Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
401/22.3T8SEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA POR FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 272.º, N.º 1 E 304.º, DO CPC
Sumário: I - Dada a autonomia procedimental e substantiva dos embargos de executado em relação à execução, a suspensão desta não implica, necessariamente, a suspensão daqueles, ou vice versa, devendo a questão ser apreciada casuisticamente.
II - Assim, se na execução é proferido despacho que pode levar à extinção da mesma, por falta de título executivo, não faz sentido, em termos de lógica e de economia de meios, que, sem razão premente, os embargos, com o mesmo fito e com a mesma causa, prossigam, devendo eles ser suspensos até prolação de nova decisão na execução que decrete, ou não, tal extinção.
Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Rui Moura
João Moreira do Carmo


ACORDAM OS JUIZES O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

G..., Lda,  deduziu embargos de executado à execução que contra si foi instaurada por  F..., S.A.

Invocou a inexigibilidade da obrigação por falta de título executivo.

Pediu a extinção da execução.

Por decisão proferida na  execução, esta foi declarada suspensa ao abrigo do artº 272º nº1, 2ª parte do CPC.

Fundamentou-se tal suspensão no facto de o contrato de trespasse que  foi dado como título executivo ter sido resolvido pela Srª Administradora da Insolvência em benefício da Massa Insolvente de B..., Lda,.

E que tendo tal resolução sido impugnada pela executada, aqui embargante, «… resulta claro que caso a impugnação, seja improcedente, mantendo-se a resolução do contrato de trespasse, o título executivo passa a ser inexistente»

2.

Na sequência deste despacho foi proferido o seguinte despacho nos presentes autos de embargos:

«Por despacho proferido nos autos principais a 16 de Fevereiro de 2023 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, brevitatis causa – determinou o Tribunal a suspensão da presente executiva que corre termos nos autos principais.

Ora, como é sabido a oposição por embargos de executado consubstancia uma acção declarativa enxertada no processo executivo destinada a obstar à produção dos efeitos da execução baseada no título executivo. Trata-se, assim, de uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva em que se enxerta.

Constitui, portanto, uma fase eventual da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, pelo que a suspensão da execução determina a suspensão do presente apenso embargos de executado.

Nestes termos determino a suspensão dos presentes embargos de executado até que deixem de estar suspensos os autos principais de execução, mais se dando, consequentemente, sem efeito, a audiência final designada para o dia 13 de Abril de 2023»

3.

Inconformada  com o mesmo recorreu a embargante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 - O despacho recorrido constitui um manifesto erro de direito.

2 - A suspensão da instância no apenso dos embargos decorre de o processo executivo ter sido anteriormente suspenso na sequência de um requerimento apresentado por um terceiro – a Massa Falida da B..., Lda. – que alegava terem sido removidos bens móveis das instalações da embargante/executada, na sequência de uma penhora, bens móveis esses cuja titularidade é objecto de litígio judicial a ser discutida no processo de impugnação da resolução em benefício da referida Massa Falida instaurado pela Recorrente, nos termos do artº 125º do CIRE.

3 - É neste contexto que é decretada a suspensão da instância no processo executivo e na sequência desta a Mª Juiz a quo determina também a suspensão dos com a fundamentação constante do despacho recorrido.

4 - Alega-se no despacho recorrido como fundamento da suspensão da instância o facto de os embargos, por se tratarem de uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva, constituírem uma eventual fase da desta, sem autonomia processual própria, razão pela qual a suspensão da instância na acção executiva determina a suspensão dos embargos de executado que correm em apenso.

5 – Desde logo, tal asserção é desmentida pelo artº 733º, nº 1, do CPC que prevê a possibilidade de em quatro situações constantes das diversas alíneas a execução ser suspensa apesar de os embargos continuarem a sua tramitação até final, ou seja, a suspensa da execução não produz necessariamente a suspensão dos embargos como decorre do argumento invocado no despacho recorrido.

