Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
592/21.0PBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERESSE EM AGIR
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – J1)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ART. 401º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: Para que o recurso seja apreciado, o Ministério Público tem de demonstrar a necessidade de fazer intervir o tribunal superior e que tal intervenção tenha repercussão na decisão recorrida, sob pena de se tornar inútil a sua apreciação.
Decisão Texto Integral: *

*

Processo 592/21.0PBCLD.C1

Tribunal de Origem: Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha.

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.


DECISÃO SUMÁRIA

(artigo 417º, nº 6 b) e 420º, nº 1 a) do CPP)


           

I.

No processo comum com intervenção de tribunal singular, que com o nº 592/21...., corre termos pelo Juízo Local Criminal ... foi decidido:

A- Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de 550,00 € (quinhentos e cinquenta euros).

- Condenar o Arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC.

B – Julgar a acusação pública improcedente e em consequência:

- Absolver o Arguido AA da prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.

- Sem custas.

(…)

                                                           *

Inconformado com o tratamento jurídico constante da sentença interpôs recurso o Ministério Público que concluiu do seguinte modo (transcrição):

O presente recurso prende-se com:

I -a desconsideração da expressão “cabrão” como injúria, por não a considerar ofensiva

II - a alteração substancial dos factos constantes na acusação, sem ter sido seguido o procedimento legalmente imposto pelo artigo 358º do CPP.

I

A) O Tribunal deu como provado que:

“2. Enquanto seguia o Assistente pelos corredores da Loja, o Arguido gritava e maltratava aquele, proferindo contra si as seguintes expressões: «filho da puta», «cabrão».

4. O Arguido, com as expressões descritas em 2 da factualidade demonstrada, dirigidas ao Assistente, quis ofender a honra, dignidade e consideração deste, bem sabendo que tal atitude é contrária à Lei.

 O Arguido atuou de forma deliberada, livree consciente, bem sabendo que as condutas descritas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal. “

B) Face a tal factualidade dada como provada, considerou o considerou que a expressão “filho da puta” é abstratamente capaz de ofender alguém, Pelo contrário, a “expressão “cabrão”, apesar de rude, não é abstratamente capaz de ofender a honra daquele a quem se dirige.

C) Quanto ao elemento subjetivo, ou seja, de o arguido pretender fender a honra do destinatário da sua mensagem, ele foi dado como provado sob o ponto 4 da matéria de facto provada;

D) Vejamos, então o significado desta expressão:

Consultando o dicionário on-line Priberam, obtemos o seguinte resultado:

4. [Calão, Depreciativo] Indivíduo que consente ou ignora ser alvo de traição amorosa ou conjugal. = CHIFRUDO, CORNO, CORNUDO

5. [Calão, Depreciativo] Pessoa muito desprezível, de má índole ou sem carácter. = SACANA

E) Ora, se o legislador pretendeu criminalizar condutas ofensivas da honra de terceiro e, como tal, aquelas suscetíveis de humilhar ou vexar a +pessoa a quem se dirigem, atingindo a sua da personalidade , as suas de qualidades morais como a letalidade etidão de carácter ou a probidade, entendemos que não pode ser considerada como não ofensiva, uma expressão que significa Indivíduo que consente ou ignora ser alvo de traição amorosa ou conjugal ou Pessoa muito desprezível, de má índole ou sem carácter.

F) Acrescentamos, até que, na língua portuguesa, e a par com a expressão “filho da puta” é a mais ofensiva da honra e consideração de um homem.

G) Pelo exposto, entendemos que deveria o Tribunal ter considerado que a expressão “cabrão” é suscetível de ofender a honra e consideração de terceiro e como tal, de fazer incorrer o agente na prática de um crime de injúria. Não o fazendo, ao Tribunal em erro na aplicação do direito.

II

H) Concordamos com o Tribunal que a matéria dada como provada é aquela que resulta da produção de prova em Julgamento.

I) Concordamos também, e sem mais delongas que o arguido se preparava para atingir fisicamente o Assistente e não apenas para lhe causar medo que o viesse a fazer.

J) Aceitamos ainda que a existência de um mal eminente e não de um mal futura afasta a prática do crime de ameaça, obrigando o Tribunal a ponderar a tentativa do crime, neste caso de ofensas à integridade física, de que o arguido executou actos preparatórios.

