Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL FUNDO DE RESOLUÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/13/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | DL Nº 298/92 DE 31/12, RGICSF, ETAF | ||
Sumário: | Os tribunais comum são competentes para conhecer de uma ação intentada contra o B (…), S.A., a Agência do N (…), S.A., e o Fundo de Resolução, na qual se pede a condenação solidária destes réus a pagarem ao Autor a quantia de €32.000,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros contratuais, até efetivo e integral pagamento e mais €5.000,00 por danos não patrimoniais. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório a) O Autor instaurou a presente ação declarativa comum contra o B (…) S. A., a Agência do N (..:) S. A., em Castelo Branco e o Fundo de Resolução, com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidaria destes réus a pagarem-lhe a quantia de €32.000,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros contratuais, até efetivo e integral pagamento e mais €5.000,00 por danos não patrimoniais. Alegou, em síntese, que era cliente do B (…) e sempre rejeitou qualquer proposta para aplicações de risco, apenas autorizando aplicação em depósitos a prazo, por ser um cliente com perfil conservador. Desde o ano de 2011 que a gestora de relações à distância do B (...) o convenceu a aplicar as suas poupanças, assegurando-lhes que se tratava de uma conta a prazo especial para emigrantes, sem qualquer risco. A partir da medida de resolução aplicada à 1.ª Ré, o Autor verificou que os montantes aplicados encontravam-se bloqueados e o N (…) S. A., através de funcionário da agência de Castelo Branco e telefonicamente, contactou-o no sentido de assinar um acordo, que consistia em transformar os depósitos em causa, em depósitos de outra natureza, sendo no valor de 60%, com vencimento em prazo não referido e 50%, bloqueados por 5 anos, o que não foi aceite pelo Autor. Após, os funcionários do N (…) S. A., argumentam que “não podem fazer nada, por impossibilidade do Banco de Portugal”. Ora, sucede que os Réus, sem conhecimento, vontade e autorização dos Autor, aplicaram o seu dinheiro em valores mobiliários que não identificaram. Os réus B (…) e N (…) violaram os deveres de informação sobre os produtos em causa, e os deveres de lealdade, neutralidade e respeito dos interesses que lhes estão confiados e previstos no DL n.º 289/92 de 31/12, tendo agido de má-fé, pois fizeram acreditar o Autor que estavam a fazer um depósito a prazo com o respetivo capital e juros assegurados. São, por isso, responsáveis pelos prejuízos causados. A ter existido qualquer contrato de mediação financeira, foi feito contra a vontade e consentimento do Autor, sendo nulo. Mais alega, quanto à legitimidade, que por força da resolução do Banco de Portugal, prevista no art.º 145.ª e segs do DL n.º 298/92 de 31/12, o B (…)transferiu para o N (…) S.A. o montante aí depositado. A deliberação de 3/8/2014 e de 11/08/2014 operaram uma verdadeira cessão da posição contratual para o N (…) S.A., tendo sido já esta entidade que contactou o Autor para assinar o contrato para transformarem o depósito em obrigações. Por sua vez, o Fundo de Resolução é o único acionista do N (…) sendo também o responsável pelas relações jurídicas retiradas ao B (…) e entregues ao N (…), por força das medidas de resolução adotadas. Citadas as Rés, o Fundo de Resolução invocando, além do mais, a exceção de incompetência material deste tribunal, argumentando que o Fundo é uma pessoa coletiva de direito público, que atua no exercício de funções públicas e ao abrigo de um regime especial de direito administrativo. Que nestes autos é demandado por via das atribuições que lhe foram cometidas pelos art. 153.º C do RGICSF e 1.º do Regulamento do Fundo de Resolução, estando em causa a apreciação da sua intervenção no quadro do mecanismo de resolução. Conclui no sentido da causa ser da competência dos tribunais administrativos, nos termos do art. 4.º n.º 1 a) e n.º 2 do ETAF e 3.º n.