6 - Mas há ainda uma outra razão do ponto de vista da estrutura de cada um dos processos em causa, sendo os embargos uma acção declarativa que corre por apenso à acção executiva, nunca aquela poderia constituir uma fase desta atenta a finalidade de cada um deles.

7 - Os embargos de executado constituem uma nova relação processual extrínseca à acção executiva, razão pela qual jamais se pode concluir que do ponto de vista estrutural eles possam constituir, ainda que eventualmente, uma fase da instância executiva.

8 - Para além da falta de fundamento do argumento subjacente ao despacho recorrido, há ainda duas outras razões de ordem jurídica que necessariamente conduziriam a que os embargos de executado não visse a instância suspensa.

9 - A primeira razão prende-se com o facto de os embargos serem uma acção declarativa tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo.

10 - A razão que levou à suspensão da instância na acção executiva – duvidas sobre a titularidade dos bens móveis penhorados – nada tem a ver com o efeito pretendido com os embargos de executado dado que o que nestes se discute é se o documento dado à execução é, ou não, título executivo?

 11 - Não há, assim, qualquer relação directa entre o motivo que conduziu à suspensão da instância executiva e o objectivo pretendido com os embargos, tanto mais que, para além dos bens móveis há também outros bens – depósitos bancários – penhorados, com as consequências gravosas que daí decorrem para a embargante.

12 - Particularmente no caso presente porque a penhora com remoção dos bens móveis e das contas bancárias conduziram a que a embargante tivesse que suspender a sua actividade comercial por falta de meios para tal, vendo-se agora, com a suspensão da instância dos embargos, de mãos completamente atadas porque o Tribunal entende que não tem que conhecer para já da fundamento dos embargos e não se sabe quando tal ocorrerá porque o prosseguimento da instância fica dependente da decisão a proferir numa outra acção.

13 - Uma segunda razão prende-se com o fundamento do pedido da suspensão da execução pela Massa Falida – a titularidade dos bens móveis penhorados é objecto de litígio judicial – o que configura na prática uma espécie de embargos de terceiro, com as consequências resultantes de tal articulado, a suspensão da execução apenas quanto aos bens a que dizem respeito como decorre do artº 347º do CPC.

14 - Ora a suspensão da execução decretada deve reportar-se apenas à prossecução da mesma quanto aos bens móveis removidos aquando da penhora efectuada, e não obviamente à suspensão total da execução tanto mais que há mais bens penhorados, no caso saldos bancários.

15 - Também por esta razão não faz qualquer sentido a suspensão da instância nos embargos, pois é o próprio Tribunal a impedir que a embargante obtenha o desiderato pretendido com os embargos, o reconhecimento da inexistência de título executivo com todas as consequências legais.

16 - Objectivamente, no caso presente a suspensão da instância nos embargos constitui uma situação de denegação de justiça

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é  a seguinte:

Ilegalidade da decisão  que decretou a suspensão dos embargos de executado.

5.

Apreciando.

Os embargos  de executado consubstanciam-se, por reporte à ação executiva de que são dependentes, como um incidente nominado, de índole declarativa.

 Assim, substantivamente, eles assumem um objeto próprio, ainda que conexionado com a execução, e, processualmente, têm autonomia procedimental.

Tanto assim que eles podem ter valor diferente do da execução a que se reportam – cfr  artº 304.º do CPC e Ac. da RC de 28.03.2023, p. n.º 33/19.3GASRE – C.C2, in dgsi.pt, de que o presente  relator também o foi.

Como bem se expendeu no despacho de suspensão da execução, esta, ex vi do  Assento do STJ de 24.5.1960 - reafirmado no Ac. do STJ de  31.5.2007,  p. 07B864, in dgsi.pt -,  não pode ser suspensa por virtude de causa prejudicial, stricto sensu – artº 272º nº1, 1ª parte do CPC.

Mas a suspensão da execução já poderá ser decretada com base noutro fundamento, como o foi no caso vertente.

