Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISABEL VALONGO | ||
Descritores: | RECONSTITUIÇÃO DO FACTO VALIDADE PROBATÓRIA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DEPOIMENTO DE ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL SILÊNCIO DO ARGUIDO | ||
Data do Acordão: | 05/17/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE SANTA COMBA DÃO – SEC. COMP. GEN. – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 150.º E 356.º, N.º 7, DO CPP | ||
Sumário: | I – Os esclarecimentos prestados pelo arguido no âmbito da reconstituição do facto são contribuições que se integram naquele meio de prova, com ele se não confundindo. II – Autonomizando-se das contribuições individuais de quem tenha participado na reconstituição e das informações e declarações naquele domínio prestadas, mesmo que o arguido se remeta ao silêncio, nada obsta a que o depoimento em audiência de julgamento dos órgãos de polícia criminal incidam também sobre os termos e o modo como aquela decorreu. III – De todo o modo, só podem ser valoradas as declarações do arguido necessárias à reconstituição. Quaisquer declarações fora desse círculo de indispensabilidade deverão ser tratadas como “conversas informais”, ou seja, sem validade probatória. | ||
Decisão Texto Integral: |
I - Relatório
Pelo Tribunal Judicial da Comarca de VISEU - Instância Local de Santa Comba Dão – Sec. Comp. Gen. – J1, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos - A...., filho de (...) e de (...) , nascido a 19-06-1966, residente no (...) , Carregal do Sal, - B...., filho de (...) e de (...) , nascido a 25-09- 1974, residente na (...) , Carregal do Sal, - C...., conhecido por “ CC...”, solteiro, desempregado, filho de (...) e de (...) , nascido a 06.02.1980, residente na (...) , Carregal do Sal, - D...., filho de (...) e de (...) , nascido a 04.08.1986, residente em (...) , Tondela, - E... , solteiro, comerciante de sucata, filho de (...) e de (...) , nascido a 21.07.1958, residente na (...) , Tabua, Imputando aos arguidos A... , B... , C... e D... , a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2 al. e) e 26º, todos do C.P E imputando ao arguido E... , a prática em autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo disposto no artigo 231.º, n.º 1 do C.P. * Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença proferida a 11-07-2016, decidiu: “- Absolver os arguidos B... , C... e D... , da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal; - Absolver o arguido E... , da prática como autor material de um crime de recetação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal. - Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por F... , a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados B... , C... , D... e E... .” * Foi ordenada a separação do processo em relação ao arguido A... - cfr acta da audiência de julgamento. * Inconformada com a sentença dele interpôs recurso a assistente F... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. A recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que absolveu os arguidos B... , C... e D... , da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal; absolveu o arguido E... , da prática como autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal e julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por F... , a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados B... , C... , D... e E... . 2. O Tribunal a quo não fez uma correcta qualificação jurídico-penal dos factos carreados para os autos, na medida em que, com o devido respeito, a correcta subsunção dos mesmos levaria à condenação dos arguidos. 3. A recorrente põe em causa o julgamento das alíneas a) a v) da factualidade dada como não provada, assim como o julgamento dos pontos 12 e 19 da factualidade dada como provada, na medida em que considera que a prova carreada para os autos, foi idónea a provar que a recorrente provocou os danos no veículo da assistente. 3. A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelos autos de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão. 4. Considerou o tribunal recorrido, no que respeita à reconstituição do facto, que esta só teve lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade e que a ser valorado na parte confessória era uma forma de ludibriar a proibição de prova pelo que não poderia ser atendido, nem valorado. 5. Ora, o meio de prova previsto art. 150.º do CPP, tendo um valor de prova permitida em julgamento, com autonomia, pode contar com a colaboração do arguido e pode seguir-se à confissão deste. Tem ainda a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo alterações de estratégia de defesa em audiência. (Simas Santos e Leal Henriques, no CPP anotado, 2.ª edição,1999,I Vol., pag.794). 6. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado a reconstituição do facto como um meio de prova autonomizado que não impondo a participação do arguido, não a exclui, quando este se disponha a participar, não estando os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência pode prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art.356.º, n.º7 do C.P.P. (Ac STJ de 5-1-2005, proc. n.º 04P#”/&, in www.dgsi.pt). 7. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal, em, acórdão de 20-4-2006, proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, especificando que os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, de acordo com o mesmo acórdão. 8. Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelos Cabos GNR, em audiência, não podiam ser valorados sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150º do CPP. 9. À luz das regras da experiência comum a realização de um auto de reconstituição, com contributos do arguido, sempre corresponderá a uma certa e determinada confissão a apreciar pelo tribunal de acordo com as regras do art. 127.º do CPP. 10. Nos autos foram apresentados como meios de prova dois autos de reconstituição, a fls. 32 e segs. feitos com a colaboração do arguido C... . 11. Tais autos foram confirmados e explicitados pelas testemunhas H... , I... , J... , em audiência. Nas transcrições que, seguidamente, se indicam. 12. Da análise do auto de reconstituição, conjugada com o depoimento prestado pela assistente e com as declarações do arguido A... , verifica-se uma total coincidência com referido nos autos de reconstituição. 13. Desse modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelo arguido, não estando o tribunal em presença de autos de reconstituição de factos que não ocorreram ou que não podiam sequer ter ocorrido. 14. Por acórdão de 2-4-2008, proc. n.º 154/|06.1PBAVR, o Tribunal da Relação de Coimbra aceitou depoimentos de órgãos de polícia criminal que tinham recolhido declarações, cuja leitura não seja permitida, quando estes tenham também participado em auto de reconstituição e o depoimento se reporte a este meio de prova, pois que a participação do arguido no auto de reconstituição não envolve a repetição de declarações do arguido. 15. Os autos de reconstituição, tendo sido legalmente realizados, nos termos do art. 150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que os arguidos tivessem sido determinados “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.126.º do C.P.P.”. (Ac. STJ de 5-1-2005 atrás citado), não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP. 16. Os depoimentos das testemunhas, nomeadamenteOs depoimentos das testemunhas, nomeadamente os autos de reconstituição, bem como sobre a participação do arguido C... nos mesmos autos, não é uma forma de contornar ou de ludibriar a prova proibida. 17. Ao valorar de forma diferente o Tribunal recorrido violou o que dispõem as referidas normas processuais penais e ainda o disposto nos artigos 150.º e 127.º do mesmo diploma legal. 18. O tribunal na sua motivação apresenta um raciocínio que, ao fazer a apreciação das provas para obter os factos provados e não provados, exclui o valor dos autos de reconstituição por ter sido feito apenas após a tomada de declarações ao arguido, nesta qualidade, bem como do depoimento do elemento de polícia criminal que neles participou, o que, a ser valorado na parte confessória consubstanciaria uma violação de prova proibida. 20. Não fez, a nosso ver, o tribunal uma correcta apreciação ou exame crítico da prova, sempre na conjugação dos autos de apreensão e dos autos de reconstituição com a globalidade da demais prova produzida, em violação as normas citadas em conjugação com o disposto nos art. 374.º, n.º 2 do CPP, sendo nula a sentença nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. a) do diploma legal. 21. Assim decidindo, impõe-se, ainda a seguinte consideração. Resulta do despacho de acusação, deduzida nos presentes autos, que foi imputado ao arguido D... um crime de furto qualificado, nos termos do artº 204 nº 1 al.e) do CP. 22. Todavia, decorreu, inequivocamente, de toda a prova produzida em audiência de julgamento (e, igualmente, de toda a factualidade, indiciária, reunida em sede de inquérito) que os factos apontados ao arguido D... configuram a prática de um crime de receptação p. e p. no artº 231º nº 2 do CP, e não um crime de furto qualificado. 23. Tal decorre, como se demonstrará, e desde logo, da confissão do próprio arguido, que menciona que comprou as colunas de destilação, em causa nos presentes autos, ao arguido E... . 24. Nessa medida, sendo considerada nula a sentença proferida, como atrás peticionado, deverá proceder-se à alteração da qualificação jurídica do crime imputado ao arguido D... , sendo-lhe imputado um crime de receptação, p. e p. nos termos do art.º 231º nº 2 do CP, devendo proceder-se à notificação prevista no art. 358º do CPP. Caso assim não se entenda, e conjugado com o que se acabou de expor, dir-se-á, ainda, o seguinte: 25. Atente-se nas declarações prestadas pelo arguido D... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:28:49 horas e terminus às 11:55:55 horas (duração - 00:00:01 até 00:27:05), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pelo arguido E... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 horas e terminus às 12:17:49 horas (duração - 00:00:01 até 00:21:50), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela assistente F... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512121849_2614707_2871967, com início às 12:18:49 horas e terminus às 12:44:34 horas (duração - 00:00:01 até 00:25:44), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha M... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 horas e terminus às 10:35:15 horas (duração - 00:00:01 até 00:05:47), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha H... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 horas e terminus às 10:53:48 horas (duração - 00:00:01 até 00:18:06), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha I... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 horas e terminus às 11:35:38 horas (duração - 00:00:01 até 00:40:45), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha J... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 horas e terminus às 12:10:23 horas (duração - 00:00:01 até 00:31:58), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha Q... cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 horas e terminus às 12:34:01 horas (duração - 00:00:01 até 00:17:27), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam. 26. Dos depoimentos prestados em julgamento, mormente, no que respeita às transcrições supra indicadas, constata-se que, em conjugação com a ponderação crítica do auto de reconstituição, o tribunal a quo deveria ter alcançado uma decisão condenatória dos arguidos. 27. As colunas que foram apreendidas, e que constam dos autos, foram reconhecidas pelo assistente, como parte dos bens que lhe foram furtados. Tais bens estivavam na posse dos arguidos C... e B... , antes destes as venderem ao arguido E... , sucateiro. 28. A verdade é que, devendo ser atendido o auto de reconstituição, como prova legal e válida, em conjugação com os depoimentos das testemunhas, supra transcritos, e decorrente daquela diligência de reconstituição, em conjugação do facto de terem sido os arguidos A... e B... que venderam ao arguido E... , parte dos bens que foram furtados à recorrente, não poderão restar dúvidas da prática do furto do alambique em causa por esses dois arguidos. 29. É certo que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto a provar. Todavia, é legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal). 30. A prova indiciária é uma prova indirecta, de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa. 31. Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo. 32. Daí que, ainda que o furto não tenha sido presenciados por ninguém, certo é que existe matéria probatória suficiente para alicerçar um raciocínio de que os arguidos C... , B... e A... praticaram o crime de que vinham acusados, razão pela qual, deverá a sentença de que se recorrer ser alterada e os arguidos condenados pelo crime de furto qualificado. 33. Quanto ao arguido E... , sucateiros, o tribunal a quo, com o devido respeito, erroneamente, absolveu-o do crime de receptação de que vinha acusado. As colunas foram aprendidas na sucata que o arguido D... explora, tendo este adquirido as mesmas ao arguido E... que as havia comprado aos arguidos B... , A... e C... . 34. Aliás, os mesmos factos decorrem do alcançado no auto de reconstituição, assim como da própria confissão do arguido E... , que descreveu que, de facto, os arguidos C... e mais dois se dirigiram à sua sucateira, com a intenção de vender duas colunas em cobre, colunas estas de um alambique. 35. A verdade é que o arguido mencionou que teve o cuidado de perguntar aos restantes arguidos acerca da proveniência dessas colunas. Por ele foi afirmado que um deles era o proprietário dessas colunas, que se encontravam incompletas porque haviam furtados as restantes peças, o que, conjugado com o facto de ir para França, tinha interesse em desfazer-se delas. 36. Seria, portanto, este o motivo justificador para que o arguido E... não tivesse desconfiado da proveniência daqueles artigos. 37. Contudo, e como se constata na al. w) dos factos não provados, o tribunal a quo não deu como provada esta justificação, falindo, deste modo a razão daquela venda. 38. Além do mais, e como o próprio arguido E... admitiu nas suas declarações, os arguidos B... , A... e C... , aquando do pagamento em cheque, disseram que não queriam em cheque, mas sim dinheiro. Razão pela qual lhe possibilitou que fossem trocar esse cheque numas bombas de gasolina por si frequentadas. 