.[2] traduziu-se num benefício no processo de venda na medida em que foi ela a encontrar/angariar os interessados em causa, os quais por via da sua atuação visitaram o imóvel por 2 vezes e ficaram interessados na sua aquisição, concretizando a vontade de compra perante a Ré com a assinatura de um «(…) contrato de reserva no dia 24 de fevereiro de 2021, propondo a sua compra pelo valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), incluindo mobiliário.» [cf. factos “provados sob “4)” e “5)”].

Acontece que a proposta por este valor não foi aceite pela Ré, em 02 de março de 2021 [cf. facto “provado” sob “6)”].

Recorde-se que a Ré havia celebrado o contrato de mediação com a A., em regime de exclusividade, «(…) com a finalidade de a Autora obter interessado na compra, pelo preço de € 260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros)» [cf. facto “provado” sob “2)”], sendo, assim, legítima e justificada essa recusa.

 Foi na sequência disto que a Ré denunciou o contrato com a A., por comunicação datada de 15 de abril de 2021, com efeitos a partir de 10 de maio de 2021 [a que já se aludiu supra].

Posteriormente, a Ré colocou à venda o seu imóvel pelo preço de € 265.000,00 na imobiliária de DD, a qual colocou uma placa a anunciar a venda do imóvel [cf. factos “provados sob “13)” e “14)”].

Sendo que, «[A]pós a colocação da placa, DD foi contactada por CC e BB a manifestar, de novo, o seu interesse na aquisição», «[O]s quais apresentaram uma nova proposta (que foi aceite pela Ré) para aquisição do imóvel, no valor de € 245.000,00, sem os bens móveis, os quais foram adquiridos pelos compradores do imóvel pelo valor de € 10 000,00» [cf. factos “provados sob “15)” e “16)”, respetivamente].

Esta a sequência dos factos efetivamente “provados”, dos quais se extrai em nosso entender insofismavelmente que, sem esta segunda fase, o negócio não teria sido realizado, pois que foi por via da mediação que nela teve lugar que o negócio veio a ter um desfecho positivo, traduzido na concretização da compra e venda àqueles interessados pelo valor de € 245.000,00, sem os bens móveis [os quais foram adquiridos pelos compradores do imóvel pelo valor de € 10 000,00].

Isto é, na prática, os adquirentes vieram a despender mais € 5.000,00 pela aquisição [pois que a anterior oferta, não aceite pela Ré, ainda no tempo da mediação da A., fora de € 250.000,00 (com os móveis incluídos)], sem o que o negócio não teria sido concluído, o que, obviamente, representou um correspetivo ganho para a Ré.

Temos presente que se pode e deve entender que os ditos adquirentes se mantiveram “interessados” desde a primeira recusa, tanto mais que igualmente se apurou que tendo-se estes apercebido que o imóvel estava mais uma vez e ainda em venda, manifestaram “de novo, o seu interesse na aquisição”.

Aí radicando, aliás, a conclusão de que a prestação da mediação da A. [angariadora desses interessados] foi causal em relação ao negócio celebrado, pois que não houve uma quebra desse interesse (fruto da atividade de mediação da A.)!

Sendo certo que, ex adversu, resultou expressamente “não provado” que os ditos interessados tivessem declarado não estar interessados pelo preço pedido após “a” visita que efetuaram [cf. primeiro facto do correspondente elenco], acrescendo antes que se apurou terem eles efetuado duas visitas, e, após a segunda delas, terem “assinado um contrato de reserva”…

Sem embargo do vindo de dizer, o que é certo é que, sem ter existido a segunda mediação, a compra e venda não teria sido concluída, isto é, representou a segunda mediação um contributo inegável para a mesma.

Salvo o devido respeito, entendemos que a mediação da agente imobiliária DD foi determinante para a decisão de efetiva venda por parte da Ré, traduzida num ganho real de € 5.000,00 relativamente à (primeira) proposta angariada pela A..

A esta luz, em nosso entender verificou-se um nexo de causalidade adequada entre a atividade desenvolvida pelas duas entidades de mediação e a conclusão do negócio.

Dito de outra forma: não se mostra correto nem ponderado o entendimento perfilhado na decisão recorrida – senão expresso, pelo menos subentendido! – no  sentido de que foi por mediação exclusiva da A. que o contrato veio a ser concluído.

De referir que o que vem de ser dito em termos de nexo causal e causalidade adequada entre a(s) atividade(s) de mediação e a conclusão do negócio corresponde a um entendimento jurídico perfeitamente consolidado e pacífico a nível doutrinal e jurisprudencial[3], designadamente face à redação do nº 1 do art. 19º do citado “RJAMI”, onde se preceitua que “a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, pelo que, na medida em que tal entendimento foi invocado na sentença recorrida, sem que se mostre em concreto questionado no recurso, nos dispensamos de apreciar e aprofundar.