E sendo que os embargos também poderão ser suspensos, se motivo existir, mesmo por virtude daquela causa prejudicial – Cf. Ac. RC de 26.04.2023, p. 33/19.3GASRE-C.C1.

Assim sendo, certo é que, e como defende a recorrente, a suspensão da execução não implica, necessariamente, a suspensão dos embargos.

Mas a inversa, ou seja, os embargos  devem sempre tramitar, em qualquer situação ou circunstância - mesmo que a execução seja suspensa -  também não é verdadeira.

Antes a decisão pela sua suspensão, ou não suspensão, devendo ser proferida em função das circunstâncias de cada caso concreto.

In casu.

A recorrente parte de uma petição de princípio, derivada duma errada interpretação que opera sobre a causa justificativa que esteve na base da suspensão da instância executiva.

Versus o por ela defendido, esta suspensão não foi decretada  com base em «duvidas sobre a titularidade dos bens móveis penhorados», levantadas pela insolvente.

Antes foi decretada com invocação de fundamento muito mais importante e abrangente, a saber: a possibilidade de inexistência de título executivo, se a  impugnação da resolução em benefício da massa do contrato de trespasse improceder e esta resolução se tornar definitiva.

Esta decisão de suspensão transitou em julgado e tal trânsito abrangeu o aludido fundamento que a alicerça.

 Pelo que o despacho, bem ou mal proferido quanto a este fundamento da suspensão e suas consequências – falta de título executivo e extinção da execução -,   tem de ser acatado.

Destarte, na economia de tal decisão, se a resolução em benefício da massa se mantiver, inexiste título e, consequentemente, a execução terá de ser extinta.

Se a extinção com base em inexistência de título com  tal fundamento  é, ou não, curial, será questão para apreciar  em sede de  eventual recurso da decisão que  decrete a  mesma.

Ora, com os embargos, a embargante/recorrente pugna pelo mesmo efeito do que, possivelmente, pode advir em consequência da decisão de suspensão da execução, qual seja, o da extinção da execução por falta de título executivo.

Certo é que alega fundamentos – não ratificação da cessão e adenda desresponsabilizante posterior - diversos do invocado na decisão de suspensão da execução.

Mas o efeito final é o mesmo: inexistência de título executivo.

Assim sendo, é evidente que os embargos não podem prosseguir porque o efeito e fito com eles pretendidos pela embargante  -  extinção da execução - podem ser obtidos em função, desde logo, do despacho proferido na execução, pelo que a sua tramitação  pode e deve ser suspensa ao abrigo do artº 272º nº1 do CPC.

Não fazendo sentido, na perspetiva lógica, processual, e de economia de meios, que os embargos prosseguissem para a consecução de um efeito que pode ser obtido sem mais atividade processual, quer na execução, quer nos embargos.

Até porque a embargante/recorrente não alega concretamente razão ou prejuízo sérios e irremediáveis, dimanantes da falta de título e consequente extinção da execução decorrerem dos motivos por ela invocados, por reporte ou em contraponto ao motivo perspetivado na decisão de suspensão da execução.

A eventual decisão favorável nos embargos, porventura mais temporã, não é motivo bastante, só por si, para obstar aos inconvenientes supra aludidos.

Assim, reitera-se,  se tal resolução se mantiver, ela, na economia da decisão que decretou a suspensão da execução -  a qual, como se disse, deve prevalecer, porque se tornou definitiva -, é motivo bastante para se concluir pela inexistência de título executivo com a consequente extinção da execução.

E só se, na sequência do despacho proferido na execução ela não for extinta, os embargos podem prosseguir para apreciação dos fundamentos invocados pela embargante alicerçantes da sua alegação de inexistência de título executivo.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

(…)

 

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda  julgar o recurso improcedente e, ainda que com fundamentação diversa, confirmar o despacho recorrido.

Custas  recursivas pela recorrente.

Coimbra, 2023.09.26.