Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS COIMBRA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/27/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CRIMINAL - J2) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CONTRAORDENACIONAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 22.º, N.º 3, AL. B), DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO, ALTERADA PELA LEI N.º 89/2009, DE 31 DE AGOSTO | ||
Sumário: | A norma do artigo 22.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto - ao estabelecer, para as pessoas colectivas, a coima mínima de 15.000,00, em caso de contra-ordenações ambientais graves praticadas por negligência -, não enferma de inconstitucionalidade material, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18.º da CRP. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO 1. Por decisão de 13/11/2013, no âmbito do Processo Contra-Ordenação n.º CO/001303/11, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território condenou a arguida A..., Lda. - na coima de €15.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º b) e 18º n.º 2 alínea f) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, sancionável nos termos previstos na al. b) do nº 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto; - na coima de €3.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental leve p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º f) e 18º n.º 3 alínea c) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, sancionável nos termos previstos na al. b) do nº 2 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto; - operando o cúmulo jurídico das coimas atrás referidas, foi a arguida condenada na coima única de €16.000,00 e, ainda, nas custas do processo.
2. A arguida, notificada da decisão administrativa, impugnou-a judicialmente, em 27/01/2014, ao abrigo do disposto no artigo 59.º e seguintes do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, defendendo, em síntese: o arquivamento dos autos por não ter praticado nenhuma infracção; a sua absolvição com o argumento que da decisão administrativa não consta a descrição dos factos concretos e das circunstâncias em que a imputadas contra-ordenações foram praticadas; que a condenação deverá ser suspensa na sua execução; ou caso assim se não entenda a coima deverá ser reduzida à proporção e possibilidades da arguida. 4. Realizada que foi a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, veio, em 05/01/2015, a ser proferida sentença onde foi decidido: - “julgar improcedente a nulidade de falta de fundamentação de facto da decisão administrativa . - julgar parcialmente procedente o recurso interposto por “ A... , Ldª, “e alterar a decisão de ordenação da decisão de 13 de Novembro de 2013, proferida pela Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território , agora Inspecção Geral da Agricultura , Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território e condenar aquela pela prática, em concurso efectivo de uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 11º , alínea b) e 18º , n.º 2 , alínea f) , do DL n.º 46/2008 de 12 de Março na coima de 15 000 euros , e de uma contra-ordenação ambiental leve p.p. pelo art.º 11º , alínea f) , e artigo 18º , n.º 3 alínea c) do DL n.º 46/2008 de 12 de Março na coima de 3000 euros e em cúmulo jurídico de coimas na coima de 15 000 euros , mantendo-se no mais a decisão administrativa quanto às custas fixadas . (…)”
5. Inconformada uma vez mais, a arguida (a fls. 260 a 279) interpôs recurso para este Tribunal, finalizando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: “1) Conforme resulta de fls. à Recorrente foi levantado um auto de contraordenação, pela prática de: Uma contraordenação ambiental grave, p.p. na alínea b), do artigo 11º e alínea f), n° 2, do artigo 18°, do Decreto-Lei n° 46/2008, de 12 de março; Uma contraordenação ambiental leve, p.p. alínea f) do artigo 11º e alínea f), n° 3, do artigo 18°, do Decreto-Lei n° 46/2008, de 12 de março; 2) A Recorrente apresentou a sua defesa escrita, que, para todos os efeitos, e a fim de este Venerando Tribunal possa apreciar, alegou o que acima se transcreveu; 3) A entidade administrativa decidiu em condenar a Recorrente, da forma que acima se transcreveu; 4) A Recorrente impugnou a decisão, nos termos e com os fundamentos acima transcritos; 5) Após realização do julgamento, e ouvirem-se as testemunhas arroladas, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” proferiu sentença, concluindo: “... Pelo exposto, decide-se: - Julgar improcedente a nulidade de fundamentação de facto da decisão administrativa. - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por “ A.... Lda.” e alterar a decisão de ordenação da decisão de 13 de novembro de 2013, proferida pela Inspeção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território e condenar aquela pela prática, em concurso efetivo de uma contraordenação ambiental grave (...) e de uma contraordenação ambiental leve (...) e em cúmulo jurídico de coimas de 15.000.00 euros, mantendo-se no mais a decisão administrativa quanto às custas fixadas”; 6) A Recorrente não concorda com tal decisão. 