º 1 do CPTA. O Autor pugnou pela improcedência desta exceção acrescentando que no caso do tribunal decidir que é incompetente desde já «…pretende desistir da instância quanto a este R., nos termos do conjugadamente do disposto nos artigos 277.º al. d), 285.º n.º 2 e 286.º n.º 1 todos do CPC». Apreciando a exceção, o tribunal concluiu que era materialmente incompetente para conhecer da causa e, em consequência, absolveu os Réus da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 96.º n.º 1, al. a), 97.º e 278.º n.º 1 al. a), todos do Código de Processo Civil. Em síntese, por considerar que foi no âmbito destas finalidades e interesses, de ordem pública que o Banco de Portugal deliberou, em 13/08/2014 aplicar a medida de resolução do B (…) e criação do N (…). Assim, não obstante o Autor demandar, conforme alega, o Fundo de Resolução, apenas porque este detém a qualidade de acionista único do N (…), extrai-se que não é o que resulta dos articulados que apresenta. Com efeito, surgem alegados factos, que consubstanciam causa de pedir, que levam a concluir que o Autor imputa ao Fundo de Resolução os danos que invoca ter sofrido, pois estabelece como causa direta dos mesmos o sentido em que as resoluções do Banco de Portugal de criação do N (…) determinaram a não transferência dos passivos ou responsabilidades para este último. A par, sempre a definição, para efeitos de responsabilização do N (…), do que seriam capitais seguros constantes de depósitos ou de capitais de risco ou investimentos, seja em papel comercial, seja em ações preferenciais ou outros que envolvam risco, tendo como consequência restituir aos clientes apenas os montantes relativos aos primeiros, decorre de uma decisão, não das instituições bancárias aqui demandadas ((…)), mas de uma imposição decorrente de norma de direito público, emanada por uma entidade pública. Para além da alegada atuação exercida pela 1.ª Ré, que terá levado o Autor a contratar nos termos em que alega, está igualmente em causa a atuação dos Réus posterior à constituição do Fundo de Resolução e em cumprimento de resoluções impostas pelo Banco de Portugal. E reside precisamente na atividade levada a efeito pelo Banco de Portugal quanto à delimitação entre capitais seguros e de risco e quais eram ou não assumidos ou transferidos para o Novo Banco, de acordo com tais resoluções, a origem do prejuízo patrimonial e não patrimonial invocado pelo Autor e cujo ressarcimento aqui peticiona. Ou seja, não obstante o Autor alegar ter sido induzido a contratar nos moldes em que relata, por confiar nos funcionários da 1.ª e 2.ª Ré, que, ao procederem nos termos alegados, incorreram em violação do dever de informação e lealdade, sempre estas circunstâncias seriam insuscetíveis de provocar danos na esfera do autor, caso os mesmos fossem assumidos pelo N (…), o que apenas não se verificou em face do sentido das resoluções do Banco de Portugal. Não fossem as decisões de natureza administrativa e, dois quadros se podiam vislumbrar. O montante reclamado pelo Autor manter-se-ia investido nos produtos financeiros em causa, vencendo-se nos termos contratados, ou, em caso de incumprimento, estando-se perante um contrato civil, o crédito detido pelo Autor podia ser peticionado, executado ou reclamado em sede de processo de insolvência. Foram, assim, as deliberações do Banco de Portugal, que determinaram um desvio ao status quo ora exposto, visto que os passivos do Banco B (...) foram objeto de transferência para outra entidade e a responsabilidade da 2.ª Ré foi definida. Por esta razão, movemo-nos, não no plano puramente civilista e no âmbito de relações entre particulares, mas sim, num segmento que implica relações jurídicas complexas que têm como intervenientes entidades públicas e que se regem por normas de direito administrativo. Desta forma, o Fundo de Resolução é aqui demandado, não enquanto acionista, mas na qualidade de entidade com autonomia financeira, receitas e património próprio para prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução atinentes ao B (…) Aliás, seria de todo irrazoável que, sendo demandada entidade que goza de personalidade jurídica e judiciária, houvesse premência