K) O que já não concordamos é que o Tribunal possa dar como provado factos diversos daqueles que estavam na acusação do MP, para, simplesmente, concluir pela não existência do crime de ameaça, absolvendo, sem mais, o arguido da prática deste crime.

L) Apesar da muito douta argumentação do Tribunal, é nosso entendimento que, face à prova de factos diversos daqueles que constavam na acusação, o Tribunal deve obedecer ao preceituado no artigo 358º do CP:

M) Distinguindo se os novos factos são ou não autonomizáveis e se estes, importam, ou não uma alteração substancial daqueles que constavam na acusação, fazendo uso do conceito previsto no artigo 1º nl1 f) do CPP.Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis;

N) Ora, no caso concreto, o Tribunal deu como provados factos diversos daqueles que constavam da acusação, mas a única conclusão que daí retirou foi a da absolvição do arguido pela prática de um crime de ameaça, por estarmos perante um perigo eminente.

O) Salvo o devido respeito por melhor opinião. Entendemos que a alteração resultante da prova é substancial, por poder configurar a prática de um crime de ofensas à integridade física, na forma tentada e os novos factos não são autonomizáveis, pelo que ao tê-los em consideração sem obedecer à comunicação imposta pelo artigo 358º nº1 do PP, viola o principio da legalidade e acarreta a      nulidade a sentença ora recorrida, por não se pronunciar sobre os factos que deu como provados, nos termos do artigo 479º mº1 c) do CPP.

Desta forma se fazendo JUSTIÇA.


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Respondeu ao recurso o assistente, aderindo às considerações feitas pelo recorrente, quer na motivação, quer nas conclusões.

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            Remetidos os autos a este tribunal o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atendida a primeira pretensão recursiva, mas já não a segunda.

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            Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).

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            Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões do recurso que delimitam a apreciação a fazer – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - e que, analisando-as, se constata que o recorrente trata em termos teóricos as questões que enuncia, mas a tal tratamento não faz corresponder um pedido de alteração da decisão recorrida, o que torna inútil a apreciação do recurso, como a seguir melhor se dirá.

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            É a seguinte a matéria de facto e respetiva motivação constante da sentença de primeira instância:

II – Dos Factos

- Factos provados:

Em julgamento e com relevo para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:

Da acusação particular:

No dia 16-12-2021, por volta das 17h34m, encontrando-se o Assistente a trabalhar como vigilante, ao efetuar a ronda, no interior do estabelecimento comercial «L...», sito na Avenida ..., em ..., foi surpreendido pelo Arguido, AA, também conhecido pela alcunha «BB» que, vindo na sua direção, empunhava um pau, com cerca de um metro de comprimento, levantando-o acima da cabeça em claro gesto de ameaça de atacar e molestar fisicamente o Assistente.

Enquanto seguia o Assistente pelos corredores da Loja, o Arguido gritava e maltratava aquele, proferindo contra si as seguintes expressões: «filho da puta», «cabrão».

Expressões que dirigiu ao Assistente, por diversas vezes e de forma veemente, enquanto levantava o pau acima da cabeça, demonstrando bem a intenção e iminência da concretização das agressões, que apenas não logrou concretizar por intervenção de um cliente da loja, CC, que ao assistir à situação e percebendo a iminência do ataque reagiu prontamente e afastou o Arguido para exterior da loja.

O Arguido, com as expressões descritas em 2 da factualidade demonstrada, dirigidas ao Assistente, quis ofender a honra, dignidade e consideração deste, bem sabendo que tal atitude é contrária à Lei.

O Arguido atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as condutas descritas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

Da acusação pública:

Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e 2, o Arguido abeirou-se do ofendido e disse-lhe «foi a DD que me mandou vir aqui dar-te com o pau, vou-te partir todo».

Em consequência da conduta do Arguido, o Agente da Polícia de Segurança Pública EE deslocou-se ao local e, na sua presença, o Arguido disse, por várias vezes, «vou partir os braços e as pernas ao vigilante», referindo-se ao ofendido.

Naquela ocasião, o ofendido ficou com receio que o Arguido concretizasse as ameaças que lhe foram dirigidas, temendo pela sua integridade física.

O Arguido procedeu da forma supra descrita por, naquela data, manter uma relação amorosa com a ex-companheira do ofendido.

