Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA TRADIÇÃO DA COISA PARA O PROMITENTE COMPRADOR INCUMPRIMENTO DO CONTRATO BENFEITORIAS FEITAS PELO PROMITENTE COMPRADOR AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 342.º, N.º 2, 442.º, N.º 2, 799.º, 1273.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGO 636.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | I - O disposto no artº 442º nº4 do CCivil – fixação a forfait da indemnização através do sinal - apenas se aplica quando emerge unicamente o efeito prototípico do incumprimento culposo do contrato promessa: a não realização do contrato prometido.
II - Assim tal preceito não impede a indemnização, nos termos gerais, de danos que tenham resultado de uma obrigação secundária e que assumam cariz diferenciado, como sejam os decorrentes de benfeitorias ou despesas realizadas pelo promitente-comprador que entrou na posse da coisa na convicção da outorga do contrato definitivo que não chegou a verificar-se por culpa do promitente vendedor. III - A ampliação do objeto do recurso- artº 636º do CPC – apenas é possível no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa e se a reversão, em sede recursiva, do fundamento em que a parte decaiu, obste à procedência do recurso nos termos em que procedeu. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Fernando Monteiro Fonte Ramos * ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA e esposa, BB, intentaram contra CC e esposa, DD e A..., LDA, todos com os sinais dos autos, ação declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediram: A condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de €18.910, acrescida dos respetivos juros vincendos, desde a citação.
Alegaram: O incumprimento de contrato promessa celebrado entre as partes e incumprido pela ora segunda Ré, que não logrou obter a licença de habitabilidade no prazo acordado para a celebração da escritura pública de compra e venda.
Contestaram os Réus. Confirmaram a celebração do contrato promessa com os AA. impugnando o demais alegado por estes, pois que, dizem, a não realização do contrato de compra e venda definitivo foi uma escolha dos ora AA., contratualmente prevista, tendo os RR. procedido à devolução do sinal em singelo, tal como contratualmente fixado entre as partes. Ademais, não ocorreu qualquer responsabilidade pré contratual por banda sua. Pediram: A improcedência da ação.
2. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Face ao exposto e nos termos dos artigos e das disposições legais citadas, julgo integralmente improcedente a presente acção, e em consequência absolvem-se aos RR dos pedidos deduzidos pelos AA. Custas a cargo dos AA. - (artigo 527.º/1 do CPC)».
3. Inconformados recorreram os autores. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida julgou improcedente a ação com fundamento na cláusula contratual que limitava as consequências do incumprimento à mera devolução do sinal, ao abrigo do artigo 442.º, n.º 4 do Código Civil, porém, tal decisão não valorou adequadamente os factos provados relativos à conduta contraditória e lesiva da confiança por parte das Recorridas, em especial a 2.ª Recorrida (imobiliária). 2. Sendo que, entendem os ora Recorrentes que, o que está em causa, é todo um processo negocial, no qual os Recorridos ao longo do mesmo, criaram legítimas expectativas nos primeiros, acreditando os mesmos que iria ser celebrado o contrato definitivo no prazo fixado em cede do contrato promessa, não tendo além do mais, os Recorridos, de forma alguma, informado os Recorrentes da razão subjacente à demora na obtenção da licença da habitabilidad e (conforme aliás resulta dos factos provados nos pontos 9. a 12. e de 15 a 32,), o que causou danos aos Recorrentes (conforme também resulta dos ponto 19. a 24., 29. 35. a 37. dos factos provados), os quais pretendem ver ressarcidos nos presentes autos. 3. Está provado que os Recorrentes entregaram sinal, receberam as chaves, foram incentivados a realizar preparativos no imóvel, adquiriram diversos materiais, limparam o jardim/ quintal, retiraram o móveis e bens pessoais dos 1.ª Recorridos para o local indicado pela 2.ª Recorrida, tudo com base em informações e garantias transmitidas diretamente pela 2.ª Recorrida, nomeadamente pelo seu diretor comercial, EE (conforme resulta dos factos provados nos pontos 15. a 24. da Douta Sentença em crise) 4. Ficou também provado que a 2.ª Recorrida, ciente da falta de licença de utilização, garantiu que a mesma seria obtida em breve, não tendo cumprido tal obrigação nem respondido às interpelações dos Autores (vide factos provados 30. a 33 e 38. a 40. da Douta Sentença em análise). 5. Dispõe o artigo 227.º do Código Civil que “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. 6. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela – in “Código Civil anotado”, Vol. I, em anotação à supra referida disposição legal, que “ao mandar nortear a conduta das partes pelos princípios da boa-fé, a lei dá neste caso à expressão boa-fé um sentido vincadamente ético (…) sendo que, que quem negoceia os actos tendentes à celebração de um contrato e a interrompe, com violação das regras da boa-fé, incorre em responsabilidade por culpa na formação do(s) contrato(s) – culpa in contrahendo. 7. Ora, a ruptura é livre, mas não pode ser arbitrária, deixando de ser legítima quando configure um abuso de direito pelas circunstâncias em que ocorrer – vide Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., pág. 8. O instituo da culpa in contrahendo, procura resolver o problema dos prejuízos em função do desrespeito da boa-fé como norma de relação entre sujeitos jurídicos. Sendo que, a responsabilidade in contrahendo supõe a verificação cumulativa dos requisitos comuns da responsabilidade civil – nomeadamente, um facto voluntário, positivo ou omissivo, do agente, o carácter ilícito desse acto, a culpa do seu autor e a ocorrência de um(s) dano(s) casualmente ligado ao acto. 9. Os Recorridos, em especial a Recorrida A..., Ld.