de demandar igualmente o acionista. Atente-se no alegado em 1.39 da petição inicial. Tendo sido o Fundo de Resolução demandado em regime de solidariedade com os demais Réus, impõe-se a apreciação da sua eventual responsabilidade civil extracontratual. Saliente-se que estamos perante causa de pedir de natureza complexa, alicerçada quer em contratos de natureza privada e regulados por normas jurídicas civis quer em atos de natureza administrativa e, como tal, regulados por normas administrativas e tanto nos institutos da responsabilidade contratual como extracontratual, que é o que sucede com o Fundo de Resolução que não interveio no âmbito dos contratos descritos pelo Autor, mas apenas quanto à definição da responsabilidade das demais entidades bancárias, aqui rés. Assim, atenta a natureza do Fundo de Resolução - pessoa de direito público, são os Tribunais Administrativos e Fiscais os competentes para apreciar a questão atinente à eventual responsabilização do Fundo a título extracontratual – alínea g) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF. Mas tal competência funda-se também na circunstância de estarmos perante a necessidade de interpretação, análise da validade e aplicação de normas de direito administrativo – as Resoluções do Banco de Portugal, à luz dos critérios do interesse público que foram convocados para a sua invocados para a sua criação no ordenamento jurídico. Aliás, a interpretação de tais resoluções e respetiva validade ou invalidade encontra-se intimamente relacionada com a decisão a proferir relativamente às demais exceções de ilegitimidade passiva suscitadas. Também os interesses em causa apontam no sentido de estarmos perante atos administrativos, porque praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, quais sejam, a constituição do Fundo de Resolução e do N (…), o que determina que, também por este fundamento, será a jurisdição administrativa a competente - al. a) do n.º 1 art. 4.º do ETAF. Por último, não pode deixar de se chamar à colação o teor da Deliberação do Banco de Portugal de 29/12/2015 (fls. 118 e ss. dos autos), que surge em forma de esclarecimento imposto pela circunstância de ter vindo a ser questionada a legitimidade do B (…) em processos judiciais – vide ponto 8 da deliberação, onde, nos pontos 16 e 17, se faz referencia expressa no sentido do âmbito definido pela resolução quanto à transferência de responsabilidades só poder ser questionado pelos meios previstos na legislação do contencioso administrativo de acordo com o disposto no art. 145.º-AR do RGICSF e que qualquer decisão que a contrarie constitui um desvio à regra da competência dos tribunais administrativos e restringe a possibilidade de invocação de motivos de interesse publico. Assim, por tudo o exposto e ainda porque o conhecimento da ação implica a interpretação e apreciação da validade de normas de direito público para as quais não temos competência, sendo que os TAF podem conhecer da responsabilidade dos particulares nos termos do art. 4.º, n.º 2 do ETAF, este Tribunal não é competente para a tramitação desta ação. b) É desta decisão que recorre o Autor, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: (…) c) O Fundo de Resolução contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso. (…) II. Objeto do recurso Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que o recurso coloca são as seguintes: 1 – Cumpre, em primeiro lugar, verificar se o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido, por tal competência pertencer aos tribunais administrativos. 2 – Em segundo lugar, caso a resposta seja positiva, cumpre ainda analisar se tal incompetência respeita ao pedido dirigido contra os três Réus ou apenas relativamente ao réu Fundo de Resolução, caso em que só este deverá ser absolvido da instância. III. Fundamentação a) Matéria de facto A factualidade relevante é apenas processual e é a que resulta do relatório. b) Apreciação das questões objeto do recurso. 