7) No que diz respeito à nulidade da decisão administrativa, por falta de circunstâncias de facto que lhe foram imputadas, a mesma deveria ter sido procedente: 8) Ao abrigo do n° 1, do artigo 41°, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, são aplicáveis ao presente processo, sempre que não resulte o contrário, os preceitos do processo penal; 9) A Recorrente apenas pode ser acusada e condenada pela prática de um facto que seja determinado, típico, ilícito e culposo; 10) Analisando a decisão e o auto de contraordenação, e também a sentença de fls., não parece haver o preenchimento de todos os requisitos supra apresentados; 11) Dizer-se apenas aquilo que se diz no auto e na decisão, não é suficiente para que a mesma seja condenada; 12) Quer o autuante, quer o decisor administrativo, limitaram-se a copiar para as suas decisões, as disposições legais correspondentes; 13) Não se fazendo, no caso em concreto, a descrição dos factos e das circunstâncias em que foram praticados, e que levaram à sua condenação; 14) Onde deveria constar uma descrição dos factos concretos, surge-nos uma descrição fáctica em abstrato; 15) Lendo a decisão administrativa, não se consegue perceber, tendo em conta a descrição vaga dos factos, o ato (ou atos) ilícito específico individualizado (tendo em conta a forma, o local, a intenção, e o nexo de imputação subjetiva dos factos ao agente) que possa ser imputado à Recorrente; 16) A falta de tais descrições fácticas, leva a que a mesma tenha de ser absolvida; 17) Nos termos do artigo 58°, n° 1, do RGCOC, a decisão que aplica a coima ou sanções acessórias deve conter, além do mais, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação; 18) Analisada a decisão e a sentença, constata-se que nas mesmas, em sede de factos provados, nada consta de factos concretos relativamente à imputada negligência — elemento subjetivo, sendo que em sede de apreciação da culpa da Recorrente, no âmbito de apreciação jurídica, se constata a sua condenação por atuação negligente; 19) Com o devido respeito, nenhuma factualidade se deu como provada para se chegar a tal conclusão de Direito; 20) O que se fez de forma conclusiva e usando, nesse momento, tão só de um “chavão” juridico genérico, tabelar e lacónico, sem que, em momento prévio (nos factos provados), se tenham assente quaisquer factos que permitam tal subsunção; 21) Assim se demonstra a indeterminação da decisão administrativa no que respeita aos factos a subsumir ao elemento subjetivo; 22) O artigo 8° do RGCOC consagra em sede contraordenacional o princípio da culpa, segundo o qual ninguém pode ser punido senão segundo a sua culpa — nexo de imputação subjetiva dos factos ao agente; 23) É manifesta a omissão de tal, essencial, enunciação fática; 24) Nos termos dos artigos 374°, n° 2, e 379°, n° 1, alínea a), ex vi artigo 41° do RGCOC, estamos perante uma nulidade da decisão da autoridade administrativa; 25) Mesmo não se olvidando que as decisões administrativas não carecem de uma exigente fundamentação como sucede com as sentenças criminais, também não se pode, num estado de Direito vinculado ao constitucional princípio da CULPA, admitirem-se decisões em que se impute uma atuação negligente sem assento de factos de onde tal se possa extrair, cuja consequência é a aplicação de coimas e sanções acessórias que nas atuais condições socioeconómicas do país, bulem com a sobrevivência dos cidadãos e, logo, com a própria economia nacional; 26) Por esse motivo, deve concluir-se pela declaração de nulidade da decisão da autoridade administrativa; 27) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 28) Caso assim se não entenda, o que por hipótese meramente académica se coloca e por dever de patrocínio se admite, sem prescindir do que vem sendo alegado, nos termos do disposto no n° 1, do artigo 41° do Decreto-Lei 433/82 de 27 de outubro que “sempre que do contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis. devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”; 29) No n° 2, do artigo 374° do Código de Processo Penal prevê-se que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicacão e exame crítico das provas que serviram para formar a conviccão do tribunal” — negrito e sublinhado nosso; 30) Nos termos do n° 1, do artigo 379° do CPP, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n°2 e na alínea b), do n°3, do artigo 374°”; 31) Na sentença de fls. consta nos pontos 11 e 12 dos “FACTOS PROVADOS”: “11 - Ao não ter implementado um sistema de acondicionamento adequado à gestão seletiva de RCD ‘s por si produzidos e detidos, o arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz; 12 - A arguida ao não possuir o mapa de registo de