ª, pela sua constante remissão ao silêncio, por toda a sua actuação junto dos Recorrentes, actuaram culposamente na formação do contrato, criando nos Recorrentes a expectativa legítima que o contrato definitivo se viria a realizar em Abril de 2022 ou até em Maio de 2022, até que, pura e simplesmente lhes deixaram de responder. 10. A verdade é que , os Recorridos, quaisquer deles, se agissem de boa-fé, deveriam ter informado do atraso, da dificuldade, ou outra, na obtenção da respectiva licença de utilização, o que nunca sucedeu, conforme resulta dos factos provados (vide pontos 30., 31, 32 e 33. dos factos provados da douta Sentença em crise), embora tivessem conhecimento directo, desde 02.06.2022, que teria que haver lugar a um aperfeiçoamento no pedido de autorização de utilização do prédio (vide ponto 38. dos factos provados), e que o dito licenciamento poderia levar anos (conforme resulta dos pontos 39. e 40. dos factos provados), contudo, sem motivo justificativo, preferiram, todos eles Recorridos, remeterem-se ao silêncio, ou afirmando que a obtenção da referida licença estaria por dias, quando na verdade não ignoravam que a dita licença poderia demorar anos (vide pontos 38. a 40. dos factos provados). 11. A doutrina portuguesa assinala que, na fase pré-contratual, incidem deveres de informação e de proteção da confiança razoável da outra parte. 12. Ora, os Recorridos, agiram de forma contrária à boa-fé, pois prometeram vender um imóvel sem revelar que a obtenção da licença de utilização poderia levar anos, e não os quatro meses iniciais prometidos (vide factos provados 38. a 40.) 13. A conduta das Recorridas, em especial da 2.ª Recorrida, configura uma violação da boa fé pré-contratual (artigo 227.º do CC) e um abuso de direito (artigo 334.º do CC), por ter frustrado de forma injustificada a confiança criada nos Recorrentes. 14. Pois, no que ao abuso de direito concerne, entendem os Recorrentes, que foi criada uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria de quem acredite numa conduta alheia (no factum proprium), tendo sido dada autorização para iniciarem obras e comprar materiais para o imóvel, ou seja, uma justificação para essa confiança, tendo sido inclusive limpo todo o jardim do imóvel, retirados todas a mobílias e pertences pessoais dos 1.º Recorridos do imóvel e depositados no local, onde os representantes dos 1ºs Recorridos o disseram e nos termos autorizados pelos mesmos, havendo um investimento dessa confiança, traduzido pelo desenvolvimento de atividade baseada no factum proprium , havendo assim, uma injustiça clara! Sendo inequívoco, que estamos perante uma situação de v enire contra factum proprium, ou seja, de abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil. 15. É facto que o regime do artigo 442.º, n.º 4 não é imperativo, ou seja, as partes podem livremente convencionar um regime diferente, desde que, não violem outras normas legais imperativas e/ou a cláusula não seja abusiva. Não podendo, excluir a responsabilidade por condutas dolosas, abusivas ou gravemente e culposas — pois isso violaria o princípio da boa-fé e o artigo 334.º (proibição do abuso do direito). 16. Sendo certo que, Jurisprudência, há que defende, que a cláusula de devolução em singelo NÃO PREVALECE quando o incumprimento resulta de má-fé , dolo ou ocultação grave. 17. No caso sub judice, houve ocultação grave da parte dos Recorridos, como é de concluir dos factos provados in 30., 31. 32. 38., 39. e 40., uma vez que, os representantes da 2.ª Recorrida, apesar de conhecerem as reais dificuldades na obtenção da licença de utilização de forma deliberada, não prestaram, com culpa grave qualquer esclarecimento aos Recorrente, mesmo conhecendo que a celebração do negócio definitivo, poderia levar imensos meses ou mesmo anos. 18. O Princípio da liberdade contratual e a consequente estipulação da cláusula em que“apenas haveria lugar ao sinal em singelo” não pode servir como escudo para proteger comportamentos fraudulentos ou gravemente desleais, como acontece no caso em concreto. 19. Dúvidas não há, nem pode haver, que os Recorridos de forma consciente, planeada e no intuito de “enganar” os Recorrentes, tiveram comportamentos fraudulentos e gravemente desleais. 20.Mesmo que se entenda que o contrato prevê a devolução do sinal como única consequência do incumprimento, tal cláusula não pode prevalecer face a comportamentos que desbordam o mero inadimplemento, atingindo o plano da ilicitude pré-negocial ou do exercício abusivo do direito. 21. A aplicação cega da cláusula do artigo 442.º, n.º 4 do Código Civil, nestes termos, ofende os princípios estruturantes da boa fé contratual, da confiança e da proibição do comportamento contraditório ( venire contra factum proprium ), consagrados pela Constituição e pela jurisprudência mais recente. 22. Todos os danos patrimoniais sofridos pelos Recorrentes, que ascendem ao valor de €16,050,38 (conforme resulta dos factos provados da Mui douta Sentença em crise, nomeadamente, nos pontos 21., 22., 23. 24., 29.,35. e 36 o quais aqui se dão por integralmente reproduzidos) e morais (angústia, vulnerabilidade económica, perturbação familiar, vide ponto 37 dos factos provados da Mui douta Sentença em análise) – resultam diretamente da conduta abusiva das Rés e não são passíveis se ser ressarcidos, pela simples devolução do sinal em singelo. 23.Por isso, deve ser revogada a decisão recorrida e reconhecido o direito dos Recorrentes a indemnização pelos danos sofridos, sob pena de serem violados os artigos 227.º, 334.º, 483.º e seguintes todos do Código Civil.