1 – Vejamos se o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido, por tal competência pertencer aos tribunais administrativos. A resposta é negativa, pelas seguintes razões: (a) Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como é referido pelo Autor, que a questão da competência se afere tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulados pelo Autor. Acerca dos elementos determinativos da competência do tribunal, Manuel de Andrade referia: «Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidades das partes)» ([1]). (b) Lendo a petição, verifica-se que o Autor demanda o B (…)., o N (…) e o Fundo de Resolução e pede a condenação dos «… RR., solidariamente, a pagar ao A. a quantia global de €32.000,00, referentes ao montante de €12.000,00 investido em “Poupança Plus 6” com o código ISIN SC B (...) 0AE0342, acrescido de juros contratuais, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento; o montante de €10.000,00 investido em “Poupança Plus 1” com o código ISIN SC B (...) 0AE0343 acrescido de juros contratuais, bem como juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; o montante de €10.000.00 investido em “EuroAforro 10 11/12 24RE04”, acrescido dos juros contratuais, bem como juros vencidos e juros vincendos até efetivo e integral pagamento bem como o valor de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais». No que respeita à causa de pedir, invoca o seguinte: Que tinha uma conta no banco B (…) onde depositou as suas poupanças do trabalho que desenvolveu como emigrante e que o B (...) através dos seus funcionários aplicou €32.000,00 euros em ações de sociedades sediadas em paraísos fuscais, o que fez à revelia da vontade do Autor, o qual desconhecia esta aplicação do seu dinheiro, por ter sido enganado pelos funcionários do B (...) , pois, nas conversas telefónicas que manteve com estes funcionários, estes disseram ao Autor que o seu dinheiro era aplicado em depósitos a prazo destinados a emigrantes. Os €32.000,00 não foram devolvidos ao Autor e ter-se-ão perdido e, por isso, o Autor reclama o seu pagamento e respetivos juros do B (…) e das entidades que lhe sucederam nos direitos e obrigações. Demanda o 2.º Réu, isto é, o N (…), porque, por força da medida de Resolução tomada pelo Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014, as contas do Autor no B (…) passaram para o N (…), ou seja, no que respeita às relações jurídicas entre autor e B (…) o N (…) é o sucessor do B (…)nessas relações jurídicas. E demanda o Fundo de Resolução porque este é o único acionista N (…) Verifica-se, por conseguinte, que o Autor responsabiliza o primeiro Réu por ter praticado, segundo ele, ações ilícitas que o prejudicaram patrimonialmente e os restantes réus demanda-os por serem sucessores ou responsáveis pelas consequências das mesmas relações jurídicas. Se o Autor tem ou não tem razão, ver-se-á mais tarde, quando for analisado o mérito da causa. Porém, nos termos em que o Autor coloca o caso, quer quanto à causa de pedir, quer quanto ao pedido, verifica-se que o Autor não invoca contenciosamente qualquer relação jurídica de direito administrativo ou norma de direito administrativo como fundadora da responsabilidade dos Réus para consigo ([2]). Acerca da noção de relação jurídica de direito administrativo, Freitas do Amaral definiu-a como sendo «…aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração» ([3]). Por sua vez, o Tribunal de Conflitos, no seu acórdão de 8 de Dezembro de 2010, referiu-se a esta problemática nos seguintes termos: «…o conceito de relação jurídica administrativa é decisivo para determinar a repartição de competências entre os tribunais Administrativos e os Tribunais Judiciais, na medida em que essa repartição se faz em função do litígio cuja resolução se pede emergir, ou não, de uma relação jurídica administrativa. Nesta conformidade, para se saber qual o tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor – se o Judicial se o Administrativo – importará analisar em que termos foi desenhada a causa de pedir e qual foi o pedido formulado, pois será essa análise que nos indicará se estamos, ou não, perante uma relação jurídica administrativa. Sendo certo que para esse efeito é irrelevante o juízo de prognose que se