Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
951/06.9TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
PROCESSO PENDENTE
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Legislação Nacional: DECRETO-LEI N.º 49/2014, DE 27 DE MARÇO, E LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO (LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO, LOSJ)
Sumário: I – Em 01/09/2014 entrou em vigor o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante ROFTJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, que procedeu à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ) e estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais - (artº 1º e 1ª parte do artº 118º do DL 49/2014), entrando, então, também em vigor, a citada LOSJ (artº 188º, nº 1, desta Lei).

II - Com a entrada em vigor das citadas normas da LOSJ e do ROFTJ, ou seja a partir de 1 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação Lisboa deixou, em princípio, de poder apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais extintos (v.g., Tribunal Judicial de Caldas da Rainha) e cujos autos respectivos ficaram afectos aos Tribunais criados pelo novo corpo de leis de organização judiciária, relativamente aos quais, face a esse regime, não é o Tribunal hierarquicamente superior que lhes corresponde, por se encontrarem fora da sua área de competência territorial.

III - Assim temos vindo a entender que o Tribunal da Relação de Coimbra, desde que não provenham de processos que se devam entender como pendentes noutras Relações em 01/09/2014, deve apreciar os recursos que, a partir dessa data lhe sejam remetidos por Tribunais que, por força das normas do LOSJ e do ROFTJ, passaram a estar na área da sua competência territorial, ainda que para aqueles, na data em que foram interpostos, fosse, então, territorialmente competente uma outra Relação.

IV - A norma do artº 103º do ROFTJ parece ser um afloramento, no âmbito recursal, do princípio perpetuatio jurisdictionis (ou perpetuatio fori).

V - Reportando-se esta norma aos processos, pensamos que pretende que, havendo recursos interpostos para determinada Relação, que nela estejam pendentes para julgamento em 01/09/2014, se tenha como fixada a competência dessa Relação para o julgamento dos recursos das decisões proferidas nesse processo, “rectius” para o julgamento dos recursos que já tenham sido interpostos, mas não remitidos à Relação em 01/09/2014, bem como dos recursos que venham a ser interpostos posteriormente.

VI - A pendência num Tribunal da Relação, em 01/09/2014, de um recurso de um determinado processo, (seja recurso que subiu nos autos principais, seja recurso que subiu em separado), cristaliza nesse Tribunal, “ex vi” do artº 103º do ROFTJ, a competência para apreciar os recursos que respeitem a esse processo, quer sejam interpostos posteriormente a essa data, quer hajam sido interpostos anteriormente a ela, mas com subida diferida para momento posterior.

Decisão Texto Integral:
Feito o périplo pelos volumes que possuímos do processo ora em causa, cuja petição inicial deu entrada no Tribunal Judicial de Caldas da Rainha em 11/04/2006 e foi aí distribuída ao 2º Juízo, constatou-se, entre o mais, que:

I - Foi proferida uma sentença, em 12/10/2013 (fls. 818 a 858), que veio a ser substituída pela de 14/07/2014 (fls. 1299 a 1339), ambas desfavoráveis ao Réu Município de …;

A)- O Réu interpôs 4 recursos:

1) - O Recurso interposto mediante o requerimento de 06/02/2014 (fls. 934 a 1038), com a refª nº …, cuja respectiva alegação termina pedindo:

- A Revogação do Despacho (proferido na audiência de 19/09/2013) “que indeferiu o incidente de impugnação do impedimento da testemunha J…, nos termos do artigo 496.º do Código de Processo Civil”;

- A Revogação do Despacho “que respondeu à Matéria de Facto, sendo proferido outro que altere as respostas aos pontos 2.1.27., 2.1.28., 2.1.29., 2.1.32., 2.1.48., 2.1.70. a 2.1.80., 2.2.4., 2.2.5., 2.2.7., 2.2.11., 2.2.16., 2.2.20. e 2.2.21. e quesitos 85º e 94º da Base Instrutória”; e