Contra alegaram os réus pugnando pela manutenção do decidido, com os seguintes argumentos finais:
1- Os AA. fundam o seu pedido indemnizatório no instituto da responsabilidade pré-contratual, o qual não tem aplicabilidade ao caso em apreço, porquanto, entre os AA./Recorrentes e os 1ºs RR./Recorridos, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, que, embora preliminar de um contrato prometido, é um contrato definitivo, que se completa com a declaração das partes que se obrigam a celebrar um contrato definitivo. 2- É, pois, à luz das regras que enformam o regime jurídico do contrato-promessa que o comportamento das partes tem de ser apreciado. 3- Os AA. imputam aos RR./Recorridos o incumprimento decorrente de não terem obtido a licença de habitabilidade, dentro do prazo acordado para a celebração do contrato definitivo. 4- Promana das disposições combinadas do nº 2 e 4 do art. 442º do Código Civil: “na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal (…)”. 5- Ora, a alínea b) da cláusula terceira do contrato-promessa estipulava que haveria lugar à devolução do sinal em singelo do valor do sinal recebido, “sem qualquer penalidade ou acréscimo, ficando a presente promessa sem efeito, caso os promitentes vendedores não regularizem o licenciamento do imóvel”, donde se conclui que, no caso sub judice, não apenas inexiste estipulação contrária, como existe mesmo previsão contratual convergente com a solução legal. 6- Ao decidir pela improcedência da acção, por não ser devida qualquer outra indemnização aos AA./recorrentes além da devolução do sinal, já promovida pelos RR., a, aliás douta, sentença recorrida não merece qualquer censura, subsumindo correctamente a factualidade provada ao direito aplicável, em sintonia com as soluções jurídicas uniformes da nossa doutrina e jurisprudência. 7- Para a eventualidade de proceder o recurso – o que, honestamente, só se admite por mera hipótese académica – deve a impugnação da decisão de facto promovida pelos Recorridos proceder, expurgando-se do elenco dos factos provados os pontos 31 e 32, cuja matéria deverá ser considerada não provada. 8- O Tribunal recorrido funda a resposta afirmativa a estes pontos nos documentos 21 a 25 juntos à p.i., conjugadamente com as declarações de parte dos AA.. Todavia, estas declarações só valem na parte em que sejam corroboradas por outros elementos de prova, o que não sucede nos presentes autos, na medida em que a prova documental existente, mormente a citada, antagonicamente ao referido pelos AA., atesta que no aludido período os RR. responderam aos AA.. 9- Não havendo qualquer outro elemento probatório que confira credibilidade ao a esse propósito alegado pelos AA. deve a matéria dos pontos 31 e 32 ser suprimida da factualidade provada, aditando-se a mesma ao elenco dos factos não provados. 10- Em consequência, deve o segmento inicial do ponto 33 ser suprimido, pois que não constando dos factos provados a matéria dos pontos 31 e 32, inexiste prova do silêncio que casualmente vem associado à resolução contratual promovida. 11- Por conseguinte, deve retirar-se a expressão “perante tal silêncio” do ponto 33. dos factos provados, mantendo-se a demais redacção. 12- À mesma conclusão se chegaria sempre por não brotar dos autos qualquer factualidade que permita estabelecer um nexo causal entre a resolução e um putativo silêncio dos RR., já que a carta de resolução apenas invoca a ultrapassagem do prazo para a celebração e assinatura do contrato definitivo como fundamento para essa rotura contratual
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª – Procedência da ação. 2ª – Ampliação do recurso pelos réus, com a impugnação da decisão de facto, em caso de procedência do pedido.