faça relativamente à viabilidade da pretensão, por se tratar de questão atinente ao seu mérito» ([4]). Sobre o conceito de relação jurídica administrativa o mesmo tribunal, no seu acórdão de 25-11-2010, considerou que, «Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido» ([5]). Sintetizando o que fica exposto, para podermos reconhecer e afirmar que estamos face a uma relação jurídica administrativa, temos de isolar dois elementos: por um lado, um dos sujeitos há-se ser uma entidade pública ou, se for privada, deve atuar legalmente, no caso, como se fosse pública e, por outro, os direitos e deveres que constituem a relação hão de emergir de normas legais de direito administrativo. Vejamos então. O Autor invoca a Resolução tomada pelo Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014, não para questionar as medidas tomadas nessa Resolução, pois não impugna a validade da Resolução, mas para fundar a sua pretensão sobre o 2.º e 3.º Réus, porquanto o 2.º Réu, por via dessa Resolução, sucedeu nas relações que o Autor tinha com o B (…)e o 3.º Réu é o único acionista do 2.ª Réu criado por essa Resolução. Afigura-se, por conseguinte, que a causa de pedir e o pedido não demandam no presente caso qualquer indagação e decisão acerca de relações jurídicas administrativas e, sendo, assim, não se verifica a incompetência em razão da matéria do tribunal recorrido, por ser competente a jurisdição administrativa. Isto porque o Autor nada mais pede que o reembolso das quantias que tinha depositado no B (…) e danos não patrimoniais resultantes do facto de ter sido enganando, primeiro pelo B (…) e depois, segundo ele, pelo Novo Banco, que é uma entidade de direito privado. Com efeito, nos pontos 7.10 e 7.13 da petição, o Autor esclarece que «7.10. Deste modo, não se vê razão para o A. não ser indemnizados pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta culposa do 2º Réu, em não ter cumprido com a sua obrigação de reembolso do valor investido em “PoupançaPlus” e “ EuroAforro”. 7.11. Assim, pelos transtornos, aborrecimentos e incómodos sofridos pelo A., em consequência da conduta culposa do 2º R. ao longo deste tempo, que lhe causaram e continuam a causar ansiedade, sofrimento, angústias e sentimentos depressivos por julgarem ter perdido tudo, que muito os perturbou, que se viram desesperados e psiquicamente abalados, têm direito a ser indemnizado numa quantia nunca inferior a € 5.000,00». O Autor demanda todas as entidades envolvidas nas relações jurídicas resultantes da relação de depósito bancário existente inicialmente entre si e o B (…) e depois com o N (…), mas quanto a este por força da mencionada Resolução do Banco de Portugal que criou o N (…) Verifica-se também que o Autor não formula qualquer pedido por danos causados pela Resolução do Banco de Portugal. Face ao que fica exposto, não se adere à interpretação feita na sentença recorrida quando diz que «… não obstante o Autor alegar ter sido induzido a contratar nos moldes em que relata, por confiar nos funcionários da 1ª e 2ª Ré, que, ao procederem nos termos alegados, incorreram em violação do dever de informação e lealdade, sempre estas circunstâncias seriam insusceptíveis de provocar danos na esfera do autor, caso os mesmos fossem assumidos pelo N (…), o que apenas não se verificou em face do sentido das resoluções do Banco de Portugal. Não fossem as decisões de natureza administrativa e, dois quadros se podiam vislumbrar. O montante reclamado pelo Autor manter-se-ia investido nos produtos financeiros em causa, vencendo-se nos termos contratados, ou, em caso de incumprimento, estando-se perante um contrato civil, o crédito detido pelo Autor podia ser peticionado, executado ou reclamado em sede de processo de insolvência. Foram, assim, as deliberações do Banco de Portugal, que determinaram um desvio ao status quo ora exposto, visto que os passivos do Banco B (…) foram objeto de transferência para outra entidade e a responsabilidade da 2ª Ré foi definida. Por esta razão, movemo-nos, não no plano puramente civilista e no âmbito de relações entre particulares, mas sim, num segmento