O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao dirigir ao ofendido as palavras acima descritas, querendo com a sua conduta perturbar a liberdade e a tranquilidade do mesmo, o que conseguiu.

Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Do pedido de indemnização cível apresentado pelo Assistente:

Por força da atuação do Arguido, o Assistente sentiu medo pois temeu pela sua integridade física ao ver o Arguido dirigir-se-lhe, com o pau levantado em sua direção ao mesmo tempo que proferia as expressões supra referidas.

Em virtude dos acontecimentos supra referidos o Assistente foi substituído por outro vigilante no estabelecimento comercial L..., não tendo sido colocado noutro local pela sua entidade empregadora.

            (…)

 

III – Do Direito
a) Enquadramento jurídico-penal

O Arguido AA vem acusado da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, e um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.

(…)

No caso concreto, ficou provado que o Arguido dirigiu as expressões «filho da puta» e «cabrão» ao Assistente.

Em primeiro lugar, diga-se que a expressão «cabrão», dita no contexto em que foi, sem qualquer contextualização, embora possa ser considerado rude, de má educação e de grande falta de cortesia, não se pode considerar que tenha um conteúdo ofensivo da honra e consideração do Assistente.

Na verdade, a expressão «cabrão», utilizada como um impropério na nossa sociedade, tem vários significados, como seja o de indivíduo que consente ou ignora ser alvo de traição amorosa ou conjugal, ou de sacana.

A primeira definição, para se concluir que o Arguido estaria a imputar ao Assistente tais factos, teria de ser contextualizada com outras expressões ou comportamento dos Arguido, o que não sucedeu. A segunda definição, não tem a virtualidade de ofender a honra e consideração do Assistente.

Por outro lado, não se pode considerar que esteja a imputar qualquer facto ao Assistente.

Sem prejuízo, já assim não é, no que se refere à outra expressão proferida pelo Arguido.

A referida expressão («filhos da puta») é, objetivamente, suscetível de ofender a honra de qualquer pessoa, não deixando dúvidas a ninguém que, naquele contexto, a honra de uma pessoa média seria ofendida, tendo, neste caso, sido ofendida a honra do ofendido.

O Arguido ao apodar o ofendido de filho da puta está a querer diminuí-lo na sua integridade e consideração, sendo uma expressão utilizada com o fito quase exclusivo de ofender outrem.

Desta forma, o comportamento do Arguido atingiu o núcleo essencial dos bens jurídicos tutelados, «assumindo um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e da boa educação, atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade.» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-10-2017, proferido no processo n.º 118/14.2T9VNF.G1 (Jorge Bispo), disponível em www.dgsi.pt.

O Arguido sabia que, com a conduta descrita, ofendia a honra e a consideração, do ofendido, agindo com essa mesma intenção, livre e voluntariamente, tendo atuado com dolo direto, assim preenchendo o elemento subjetivo do crime em causa.

Pelo exposto, impõe-se condenar o Arguido pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, do Código Penal.
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Do crime de ameaça:

Dispõe o artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal que «Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.».

(…)

No caso sub judice, ficou provado, para o que aqui releva, que o Arguido proferiu as expressões «foi a DD que me mandou vir aqui dar-te com o pau, vou-te partir todo»» dirigindo-se ao Assistente e, apenas perante os agentes da Polícia de Segurança Pública «vou partir os braços e as pernas ao vigilante».

Resultou igualmente provado que a primeira frase, dirigida ao Assistente, foi proferida enquanto o Arguido levantava o pau acima da cabeça, demonstrando bem a intenção e iminência da concretização das agressões, e que apenas não logrou concretizar por intervenção da testemunha CC, que ao assistir à situação e percebendo a iminência do ataque reagiu prontamente e afastou o Arguido para exterior da loja.

Como já referido supra, e conforme consta do artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, o crime de ameaça pressupõe um mal futuro, com aptidão para ser encarado com foros de seriedade, e já não um mal iminente, pois nesse caso estar-se-á perante uma tentativa de execução do respetivo ato violento.

Ora, se o Arguido, estava prestes a agredir com o objeto que se encontrava munido o Assistente, e só não o fez porquanto a testemunha o impediu de tal atuação, então tem de se considerar que o mal não era futuro, mas sim iminente, ou seja, iniciaram-se atos de execução de um outro crime, deixando de se verificar o crime de ameaça – cf. neste sentido o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão datado de 15-02-2019, proferido no processo nº 140/17.7PEGDM.P1 (Paula Guerreiro), ou mesmo pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 11-01-2021, proferido no processo n.º 207/18.4GACBT.G1 (Fátima Furtado), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

 Pelo exposto nunca o Arguido poderia ser condenado pela prática de um crime de ameaça, relativamente às expressões proferida naquele primeiro momento.