5. Foram dados como provados os seguintes factos: 1. A 30 de Dezembro de 2021, entre os Autores e os 1.ºs Réus, foi celebrado um Contrato que as partes denominaram de Contrato Promessa de Compra e Venda – Cfr. doc. 1 junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido. 2. O supra referido contrato-promessa tinha por objecto a compra e venda do imóvel descrito como casa de habitação, composta de rés-do-chão, andar e logradouro, sita na Rua ..., freguesia ..., concelho e distrito ..., sob o n.º ...21 da Conservatória do Registo Predial competente e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...24 – cfr. DOC.s n.º2 e 3 (Certidão permanente e Caderneta predial), juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 3. Os 1.º RR. são donos e legítimos proprietários do imóvel supra identificado – cfr. DOC.’s. n.ºs 2 e 3 supra referidos. 4. Após uma primeira visita ao imóvel, em 30 de Setembro de 2021, os AA. entregaram à 2.º R. o montante de €500,00, por Transferência Bancária para a conta indicada por estes últimos, a fim de procederem à reserva do dito imóvel, montante, posteriormente devolvido aos AA. aquando da assinatura do contrato supra referido – cfr. DOC.s n.º4, 5 e 6, juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 5. À data da assinatura do contrato promessa pelos aqui AA. - 30 de Dezembro de 2021 – foi entregue à ora 2.ª R., a título de sinal e princípio de pagamento, em duas parcelas sucessivas – por questões técnicas relativas à entidade bancária dos aqui AA. -, a quantia total de €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros), “mediante transferência bancária para o IBAN: ...23”, conta esta titulada pela 2.ª R., “imobiliária interveniente no presente negócio” – conforme estipulado na cláusula Terceira, alínea a), do DOC n.º1 supra referido – bem como, DOC.s n.º7 e 8, juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 6. O remanescente do preço em dívida, no montante de €130.500,00 (cento e trinta mil e quinhentos euros) seria pago/liquidado no acto da celebração do contrato definitivo – conforme estipulado na cláusula Terceira, alínea c) do DOC n.º1 supra referido. 7. À data da celebração do contrato promessa, os aqui 1.º RR. encontravam-se, como ainda se encontram, emigrados em França, tendo a 2.º Ré Agência Imobiliária “A..., LDA.”, mediado todo o negócio e recebido os respectivos valores - conforme cláusulas terceira, alínea a) e oitava do DOC n.º1 supra referido. 8. A escritura pública ou contrato definitivo deveria ser celebrada até final de Abril de 2022, conforme estipulado na cláusula Quarta, n.º1 do referido DOC. n.º1. 9. Incumbia à Imobiliária, aqui 2.ª Ré, notificar para tanto os ora AA. – bem como, os 1.º RR. -, com a antecedência mínima de 12 (doze) dias – conforme estipulado no número 2 da Cláusula Quarta do supra referido DOC. n.º1. 10. O contrato prometido não foi realizado, não tendo a 2.ª Ré procedido à notificação dos aqui AA. da data de realização do acto de escritura pública. 11. Incumbia aos 1.º RR. venderem aos AA., até à data limite supra mencionada, o referido imóvel “devidamente licenciado para habitação (...)” – conforme estipulado na cláusula segunda e cláusula terceira alínea b) in fine do supra referido contrato. 12. Até ao final de Abril de 2022, não foi o contrato prometido realizado por falta da obtenção da licença de utilização. 13. Os AA procederam à resolução do contrato-promessa de compra e venda – cfr. DOC.s n.º9 e 10 juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 14. Em 25-07-2022, os aqui RR., por intermédio da 2.ª Ré -, procederam à restituição do sinal em singelo, conforme Cláusula Terceira, alínea b) do referido contrato - cfr. DOC. n.º11 , junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido. 15. Na primeira visita ao imóvel, na qual os aqui AA. foram acompanhados pelo pai do A.-Homem, bem como, pela Agente da ERA, FF – funcionária da 2.ª Ré -, aqueles (AA.) foram convidados a proceder, à reserva do imóvel – cfr. supra referido DOC. n.º4. 16. Após a assinatura do referido contrato-promessa, em 21.01.2022, com autorização de EE, titular do e-mail ..........@....., a 2.ª Ré procedeu à entrega aos AA. das chaves do imóvel objecto do supra referido contrato-promessa, mediante a assinatura de documento com essa menção, - cfr. doc. junto em 15.02.2024 que aqui se dá por integralmente reproduzido. 17. O Senhor EE, informou os AA. que poderiam iniciar de imediato os trabalhos que pretendiam realizar – apenas os de natureza estética e não estrutural - como por exemplo, pintar o imóvel, trocar os móveis das casas-de-banho e pintar os móveis da cozinha. 18. Na posse das chaves do imóvel, e conforme autorizado pelo Senhor EE, os AA. começaram por retirar todos os bens móveis do primeiro andar do imóvel para a garagem, a fim de tirarem as medidas necessárias para solicitar orçamentos para a realização das obras -cfr. DOC. n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido. 19. O imóvel tinha/tem quintal e que o mesmo se encontrava em total estado de abandono, pelo que em Janeiro de 2022, o progenitor do A.- Homem a pedido deste, procedeu à respectiva limpeza, arrancando raízes, árvores e todas as ervas daninhas que se encontravam no referido quintal procedendo à respectiva queima – cfr. DOCs n.º 13 a 15 juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 20. Os AA. começaram a adquirir material de construção e outros bens móveis para procederem à renovação do imóvel. 21. Em 27-01-2022, os AA. adquiriram uma caldeira a Pelletes para o aquecimento do imóvel, pagando o preço da mesma no valor de €1.949,00 (mil novecentos e quarenta e nove euros), e armazenando-a na garagem do referido imóvel – cfr. DOC. n.