39. Ademais, o arguido E... desenvolve a actividade de sucateiro. Não é crível, nem aceitável, que, desenvolvendo essa actividade, não lhe seja exigível que tenha conhecimento dos furtos de cobre que se tornaram frequentes, sendo-lhe, nessa medida, exigível um cuidado e certeza maior daquele que teve na aquisição daquelas colunas. 40. Por fim, o raciocínio crítico de toda esta factualidade não pode ficar alheio ao facto de o arguido E... ter comprado as colunas em questão por 320€ e, logo de seguida as ter vendido por igual valor ao arguido D... , isto sem ter para si qualquer lucro. Ou seja, pretendeu o arguido, sim, dispersar aqueles bens de modo a não serem, para si, rastreados, o que viria a acontecer. 41. No caso em apreço, quanto ao arguido E... , o tribunal dispunha de elementos que permitiam concluir que, pela sua qualidade, pela condição de quem lhe oferece, o arguido estivesse em condições de, razoavelmente, suspeitar que aqueles objectos provinham de facto ilícito típico contra o património. 42. Pelo que deverá ser a decisão recorrida alterada e o arguido condenado por um crime de recepção, nos termos do art. 231º, mas, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, nos termos previstos no nº 2 do Código Penal. 43. Posto isto, decorre de todos os elementos probatórios dos autos, complementados pelos depoimentos da assistente, assim como das testemunhas, cabos da GNR, que viram, e descreveram o interior do alambique, que o mesmo se encontrava com diversas tubagens cortadas, devido ao furto ali perpetrado. 44. De igual modo, e como a testemunha Q... mencionou, as colunas em questão, sem as restantes peças, servem somente para sucata. Do mesmo modo, esta testemunha, que já havia vendido o alambique à assistente, arbitrou o custo, actual, de 20.000€ para colocar, novamente em funcionamento o alambique da assistente, preço actualizado de acordo com as novas tabelas, em relação ao orçamente, anteriormente, dado à assistente, e junto aos autos. 45. A verdade é que, foi a acção dos arguidos que causa directa da destruição, e total inutilização, do alambique da assistente que, por via disso, se viu impossibilitada de o usar, de produzir aguardente, como vinha a fazer até ao furto. 46. Por esse emotivo, deverão os arguidos serem condenados no pagamento, à assistente, aqui recorrente, de indemnização, nos termos melhor peticionados no pedido de indemnização formulado. 47. Deverá, deste modo, a sentença de que se recorre ser alterada, condenando-se os arguidos B... e C... , em co-autoria, por um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º nº 2 al. e), e o arguido A... como autor de um crime de receptação, p. e p. no art. 231º nº 2 do CP. Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão. Assim decidindo, farão V. Exas. Justiça.” * Respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso, concluindo: B – Da posição do Ministério Público em 1ª instância: Como se alcança do registo da audiência de julgamento, o Ministério Público proferiu alegações, no sentido da absolvição de todos os arguidos, exceto do arguido C... , em relação ao qual pediu a sua condenação. Por tal facto, após o conhecimento da sentença recorrida, ponderou o Ministério Público a apresentação do competente recurso. Todavia, embora comungando de parte do entendimento, expresso pela assistente na sua motivação de recurso, relativamente a alguns problemas da sentença, ora colocada em crise, acabou por decidir conformar-se com a absolvição do arguido C... , pelas razões que, oportunamente, melhor explicitará.
C - Do recurso interposto: Começaremos por dizer que a douta decisão recorrida nenhum reparo nos merece quanto à absolvição dos arguidos B... , E... e D... , já que é manifesto que a prova que foi produzida é claramente insuficiente. Relativamente ao arguido B... , desde logo, não se vislumbra da motivação de recurso qualquer argumento que contrarie a decisão recorrida, quando esta sustenta não ter sido produzida qualquer prova que permita a condenação do arguido. Em qualquer caso, relativamente a este arguido, a única prova que, em abstrato, poderia identificá-lo como autor do furto seria a reconstituição do facto efetuada com a colaboração do arguido C... . Ora, ainda que tal reconstituição pudesse ser valorada (e, como veremos, propendemos para considerar que não pode), propendemos para considerar que a reconstituição dos factos não tem um valor probatório, por si próprio, contra coarguido que não colaborou na diligência, salvo se outros meios de prova vierem a corroborar os factos. Face à inexistência de outros meios probatórios, não nos parece que mereça censura a absolvição do arguido. No que tange aos arguidos E... e D... (este último relativamente a um hipotético crime de recetação, mas nunca relativamente ao crime de furto, pelo qual foi acusado, por manifesto erro do despacho de acusação, já que a prova reunida em inquérito nem sequer indiciava a prática de tal ilícito), a matéria factual dada como provada demonstra que alguns dos bens furtados foram adquiridos e detidos, primeiro pelo primeiro arguido e depois pelo segundo. Todavia, considerou o Tribunal recorrido que não se demonstrou que o arguido E... (e, por consequência, o arguido D... ) soubesse da proveniência dos bens adquiridos, ou que suspeitasse que os mesmos tivessem sido adquiridos pela prática de ilícito contra o património. Não encontramos razões para divergir de tal entendimento, nem a recorrente nos parece que tenha elencado argumentos que fundamentem uma incorreta apreciação da prova. Já, no que se refere ao arguido C... , admitimos que a questão é bem mais complexa. Questão central da decisão recorrida e da motivação do recurso interposto pela assistente é a valoração da reconstituição do facto efetuada pelo arguido C... . Dúvidas não há que o Tribunal a quo entendeu não valorar tal reconstituição. Contudo, não foi claro sobre as razões de tal entendimento, podendo até dizer-se que foi ambíguo e até contraditório. Com efeito, a sentença absolutória começou por definir, a nosso ver de forma correta, a questão técnica que tinha sub judice, ao mencionar que teria que decidir se “não obstante o seu direito ao silêncio e à não auto-incriminação, pode o auto de reconstituição dos presentes autos ser valorado enquanto meio de prova válida e eficazmente obtida”. Porém, elencou de forma assistemática, aleatória e até contraditória, os seguintes argumentos: 1. Por um lado, deixou dito que “a autonomia da reconstituição determina que se não tiver sido inquinada nos seus pressupostos, formais ou de execução, nem tiver sido utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade de algum interveniente, vale por si só e pode ser processualmente adquirida como meio de prova”, pelo que “o posterior direito ao silêncio do arguido que nela participou não pode ser utilizado para colocar em causa o efeito probatório da reconstituição em que, validamente haja participado”; mas, por outro lado, depois de, em questão prévia, ter decidido que não havia qualquer irregularidade que tornasse inválida a reconstituição, deixou dito que “face ao exercício do direito ao silêncio pelo arguido C... em audiência de julgamento, não pode aquela prova ser valorada”…!; 2. Por um lado, deixou dito que “a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357°”; mas, por outro lado, deixou dito que “no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido C... pelo que atento o disposto no art. 133º do C.P.P., não a podemos valorar”…!. Vale, assim, por dizer que não se alcança o argumento definitivo que determinou o Tribunal recorrido à não valoração da reconstituição do facto efetuada pelo arguido C... . Todavia, tal não significa, a nosso ver, que a rejeição da valoração da reconstituição não tenha sido corretamente tomada, propendendo o MP para se conformar com tal posição (radicando aqui a razão da nossa conformação com a absolvição do arguido C... ). Vejamos porquê? Em abstrato, nenhuma dúvida se nos afigura existir sobre a validade da reconstituição do facto, como um dos meios de prova típicos (artigo 150° do Código de Processo Penal) e da sua autonomia em relação aos demais meios de prova típicos, já que se trata de um meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, tal como se estatui no artigo 127° do Código de Processo Penal. Também nos parece que a reconstituição do facto, pela sua própria configuração e natureza, pode (e deve, em certos casos) ser efetuada com a colaboração do arguido, sempre que este se disponha a participar nela e tal participação não esteja condicionada ou perturbada por qualquer meio de coação física ou psicológica, de modo a enquadrar-se nos chamados métodos proibidos enunciados no artigo 126° do Código de Processo Penal. E que, quando assim suceda, a valoração de tal meio de prova possa ocorrer, ainda que o arguido se remeta ao silêncio, em sede julgamento, já que a reconstituição se autonomiza das contribuições individuais de quem nela tenha participado, arguido incluído. No caso dos autos, como se sabe, a decisão recorrida considerou que a reconstituição efetuada era formalmente válida, não dando razão à invocação da sua nulidade, em virtude do arguido não se fazer acompanhar por defensor ou mandatário. Todavia, parece ter estado no pensamento da decisão recorrida, embora, porventura, isso não se tenha evidenciado de forma óbvia, a ideia de que, neste caso concreto, a reconstituição apenas visou contornar a possibilidade do arguido vir a remeter-se ao silêncio em sede de julgamento, assegurando a valoração das declarações pelo mesmo prestadas na fase de inquérito. Dito de outra forma, o problema está em que a intitulação que se deu àquela diligência, não corresponde à materialidade do seu teor. Com efeito, o artigo 150º, nº 1 do Código de Processo Penal define, de forma clara, os objetivos que podem ser visados com a reconstituição: “quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”. Ora, decorreu da inquirição dos elementos policiais que efetuaram, conjuntamente com o arguido, a reconstituição do facto, que, até ao momento de tal reconstituição, para além de umas suspeitas baseadas na prática pelo arguido C... de situações similares, nada indicava que fosse o mesmo o autor dos factos, tendo, aliás, o arguido sido confrontado com tal possibilidade, ocasionalmente, no decurso de outras diligências que nada tinham a ver com a investigação dos factos relativos aos presentes autos. Resulta assim evidente que, sem as declarações confessórias do arguido, nenhuma razão havia para efetuar a reconstituição do facto. Tendemos aqui a admitir que, em situações destas, na esteira do Acórdão da Relação de Coimbra de 25-09-2013, em que foi relatora a Sra. Desembargadora Maria José Nogueira, “I. Não refutando in limine a posição de a reconstituição do facto, quando feita com a colaboração do arguido, não dever ser confundida com as declarações por este, então, prestadas, gozando, por isso, de autonomia, como específico meio de prova que, efectivamente, é, torna-se, contudo, indispensável que, em substância, se possa assentar, sem sofisma, estarmos perante prova por reconstituição, tal como legalmente definida no artigo 150.º do CPP, característica que lhe há-de advir, não por via da semântica a que aqui e ali se recorre, mas, pelo contrário, pelo conteúdo do auto revelador da diligência. II. Quer se adopte a posição mais restritiva - traduzida na negação da reconstituição do facto de poder probatório para atestar a existência ou inexistência de um determinado facto histórico, reservando a reconstituição para o campo da mera verificação do modo e condições em que hipoteticamente terá ocorrido o facto probando –, quer a posição mais alargada – sustentado que a reconstituição é um meio válido de demonstração da existência de certos factos –, não pode a mesma servir finalidades de obtenção, conservação da prova, designadamente por confissão, sob pena de a consideração/valoração do respectivo auto conduzir á violação do disposto nos artigos 355.º e ss. do CPP, por aquele apenas conter verdadeiras «declarações»”. Vale por dizer que o meio de prova reconstituição do facto, nos termos em que, neste caso concreto foi efetuado, no início de uma investigação, em relação à qual não existia nenhum elemento probatório que indiciasse ser o arguido o autor dos factos e, por isso, efetuada apenas com o contributo confessório do arguido, não pode ser tido como uma verdadeira reconstituição, mas antes, como alguma jurisprudência a tem apelidado, como uma confissão ilustrada, pretendendo obstar ao preceituado no artigo 357º do Código de Processo Penal. Concluímos no sentido de que nos conformamos com o entendimento da decisão recorrida sobre a não valoração da reconstituição do facto efetuada. Diga-se aqui, que reconhecemos que custará à assistente perceber que, tendo o arguido confessado a prática dos factos, na fase de inquérito, aparentemente sem coação ou qualquer tipo de condicionamento, possa vir a ser absolvido. Trata-se, porém, das regras processuais penais vigentes, as quais, de resto, o legislador, entretanto, já introduziu alterações, reformulando os artigos 141º e 357º do Código de Processo Penal, sujeitando à livre apreciação da prova as declarações que o arguido prestar perante magistrado do MP e na presença de defensor, na fase de inquérito, ainda que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento. É claro que, não podendo a reconstituição do facto ser valorada, a restante prova produzida é manifestamente insuficiente para fundamentar a condenação do arguido C... . Com efeito, as declarações do coarguido E... , que o Tribunal a quo considerou credíveis, no sentido de que adquiriu parte dos bens furtados a um conjunto de pessoas que o abordaram para tal e do qual fazia parte o arguido C... , eram insuficientes para a condenação deste. Também aqui reconhecemos que, como a Meritíssima Juiz deixou dito, “a simples detenção dos objetos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo art. 203º do CP”. Há, assim, que concluir, tal como a sentença recorrida sustentou, que “a prova produzida é insuficiente para se afirmar que os arguidos B... , C... e D... praticaram os factos que lhes vinham imputados na acusação”. Porque assim é, não nos merece qual reparo a decisão recorrida, a qual, quanto a nós, deverá ser confirmada, devendo improceder o recurso interposto pela assistente.”