Por outro lado, igualmente não se torna necessária qualquer opção quanto à querela doutrinal de ter-se tratado in casu de uma obrigação de meios ou obrigação de resultado[4], porquanto o que releva decisivamente é que se verifique o dito nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e o contrato final de compra e venda que veio a ser celebrado.

Sendo certo que mais concretamente quanto a este particular, estamos a apontar para uma situação de concausalidade.

De referir que essa concausalidade é dogmaticamente possível e como tal aceite, como flui do que sobre tal já foi doutamente aduzido, a saber, «A necessidade de um nexo causal entre a atividade do mediador e o evento de que depende a sua remuneração – normalmente a celebração do contrato desejado – tem sido consistentemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência. A atividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a única causa. É visível a consciência da importância do nexo de causalidade na solução de vários problemas: desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado; contribuição de vários mediadores; celebração do contrato com interessado diferente do angariado pelo mediador.»[5] [com sublinhado da nossa autoria]

Dito isto, apenas falta apreciar e decidir sobre a ponderação da contribuição causal de cada uma das mediadoras.

Ora nesse particular afigura-se-nos como paradigmático e elucidativo o que consta de douto aresto do nosso mais alto Tribunal para um caso com perfeita similitude com o ajuizado, a saber:

«V. Da factualidade provada, resulta que, enquanto a actividade desenvolvida pela autora foi determinante na formação da vontade dos compradores, a actividade de mediação da interveniente foi determinante na formação da decisão dos réus em venderem, e em fazê-lo pelo preço indicado na escritura de compra e venda.

VI. Assim sendo, considera-se que cada uma das mediadoras contribuiu igualmente para a realização do negócio de compra e venda, reconhecendo-se, em consonância, ter a autora direito a metade da remuneração contratualmente acordada com os réus.»[6]

Na verdade, também no caso vertente se pode e deve concluir no sentido de que a atividade desenvolvida pela Autora “A..., L.da” foi determinante na formação da vontade dos compradores [que persistiram na sua intenção e vontade de comprar], e que a atividade da agente imobiliária DD foi determinante na formação da decisão da Ré em vender [mais concretamente em fazê-lo pelo preço que veio a figurar na escritura de compra e venda].

Donde, finalizando, decide-se que a A. tem apenas direito a metade da remuneração contratualmente acordada com a Ré, isto é, a € 6.125,00 [ = € 12.250,00 : 2], a que naturalmente acresce o IVA à taxa legal de 23%, e bem assim a juros de mora à taxa legal comercial, mas porque a constituição do devedor em mora depende da liquidação da obrigação, nos termos do nº 3 do art. 805º do Código Civil, o que in casu apenas está a ocorrer com o proferimento da presente decisão, só serão devidos os ditos juros de mora a partir da data de trânsito em julgado da presente decisão.

Nestes termos e limites procedendo o recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final pela revogação parcial da decisão recorrida, reduzindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia de € 6.125,00 (seis mil e cento e vinte e cinco euros), correspondente a metade da remuneração contratualmente prevista, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, e bem assim a juros de mora, à taxa taxa legal comercial, sendo estes devidos a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão.

            Custas em ambas as instâncias por A. e Ré, na proporção de ½ para cada uma delas.                                                                                                                             

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          Coimbra, 25 de Março de 2025


 Luís Filipe Cravo

João Moreira do Carmo

Alberto Ruço



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
  2º Adjunto: Des. Alberto Ruço

[2] O regime do contrato de mediação imobiliária encontra-se previsto e regulado, essencialmente, na Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro [doravante “RJAMI”].
[3] Cf., inter alia, o acórdão do STJ de 12.04.2023, proferido no proc. nº 11768/19.0T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.; na doutrina, vide CARLOS LACERDA BARATA, “Contrato de Mediação”, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Vol. I, Livª Almedina, 2002, a págs. 203-204; MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, in “O contrato de mediação”, Scientia Ivridica, nº 331, 2013, em especial a págs. 92-93.
[4] Mais aprofundadamente sobre esta questão vide HIGINA ORVALHO CASTELO, in “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, Livª Almedina, Coimbra, 2015, em especial a fls. 34-38 e 122 e segs.;
[5] Citámos agora novamente HIGINA ORVALHO CASTELO, in “O Contrato de Mediação”, Livª Almedina, Coimbra, 2014, a págs. 298-299.
[6] Trata-se do acórdão do STJ de 11.07.2019, proferido no proc. nº 28079/15.3T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.