º16 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido. 22. Em 08-03-2022, após terem todas as medidas do imóvel, os AA. adquiriram dois móveis de casa de banho, dois lavatórios de casa de banho, duas sanitas, de entre todo o material necessário para renovar as duas casas de banho do imóvel supra melhor identificado – cfr. DOC.s n.º17 e 18, juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 23. Na compra do supracitado material os AA. despenderam a quantia de €4.866,11 (quatro mil oitocentos e sessenta e seis euros e onze cêntimos) – cfr. DOC.s n.º17 e 18 supra referidos. 24. Convictos que se iria celebrar o contrato definitivo, os AA. decidiram ainda adquirir janelas e portas novas, à medida da nova moradia, tendo despendido a quantia total de €6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros) – cfr.DOC. n.º19 junto com a P.I. que se dá por inteiramente reproduzido. 25. Chegados a Abril, o Sr. EE, solicitou aos AA. as chaves do imóvel, alegando que os 1.º RR. viriam a Portugal no final de Abril, para formalizarem a escritura de compra e venda. 26. Os 1.º Réus estiverem em Portugal, mas não se concretizou escritura alguma. 27. Quando o Sr. EE devolveu as chaves aos ora AA. para continuarem com “os trabalhos”, estes verificaram com surpresa, que tudo quanto haviam colocado/deslocado – da propriedade dos 1.º Réus - na garagem tinha sido, ora destruído e/ou recolocado no local de onde os mesmo tinham sido retirados; 28. A 2.º Ré, na pessoa do Sr. EE, indagado sobre o sucedido, bem como, da não realização da dita escritura de compra e venda, continuou a assegurar que a escritura definitiva se iria realizar em breve e dentro do prazo estipulado, alegando que existiria um atraso, não significativo, na obtenção da licença de utilização junto da Câmara Municipal, mas garantindo que aquela seria emitida em meados de Maio do mesmo ano civil. 29. Tendo em vista a concretização próxima do contrato definitivo de compra e venda referido, os AA. adquiriram em 04.05.2022 pavimento para a área de 122,10 m2 (cento e vinte e dois metros quadrados e dez centímetros) correspondentes aproximadamente à superfície do imóvel, despendendo mais a quantia de €2.685,27 (dois mil seis centos e oitenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos) - cfr. DOC. n.º 20, junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido. 30. Chegados a finais de Abril/inícios de Maio de 2022, os AA. interpelaram os 2.º Réus acerca da celebração da escritura definitiva de compra e venda – cfr. DOCs. n.º 21, 22 e 23 juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 31. No entanto, os 2.º RR. deixaram de responder aos AA. 32. Desde meados de Maio até finais de Junho de 2022, os AA.de forma reiterada tentaram, por todos os meios, contactar os 2.º RR., vendo sempre as suas tentativas frustradas – vide DOCs. n.º21 a 23, bem como, DOCs. n.º 24 e 25, juntos com a P.I. e que se dão por integralmente reproduzidos. 33. Perante tal silêncio e dada a data limite para celebração e assinatura do contrato definitivo os AA. procederam à resolução do contrato promessa conforme referido no ponto 13. 34. Os AA. viviam num imóvel arrendado. 35. Em Março de 2022, comunicaram ao respectivo senhorio que previam abandonar o locado em finais de Maio do mesmo ano. 36. Face ao atraso na celebração da escritura pública os AA. solicitaram ao Senhorio a prorrogação do contrato de arrendamento, tendo este anuído mediante o acréscimo mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros) – cfr. DOC. n.º 21, junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido. 37. Toda esta situação tem trazido grande angústia e sofrimento a ambos os AA., causando-lhes insónias, perda do apetite, desconfiança no alheio e desconhecido, bem como frustração e revolta, sentindo-se enganados e numa situação económica especialmente vulnerável, com a agravante de terem uma criança ao seu encargo, tendo de recorrer ao apoio financeiro dos pais. Nos termos do art.5.º/2 b) do CPC, provaram-se ainda os seguintes factos: 38. Em 02.06.2022 através de ofício emitido pela Direcção Municipal, ordenamento de Território e Desenvolvimento Económico do Município de ... foi notificado o Réu marido para aperfeiçoar o pedido de autorização de utilização do prédio supra referido e juntar documentos e esclarecer a divergência de número de matriz e áreas dos prédios aí mencionados - cfr. doc. junto aos autos em 15.02.2024 que aqui se dá por integralmente reproduzido. 39. Em 27.02.2023 foi proferido despacho pela Direcção Municipal, ordenamento de Território e Desenvolvimento Económico do Município de ... de rejeição liminar da pretensão de autorização de utilização do imóvel supra referido, face à não entrega dos elementos e esclarecimento solicitados - cfr. doc. junto aos autos em 27.02.2023 que aqui se dá por integralmente reproduzido. 40. Foi emitido alvará de autorização de utilização do imóvel referido supra em 13.09.2023 – cfr. doc. junto aos autos em 15.02.2024 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Apreciando. 6.1. Primeira questão. 