Também o arguido E... respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência, concluindo: “1-A Reconstituição levada a cabo pela GNR, com a intervenção do arguido C... , não tem qualquer valor probatório, desde logo, porque tal meio de prova foi levado a cabo, com o fim de obter as declarações do arguido e não de reconstituir a forma como os factos ocorreram; 2- Os restantes arguidos que se encontram acusados da prática do crime de furto, só o arguido D... , prestou declarações, sendo os restantes uns não prestaram declarações e um deles foi julgado na sua ausência; 3- Nos termos do disposto no nº 4 ao art. 345º do Código de Processo Penal, dizendo que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2». 4- Mesmo que o Tribunal pretendesse valorar a reconstituição efetuada com o arguido C... , como meio de prova, segundo as regras da experiência comum e nos termos do disposto no artº 127º do CPO, tal reconstituição, como meio de prova, não tem consistência bastante para poder sustentar uma condenação, pois é manifestamente insuficiente para poder suportar com segurança e certeza jurídica a condenação de qualquer dos arguidos, pois que, as condições humanas e sociais do arguido C... , encerram muitas dúvidas, já que, tal arguido é toxicodependente, vive na rua, e no dia em que acompanhou os militares da GNR, estava em condições frágeis, não dispunha de dinheiro para comer, tendo sido os militares da GNR, que lhe deram o almoço, sendo que a diligência decorreu da parte da manhã e da tarde, tal como resulta do depoimento da testemunha H... , militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 e terminus 11:53:48, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações: “00:06:26 a 00:06:42”. 5- Resulta dos depoimentos das testemunhas M... , militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 e terminus 10:35:15, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:50 a 00:05:40”; H... , às rotações “00:00:56 a 00:18:05”, I... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 e terminus 11:35:08, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações: “00:07:29 a 00:07:59”; “00:11:47 a 00:12:12”; “00:16:44 a 00:17:08”, e J... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 e terminus 12:10:23, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações de “00:12:57 a 00:16:00”; “00:28:26 a 00:31:56”, e “00:28:26 a 00:29:05”, que reconstituição, é demasiado frágil para poder sustentar com algum rigor a condenação dos arguidos que se encontram acusados pelo crime de furto. 6- Debilidade humana, social e económica do arguido C... , é tão acentuada que não existe um mínimo de segurança que possa servir de suportar a uma condenação. 7- O Alambique da Recorrente, aqui em discussão, foi vendido à recorrente pela empresa R... , Lda., com a marca “ RA... ” e com a inscrição “ RR... ”, conforme resulta do depoimento de Q... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 e terminus 11:34:01, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações de “ 00:12:01 a 00:13:05”, o certo é que, nenhuma da duas colunas encontradas em poder do arguido D... , apresentavam aquela identificação, tal como resulta de fls 2 e 66 dos autos; 8-Acresce que, a fls 80 dos autos encontra-se o exame efetuado ao objeto – o APARADOR- que o Arguido C... , na reconstituição considerou ter sido retirado das instalações da Recorrente. Porém, a fls 80, à pergunta efetuada ao Sr. perito, indicado que é um representante da empresa R... , Lda.: “De que objeto se trata? Trata-se de um aparador de aguardente. NÃO É NOSSO, É DA CONCORRÊNCIA”. 9- O arguido C... , afirmou na reconstituição que o aparador foi retirado do alambique da recorrente, quando na verdade, tal é falso, pois na perícia realizada por um representante da referida empresa R... , Lda, foi respondido, que tal objeto não é da empresa que vendeu o alambique à recorrente, “ TRATA-SE DE UM APARADOR DE AGUARDAENTE. NÃO É O NOSSO MODELO. É DA CONCORRÊNCIA. 10- Mais, os objetos descritos na participação da recorrente, não coincidem com os objetos que descreveu no chamado auto de reconhecimentos dos objetos, de fls 66. Com efeito a recorrente identificou como sua propriedade, o APARADOR, quando é certo e seguro, tal como resulta de fls 80, que tal objeto não pertence ao seu alambique. 11-E, ainda, na descrição que a recorrente faz das colunas, a fls 66, refere haver uma fita junto à boca com uma lista pintada de cor vermelha e que uma coluna possui uma mossa. Porém, tal referência não corresponde à descrição que a recorrente fez das caldeiras na participação crime, de fls 2. 12- Acresce ainda que, as duas colunas que o arguido C... refere terem sido retiradas do alambique da recorrente, de acordo com o referido a fls 70, pesariam 58 km cada uma, perfazendo um total de 116kg. 13- Porém, o arguido E... , quando adquiriu as 2 colunas, onde se encontrava presente o arguido C... , acompanhado por mais duas pessoas, quando foram pesadas verificou-se que o seu peso era de 52 kg cada uma, num total de 104 kg, sem qualquer acessório (sem capacete, argolas e poios em ferro fundido). Tal como resulta das declarações do E... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 e terminus 12:17:49, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações de “00:01:16 a 00:01:55”. 14- Mais ainda, o arguido C... , a fls 23 e 41 refere que o pagamento foi de 900€, sendo que o E... , afirmou na sua contestação e na audiência de julgamento, que pagou 320€. A fls. 31 o arguido C... refere que o portão de acesso ao local onde se situava o alambique, terá sido arrombado por alguém que desconhece. Isto é, não foi aberto nem pelo C... , nem pelos seus supostos companheiros, o que constitui mais um facto estranho. 15- Acresce também, que o valor apresentado pela denunciante na participação (40000€) às colunas, não é compatível com o valor que a perícia atribuiu a fls 69. 16- Às rotações de “00:11:47 a 00:12:12”, a testemunha I... , refere que o arguido C... , tinha à data da reconstituição, pendentes outros processos-crime, por furto de cobre, o que pode originar alguma confusão das declarações prestadas durante o inquérito ou durante a reconstituição. 17- Não foi possível determinar uma data da aquisição das 2 colunas, pelo arguido E... , que possa ajudar a compreender a tese das 2 colunas apreendidas, ao arguido D... , eram as colunas que o arguido E... adquiriu ao trio composto pelo C... e mais dois homens. 18- Há, seguramente, pelo menos, enormes dúvidas de que as 2 colunas apreendidas ao arguido D... , sejam as 2 colunas que o arguido E... , adquiriu ao trio composto pelo arguido C... , acompanhado por mais dois homens. 19- A Certidão emitida pela autoridade Tributária, em 16 de Maio de 2016, junta aos autos em 20/05/2016, e evidencia que atividade principal do arguido E... é a “atividade dos serviços relacionados com a silvicultura e a exploração florestal, outras culturas permanentes, comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados, cunicultura, construção de Edifícios e outras atividades especializadas de construção diversas”. 20-O arguido E... , angaria sucata, que vende, mas esta não é a sua principal atividade, J... , às Rotações de “00:12:57 a 00:16:00”, e da testemunha N... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151043_2614707_2871967, com início às 15:11:07 e terminus 15:15:09, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às rotações de “00:02:06 a 00:02:30”. 21- O arguido E... , não comercializa em cobre, e por isso, telefonou ao arguido D... , a perguntar-lhe se pretendia “ficar”, com as duas colunas, Tal resulta do depoimento do E... , às Rotações de “00:00:04 a 00:00:45” e das declarações do arguido D... , reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:24:46 e terminus 11:26:43, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações de “00:00:29 a 00:00:49”. 22-O exercício, pelo arguido E... , da atividade profissional relacionada com a silvicultura e a exploração florestal, outras culturas permanentes, comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados, cunicultura, construção de Edifícios e outras atividades especializadas de construção diversas resulta igualmente do depoimento da testemunha J... , às Rotações de “00:12:57 a 00:16:00”, e da testemunha N... , às Rotações de “00:02:06 a 00:02:30”. 23- O Alambique da assistente é composto por 3 colunas, 3 refrigeradoras, 1 caldeira e os acessórios, tal como resulta do depoimento da testemunha Q... , às rotações de “00:02:48 a 00:03:21”. 24- Mesmo que se admitisse, por mera hipótese, que as 2 colunas, que foram adquiridas pelo arguido E... , pertenciam ao alambique da recorrente, o que não se aceita, não existe qualquer notícia, prova ou indício, que o arguido E... , teve conhecimento das restantes peças que integram o alambique, designadamente, de 1 coluna, de 3 refrigeradores, de 1 caldeira e dos acessórios. 25-No contexto em que o arguido E... , teve conhecimento das 2 colunas, pertencessem elas a terceiros ou à recorrente, não praticou qualquer ilícito criminal, previsto pelo artº 231º/2 do Código Penal. 26- As 2 colunas que foram apresentadas ao arguido E... , só têm valor de sucata, tal como resulta do depoimento das testemunhas Q... , rotações: “00:09:15 às 00:09:38”; E... , rotações: “00:00:04 às 00:04:45”; D... , rotações: “00:01:51 a 00:02:21”; P... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151520_2614707_2871967, com início às 15:15:44 e terminus 15:22:06, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, rotações: “00:03:13 a 00:04:10”, G... , Rotações: “00:02:47 a 00:03:50”. 27-O arguido E... , procurou assegurar a proveniência das 2 colunas, e a qualidade, condição ou preço, não faziam suspeitar que a sua proveniência, não resultasse de facto lícito, tanto mais que nem sequer teve qualquer benefício com a aquisição das 2 colunas, (independentemente de as mesmas pertencerem ou não ao alambique da recorrente, uma vez que destinou diretamente ao arguido D... , sem qualquer lucro)., tal como resulta das suas declarações, das rotações E... , rotações: “00:05:14 a 00:05:48”. 28- O Tribunal valorou as declarações do arguido E... , quando refere “ estamos em crer que atento o facto do arguido E... nada saber sobre o furto em causa nos autos, não saber da proveniência dos objetos que adquiriu, pelo que valoramos as suas declarações prestadas de forma espontânea, coerente naquilo sabia. 29-O arguido E... , adotou os procedimentos cautelares normais de um comerciante, ocasional, de sucata. 30-O arguido E... , quando adquiriu procedeu ao pagamento das colunas através de cheque, o que evidencia a conduta deste arguido no negócio, pois que, quem participa ilícitos desta natureza não efetua pagamentos através de cheque., tal como resulta das suas declarações das rotações “00:02:45 a 00:03:38”. 31- A descrição do momento em que foi efetuada a aquisição das 2 colunas pelo arguido E... , para lá das suas próprias declarações, que prestou, só pode ser esclarecido pelo arguido C... , e pelos outros dois homens que o arguido E... , refere nas suas declarações. 32-Arguido C... , na audiência de julgamento, optou pelo silêncio. Os outros dois homens que se deslocaram à residência do arguido E... , não se encontravam na sala de audiência. 33- O facto do arguido C... ter optado pelo silêncio, e dos dois outros homens que o acompanhavam não se encontrem na sala de audiências, não pode prejudicar o arguido E... , que explicou a dinâmica dos factos, e que é alheio a tal estratégia de silêncio, ou de ausência em Tribunal. 34-As 2 colunas em que o arguido E... teve intervenção, ainda que não se aceite que pertenciam ao alambique da recorrente, foram recuperadas pela recorrente, pelo que, não sofreu a assistente, mesmo hipoteticamente, qualquer prejuízo com a atuação deste arguido E... . 35- Não existe prova nos autos que sustente a alteração dos pontos 12 e 19, do factos provados, bem assim, as alíneas a) a V) dos factos não provados, tal como resulta das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, 02.06.2016 e 01.07.2016, assim: E... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 e terminus 12:17:49, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações “00:00:04 a 00:06:42”; “00:00:04 a 00:04:45”; “00:05:14 a 00:05:48”; “00:06:50 a 00:08:46”; “00:09:31 a 00:10:08”; “00:04:01 a 00:04:25”; “00:01:14 a 00:02:46”; “00:02:45 a 00:03:38”, e “00:01:16 a 00:01:55”; D... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:24:46 e terminus 11:26:43, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações “00:00:34 a 00:06:25”; M... , militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 e terminus 10:35:15, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:50 a 00:05:40”; H... , militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 e terminus 11:53:48, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:56 a 00:18:05”; “00:06:26 a 00:06:42”; I... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 e terminus 11:35:08, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:07:29 a 00:07:59”, “00:11:47 a 00:12:12”, “00:16:44 a 00:17:08”; N... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151043_2614707_2871967, com início às 15:11:07 e terminus 15:15:09, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às rotações “00:02:06 a 00:02:30”, J... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 e terminus 12:10:23, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:12:57 a 00:16:00”, “00:28:26 a 00:31:56”; “00:28:26 a 00:29:05”; Q... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 e terminus 12:34:01, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:12:01 a 00:13:05”, “00:09:15 a 00:09:38”; “00:11:07 a 00:11:43”; “00:03:24 a 00:05:19”; P... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151520_2614707_2871967, com início às 15:15:44 e terminus 15:22:06, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às Rotações de “00:03:13 a 00:04:10”, G... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 201600701152215_2614707_2871967, com início às 15:22:39 e terminus 15:30:46, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, rotações de “00:02:47 a 00:03:50”; F... , através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 12:18:49 e terminus 12:44:34, por referência à ata de julgamento de 15.05.2016, às rotações: “00:02:22 a 00:02:37”; “00:03:26 a 00:03:53”; “00:11:35 a 00:11:53”; “00:12:35 a 00:13:06”; “00:17:00 a 00:17:12”; “00:20:05 a 00:20:15”. 36-Não existe qualquer elemento de prova seguro, que possa sustentar a alteração da decisão proferida pelo Tribunal, tanto no que tange à acusação que sobre o arguido E... recai. 37-E, não existe, também, qualquer elemento de prova que sustente alteração da decisão, no que tange ao pedido de indemnização civil, relativo ao arguido E... , sendo certo que, a recorrente recuperou as 2 colunas (admitindo que lhe pertenciam) que foram adquiridas pelo arguido E... , que cedeu ao arguido D... , pelo que, não sofreu a recorrente, qualquer prejuízo que o arguido E... , tivesse de reparar. 38- O Ministério Público, pediu em alegações finais, a absolvição do arguido E... . 39- O arguido E... , tem uma escolarização baixa, tem 61 anos e não tem averbado qualquer infração penal no seu CRC. 40- Não praticou o arguido E... , o crime previsto e punido pelo artº 231º/2 do Código Penal, ou qualquer outro. Termos em que e nos melhores de direito e com o Mui Douto Suprimento de V. Ex:º deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmado a douta sentença proferida em primeira instância, que absolveu o arguido E... , da acusação e do pedido de indemnização civil, e assim farão a habitual JUSTIÇA!” * O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender: “… que a assistente tem razão na sua discordância com a decisão recorrida. Com efeito, a absolvição baseia-se, quanto aos acusados como autores do furto, na consideração de que o auto de reconstituição é apenas suportado pelas declarações do arguido e não pode ser valorado em virtude deste não pretender prestar declarações e, quanto ao acusado como receptador, na ausência de prova de que os objectos proviessem de facto ilícito típico contra o património. Ora, no que respeita à reconstituição, salvo o devido respeito por opinião contrária, não me parece que a mesma possa ser confundida com as declarações do ofendido como faz, no essencial, a decisão recorrida, já que aquela, pese embora parta das aludidas declarações, acrescenta-lhe elementos significativos e decisivos que levam à sua autonomização destas, configurando assim um descritivo dos factos montado no seu local e que, como tal, deve ser valorado autonomamente. E que, ao livremente esclarecer o modo como foram praticados os factos, o arguido fornece elementos de actuação que vão para além das declarações, como acontece no caso, relativamente ao modo de entrada, à localização do subtraído e como foram retirados os bens, aqui com a especificidade das marcas que ficaram nas colunas de terem sido arrastadas, tudo percepcionado pelos militares da GNR que confirmam as declarações e o seu enquadramento e nesta medida têm de ser apreciados, não se ficando pois apenas por uma recolha de declarações que não pode, nem deve, ser valorada (cfr. neste sentido entre outros, o Ac. deste TR de 25/2/2015, Proc. 127/09.3GCSCD.C1, onde é referida a existência de duas corrente jurisprudenciais sobre o assunto). E, nesta perspectiva, deverá ser valorado o auto de reconstituição, o que impõe uma versão fáctica diferente da que foi dada como provada na decisão recorrida, já que daquele se extraí a autoria do furto, nos termos referidos na acusação, por parte dos arguidos C... e B... , como pretendido pela assistente, com a consequente condenação destes pela prática de tal facto, como aí referido, e a consequente revogação do decidido, pois não se justifica a sua absolvição. No que respeita ao crime de receptação por parte do arguido E... também entendo que a situação configura o crime previsto no n.°2 do art.° 231°, que a decisão recorrida nem sequer equacionou, devendo assim ser cumprido o disposto no art.° 424°, n.°3 do CPP. É que, para além do alegado pela recorrente, designadamente no que respeita ao não provado em w), ou até ao recebimento em numerário e não em cheque, ou ainda ao cuidado a ter quanto à compra de objectos em cobre, o que se verifica é que o negócio se desenrolou em duas fases, com a chegada das colunas por duas vezes como refere o arguido, o que faz razoavelmente suspeitar da sua proveniência sobretudo quando se afirma que se quer desfazer de bens que não lhe têm utilidade, pois se assim é não se vai saber primeiro o preço e só depois se leva a totalidade dos bens. Ou seja, os elementos de prova, devidamente apreciados e conjugando o modo como se desenrolou o negócio, impõem que se altere o provado, com a consequente imputação, a este recorrido, do crime de receptação supra aludido e a sua condenação pela sua prática, como também pretendido pela assistente.” * Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido E... respondido ao parecer do Exmo. Procurador-geral-adjunto, mantendo a sua posição expressa na resposta ao recurso. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II - Fundamentação A sentença recorrida: Factos provados “1) Em momentos não concretamente apurados, mas situados entre o dia 13 de junho de 2012, pelas 10h00 e o dia 21 de junho de 2012, foram retirados em momentos não concretamente apurados, nas instalações de um alambique/destilaria, sito em Roçadas, Vila Meã, Carregal do Sal, área da comarca de Santa Comba Dão, os seguintes bens e valores: - Três caldeiras de alambique em cobre. - Uma torneira “bico de papagaio” para alambique. - Um acessório de aperto em cobre para tubagens de alambique. 2) Bens estes de valor global não inferior a 4.000,00€ e pertença da ofendida F... 3) Na posse destes bens e valores, o arguido C... , também conhecido pelo “ CC...” dirigiu-se à localidade de Coval, Tábua, onde contatou o arguido E... . 4) O arguido E... é comerciante de sucata, desenvolvendo a sua atividade de compra e venda de sucata, designadamente de metais não preciosos, em (...) , Tábua. PIC 5) A requerente é proprietária de um alambique/destilaria, sito em Roçadas, Vila Meã, Carregal do Sal, Santa Comba Dão. 6) O acima identificado alambique/destilaria encontrava-se fechado/trancado em instalações próprias para o seu funcionamento, sem ninguém no seu interior e sem que alguém ali tivesse acesso, sem estar prévia e devidamente autorizado pela sua proprietária. 7) O referido alambique/destilaria corresponde a um equipamento de alta qualidade e de preço superior a 21.000,00€. 8) Trata-se de um alambique em cobre, constituído por diversas peças. 9) Não foram restituídas a totalidade das peças que foram retiradas das instalações onde se encontrava a funcionar o dito alambique/destilaria. 10) As peças apreendidas não correspondem à totalidade das peças pertencentes ao alambique/destilaria propriedade da requerente e sem as quais o mesmo não poderá funcionar. 11) O referido alambique/destilaria estava a funcionar em plenas condições. Contestação: 12) O arguido E... desconhecia a proveniência dos produtos. 13) E não conhecia os arguidos A... , B... e C... . 14) Conhecia o arguido D... como comerciante de sucata. 15) Quando os proponentes compareceram na sua residência e lhe propuseram comprar duas colunas para alambique, tais colunas estavam incompletas, pois faltava-lhe a cabeça ou capacete e as argolas e apoios em ferro fundido. 16) Faltava-lhe também a máquina de destilação com caldeira de refrigeração. 17) Nessa altura o E... perguntou pelas tampas e restantes acessórios. 18) Um dos três proponentes respondeu que pretendia vender as colunas porque as tampas e demais acessórios tinham desaparecido. 19) Para o arguido E... , os objetos não suscitaram interesse quer estivessem completos ou incompletos por isso comunicou aqueles que não estava interessado em comprar as colunas. 20) Disse aos três proponentes que quem costumava comprar a sua sucata era o arguido D... . 21) Os proponentes pediram ao E... para telefonar para o D... para ver se estava interessado. 22) O E... ligou para o D... a quem perguntou se estava interessado nas duas colunas incompletas. 23) O D... disse ao E... que uma vez que as colunas se encontravam incompletas, apenas tinham utilidade para sucata. 24) Transmitiu-lhe ainda que o preço daquele produto para sucata era de 3€ por kg. 25) Os proponentes disseram ao E... que aceitavam a proposta do D... . 26) As colunas foram pesadas e pesavam 52kg cada uma, o que perfazia 104kg no total de sucata. 27) Via telemóvel o A... comunicou ao D... que o peso do material era 104kg, o que multiplicado por 3€ perfazia a quantia de 312,00€. 28) O D... disse para arredondar para os 320,00€, e entregar esse valor aos vendedores das colunas. 29) O D... solicitou ao E... , para guardar nas suas instalações as colunas incompletas. 30) Uns dias mais tarde, o D... foi buscar as colunas às instalações do E... e restituiu-lhe 320,00€ que havia despendido para pagar aos vendedores das colunas. 31) As duas colunas em questão tinham mais de 20 anos e estavam incompletas, não tinham capacete, argolas e apoios. 32) As duas colunas incompletas foram apreendidas pela GNR de Santa Comba Dão que as restituiu à demandante. Mais se provou que: 33) Do C.R.C. do arguido C... , constam as seguintes condenações transitadas em julgado: - Por sentença proferida em 21/06/2012, transitada em julgado em 11/07/2012, no âmbito do processo sumário nº 204/12.3GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado, pela prática em 09/06/2012, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do C.P., na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano. - Por sentença proferida em 14.09.2012, transitada em julgado em 15.10.2012, no âmbito do processo sumario nº323/12.6GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 2º Juízo, condenado pela prática em 24.08.2012, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do C.P., na pena de 35 dias de multa; - Por sentença proferida em 28.01.2013, transitada em julgado em 18.04.2013, no âmbito do processo sumário nº146/12.2GDSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado pela prática em 06.11.2012, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º do C.P., na pena de prisão de 1 ano e 2 meses, substituída por 420 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade; - Por sentença proferida em 16.10.2013, transitada em julgado em 15.11.2013, no âmbito do processo comum singular nº55/12.5GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado pela prática em 08.03.2012, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2, al. e) do C.P., na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, tendo por decisão de 07.03.2014, transitada em julgado em 12.05.2014 feito o cúmulo de penas neste processo e no referido Pº146/12.2DDSCD, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão. 34) Dos CRCs dos arguidos D... e E... , não constam condenações. 