RCD, não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade por si prosseguida e de que era capaz...”; 32) Na motivação que se apresenta imediatamente a seguir, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, apenas refere os pontos 4, 5, 13 e 14, e dos motivos que o levaram a dar como provados os factos constantes em 4, 5, 13 e 14; 33) O que quer dizer que, quanto à imputação subjetiva dos factos (elemento subjetivo do tipo — culpa/negligência) o mesmo nada disse — nem uma consideração, mínima que fosse; 34) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não se debruçou sobre tal matéria; 35) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” omitiu na “motivação” o porquê de julgar como provados os factos descritos em II e 12 dos Factos Provados; 36) Cometeu a nulidade prevista no n° 1, do artigo 379° que acima se transcreveu; 37) Nulidade que desde já se requer declarada, com todos os efeitos jurídicos daí resultantes; 38) Sem prescindir do que vem sendo alegado, caso assim se não entenda, e tendo em conta que foi dado como provado que o lucro tributário da Recorrente no ano antecedente ao do levantamento do auto foi o montante de 3.332,49 € — vide ponto 13 dos factos provados — o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não podia ter condenado, em cúmulo jurídico, a Recorrente no pagamento do valor de 15.000,00€; 39) Atendendo às condições socioeconómicas provadas da Recorrente, é injusto ser condenada em 5 vezes o valor de lucro que aufere num ano; 40) Além da arguida não concordar com a coima aplicada, o seu montante é descabidamente desproporcional, e, em última análise, criminosa — no sentido de que, no dia a seguir ao trânsito em julgado da decisão, a Recorrente teria que se apresentar à insolvência; 41) Tal condenação viola alguns princípios da Constituição, nomeadamente e principalmente o da proporcionalidade; 42) Considerando que se prevê no artigo 20º da Lei 50/2006, de 29 de agosto que a medida da pena “faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidas com a prática do facto”, dúvidas não existem que a aplicação da coima no valor de 15.000,00 € é excessiva, considerando a sua culpa, a sua situação económica e os benefícios económicos retirados; 43) A previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...” é inconstitucional, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa; 44) Declaração de inconstitucionalidade que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 45) Destarte da coima que foi aplicada à Recorrente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal, poderia, e deveria, ter aplicado à Recorrente uma admoestação, prevista no n° 1, do artigo 51°, do RGCO, ex vi do n° 1, do artigo 2°, da Lei 50/2006, de 29 de agosto; 46) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes. Termos em que, pelos motivos acima expostos, e nos melhores de direito, se requer a revogação da sentença recorrida, realizando assim, a acostumada justiça.” * 6. O recurso foi admitido por despacho de fls. 282.
7. O Ministério Público, junto da 1ª instância, (a fls. 309 a 323), respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
8. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 330 e 331), sufragando a posição evidenciada pelo Ministério Público junto do tribunal recorrido e manifestando a sua concordância com a decisão recorrida, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.
9. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, a recorrente respondeu mantendo a posição que já havia manifestado no recurso.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO Em processo de contra-ordenação, o regime de recurso interposto, para o Tribunal da Relação, de decisões proferidas em primeira instância deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, que doravante será apenas designado pela sigla RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art. 41.º, n.º 1, do RGCO. Em recursos interpostos de decisões do tribunal de 1.ª instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO). Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código. No caso vertente, não obstante a extensas conclusões do recurso, (mas não havendo motivos para se ser demasiado exigente num convite à recorrente para, com o devido formalismo, aperfeiçoar as conclusões tendentes a sinteticamente resumir o alegado na motivação) as questões a conhecer são as seguintes: 1ª. Se é nula a decisão administrativa por falta de falta de descrição de factos concretos e das circunstâncias em que foram praticados; 2ª Se a sentença é nula por falta de fundamentação da matéria de facto provada e/ou exame crítico das provas (artigo 379º nº 1 al a) e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal); 3ª Se é excessiva a coima aplicada à arguida e se é inconstitucional a previsão da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto; 4ª Se deve ser aplicada à arguida a medida de admoestação. 2ª Questão: - Se a sentença é nula por falta de fundamentação da matéria de facto provada e/ou exame crítico das provas (artigo 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal); Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):