A Revogação da decisão proferida pelo Tribunal em 12/10/2013, “substituindo-a por outra que considere improcedente o pedido dos Apelados”

· A este recurso respeitam as contra-alegações de fls. 1090 a 1160, em que os AA, para além do mais, requererem a ampliação do objecto do recurso (Ampliação esta a que o Réu veio a responder a fls. 1187 a 1196)

2) - O Recurso interposto do despacho de 07/02/2014 (Refª …), mediante o requerimento de 25/02/2014 (Refª …), de fls. 1047 a 1072;

3) - O Recurso interposto do despacho de 28/03/2014 (Refª …) que decidiu quanto às deficiências de gravação da audiência de julgamento, deferindo, apenas parcialmente, o que era requerido pelo Réu), mediante o requerimento de fls. 1205 e ss., de 30/04/2014, com a Refª …

· A este recurso respeitam as contra-alegações de fls. 1231 e ss., juntas com o requerimento Refª …;

4) - O Recurso interposto após a prolação da sentença de 14/07/2014, mediante o requerimento de fls. 1354 e ss., de 24/11/2014 (Refª …), cuja respectiva alegação termina pedindo que seja:

- “Ordenada a repetição dos depoimentos melhor identificados na conclusão B., em face do erro na gravação dos mesmos no âmbito e no decurso da audiência final, o que consubstancia uma nulidade processual (cfr. artigos 155.º, n.º 4 e 195.º, n.º 1 do CPC);

 - Revogado o Despacho (proferido na audiência de 02/07/2014, em que se procedeu à produção de prova ordenada no despacho de 28/3/2014) que indeferiu a prestação de declarações de parte, nos termos do artigo 466.º do CPC;

 - Revogado o Despacho (proferido na audiência de 19/09/2013) que indeferiu o incidente de impugnação do impedimento da testemunha J…, nos termos do artigo 496.º do CPC;

- Revogado o Despacho que respondeu à Matéria de Facto, sendo proferido outro que altere as respostas aos pontos 2.1.27., 2.1.28., 2.1.29., 2.1.32., 2.1.48., 2.1.70. a 2.1.80., 2.2.4., 2.2.5., 2.2.7., 2.2.11., 2.2.16., 2.2.20. e 2.2.21. e inclua os factos vertidos nos quesitos 85.º e 94.º da Base Instrutória na matéria de facto apurada, considerando tais factos como provados; e

- Revogada a Sentença (de 14/07/2014) proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que considere improcedente os pedidos deduzidos pelos Apelados

· A este recurso respeitam as contra-alegações de fls. 1421 a 1475 vr., apresentadas mediante requerimento com a Refª …, onde os AA, para além do mais:

- Defendem a extemporaneidade do recurso do Réu, sustentando a inconstitucionalidade de normas do D.L nº 150/2014, de 13/10;

- Requerem a ampliação do âmbito do recurso (pedindo, além do mais, a alteração da matéria de facto).

B) - Por despacho de 14/05/2014, proferido a fls. 1254 e 1255, foram admitidos como Apelações, para subir à Relação de Lisboa, os recursos acima identificados sob os nºs. 1), 2) e 3), sendo que:

- O recurso acima identificado sob o nº 1) foi admitido para subir a final com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final depois da repetição da inquirição determinada pelo despacho de 28/03/2014:

- Os recursos acima identificados sob os nºs 2) e 3), do despacho de 07/02/2014 e do despacho de 28/03/2014 (Refª … e Refª …) foram admitidos para subirem separado, determinando-se que se instruísse o Apenso respectivo com certidão dos elementos que então se indicaram;

C) - Por despacho de 19/01/2015, proferido a fls. 1478, pela Instância Central, Secção Cível, Juiz 3, da Comarca de Leiria, dizendo-se ser tempestivo (referindo-se, para tal, ser “o constrangimento no funcionamento do “CITIUS”” facto reconhecido oficiosamente como facto notório) foi admitido como Apelação, para subir a esta Relação de Coimbra, imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o recurso acima identificado sob o nº 4);

D) - Encontrando-se nos autos, fls. 1264, a nota de uma certidão referenciando os elementos que se ordenaram ser certificados no apenso que se mandou instruir para subir à Relação de Lisboa com os recursos acima identificados em I-A)-2) e 3), mas não estando esses autos no conjunto daqueles que formam o processo que nos foi presente, determinou-se, por despacho de 24/2/2015, atendendo às referências que aos mesmos eram as efectuadas nas alegações do Apelados, que se solicitassem tais apensos de recurso à 1ª Instância.