35) Do CRC do arguido B... , consta a seguinte condenação: - na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00€, pela prática em 03.06.2012, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do C.P., por decisão de 28.06.2012, transitada em julgado em 18.02.2013, no âmbito do processo sumário nº187/12.0GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo. 36) O arguido B... é operário da construção civil. 37) O seu agregado é composto por 4 elementos e tem o rendimento líquido anual de 5.000,00€. 38) Vive em apartamento arrendado. 39) O arguido C... é empregado de mesa e aufere cerca de 650,00€. 40) Tem uma filha de 14 anos. 41) Vive só. 42) Tem o 6º ano de escolaridade. 43) O arguido D... é casado e tem uma filha com 1 ano. 44) Vive com a esposa e a filha. 45) É comerciante e ganha cerca de 500,00€ mês. 46) A esposa é sua empregada e aufere cerca de 500,00€ mês. 47) Tem o 7º ano de escolaridade. 48) O arguido E... é casado. 49) Dedica-se ao comércio de sucata e corta madeira. 50) Vive com a esposa, que é doméstica. 51) Ganha cerca de 500,00€ mês. 52) Encontra-se bem integrado e aceite no meio onde vive, sendo respeitado. 53) Tem o 4º ano de escolaridade.” Factos não provados a) Em momentos não concretamente apurados, mas situados entre o dia 13 de junho de 2012, pelas 10h00 e o dia 21 de junho de 2012, pelas 10h25, os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... , todos em comunhão de ideias e de esforços, dirigiram-se às instalações de um alambique / destilaria, sito em Roçadas, Vila Meã, Carregal do Sal, área da comarca de Santa Comba Dão, o qual durante o supra referido período de encontrava devidamente fechado e trancado e sem ninguém no seu interior. b) Os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... , em comunhão de ideias e de esforços e levando a cabo a sua tarefa por pelo menos três etapas, acederam ao interior das referidas instalações pelas traseiras, partiram e abriram um cadeado que trancava o portão, que deste modo abriram, entrando deste modo no seu interior. c) Uma vez no interior das referidas instalações, com o auxílio de ferramentas que para o efeito levaram consigo, estes arguidos, sempre em comunhão de ideias e de esforços, desmontaram e levaram consigo várias peças em metal não precioso, designadamente cobre, que ali se encontravam. d) Estes arguidos lançaram deste modo, fizeram seus e levaram consigo os seguintes bens e valores: - Três caldeiras de alambique em cobre. - Uma torneira “bico de papagaio” para alambique. - Um acessório de aperto em cobre para tubagens de alambique. e) Na posse destes bens e valores, que deste modo lançaram mão, fizeram seus e passaram a dispor em proveito comum de todos, os arguidos B... e D... dirigiram-se à localidade de Coval , Tábua, onde contactaram o arguido E... . f) Os arguidos B... , e D... deslocaram-se a Coval, Tábua, onde contactaram o arguido E... . g) Propuseram ao mesmo a venda dos objetos em cobre acima mencionados. h) O arguido E... conhecia os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... , sabia perfeitamente que estes não tinham qualquer atividade profissional lícita conhecida, nem rendimentos pessoais. i) Sabia também e perfeitamente que os objetos em cobre que estes apresentavam tinham sido retirados de um alambique / destilaria, sendo que nenhum deles possuía tal tipo de instalações. j) Apercebeu-se por isso e perfeitamente que os bens em cobre que os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... lhe estavam a apresentar tinha sido retirado aos seus legítimos donos, sem e contra a vontade destes. l) O arguido E... , perfeitamente ciente de tal, aceitou o material de cobre que lhe estava a ser entregue pelos arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... , tendo-lhes entregue, em troca, um total de 900€ em numerário, valores monetários estes que estes últimos arguidos receberam, fizeram seus, dividiram em partes iguais entre si e usaram e gastaram em proveito comum de todos. m) O arguido E... recebeu o cobre que sabia não pertencer a quem lho vendeu, ficando com o mesmo por valor inferior ao que teria de pagar se o fosse comprar a um legítimo dono, pretendendo depois vendê-lo a terceiros não apurados e obter assim a diferença patrimonial para mais entre o que gastou com a compra ilícita e o que iria auferir com a venda a terceiros, valor este que pretendia lançar mão e usar e gastou em proveito próprio. n) Os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... , ao agirem como o descrito, queriam e conseguiram lançar mão e fazer seus bens e valores que bem sabiam não lhes pertencer, a eles não tinham direito e que agiam sem e contra a vontade dos seus donos. o) Para a concretização dos seus intentos criminosos, queriam e conseguiram partir o cadeado do portão, que deste modo abriram acedendo ao interior das instalações da ofendida, sem e contra a vontade desta. p) Os arguidos B... , C... , também conhecido pelo “ CC...” e D... agiram sempre em comunhão de ideias e de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas lhes estavam vedadas por lei. q) O arguido E... , ao agir como o descrito, bem sabia que os bens estavam na posse das pessoas a quem os comprou sem e contra a vontade do seu legítimo dono, pretendendo e conseguindo comprá-los deste modo por preço inferior ao que teria de despender se os fosse adquirir de modo lícito, pretendendo desta forma aumentar o seu património em, pelo menos, a diferença entre o valor pago e o valor real dos bens por si adquiridos, tendo absoluta consciência que quem lhe estava a vender os bens os tinha retirado ao seu dono sem e contra a vontade deste. r) Este arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei. s) Os arguidos só não tinham levado, ainda, a caldeira, atentas as suas dimensões e se encontrar fixada, mas tudo indicia que a sua remoção iria acontecer. t) Que os arguidos tenham levado as peças apreendidas nos autos. u) Que os arguidos tenham danificado o referido alambique/destilaria. v) Que o referido alambique/destilaria tinha o valor de 26.000,00€. w) Um dos três proponentes informou também que a outra razão para as vender estava relacionado com o facto de pretender ausentar-se para o estrangeiro e por isso as colunas deixavam de ter utilidade. x) Nessa altura um dos proponentes disse que era pouco e o arguido A... comunicou para se irem embora. y) Que as colunas foram pesadas pelos arguidos A... , B... e C... .”
Motivação da decisão sobre a matéria de facto A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados resultou da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras de experiência comum e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do Código de Processo Penal), não tendo o arguido C... prestado declarações e o arguido B... foi julgado na sua ausência. O arguido D... negou a prática dos factos lhe vinham imputados, tendo referido que comprou em 2012, no verão, ao arguido E... duas colunas de cobre em estado de sucata por 320,00€, confirmando os factos constantes em 12 a 32. O arguido E... , prestou declarações, dizendo que comprou 2 colunas a três indivíduos, que não conhecia e que lhe disseram que as colunas eram de um deles e que lhe tinham roubado partes das peças, que não duvidou deles, precisando que isto ocorreu há cerca de 4 anos. Admitiu ser comerciante de sucata e a factualidade constante em 3, 4 e 12 a 32. Referiu ainda que o arguido C... , não se apresentou como o dono das colunas, que foi o condutor do carro que se apresentou como tal. A ofendida F... , relatou de uma forma espontânea quais os bens que lhe foram retirados, a data em que tal ocorreu, bem como qual o seu valor, pelo que valoramos o seu depoimento para prova de tais factos. Desconhece quem foram os autores do furto. Precisou que o seu alambique tinha uma pancada e pensa que tinha placas identificadoras da marca e que o fornecedor do mesmo foi S... . A testemunha L... , militar da GNR nada sabia sobre os factos em causa, pois apenas recebeu a queixa da lesado no posto da GNR, pelo que não relevamos o seu depoimento. Em relação à testemunha M... , cabo da GNR, este presente aquando da apreensão dos bens ao arguido D... , que referiu que os adquiriu a um sucateiro em Tabua, Escariz, pelo que tendo conhecimento direto sobre os factos que depôs valoramos o seu depoimento para prova dos factos constantes em 4. Por sua vez, as testemunhas H... , Cabo da GNR e I... , cabo da GNR e J... , militar da GNR participaram na reconstituição dos factos com o arguido C... , referindo que este assumiu a prática dos factos e após isso para confirmarem a veracidade da confissão fizeram a reconstituição que consta dos autos. Não presenciaram a prática dos factos pelos arguidos, tendo participado na reconstituição dos factos, tendo os seus depoimentos prestados de uma forma consistente versado sobre aquela reconstituição. Verificamos assim ter o arguido C... exercido o seu direito ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento, salvaguardando a faculdade que a lei lhe concede de não se auto-incriminar. Vejamos em que medida é que, não obstante o seu direito ao silêncio e à não autoincriminação, pode o auto de reconstituição dos presentes autos ser valorado enquanto meio de prova válida e eficazmente obtida. Dos autos consta um auto de reconstituição, a fls. 32 e ss., o qual coloca o arguido C... no local da ocorrência dos factos. Porém, entende este tribunal que, face ao exercício do direito ao silêncio pelo arguido C... em audiência de julgamento, não pode aquela prova ser valorada. Com efeito, a reconstituição do facto mostra-se prevista no art. 150.º do C.P.P. e está previsto com a finalidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo. No dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, trata-se de uma encenação de uma versão provável do facto. E, citando o Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 196, “a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução”. Com efeito, “através da reconstituição do facto visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma (arguido, assistente, testemunhas, partes civis) ou supõe (Tribunal, MP e advogados) ter ocorrido um determinado facto. Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e, já não de comprovar a existência do facto histórico, em si mesmo, podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou lugar. Lateralmente pode ainda servir a finalidade de se perceber, se por exemplo, determinada testemunha poderá ou não ter presenciado os factos a partir do local onde diz que se encontrava. Para que a reconstituição adquira valor probatório consistente impõe-se que parta de um máximo possível de premissas comprováveis. Para tal mostra-se necessário que haja já sido recolhida prova indiciária bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido. Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar-se neste elemento de prova”. – Cfr. Código do Processo Penal – Comentário e Notas Práticas dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/09/2009, P.º 230/08.7PDVNG.P1 (www.dgsi.pt). Assim, impõe-se concluir que a reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma. Pela sua própria configuração e natureza – reprodução tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciado no artigo 126.º. E, como tem sido jurisprudência unânime dos nossos tribunais, “as informações” prévias ou contemporâneas do arguido, a postura, as hesitações, o real comportamento e estado de espírito, mantido na ocasião, que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova foi processualmente adquirido. Assim, a autonomia da reconstituição determina que se não tiver sido inquinada nos seus pressupostos, formais ou de execução, nem tiver sido utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade de algum interveniente, vale por si só e pode ser processualmente adquirida como meio de prova, a valorar segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º. – neste sentido, vide, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2005, P.º 04P3276, do Tribunal da Relação do Porto de 27/06/2012, P.º 96/10.7GCVPA.P1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/09/2010, P.