FACTOS PROVADOS: Discutida a causa encontram-se provados os seguintes factos com relevância para a sua decisão:
1- No dia 29 de Março de 2011, pelas 9 h 30 m , foi efectuada uma acção inspectiva, levada a cabo pela IGAMAOT , na obra sita em São Romão , Lote 14/15, na freguesia de Pousos, Leiria . 2-A obra inspecionada encontrava-se em laboração à data da inspecção ; 3- O local inspecionado localiza-se no lugar de São Romão , Lote 14 e 15 estando em construção um conjunto de apartamentos para habitação , os quais se encontram em face final de acabamento sendo a área de construção do lote 14 de 2002 m2 e a volumetria do edifício de 6006 m 3 , n.º de pisos 7 , sendo 5 acima da cota soleira e 2 abaixo da mesma cota e n.º de fogos 10. 4- O lote n.º 15 possui uma área total de construção de 2051 m 2 , volumetria do edifício 6153 m3, n.º de pisos 7 , sendo cinco acima da cota soleira e 2 abaixo da mesma , n.º de fogos 12 . 5 - A obra do lote 14 teve inicio em abril de 2010 e a do lote 15 em julho de 2010 . 6-Numa zona junto à obra existiam amontoados residios de construção e demolição(RCD resultantes da actividade , os quais não estavam acondicionados de forma adequada , estando estes depositados sobre o solo em montes e misturados, em conformidade com as fotografias n.º 5 a 10 anexas ao auto de noticia; 8- Do normal funcionamento da obra em construção é expectável a produção de resíduos de construção e demolição (RCD), nomeadamente : 17 01 01 Betão; 17 01 02 Tijolos ; 17 01 03 Ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos ; 170107 Misturas de betão , tijolos , ladrilhos , telhas e materiais cerâmicos não abrangidas em 17-01 06 ; 17 02 01 Madeira; 17 02 03 Plástico; 17 09 04 Mistura de resíduos de construção e demolição não abrangidos em 17 09 01 , 17 09 02 e 17 09 03 . 9- A empresa não evidenciou a existência em obra de qualquer registo dos RCD produzidos , junto ao livro da obra com referência à data de saída dos mesmos , código LER, quantidade, transportador, destinatário e operação de valorização ou eliminação a que os mesmos foram submetidos . 10-Este registo deveria encontrar-se anexado ao livro de obra . 11- Ao não ter implementado um sistema de acondicionamento adequado à gestão selectiva de RCD´s por si produzidos e detidos , o arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz . 12-A arguida ao não possuir o mapa de registo de RCD , não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida e de que era capaz . 13- A recorrente em relação ao ano de 2013 declarou ao Fisco, a título de lucro tributável, 3 332, 49 euros . 14. A arguida não possui antecedentes contraordenacionais.
* Mais nenhum facto se provou com relevância para a decisão da causa e constante do requerimento de interposição de recurso , designadamente não se provou : - que a arguida tenha procedido à impermeabilização do solo no qual se encontravam os residios de construção e demolição; - que a arguida tenha efectuado a triagem em obra com vista ao seu encaminhamento por fluxos e fileiras de materiais , para reciclagem - que tais resíduos fossem provenientes da abertura de roços;
Motivação Para prova dos referidos factos teve-se em conta os elementos o teor do auto de notícia de fls. 4 e 5 , em conjugação com do relatório de fls. 8 ss , que relatam as circunstancias de tempo , lugar e modo dos factos imputados em consequência de observação directa dos mesmos em conjugação com o depoimento prestado em audiência de julgamento de B... , inspector do ambiente que se deslocou ao local e revelou possuir conhecimento directo dos factos , e depôs de modo credível e lógico; teve-se em consideração as fotografias de fls. 7 apreciadas de modo livre e segundo o critério previsto no art.º 127º do CPP . Quanto ao ponto 13 teve-se em conta o documento de fls. 148 v – declaração modelo 22 de IRC . Quanto à ausência de antecedentes contraordenacionais, ponto 14 , teve-se em consideração a informação da IGAMOT , a fls. 230. * Em relação à factualidade dada como não provada teve-se em consideração a ausência de prova credível incapaz de criar a convicção da sua verificação : a testemunha F... , que foi empregado da recorrente durante o período de 2008 a 2012 e que desempenhava as funções de director de obra confrontado com os resíduos em causa referiu que o tipo de bens em causa não possuem tal natureza mas sim a de inertes . Cada um desses inertes tinha um local especifico, tendo sido feita uma triagem dos mesmos , sendo que por exemplo em relação às paletes de madeira tinham de ser devolvidas a quem as tinham comprado e seriam creditadas ; sendo que não tinham as guias de acompanhamento dos resíduos na obra, mas estavam com o transportador , sendo que o “ entulho era para ser