6.1.1. A julgadora decidiu, de jure, nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos: «Alegam os AA. o incumprimento do contrato por parte dos RR., pela não obtenção da licença de habitabilidade no prazo fixado pelas partes para realização do contrato definitivo. Tal resolução ocorreu nos termos contratualmente fixados, tendo os RR. procedido à devolução aos ora AA. do sinal em singelo, conforme acordado na cláusula terceira alínea b) do referido contrato. Quanto a tal matéria estão as partes de acordo e nenhum litígio daí advém. Entendem contudo os AA. que os ora RR. criaram legítimas expectativas nos AA. na celebração do contrato definitivo no prazo fixado em sede do contrato promessa não tendo, além do mais, informado devidamente os ora AA. da razão subjacente à demora na obtenção da referida licença de habitabilidade, o que causou danos aos AA. que pretendem agora ver ressarcidos nos presentes autos. Ora, de acordo com o disposto no artigo 442º …do CCivil, sob a epígrafe “Sinal”: 4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.” Ou seja, o regime jurídico relativo ao sinal estabelece que não há lugar a qualquer outra indemnização nos casos aí referidos além da aí prevista. Salvaguarda a lei os casos em que as partes tenham estipulado coisa diversa, caso em que a vontade das partes prevalecerá. De igual modo o n.º 4 do art. 442.º do CC não exclui a indemnização devida por benfeitorias, nos termos do disposto no art. 1273.º do CC. Nos termos deste artigo Artigo 1273.º do CC, sob a epígrafe ”Benfeitorias necessárias e úteis”: “1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.” Nos termos do Ac. do TRL de 20.10.2020, proc. 1537/09.1YRLSB-7, disponível in www.dgsi.pt: “1. No âmbito do contrato-promessa, ao tradiciário assiste o direito ao reembolso das benfeitorias necessárias e úteis que não possam ser removidas sem detrimento da coisa, nos termos prescritos no artigo 1273.º do CC, ao que não obsta o disposto no nº 2 do artigo 442.º, já que aquela indemnização tem em vista compensar o tradiciário pela deslocação patrimonial operada por via das despesas com as obras realizadas na coisa. (…)” Nos termos do Ac. do TRG de 22.10.2020, proc. 198/19.4T8FAF.G1, disponível in www.dgsi.pt: “1- O contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional pelo que o promitente comprador que obteve do promitente vendedor a traditio do prédio objeto do contrato-promessa é, em princípio, mero detentor desse prédio. 2- Tanto o possuidor como o detentor de boa fé ou de má fé do prédio que obteve a traditio deste do promitente-vendedor, tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias úteis que realizou no prédio, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, desde que alegue e prove que essas benfeitorias não podem ser levantadas em detrimento (sem prejuízo) do prédio, salvo se esse detrimento for facto notório, em que aquele se encontra dispensado da alegação e prova da facticidade demonstrativa desse detrimento. (…)” Ora, no caso em apreço, as partes convencionaram expressamente qual a indemnização devida na eventualidade de não realização do contrato definitivo na circunstância de os promitentes vendedores não regularizarem o licenciamento do imóvel – cfr. cláusula terceira b) do contrato promessa junto aos autos com a petição inicial como doc. 1. – sendo a consequência a mera devolução em singelo do sinal entregue. Face ao exposto e no caso concreto as partes estipularem uma indemnização diversa da prevista no art. 442.º do CC., ou seja, fixaram uma indemnização que entendem ser devida numa determinada situação de não realização do contrato definitivo, situação essa que se verificou, pelo que se entende, à luz do art. 442.º/4 do CC, não ser devida qualquer outra, não podendo os AA. pretender qualquer outra indemnização além da contratualmente fixada. De igual modo no caso em apreço não se verifica a situação de ressarcimento de benfeitorias uma vez que os ora AA. não realizaram qualquer obra ou incorporação de materiais no imóvel objecto do contrato promessa celebrado, tendo os referidos materiais sido oportunamente retirados do referido imóvel pelos ora AA. Assim, salvo o devido respeito por entendimento diverso e face ao estipulado contratualmente pelas partes, entende-se não ser devida aos AA. qualquer outra indemnização pela não realização do contrato definitivo em apreço, improcedendo assim o respectivo pedido.» Dilucidemos. 6.1.2. No contrato-promessa, o sinal tem uma dupla função: por um lado visa a adstrição/coerção das partes ao cumprimento; por outro lado, e na ausência de estipulação em contrário, constitui uma determinação prévia da indemnização devida em caso de inadimplemento – cfr. Ac. do STJ de 13.11.2008, p. nº 08B2715, in dgsi.pt, como os infra cits. Estamos perante uma espécie de indemnização à “forfait", ou seja, uma indemnização anuída em montante fixo e pré-determinado, sem a necessidade de prova dos futuros prejuízos concretos sofridos. Este regime - que se aproxima do regime da cláusula penal: artº 810º e sgs. do CCivil - constitui uma especialidade em relação às normas gerais aplicáveis concernentes ao incumprimento contratual - cfr. Ac. do STJ de 03.06.2025, p. nº 3392/20.1T8AVR.P1.S1. Nos casos em que os danos promanam, direta e imediatamente do incumprimento do contrato promessa, esta indemnização tipificada e pré determinada tem de ser respeitada. Porém, vem de entender-se que em certos casos, não obstante a limitação decorrente do art. 442º, nº 4, do CC, poderá haver indemnização para além da perda do sinal ou da sua restituição em dobro. Serão aqueles casos em que o incumprimento culposo se refira a uma obrigação secundária da obrigação principal, acarretando danos diferentes e autónomos dos decorrentes do mero incumprimento do contrato-promessa e relativamente aos quais o sinal é completamente alheio à sua produção. Incidindo, assim, o contratual incumprimento numa obrigação secundária, ao mesmo será aplicável o regime geral, havendo lugar a indemnização se verificados estiverem os respetivos pressupostos gerais. Exemplo típico de outro fundamento indemnizatório, que não o decorrente diretamente do mero incumprimento da promessa, é , v. g., a indemnização por benfeitorias realizadas pelo promitente-comprador que entrou na posse da coisa – cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. I, p. 418; Ac. do STJ, de 3.11.2008, p.08B2715; Ac. TRC de 27.04.2017, p. 3/14.8T8VIS.C1; e Ac. TRG de 31.10.2024, p. 3809/23.3T8GMR-B.G1. 