II - Satisfeita essa solicitação, sendo-nos presentes os aludidos apensos em 10/3/2015, constata-se que:

1)- Subidos, efectivamente, à Relação de Lisboa (onde foram distribuídos à 1ª Secção), em separado dos autos principais, num único apenso, os recursos do despacho de 07/02/2014 (Refª …) e do despacho de 28/3/2014 (Refª …) acima identificados sob os nºs 2) e 3), foi proferido pela Exma. Sra. Desembargadora Relatora o despacho de 30/05/2014 (fls. 103 do I vol. dos autos 951/06.9TBCLD-A-L1), em que ordenou que os autos baixassem à 1ª Instância, para serem devidamente instruídos e completados;

2)- Cumprido o determinado, foram remetidos à Relação de Lisboa os aludidos recursos em apensos separados, sendo que:

- Ao apenso respeitante ao recurso interposto do despacho de 07/02/2014, foi atribuído o nº 951/06.9TBCLD-A-L1;

- Ao apenso respeitante ao recurso interposto do despacho de 28/03/2014, foi atribuído o nº 951/06.9TBCLD-B-L1.

3)- Conclusos ambos os apensos “supra” identificados à Exma. Sra. Desembargadora Relatora em 01/09/2014:

- Nos autos nº 951/06.9TBCLD-A-L1 foi admitido o recurso do despacho de 07/02/2014 e foi proferida, em 03/09/2014, decisão singular (Fls. 409 a 507), que, julgando a Apelação improcedente, manteve o despacho recorrido;

- Nos autos nº 951/06.9TBCLD-B-L1 foi admitido o recurso do despacho de 28/03/2014 e foi proferida, também em 03/09/2014, decisão singular (Fls. 390 a 397, do 3º vol. dos apensos de recurso), que, julgando a Apelação improcedente, manteve o despacho recorrido.