retirado” . Confrontado com os documentos de fls. 146 a 148 confirmou que se reportam a certificados de recepção dos RCDs e guias de acompanhamento – e valorando este depoimento verifica-se uma contradição ou seja ao negar a natureza de resíduos de construção e demolição para depois confirmar que os mesmos seriam RCDs em conformidade com tais guias. E em relação ao facto de as guias de transporte não estarem na obra à data da fiscalização esclareceu que “qualquer obra tem resíduos, para cada transporte é emitida uma guia mas só no fim do mês é que é enviado o certificado “confessando deste modo que as mesmas não estariam no livro de obra ; referiu por fim que na altura teria sido colocada uma tela de plástico em baixo de tais objectos , tendo deste modo procurado realizar uma certa impermeabilização; ora apreciando esta declaração segundo os critérios elencados no art.º 127º cumpre referir que segundo o depoimento do inspector B... , nada disso foi referido quando se encontrava na obra pelo que não merecem credibilidade. Acresce que as fotografias de fls. 7 são incompatíveis com a colocação de qualquer tela. Já a testemunha D..., na qualidade de dono da obra referiu que quanto ao monte de entulho era proveniente da abertura de roços que produziu tijolos, cimento e outros inertes que estavam devidamente acondicionados versão que igualmente não merece credibilidade em face do modo como se encontram os expostos os resíduos pelas fotografias de fls. 7, e o relatado pela testemunha B... , que do visionamento do entulho em causa estava afastada a possibilidade de estar perante a abertura de roços mas antes resíduos de construção e demolição, designadamente de betão, tijolos, ladrilhos, telhas e metais cerâmicos, bem como misturas de resíduos de construção; C... , coordenadora da obra em causa referiu que de 15 em 15 se deslocava à obra em causa e que confrontada com as fotografias de fls. 7 que se trata de elementos não prejudiciais ao ambiente. Já a testemunha E... confrontada com o teor das fotografias em causa referiu que empresa que recolhe os resíduos de que é empregada e trabalha para a arguida nada tem a ver com o tipo de resíduos em causa, que considera inertes em causa por não reagir ao ar e à chuva. Ora a apreciação da prova nos termos expostos não permite formular um juízo de que a arguida tenha procedido à impermeabilização do solo no qual se encontravam os residios de construção e demolição, que a arguida tenha efectuado a triagem em obra com vista ao seu encaminhamento por fluxos e fileiras de materiais, para reciclagem e que tais resíduos fossem provenientes da abertura de roços.”
A sentença, expressando a decisão do tribunal (quando este conhece a final do objecto do processo e que toma a forma de acórdão quando proferida por um tribunal colectivo – cfr. artigo 97º nºs 1 a) e 2 do Código de Processo Penal), começa por um relatório ao qual se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, culminando na decisão condenatória ou absolutória – artigo 374º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam as demais disposições citadas sem menção do origem). Nos termos do artigo 379º do mesmo diploma legal, é nula a sentença que [n.º 1, alínea a)] não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º (e antes sumariamente enunciadas), que [n.º 1, alínea b)] condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, ou quando [n.º 1, alínea c)] o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; [n.º 2] as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
3ª Questão: Saber se é excessiva a coima aplicada e se é inconstitucional a previsão da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto. Com o argumento de que foi excessiva a coima que lhe foi aplicada (€15.000,00) invoca a recorrente que a previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de Agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...” é inconstitucional, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa; Relativamente à invocada excessividade da coima aplicada, não constando da factualidade apurada quaisquer elementos fácticos minimamente susceptíveis de, por qualquer prisma, poder fazer operar uma eventual atenuação especial moldura da coima, e tendo aquela mesma coima sido fixada precisamente no mínimo legal (repare-se que o limite mínimo da moldura abstrata da coima aplicável à contra-ordenação mais grave era precisamente de €15.000,00 e que o limite mínimo da moldura abstracta das coimas em concurso era também de €15.000,00) não vemos qual o fundamento para a recorrente poder afirmar que a coima aplicada foi excessiva. É certo que o nº 1 do artigo 20º da Lei nº 50/2006 estabelece que “A determinação da coima (…) faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do acto”. Todavia, considerando que foi aplicada à recorrente precisamente o mínimo legalmente estabelecido para a contra-ordenação e inexistindo um qualquer outro fundamento