º 79/07.4GCSRT.C1 (todos em www.dgsi.pt). Nessa medida, o posterior direito ao silêncio do arguido que nela participou não pode ser utilizado para colocar em causa o efeito probatório da reconstituição em que, validamente haja participado. Temos assim que a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357°. “Isto porque a verbalização que suporta o ato de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de ”declarações”, pois o discurso ou “declarações” produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto e se destinam no geral a esclarecer o próprio ato de reconstituição, com ele se confundindo, ensinamento que se retira do invocado na decisão recorrida” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2006 (www.dgsi.pt). Isto é assim, independentemente de o arguido em audiência falar, assumir ou negar, ou se remeter ao silêncio. Acontece, que no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido C... pelo que atento o disposto no art. 133º do C.P.P., não a podemos valorar. Tais factos conjugados com o facto de ninguém ter visto o arguido aquando da prática do ilícito, deixam-nos dúvidas. E não se diga que o facto do co-arguido E... ter referido que o arguido C... como estando na posse dos alegados bens furtados o incrimina, pois este arguido E... nada sabe sobre o furto em causa nos autos, não se tendo provado que o mesmo tinha conhecimento que tais bens que comprou seriam furtados. Cumpre antes de mais referir que ressalta da inserção sistemática dos arts. 140º e seguintes do Código de Processo Penal que as declarações de arguido figuram entre os meios de prova, pelo que em via de princípio nada obsta à sua valoração pelo tribunal contra um coarguido. Não se ignoram porém os riscos e as especificidades deste meio de prova que vão sendo apontadas. É que subjacente à postura do arguido que confessa pode estar um genuíno e aberto espírito de colaboração e porventura de arrependimento, em qualquer caso fundado na verdade material dos factos; mas podemos também ter declarações prestadas exclusivamente na mira de alcançar uma vantagem pessoal, nomeadamente na determinação da medida da pena, sem preocupação alguma com a verdade material, e até inconfessadamente motivadas por algum tipo de vingança, maldade ou outro sentimento torpe para com os co-arguidos que implica. E ao que vimos de dizer acresce, dirão alguns, que este meio de prova se presta também a alguns incómodos quando o co-arguido incriminado pretende exercer o direito ao silêncio, posto que ante as declarações contra si prestadas poderá ver-se obrigado, contra aquela que é a sua estratégia de defesa com assento constitucional, a prestar ele próprio declarações, na perspetiva de pôr em crise a credibilidade daquelas outras. Dito isto, afigura-se-nos que esta problemática deve ser equacionada mediante duas sucessivas interrogações: (a) se as declarações de arguido podem ser valoradas em prejuízo de um co-arguido, ou seja, se as declarações de arguido constituem um meio de prova admissível no confronto com um co-arguido; (b) se, podendo valorar-se as declarações do arguido, é ou não de exigir a corroboração de uma fonte autónoma que aponte no mesmo sentido. Quanto à primeira questão, a orientação largamente maioritária que se foi perfilando, e a que aderimos, é no sentido afirmativo, desde logo pela inserção sistemática das declarações do arguido entre os meios de prova (Ac. STJ de 12/07/2006, CJSTJ 2006, t. II, pgs. 242 e Ac. do STJ de 7/12/2005, CJSTJ 2005, t. III, pgs. 226-7). E corroborando esta ideia, o legislador veio entretanto, por via da Lei nº 48/2007, de 29/08, aditar um nº 4 ao art. 345º do Código de Processo Penal, dizendo que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2». É que desta redação resulta o sentido inequívoco de que as declarações de um co-arguido constituem meio de prova em prejuízo de outro co-arguido desde que aquele não se recuse a responder às perguntas que lhe forem feitas ou sugeridas pelos juízes, pelos eventuais jurados, pelo Ministério Público, pelo advogado do eventual assistente e pelos defensores. Cumprida que seja esta dimensão de contraditório, as declarações de arguido podem pois valer contra um co-arguido (Ac. do TC nº 133/2010, www.tribunalconstitucional.pt e Ac. do STJ de 12/03/2008, www.dgsi.pt; vide ainda o Ac. da RG de 9/02/2009, relatado por Estelita de Mendonça, www.dgsi.pt). E é esta aliás uma das dimensões sublinhadas também pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do ponto de vista da afirmação da natureza equitativa do processo: que o arguido tenha tido a oportunidade, em algum momento, de desafiar as declarações do co-arguido (Ac. do TEDH Vaquero Hernández e outros c/Espanha, 2/11/2010, §§ 126- 134 – www.echr.coe.int). Por outro lado, não vemos que seja estritamente essencial que as declarações do arguido sejam corroboradas por um outro meio de prova que aponte autonomamente no mesmo sentido. A partir do momento em que reconhecemos valia probatória às declarações de arguido na parte em que implicam os co-arguidos, a questão que se nos põe é de convicção, isto é, do que se trata é de saber se as declarações em apreço são de tal ordem esclarecidas, sólidas, convincentes para que apenas nelas possa o Tribunal assentar a sua posição. Estamos em crer que atento o facto de o arguido E... nada saber sobre o furto em causa nos autos, não saber da proveniência dos objetos que adquiriu, pelo que valoramos as suas declarações prestadas de forma espontânea, coerente naquilo que o mesmo sabia, ou seja, que adquiriu bens ao arguido C... . Ainda se dirá que pelo facto do arguido C... se encontrar na posse de dois objetos alegadamente furtados à ofendida, somos forçados a concordar com a jurisprudência que tem decidido que “do facto do arguido haver sido encontrado na posse de objetos furtados não se pode inferir, com suficiente segurança, pelas regras da lógica e da experiência comum, que ele foi autor do furto” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/01/2009, P.º 0846986 (www.dgsi.pt) e que “a simples detenção dos objetos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo art. 203º do CP. A experiência ensina que o arguido sempre poderia ter entrado na posse das coisas furtadas por as ter recebido de um terceiro sem ter tido qualquer participação no furto” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, P.º 2025/08-2 (www.dgsi.pt). E, de facto, as regras da experiência dizem-nos que é provável que o arguido tenha sido o autor do furto em apreço. Mas não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outro o autor do furto de objetos que possam ter vindo posteriormente a entrar na posse do arguido (eventualmente, até através da prática de crimes de recetação). Há que notar, além do mais, que os bens foram subtraídos em data não concretamente apurada, mas entre 13 e 21 de junho de 2012, não se tendo apurado quando ocorreu a venda dos bens ao arguido E... , pelo que ficamos sem saber o tempo que mediou entre o furto e a venda dos bens, o que mais dúvidas nos deixam de como tais bens terão chegado à posse do arguido C... . Mais acresce que, à luz do princípio in dubio pro reo, não é sobre algum dos arguidos que recai o ónus de provar que os bens furtados estavam na sua posse por outro motivo que não a autoria do furto, é sobre a acusação. Nessa medida, a dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar o arguido C... , deve beneficiá-lo. Assim, a simples circunstância de o arguido ter sido encontrado na posse de um objeto furtado, desacompanhada de qualquer elemento probatório que o conecte ao local e hora do crime, afigura-se insuficiente para dar como provado que aquele foi o autor do ilícito em causa, pelo que deve ser absolvido. No tocante ao arguido E... não se provou de que aquele arguido tivesse representado como possível que os objetos que adquiria fossem produto de facto ilícito típico contra o património, pelo que se impõe a sua absolvição. Face ao silêncio dos arguidos e a ausência de prova testemunhal nesse sentido, nada se provou que aquele arguido E... tivesse representado necessariamente como possível que aqueles bens fossem produto de facto ilícito típico contra o património. Quanto aos demais arguidos B... e D... , nenhuma prova foi feita no sentido de terem praticado os factos que lhes são imputados na acusação pelo que se impõe a sua absolvição. A testemunha J... elaborou o auto de reconhecimento de objetos de fls. 60 e ss. e pediu o orçamento de fls. 68 e ss. Há uma discrepância de valor muito grande entre o valor do orçamento de fls. 68 que refere a quantia de 3.200,00€ por cada coluna nova, e no total daria 9.600,00€ e o valor referido pela ofendida. No entanto, atenta a explicação dada pelo militar J... o valor dado pela ofendida será para colocar tudo de novo, enquanto que no valor de fls. 68 não estarão contemplados todos os elementos necessários para o seu funcionamento. A testemunha Q... , chefe de serviços administrativos da empresa R... , S.A., empresa que vendeu o alambique à ofendida e elaborou o orçamento de fls. 83, datado de 24.04.2013, referindo que neste momento o mesmo trabalho fica por 21.000,00€. Precisou que as peças restituídas só servem para sucata pois faltam-lhe as tampas. Prestou um depoimento sobre factos de que tinha conhecimento direto pelo que o valoramos para prova dos factos constantes em 2, 5, 7, 8, 9, 10. Ouvimos O... , que conhece bem o prédio da ofendida pois a sua mulher amanha as terras da ofendida. Não sabe quando ocorreram os factos e não presenciou o furto. Descreveu que ficou tudo desmontado, cortado e que bens foram levados, pelo que tendo prestado um depoimento que se nos afigurou de sincero o valoramos para prova dos factos descritos em 1, 5, 6, 8, 9 e 10. Por sua vez, a testemunha T... , tratorista, conhece a ofendida pois lavrou o seu prédio, bem como trabalhou no alambique durante 3 ou 4 anos. Descreveu como era o alambique antes do furto, o seu valor e o que sobrou depois do furto. Não presenciou o furto. Porque falou de uma forma que se nos afigurou de consistente valoramos o seu depoimento para prova dos factos provados referidos em 1, 2, 5 a 11. Em relação às testemunhas N... , P... e G... depuseram, e forma que se nos afigurou de sincera, que o arguido E... se encontra bem integrado socialmente, pelo que valoramos os seus depoimentos para prova dos factos constantes em 53 e 54. Assim, a prova produzida é insuficiente para se afirmar que os arguidos B... , C... e D... praticaram os factos que lhes vinham imputados na acusação Com efeito, face aos depoimentos não podemos concluir que foram os referidos arguidos que subtraíram tais bens do alambique/destilaria da ofendida. De resto, face ao princípio geral de presunção de inocência, cabia ao Ministério Público a prova dos factos da acusação para preencherem o crime de furto, prova que não foi realizada. O mesmo se dizendo em relação ao arguido E... , pelas razões acima referidas. Em relação às condições pessoais dos arguidos valoramos as declarações dos mesmos, que nos mereceram credibilidade. Atendemos ainda aos documentos de fls. 5, 10 a 22, 31 a 47, 68 a 72, 80 a 83, 87 a 94, 119 a 121, 123 a 131. Mais atendemos aos autos e relatórios de fls. 66 a 67, 97 e 98. Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal formou a sua convicção com base nos CRCs que antecedem. No que diz respeito aos factos não provados, sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova ou a prova que se produziu foi insuficiente ou em sentido contrário. * IV. Fundamentação de Direito A) Integração jurídica dos factos Quanto ao crime de furto qualificado Os arguidos B... , C... e D... vêm acusados da prática em co-autoria e na forma consumada de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2 alínea e) todos do Código Penal. Inserido sistematicamente no capítulo dos crimes contra a propriedade, o bem jurídico protegido no âmbito de proteção desta norma típica é “a disponibilidade de fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica” - José de Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 31 e ss.. Atenta a construção sistemática do legislador penal, o tipo de crime matricial é, ao caso, o tipo do crime de furto simples. Assim, os específicos requisitos relativos ao crime de furto simples são igualmente próprios do crime de furto qualificado, sendo-lhe aplicáveis todas as considerações pertinentes relativas àquele tipo matricial, determinando a norma do artigo 204º do Código Penal as circunstâncias qualificadoras e hiperqualificadoras daquela conduta punida no tipo matricial, ou seja, acrescendo aos elementos típicos do crime de furto simples, os elementos que determinam tal qualificação. Assim, é necessário desde logo determinar os vários elementos do tipo legal de furto simples, e só então passar à análise crítica da verificação dos eventuais elementos qualificativos. Quanto ao crime de furto, dispõe o n.