6.1.3. Entendemos que o caso sub judice é acobertado por este entendimento mais abrangente e equitativo. Estando o contrato definitivo marcado com data fixa, estando ele dependente da licença de utilização a obter pelos réus, estando estes obrigados a notificar os autores da data da escritura e não o fazendo nem tendo provado justificação para tal, naturalmente que tem de concluir-se que eles incumpriram culposamente o contrato promessa – pontos 1 e 8 a 12 dos factos provados e atº 799º do CCivil. Perante este incumprimento os autores declararam, obviamente com legal cobertura, resolvido o contrato. Pelo que, por tal situação, as partes foram restituídas ao satuo quo inicial, tendo o imóvel sido restituído aos réus e, ex vi do clausulado, o valor do sinal devolvido aos autores. Mas no negócio houve mais. Já posteriormente à celebração do contrato promessa, em janeiro de 2022 e por documento complementar, as partes anuíram na entrega das chaves do imóvel aos autores, do que, naturalmente, emergiu que estes ficassem com a posse do mesmo. Perante isto, e sempre na perspetiva da outorga do contrato definitivo, os autores, para melhorarem a casa, adquiriram mobília, eletrodomésticos e materiais pertinentes. Mas com a frustração do negócio, por culpa dos réus, os autores tiveram despesas as quais tem de concluir-se que se transformaram em prejuízos. Pois que os objetos ou materiais por eles adquiridos, ou foram aplicados ou foram adquiridos para serem aplicados na consideração da especificidade do imóvel prometido vender, e não se provou – ónus a incidir sobre os réus: artº 342º nº 2 do CCivil - que eles possam ser utilizados noutros imóveis ou tenham concreto valor de mercado. Ora estas despesas não decorrem, direta e imediatamente, da não realização do contrato definitivo; a consequência direta do incumprimento do contrato promessa foi apenas a não realização do contrato definitivo. Antes elas são uma consequência indireta e mediata, que resultaram de uma negociação autónoma, diferenciada e adicional, qual seja: a transferência da posse do imóvel para os autores, mediante a entrega das chaves, em janeiro de 2022 – ponto 16 dos factos provados- e a permissão de estes fazerem obras e melhoramentos na casa. Por conseguinte, a simples restituição do valor do sinal recebido não abarca estes prejuízos. Tal como aliás decorre da exposição operada pela Julgadora na decisão relativamente às benfeitorias e dos arestos nela citados; mas dos quais ela não retirou as devidas consequências. Por conseguinte, tais prejuízos têm de ser ressarcidos nos termos gerais, presentes que se encontrem os requisitos da responsabilidade civil contratual. Estes pressupostos a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, encontram-se aqui presentes. A jurisprudência mais recente inclina-se no sentido de a resolução do contrato poder ser compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, com a indemnização necessária a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exatamente cumprido. E só não sendo admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa fé – cfr. Acs. do STJ 15.02.2018, p. 7461/11.0TBCSC.L1 e de 17.05.2018, p. 567/11.8TVLSB.L1.S2. Certo é, porém, que ela abarca inequivocamente o designado interesse contratual negativo, ou seja, aquele com o qual se pretende repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, o chamado dano de confiança. E no caso vertente está apenas presente e é apenas atendível este último dano. Na verdade, as despesas havidas pelos autores foram efetuadas na base da confiança que depositaram na celebração do contrato definitivo, e não teriam ocorrido se o contrato promessa, em si mesmo e nos seus complementos, não tivesse sido celebrado nos termos em que o foi, e não tivesse sido incumprido pelos réus. 6.1.4. Os autores pedem o ressarcimento dos danos materiais no valor de €14.910,78, os quais se provaram. Mais pedem a quantia de 2000,00 euros a título de danos não patrimoniais para cada um deles, no total de 4000,00 euros. Vejamos. «O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro» -Ac. RC de 21.03.2013, p. 793/07.4TBAND.C1 in dgsi.pt. Assim, o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1. Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista. Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris. Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. No caso decidindo provou-se: 37. Toda esta situação tem trazido grande angústia e sofrimento a ambos os AA., causando-lhes insónias, perda do apetite, desconfiança no alheio e desconhecido, bem como frustração e revolta, sentindo-se enganados e numa situação económica especialmente vulnerável, com a agravante de terem uma criança ao seu encargo, tendo de recorrer ao apoio financeiro dos pais. Perante este lastro factual, e o supra exposto em tese, conclui-se que não apenas ele assume dignidade e força suficientes para atribuir aos demandantes jus a compensação por danos não patrimoniais, como o quantum peticionado se antolha equilibrado, razoável, e, assim, ínsito dentro de parâmetros admissíveis, pelo que é de conceder.