No que concerne à segunda frase proferida, devemos atentar que, conforme foi também já expresso supra, a ameaça deve chegar ao conhecimento do sujeito passivo, o ameaçado, por qualquer forma, não devendo este ser confundido com o sujeito passivo do crime ameaçado, uma vez que podem não ser a mesma pessoa.

Analisada a factualidade provada, constata-se que resultou indemonstrado que as referidas expressões tenham chegado ao conhecimento do Assistente. Ora, sendo assim, não se pode considerar que o crime tenha chegado ao conhecimento do ofendido e, consequentemente, não pode considerar-se praticado o crime de ameaça, também quanto a estas últimas expressões.

Pelo exposto, impõe-se absolver o Arguido da prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.
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(…)


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            Apreciação.

            Como se disse, pela forma como o recurso foi elaborado, a sua apreciação revela-se inútil, o que impõe a sua rejeição. De facto, para que o recurso seja apreciado, para além da legitimidade que a lei confere ao Ministério Público (artigo 401º, nº 1 a) do CPP) é necessário que fique também demonstrado um interesse em agir (artigo 401º, nº 2 do CPP) ou seja, que fique demonstrada a necessidade de fazer intervir o tribunal superior e que tal intervenção tenha repercussão na decisão recorrida, sob pena de se tornar inútil a apreciação.

Portanto o interesse em agir tem de aferir-se pela utilidade objetiva da utilização da via de recurso.

Ora, analisando quer a motivação, quer as conclusões do recurso interposto constata-se que ele se debruça sobre duas questões: a primeira tem a ver com o caráter ofensivo da honra, da expressão “cabrão”; a segunda com a não comunicação, nos termos e para efeito do art. 358º do CPP, de factos não constantes da acusação, quanto ao crime de ameaça.

Ocorre que, relativamente à primeira questão, mesmo reconhecendo-se valia nos argumentos utilizados, verifica-se que o recorrente nada pede em consequência da análise que faz, em termos de decisão final. Isto é, não pede que a pena seja alterada por forma a abranger também a expressão que entende ofensiva, v.g. que seja imposta outra pena de natureza diferente ou de dimensão mais elevada. Ora, o tribunal do recurso está limitado a apreciar o que lhe é pedido e se não lhe é pedido que altere o quantum da pena, mas apenas que faça uma apreciação teórica/académica sobre uma determinada questão tratada na sentença, tudo o que disser é inútil, desnecessário e processualmente estéril, na medida em que concordando, ou não, com o recorrente, a decisão permanecerá inalterada.

O mesmo se diga relativamente à questão da não comunicação de factos novos e ao invocado incumprimento do disposto no artigo 358º do CPP. De novo entende o recorrente que o tribunal a quo errou ao não comunicar, ao arguido, factos que não constavam da acusação. Só que o arguido veio a ser absolvido e o recorrente concorda com a absolvição. Portanto, mais uma vez o tribunal de recurso é chamado a pronunciar-se em termos teóricos sobre uma questão sem qualquer utilidade no processo, na medida em que a absolvição não é revertível, porque não é sequer questionada. Note-se que o recorrente para além de concordar com a absolvição pelo crime de ameaça, entende ainda que um crime de ofensa à integridade física na forma tentada terá sido cometido, só que não sendo tal factualidade criminalmente punível, sempre impossibilitaria que outra pudesse vir a ser a decisão que não a de absolvição.

Assim sendo, carecendo o recurso de qualquer efeito útil e estando os tribunais sujeitos à proibição da prática de atos inúteis (artigo 130º do CPC ex vi artigo 4º do CPP), impõe-se a sua rejeição, por decisão sumária (artigo 417º, nº 6 b) e 420º, nº 1 a) do CPP)


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III.

            DECISÃO.

            Em face do exposto decide-se rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem custas, por delas estar isento o recorrente (artigo 522º do CPP).

            Notifique.

                                    Coimbra, 2 de maio de 2024

Maria Teresa Coimbra