legal para que a coima a aplicar pudesse descer abaixo daquele mínimo legalmente previsto, jamais se pode concluir, como pretende a recorrente, que a coima aplicada foi excessiva. E será inconstitucional, como propugna a recorrente, a previsão da determinação da alínea b), do n° 3, do artigo 22° da Lei 50/2006, de 29 de Agosto onde consta: “Às contraordenaçães graves correspondem as seguintes coimas: a)...; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de €15.000,00 a € 30.000,00 em caso de negligência...”, por violar os preceitos previstos nos artigos 3º, 12°, 13°, 16°, 18°, 20° e 29° da Constituição da República Portuguesa? Consideramos que não. Desde logo não vislumbramos, nem a recorrente o fundamenta sequer, por que motivo a moldura fixada pelo legislador na previsão do artigo 22º nº 3 b) da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (coima de €15.000,00 a €30.000,00) seja violadora dos arts 3º, 12º, 13º, 16º, 20º e 29º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, trata-se de uma lei geral e abstracta, emanada pelo órgão legislativo do Estado (a Assembleia da República) com a competência constitucionalmente atribuída para o fazer (cfr. artigo 165º nº 1 c) da Constituição da República Portuguesa); da mesma não se descortina qualquer violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Lei Fundamental nem de preceitos supra constitucionais, por ela não surge violado o princípio da equidade nem surge restringido qualquer acesso ao direito ou à tutela de interesses legalmente protegidos. E a alusão ao artigo 29º da CRP nada tem a ver com a constitucionalidade da feitura lei mas com a sua aplicação prática. Como resulta do próprio preâmbulo da Lei 46/2008, de 12 de Março, esta partiu da necessidade de regulamentação da gestão destes resíduos considerando que “o sector da construção civil é responsável por uma parte significativa dos resíduos gerados em Portugal”, sendo certo que “o fluxo de resíduos apresenta outras particularidades que dificultam a sua gestão, de entre as quais avulta a sua constituição heterogénea com fracções de dimensões variadas e diferentes níveis de perigosidade.” Por outro lado, desse mesmo preâmbulo resulta que “a actividade de construção civil apresenta, por si própria, algumas especificidades, tal como o carácter geograficamente disperso e temporário das obras, que dificultam o controlo e fiscalização do desempenho ambiental das empresas do sector.” Daí que seja premente a criação de condições legais para a correcta gestão dos RCD que privilegiem a prevenção da produção e da perigosidade, o recurso à triagem na origem, à reciclagem e a outras formas de valorização, estabelecendo-se uma cadeia de responsabilidade que vincula quer os donos da obra e os empreiteiros (…). E desse mesmo preâmbulo é também dito “… resultam situações ambientalmente indesejáveis, com a deposição não controlada de RCD, não compagináveis com os objectivos nacionais em matéria de desempenho ambiental, elevados por via dos compromissos internacionais e comunitários assumidos pelo Estado português”. Neste sentido, e embora a propósito do nº 4 b) daquele mesmo artigo 22° da Lei n° 50/2006, no seu Acórdão nº 110/2012, de 6 de Março (proferido no proc nº 672/11 e publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 72, de 11 de abril de 2012), o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 22°, n° 4, alínea b), da Lei n° 50/2006, de 29/08, na redação dada pela Lei n° 89/2009, de 31 de agosto, na medida em que prevê o montante de € 38 500 como coima mínima aplicável às pessoas coletivas pela prática de contraordenação ambiental qualificada como muito grave”; Na sua senda recursiva, e na sequência da suscitação da invocada violação do princípio da proporcionalidade (que como atrás vimos não se verifica), considera também a recorrente que lhe poderia e deveria ter sido aplicada a medida de admoestação. Daqui decorre que a admoestação só será de aplicar às infracções qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente, àquelas em que há actuação por negligência ou, noutros casos, em que haja circunstâncias que atenuem a culpa. Ora, dos autos não resulta que o grau de culpa da recorrente seja reduzida nem se vislumbram circunstâncias que atenuem a sua culpa, sendo certo que a contra-ordenação primacialmente sindicada pela recorrente é qualificada como grave – logo não se verificam os requisitos para a aplicação da medida de admoestação. Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões da recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou normativos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados nas suas conclusões de recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida. III – DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s. * (Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal) * Coimbra, 27 de Maio de 2015 (Luís Coimbra - relator) (Alcina da Costa Ribeiro - adjunto) |