º 1 do artigo 203º do Código Penal que “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. São assim elementos deste tipo legal de ilícito: a) A ilegítima intenção de apropriação; b) A subtração de coisa móvel alheia; c) O dolo, uma vez que o tipo de crime em apreço exige o dolo, sob qualquer uma das suas formas. (José de Faria Costa, ob. cit., pág. 24 e seguintes). A ilegítima intenção de apropriação é um elemento subjetivo do tipo de ilícito que faz do crime de furto, quer na forma simples quer na forma qualificada, um crime intencional. Ou seja, para ser cometido o crime de furto, é necessário que o agente, para além do dolo genérico, tenha atuado com um determinado dolo específico. Quanto ao dolo genérico, este verificar-se-á sempre que exista conhecimento dos elementos objetivos do tipo e vontade de os realizar, em qualquer das modalidades contempladas no artigo 14.º do Código Penal. O elemento intenção de apropriação deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo assim integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem. Ao agir desta forma, o agente manifesta, previamente, uma intenção de desapropriação de um terceiro, precisamente aquele que, de forma legítima, frui das utilidades da coisa. (José de Faria Costa, in ob. cit. pág. 33 e seguintes) No que diz respeito ao elemento típico da subtração de coisa móvel alheia, importa apenas referir que a subtração é um conceito que se caracteriza em termos finalísticos, a qual consiste em fazer entrar no domínio de facto do agente as utilidades derivadas da coisa que anteriormente fruía dessas mesmas utilidades, de modo legítimo. Assim, a subtração traduz um desapossamento logo seguido de outro apossamento, em virtude de uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente possuidor ou detentor, implicando, desta forma, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa. (José de Faria Costa, ob. cit., pág. 43 e 44). Por seu lado, dispõe o art. 204.º, n.º 2, alínea e) do citado diploma legal que pratica o crime de furto qualificado “Quem furtar coisa móvel alheia: (…) e) penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas”. É arrombamento “o rompimento, fratura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou lugar fechado dela dependente”. (cfr. art. 202.º, alínea d) do CP) Ao definir-se o conceito de arrombamento por referência ao “rompimento”, à “fratura” ou à “destruição” de dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada, intui-se que o arrombamento supõe, necessariamente, que tal dispositivo cedeu por ter sido quebrado, arrebentado, inutilizado no todo ou em parte, enfim, que não cumpriu a função para que estava destinado por virtude de ter ficado afetado na sua substância ou na sua funcionalidade pela ação que o agente sobre ele exerceu. E é escalamento “ a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem” – cfr. art. 202.º, alínea e) do CP. Ora, resulta evidente da matéria de facto provada ser a mesma insuficiente para integrar a prática pelos arguidos B... , C... e D... do crime que lhes vinha imputado. Com efeito, ficou por demonstrar que fossem os referidos arguidos que desenvolveram a conduta descrita nos factos provados, tal como vinham acusados. Atento o que fica dito conclui-se pela impossibilidade de imputação aos arguidos B... , C... e D... dos factos que consubstanciam os elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 204º, nº2 al. e) e nº1 al. a), todos do C.P. Assim, por não estarem verificados os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de furto qualificado, não podemos senão absolver os arguidos B... , C... e D... , do crime pelos quais vêm acusados. * Quanto ao crime de recetação p. e p. pelo art.º 231º do Código Penal. O arguido E... vem acusado da prática, como autor material, de um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231º, nº1 do Código Penal. Ora, estatui o n.º 1 do preceito legal acima identificado que: “Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.” Trata-se de um tipo de ilícito que, na significativa explicação dada por Pedro Caeiro, em anotação ao art.º 231.º, “procura contrariar o estímulo ou favorecimento dados aos autores (dos crimes patrimoniais) pela atividade de certo número de pessoas que adquirem objetos criminosamente obtidos, por preços sem qualquer espécie de proporção com o seu valor real (…) embora pudessem não conhecer efetivamente a proveniência criminosa da coisa. (…) A essência do presente tipo pode resumir-se do seguinte modo: pune-se aquele que adquire ou recebe uma coisa, que por força de certas características (qualidade, preço ou condição do transmitente), faz razoavelmente suspeitar de que provém de facto ilícito típico contra o património, sempre que o agente, nessas circunstâncias, não se tenha assegurado da legítima proveniência da coisa” - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Ed., 1999, pág. Comete o crime de recetação o agente que pratique a conduta descrita na norma (concretizando o elemento objetivo do tipo penal) com a força anímica – a intenção - exigida pelo preceito (concretizando o respetivo elemento subjetivo). Para o cometimento do crime exige-se apenas que a prática dos atos referidos seja motivada pela obtenção de vantagem patrimonial, independentemente do valor da coisa que se recebe e da efetiva obtenção dessa vantagem patrimonial. Para o preenchimento deste tipo de crime é necessário que a coisa recetada tenha sido obtida pelo autor do facto referencial através desse facto, sendo este agente pessoa diversa do recetador. Não sendo, contudo, necessário para que o tipo se preencha, que o recetador obtenha a coisa diretamente do autor do facto referencial. Imprescindível é, sim, que a coisa recetada tenha sido obtida por terceiro mediante facto ilícito típico contra o património. A conduta do recetador objetivamente punível pode assumir diversas modalidades, são elas: dissimular a coisa, recebê-la em penhor, adquiri-la por qualquer título, detê-la, conservá-la, transmiti-la e contribuir para a transmitir, bem como, assegurar a sua posse para si ou para outra pessoa. Exige-se, no n.º 1 do citado preceito legal, uma conduta dolosa (ao contrário do n.º 2 reservado a situações de negligência (não ignorando que parte da doutrina vem defendendo que o n.º 2 pune o dolo eventual, não sendo a negligência punível, neste sentido Pedro Caeiro, in ob. cit. e Acórdão da Relação de CC... de 02/07/2002, com um voto de vencido, em www.dgsi.pt), e resultante da necessidade político criminal de punir condutas objetivamente semelhantes à recetação mas em relação às quais se tornava extremamente difícil a prova de que o agente conhecia a proveniência criminosa da coisa – nesse sentido, ob. cit., pág. 485). Este tipo de crime previsto no n.º 1, além de conter um tipo exclusivamente doloso e exigir uma intenção de obter vantagem patrimonial, exige ainda um dolo específico relativamente à proveniência da coisa, ou seja, é necessário que o agente tenha um conhecimento efetivo que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património (dolo direto), não sendo suficiente para o preenchimento do tipo subjetivo a simples admissão dessa possibilidade – cfr. ob. cit. pág. 494. Por outro lado, no que diz respeito à intenção de obter vantagem patrimonial, cumpre salientar que esta não coincide necessariamente com a noção de enriquecimento (aumento do valor do património), sendo certo que a aquisição da coisa por preço inferior ao seu valor é apenas uma das formas de obter vantagem. Assim, a vantagem patrimonial pode não residir apenas num cálculo aritmético mas também no facto do agente não poder obter a coisa recetada, ou não poder obtê-la nos mesmos termos, se ela não tivesse sido furtada, roubada, etc. No caso em apreço, quanto ao arguido E... , o tribunal não dispõe de elementos que permitam concluir que, pela sua qualidade, pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, o arguido estivesse em condições de razoavelmente suspeitar que aqueles objetos provinham de facto ilícito típico contra o património. Assim, porque não podemos concluir pela verificação em concreto, quanto ao arguido E... , do preenchimento dos elementos objetivos do crime de recetação pelo qual vinha acusado, impõe-se concluir pela absolvição do arguido E... crime de recetação que lhe vinha imputado.” * O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Assim, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. No caso dos autos, face às conclusões da motivação da assistente as questões a decidir são as seguintes: - se a sentença recorrida é nula, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2 , do C.P.P., porquanto o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação ou exame crítico da prova que resulta da conjugação dos autos de apreensão e da reconstituição do facto, com os depoimentos das testemunhas H... , I... , J... , as declarações da assistente e do arguido A... , para dar como não provados os factos que constam da acusação; - se o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos dados como não provados nas alíneas a) a v) assim como os pontos 12 e 19 da factualidade dada como provada, na sentença recorrida, pois da conjugação dos autos de reconstituição do facto, com o depoimento das testemunhas H... , I... , J... , as declarações da assistente e do arguido A... , o auto de apreensão e as regras da experiência comum, resulta que os mesmos factos deveriam ali terem sido dados como provados; e - se, consequentemente, devem os arguidos ser condenados pela prática dos referenciados crimes - ou determinar-se a repetição do julgamento. * Decidindo: 1ª Questão A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art. 32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental. O artigo 374º, nº 2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal. O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, de forma a revelar o processo de formação da convicção do tribunal e a garantir a transparência da justiça e a persuadir os interessados. Sem que se defina legalmente em que consiste o “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o fundamento da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. A este propósito, já o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98 de 2/12/1998 entendia: «Perante tal argumentação há, desde logo, que advertir que, por força do que dispõe o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença - para além de dever conter uma “enumeração dos factos provados e não provados” -, tem que consistir numa “exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Este dever de fundamentação foi interpretado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo I, páginas 36 e 37) no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os “elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação”, ou seja, um “exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo” num determinado sentido. A motivação conforme as exigências do processo equitativo não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso. Lopes da Rocha esclarece que «o princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, mas impõe-se uma motivação precisa quando o meio submetido à apreciação do juiz, caso se revele fundado, é de natureza a influenciar a decisão; a obrigação de motivar reveste uma importância peculiar quando se trate de apreciar uma pretensão na base de uma disposição de sentido ambíguo, caso em que é exigível uma motivação adequada e proporcional à complexidade da hipótese». Reportando-nos à sentença recorrida, basta ler a respectiva motivação, para se perceber que procedeu nos termos legalmente impostos, esclarecendo a posição assumida quanto às provas, essencialmente radicada na não valoração da reconstituição, como manifesta de forma clara “ Acontece, que no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido C... pelo que atento o disposto no art. 133º do C.P.P., não a podemos valorar. Tais factos conjugados com o facto de ninguém ter visto o arguido aquando da prática do ilícito, deixam-nos dúvidas.” Na realidade, a recorrente não se insurge propriamente contra a ausência de fundamentação da matéria de facto, mas sim contra o exame crítico da prova nos moldes em que ficou a constar da fundamentação da matéria de facto, em especial contra a desvalorização do auto de reconstituição e a não conjugação deste com os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, declarações do arguido A... e da assistente e auto de apreensão.