que implica relações jurídicas complexas que têm como intervenientes entidades públicas e que se regem por normas de direito administrativo». Como se disse, muito embora tenham sido as deliberações do Banco de Portugal que determinaram um desvio ao que teria sido normal ocorrer, isto é, a insolvência do B (…) e reclamação nessa insolvência dos créditos do Autor, pois houve alguns passivos e ativos que foram transferidos do Banco B (…) para o N (…), tais deliberações do Banco de Portugal não são impugnadas quanto à sua validade e nenhum dano é invocado como causado por tais deliberações, que não existisse já anteriormente. Ou seja, para se saber se o Autor tem direito ao que pede não é necessário analisar relações jurídicas administrativas como fontes desse direito, mas apenas relações de direito civil. A Resolução do Banco de Portugal apenas é invocada para fundamentar a sucessão, por parte dos Réus N (…) e Fundo de Resolução, nas relações jurídicas primitivas e respetivo desenvolvimento posterior até à atualidade estabelecidas entre o Autor e o N (…) Concluiu-se, repetindo, que no presente caso não se torna necessário analisar relações jurídicas administrativas ou aplicar normas desta jurisdição para decidir se o Autor tem direito ou não tem direito a obter a indemnização que pede aos Réus e, por isso, o tribunal recorrido tem competência em razão da matéria para conhecer da causa. 2 – Em segundo lugar, caso a resposta fosse positiva, cumpriria ainda analisar se tal incompetência respeita ao pedido dirigido contra os três réus ou apenas relativamente ao réu Fundo de Resolução, caso em que só este deveria ser absolvido da instância. Pelas razões que ficam ditas, não se mostra necessário analisar relações jurídicas administrativas ou aplicar normas desta jurisdição para decidir se o Autor tem direito ou não tem direito a obter aquilo que pede aos Réus e, por isso, o tribunal recorrido tem competência em razão da matéria para conhecer da causa em relação a este Réu. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e declara-se que o tribunal recorrido é materialmente competente para conhecer da causa. Custas do recurso pelo Fundo de Resolução. * Coimbra, 13 de novembro de 2018
Alberto Ruço ( Relator ) Vítor Amaral Luís Cravo
[1] Noções Elementares de Processo Civil (Edição revista e atualizada por Herculano Esteves). Coimbra Editora, 1979, pág. 90-91. Na jurisprudência, acórdão do STJ de 20-5-1998, BMJ n.º 477, pág. 389: «A competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida». [2] Como seria o caso se o Autor tivesse impugnado a validade da transferência ou não transferências de alguns passivos e ativos do antigo B (…) para o N (…) Assim, nos termos do acórdão do STJ de 26-09-2017, no processo n.º 3499/16.0T8VIS (Ana Paula Boularot) «É da exclusiva competência da jurisdição administrativa o conhecimento da eventual acção de anulação ou nulidade que seja proposta com vista à declaração de invalidade da decisão de não transferência de, v.g., quaisquer passivos – no caso o papel comercial - sob gestão de uma instituição de crédito, o B (…) agora em liquidação, para o banco de transição, o N (…), na sequência das deliberações do Banco de Portugal». E, consoante o acórdão do STJ de 30-03-2017, no processo n.º 725/14.3TBLSD-A (Salazar Casanova), «I - O Banco de Portugal dispõe, por força da lei, do poder de transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, produzindo a decisão de transferência efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário (arts. 139.º, 140.º, e 145.º-O do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12). II - Atuando o Banco de Portugal no exercício dos poderes que lhe estão conferidos por lei enquanto entidade supervisora, que é autoridade pública de resolução, as suas decisões, salvo se afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente o contencioso administrativo, são vinculativas para os seus destinatários». [3] Direito Administrativo, Vol. III, pág. 439/440 (Lições aos alunos do curso de Direito em 1988/89), Lisboa/1989. [5] Em http://www.gdsi.pt, processo n.º 021/10. |