6.2. Segunda questão. 6.2.1. Os réus requereram a ampliação do recurso nos termos do artº 636º do CPC, o qual estatui: Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido 1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. Temos assim que: « – Sendo, requisito essencial para a ampliação do recurso a que alude o art.º 636, nº 1 do CPC, que a decisão recorrida lhe tenha sido desfavorável num dos fundamentos invocados pelo Réu, não tendo havido qualquer decisão a esse respeito, a ampliação, deduzida não é admissível.» - Ac. TRL de 19.12.2024, p. 14779/22.5T8LSB.L1-8 in dgsi.pt. Por outras palavras mas com o mesmo significado finalístico: «- No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, a parte vencedora pode requerer, a título subsidiário, a apreciação dos fundamentos em que decaiu, mas esses fundamentos devem ser reconduzidos aos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito controvertido» - . Ac. TRP de 14.01.2025, p. 5442/19.5T8PRT.P1 6.2.2. Ora in casu, inexistem pluralidade de fundamentos na defesa. Os réus limitaram-se a impugnar a posição dos autores de que eles (réus) não obtiveram a licença de habitabilidade atempadamente sem os informarem de tal. Por outro lado e decisivamente, a causa foi decidida apenas com base na interpretação do artº 442º nº4 do CCivil e no teor da cláusula terceira alínea b) do contrato promessa. Pugnando os autores que, não obstante o seu teor, a eles assiste jus com base na boa fé, na confiança e no abuso de direito, aos valores que despenderam ex vi da celebração do contrato promessa que foi declarado resolvido e não chegou ao contrato definitivo, e defendendo os réus o inverso, ou seja que aos demandantes apenas assiste direito à devolução do sinal em singelo como de tal clausula consta. A decisão acolheu a tese dos réus. Pelo que estes não ficaram vencidos em qualquer outro fundamento por eles aduzido. 6.2.3. Ademais, a ampliação apenas poderia ser admissível se, havendo vários fundamentos defensivos – o que como se viu não é o caso – a reversão, em sede recursiva, do fundamento em que eles decaíram, obstasse à procedência do recurso nos termos em que procedeu. Se tal não se verificar, naturalmente que a ampliação queda inócua/inútil, e, assim inadmissível. No caso vertente assim seria. Pois que, e como decorre do decidido em 6.1. mesmo que não se provassem os factos que os réus ora impugnam, o recurso, em função do que ficou exposto, sempre seria procedente. Na verdade, tal procedência sempre dependeria, ao menos determinantemente, da exegese – mais lata ou mais restrita - operada quanto ao disposto no nº4 do artº 442º do CPC. E não assumindo a factualidade ora impugnada relevância bastante para obviar ao supra interpretado e decidido. É que nos termos do artº 799º do CCivil, a culpa do devedor presume-se. Pelo que competiria aos réus, como devedores da prestação de obterem a licença de utilização necessária para a outorga do contrato definitivo, alegarem e provarem motivo justificativo para a sua não obtenção e consequente não realização do contrato prometido dentro do período temporal anuído. Não tendo eles cumprido tal ónus, com ou sem a factualidade impugnada, sempre teria de se concluir que incumpriram culposamente o contrato. 6.2.4. Finalmente, mesmo que assim não fosse ou não se entenda, a pretensão de alteração dos factos impugnados soçobraria. Efetivamente urge ter presente que: No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 23-04-2009 p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. Pois que a lei - artº 640º do CPC - exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua (do recorrente), subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1. Na especie, a julgadora fundamentou as respostas aos pontos de facto em causa, nos seguintes termos: «Os factos constantes dos pontos 30. a 33. provaram-se com base nos documentos aí referidos em conjugação com as declarações dos AA. Acresce que os funcionários da 2.ªRé ouvidos em audiência, designadamente FF, GG e EE confirmaram que estes correspondem aos respectivos contactos. Note-se que a este respeito não logrou a 2.ª Ré, sendo tal seu ónus, provar que efectivamente tinha respondido aos AA. e/ou comunicado as razões subjacentes à demora na obtenção da licença de habitabilidade. …A este respeito EE declarou ter marcado uma reunião com os AA. em 10.06.2022 onde os informou desconhecer quanto tempo demoraria a obtenção da licença, contudo não logrou a 2.ª Ré fazer qualquer prova de tal facto. Vemos assim que a prova destes pontos se baseou numa plêiade de elementos e argumentos probatórios, naturalmente que devida e concatenadamente conjugados e interpretados. Pelo que não colhe, ou mostra-se insuficiente para a censura da convicção da julgadora, a argumentação dos réus de que os factos foram provados com base nas declarações de parte dos autores, e que as estas não foram corroboradas por outros elementos de prova. Antes pelo contrário, como se viu. E os recorrentes não alegam e convencem que mesmo com a invocação de todos os meios probatórios aludidos, a convicção da Julgadora foi mal formada, ao ponto de merecer ser censurada e os aludidos factos não poderem ser dados como provados.
Procede o recurso dos autores e improcede e ampliação pretendida pelos réus.
7. Deliberação. Termos em que acorda julgar o recurso procedente, revoga-se a sentença e, agora, condenam-se os réus no pedido.
Custas pelos réus. Coimbra, 2025.10.28.
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