Tendo a sentença recorrida indicado os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, possibilitando ao Tribunal de recurso, bem como aos restantes sujeitos processuais, entender em termos lógicos e racionais, a razão pela qual o Tribunal a quo formou a sua convicção no sentido de dar como provados, e ainda como não provados, os factos que constam do acórdão, temos de concluir que consta deste o exame crítico das provas e que a decisão recorrida não padece, quanto à decisão da matéria de facto, da nulidade a que alude o art. 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P., nem se mostra violado o disposto no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código. Improcede pois este segmento do recurso. * 2ª Questão A modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, do C.P.P., se se verificarem as seguintes condições, enunciadas no art.431.º do mesmo Código: «a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou c) Se tiver havido renovação de prova.”. Quando a decisão recorrida não se funda só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento, importa considerar, para a impugnação da matéria de facto, e por força do disposto nesta alínea b) do art. 431.º do C.P.P., o estatuído no art. 412.º, n.º3 do mesmo Código. O art. 412.º, n.º 3 do C.P.P., impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar: «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas.» E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal: «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.» O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.). A recorrente cumpriu os referidos ónus. Importa acentuar que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”. As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.300. Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205. O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355.º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova. O respeito pelos princípios da oralidade e da imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. O preceituado no art. 127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou, se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova. Insurge-se a recorrente, essencialmente, contra a desvalorização da reconstituição dos factos. Vejamos. A reconstituição do facto, a que alude o art.150.º do Código de Processo Penal e a possibilidade de valoração em audiência de julgamento do depoimento dos órgãos de polícia criminal sobre declarações do arguido, prestadas aquando da reconstituição do facto, em face do disposto nos artigos 129.º e 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal, é uma questão que já vem sendo debatida na jurisprudência. A “reconstituição do facto” encontra-se inserida no Titulo II (Dos meios de Prova), Livro III (Da prova), do Código de Processo Penal. Este meio de prova é admissível «Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma…» (art.150.º, n.º1, 1.ª parte do C.P.P.). «Consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.» (art.150.º, n.º1, 2.ª parte do C.P.P.). A reconstituição do facto é uma representação da realidade suposta e, por isso, para ter utilidade pressupõe que o facto seja representado, tanto quanto possível, nas mesmas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e que se possam verificar essas condições. – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, edição de 1993, pág. 151. A representação da realidade suposta pode contar com a participação de vários intervenientes designadamente com a intervenção do arguido, pois a lei em lado algum o impede de contribuir para a reconstrução do facto. Importante é que essa participação seja livre, fora de qualquer coacção física ou psíquica, caso em que não poderia ser utilizada, como resulta do art.126.º do Código de Processo Penal. O acto de reconstituição não é um acto puramente mudo, mas feito de utilização de diversas linguagens, fundamentalmente a gestual e oral. Da reconstituição do facto deve ser lavrado um auto, nos termos do art. 99.º do Código de Processo Penal. Este auto de reconstituição pode ser completado, nos termos do art.150.º, n.º 2 do mesmo Código, por documentação fotográfica e por gravações audiovisuais. No que se refere à linguagem oral utilizada na reconstituição do facto, designadamente por parte do arguido, uma posição jurisprudencial defende que esta não corresponde a “declarações” no sentido técnico-jurídico, mas a esclarecimentos ou informações dos passos que se vão desenvolvendo na reconstituição do crime, normalmente a pedido do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal, como o local onde se consumou o crime e as posições que os intervenientes tinham no palco dos factos. Os esclarecimentos ou informações que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se com os seus resultados. A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações ali prestadas. Respeitada a legalidade na aquisição deste meio de prova, o mesmo pode ser valorado nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, mesmo que o arguido em audiência de julgamento tenha optado pelo direito ao silêncio ou não compareça à mesma audiência. As contribuições do arguido para a reconstrução do facto, designadamente com a prestação oral de informações e esclarecimentos, não se confundem com a problemática da leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas no inquérito ou na instrução, estas sim, não permitidas fora das situações a que alude o art.357.º do Código de Processo Penal. As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de polícia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo. O art. 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal estatui que «Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.». E o art. 129.º, n.º 1 do C.P.P. estatui, por sua vez, que «Se o depoimento resultar do que se ouvir dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.». Para a orientação jurisprudencial a que vimos fazendo referência, os depoimentos dos órgãos de polícia criminal sobre o que viram e ouviram na reconstituição do facto, designadamente através dos esclarecimentos aí prestados pelo arguido, não constituem “declarações de arguido”. Uma vez que os esclarecimentos ali prestados são contribuições do arguido para a reconstituição do facto e se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto. Neste sentido, entre outros, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 11 de Dezembro de 1996 ( BMJ n.º 462, pág. 299), de 22 de Abril de 2004 ( C.J., ano XII, tomo 2.º, pág. 165), de 5 de Janeiro de 2005 ( CJ., n.º 181, pág. 159), de 20 de Abril de 2006, proc. n.º 06P363 (www.dgsi.pt/jstj), de 14 de Junho de 2006, proc. n.º 06P1574 ( www.dgsi.pt/jstj ), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 2007 ( CJ, ano XXXII, 5.º, pág. 215) e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de Abril de 2009, no proc. n.º 91/04.5PBCTB.C1 (www.dgsi.pt/jtrc) e de 26 de Maio de 2009, no proc. n.º 94/07.8GBCNT.C1. Esta posição jurisprudencial não é pacífica, havendo quem defenda que podem ser valorados os factos que resultem da reconstituição do facto, mas não o que o arguido declarou nessa reconstituição. Segundo esta tese, as declarações do arguido anteriores à fase de julgamento estão sempre sujeitas ao regime dos artigos 356.º e 357.º do Código de Processo Penal, ainda que tenham sido produzidas a propósito da reconstituição do facto. Em consequência não podem ser valorados os depoimentos dos órgãos de polícia criminal sobre o que estes ouviram ao arguido durante a reconstituição do facto efectuada no inquérito, salvo a solicitação do próprio arguido. Os órgãos de polícia criminal só podem depor sobre os outros factos que percepcionaram directamente na diligência. Para o acórdão do STJ de 11 de Julho de 2001, a diligência externa de indicação dos locais dos incêndios baseando-se nas declarações do arguido não podem ser valoradas quando o arguido se remeteu ao silêncio no julgamento. Existe em tal caso uma situação paralela às denominadas “conversas informais”. O resultado final a que se chega pode «…dizer-se de algum modo em contrapé com o interesse público na perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de direito, bem como na confiança das instituições. Só que cabe aos tribunais agir com total independência na interpretação da lei no caso concreto…» - cfr C.J., ASTJ, ano IX, 3.º, pág. 166 e seguintes. Também para o Prof. Pinto de Albuquerque «As garantias de defesa e o respeito pelo direito ao silêncio impõem que as declarações do arguido feitas em reconstituição dirigida pelo Ministério Público ou pelo órgão de polícia criminal não possam ser lidas, visualizadas ou ouvidas em julgamento, salvo solicitação do arguido (artigo 357, n.º1, al. a), e n.º2, e artigo 356, n.º8. Só as declarações prestadas pelo arguido em reconstituição dirigida pelo juiz de instrução podem ser lidas, visualizadas ou ouvidas em julgamento quando houver contradições entre elas e as declarações feitas na audiência (artigo 357, n.º1, al. b), e n.º2, e artigo 356, n.º8).» - cfr. Comentário do Código de Processo Penal, U.C. Editora, pág. 427. Discordamos desta última posição, por entendermos inaplicável a regra do art. 357.º, n.º2 do Código de Processo Penal ao auto de reconstituição de facto por se tratar de um meio de prova autónomo, inserido no Código de Processo Penal a par de outros meios de prova, como a prova testemunhal, as declarações do arguido ou a prova documental. As “declarações” do arguido, que mais não são que contribuições para a descoberta da verdade, desde que livremente prestadas e enquanto indispensáveis à compreensão da reconstituição de facto, não podem deixar de ser valoradas, sob pena de este meio de prova se tornar frequentemente inútil, pois a reconstituição do facto não é um acto mudo, que possa realizar-se sem contribuições orais de sujeitos processuais - ac Rel Coimbra de 15-09-2015 rel Des. Orlando Gonçalves. A propósito, recorde-se que a jurisprudência vem considerando que as declarações do arguido obtidas através de escutas telefónicas – em regra sem a sua livre colaboração e conhecimento - podem ser valoradas em julgamento mesmo que o arguido opte pelo silêncio na audiência, desde que as mesmas se encontrem transcritas em auto e juntas ao processo, pois passam a constituir prova documental, submetida ao princípio da livre apreciação - Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 5 de Fevereiro de 1998 ( CJ , STJ , ano VI , 1º pág. 192) e de 17 de Junho de 2004 ( www.stj.pt) , da Relação de CC... , de 12 de Janeiro de 2000 ( CJ, ano XXV, 1, pág. 135) e da Relação de Guimarães , de 19 de Maio de 2003 ( CJ, n.º 167 , pág. 299) da Relação de Coimbra, de 12 de Outubro de 2005, proc. n.º 1152/05 ( elaborado pelo presente relator) e, na doutrina , o Prof. Germano Marques da Silva ( Curso de Processo Penal , II , 1995, pág. 163) , o Dr. Manuel Monteiro Guedes Valente ( Processo Penal , I , Almedina , pág.409) e o Doutor em Direito e Magistrado Carlos Climent Durán ( “La prueba penal”, edição de Tirant lo branche , Valência , 1999 ). Tal como as gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial, mandadas transcrever pelo JIC em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e mesmo que contenham declarações do arguido podem ser valoradas, também as contribuições do arguido consignadas em auto de reconstituição do facto, desde que prestadas livremente, podem ser valoradas, sem sujeição ao regime dos artigos 129.º e 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal. De todo o modo, só podem ser valoradas as declarações do arguido indispensáveis à reconstituição do facto. Quaisquer declarações do arguido que constem do auto de reconstituição ou de gravações da reconstituição que não sejam indispensáveis à reconstituição do facto merecem o tratamento das “ conversas informais”, isto é, são tratadas como se não existissem. Defendendo nós que os esclarecimentos prestados pelo arguido na reconstituição de facto são contribuições que se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, e que nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto, não podemos concordar com a parte da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida. A reconstituição do facto com a contribuição de alguém que assume ter praticado um crime, para poder ser considerada livre, deve ser realizada com a constituição dela como arguido – como foi - pois só assim está informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual. Impunha-se assim que o tribunal recorrido valorasse os autos de reconstituição de factos e por consequência considerasse os depoimentos prestados pelos elementos da GNR, - testemunhas H... , I... e J... , em conjugação com as declarações da assistente e do arguido A... e os autos de apreensão, o que não fez pela via da não valoração do meio de prova constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150.º do Código de Processo Penal. A não valoração daquele meio de prova, levou a desconsiderar a restante prova e consequentemente à aplicação do princípio in dúbio pro reo. O que necessariamente vem a integrar uma omissão que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP. Impõe-se pois que o tribunal recorrido reavalie toda a prova, conjugadamente, valorando os autos de reconstituição e elabore nova sentença. Fica obviamente prejudicada a 3ª questão.
III Dispositivo Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em Declarar nula a sentença recorrida e, em consequência, determinar a sua substituição por outra sentença que supra a apontada nulidade, nos termos sobreditos. Sem tributação. Recurso sem tributação.
Coimbra, 17 de maio de 2017 (Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).
(Isabel Valongo - relatora)
(Jorge França - adjunto) |