III - Em 01/09/2014, para o que ora importa, entrou em vigor o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante, ROFTJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que procedeu à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante, LOSJ) e estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais - (artº 1º e 1ª parte do artº 118º do DL 49/2014), entrando, então, também em vigor, a citada LOSJ (artº 188º, nº 1, desta Lei[1]).
A referida Lei 62/2013 revogou, entre o mais (artº 187º, alinas a) e b)), “os artigos 1.º a 159.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, na parte em que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais” e a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro.
Por outro lado, o artº 43º, nº 1, da LOSJ, sob a epígrafe “Competência em razão do território”, estabelece que os tribunais da Relação, assim como os tribunais judiciais de primeira instância, têm competência na área das respetivas circunscrições.
De acordo com o artº 32º, nº 1, da LOSJ, “A área de competência dos tribunais da Relação, salvo nos casos previstos na presente lei, é definida nos termos do anexo I à presente lei, da qual faz parte integrante.”.
Ora, o Anexo I, reportando-se a este artº 32, nº 1, estabelece, designadamente:
«Tribunal da Relação de Coimbra
Área de competência:
Comarcas: Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.
Tribunais de competência territorial alargada: Tribunal de Execução das Penas de Coimbra.».
De acordo com o nº 2 do artº 33º da LOSJ, “O território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo II à presente lei, da qual faz parte integrante.”.
Ora o Anexo II, reportando-se a este artº 33, nº 2, estabelece, designadamente:
«Comarca de Leiria
Sede: Leiria.
Circunscrição:
Municípios: Alcobaça, Alvaiázere, Ansião, Batalha, Bombarral, Caldas da Rainha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Óbidos, Pedrógão Grande, Peniche, Pombal e Porto de Mós.».
No domínio da pretérita legislação de organização judiciária o Tribunal Judicial de Caldas da Rainha fazia parte do distrito judicial de Lisboa, estando pois, na área de competência da Relação de Lisboa.
Mas não é na legislação de pretérito, obviamente, que assentamos o nosso entendimento sobre a incompetência desta Relação de Coimbra para apreciar e julgar os recursos que se entendam ainda subsistir nos presentes autos.
Com a entrada em vigor das citadas normas da LOSJ e do ROFTJ, ou seja, a partir de 1 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação Lisboa deixou, em princípio, de poder apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais extintos (v.g., Tribunal Judicial de Caldas da Rainha) e cujos autos respectivos ficaram afectos aos Tribunais criados pelo novo corpo de leis de organização judiciária, relativamente aos quais, face a esse regime, não é o Tribunal hierarquicamente superior que lhes corresponde, por se encontrarem fora da sua área de competência territorial.
Assim temos vindo a entender que o Tribunal da Relação de Coimbra, desde que não provenham de processos que se devam entender como pendentes noutras Relações em 01/09/2014, deve apreciar os recursos que, a partir dessa data lhe sejam remetidos por Tribunais que, por força das normas do LOSJ e do ROFTJ, passaram a estar na área da sua competência territorial, ainda que para aqueles, na data em que foram interpostos, fosse, então, territorialmente competente uma outra Relação.
Sucede que, salvo o devido respeito, entendemos que os recursos que ainda subsistem promanam de processo que se deve entender como pendente, em 01/09/2014, no Tribunal da Relação de Lisboa, que será, assim, o competente para os julgar, de acordo com o disposto no artº 103º do ROFTJ, que estabelece: «A competência dos atuais tribunais da Relação mantem-se para os processos neles pendentes.».
A questão que se coloca em 1º lugar é a de saber se o referido artº 103º estabelece uma regra que se restringe à competência para o conhecimento dos recursos que estejam pendentes na Relação em 01/09/2014, pois que, se assim for, carece que razão o entendimento que acima apontámos
Mas, se assim fosse, por que razão o legislador não teria feito constar no preceito a expressão “os recursos” em lugar de “os processos”?
A norma do citado artº 103º parece ser um afloramento, no âmbito recursal, do princípio perpetuatio jurisdictionis (ou perpetuatio fori).
Reportando-se esta norma aos processos, pensamos que pretende que, havendo recursos interpostos para determinada Relação, que nela estejam pendentes para julgamento em 01/09/2014, se tenha como fixada a competência dessa Relação para o julgamento dos recursos das decisões proferidas nesse processo, “rectius”, para o julgamento dos recursos que já tenham sido interpostos, mas não remitidos à Relação em 01/09/2014, bem como dos recursos que venham a ser interpostos posteriormente.
É claro que o trecho “neles pendentes” pode dar azo a interpretações diversas, mas, segundo julgamos, o legislador, sem querer - ao menos intencionalmente - afastar outras situações (que, como procuraremos demonstrar, também se devem ter por abarcadas na norma, designadamente, os recursos que sobem imediatamente e em separado), prefigurou a situação vulgar em que o recurso sobe nos próprios autos, estando, portanto, em regra, todo o processo no Tribunal da Relação. 
Como se nos afigura que a citada norma não pode funcionar de forma diferente consoante a diversa casuística que se deparar, vamos ensaiar, exemplificativamente, a sua aplicação em situações distintas, para daí se tentar aferir qual a solução que melhor se adequa a todas elas de modo a ser possível extrapolar o entendimento que nos parece ser o que capta o alcance que o legislador quis dar àquela.
Para benefício da exposição iremos particularizar ainda mais e situar a exemplificação tendo como modelos, precisamente, o Tribunal Judicial de Caldas da Rainha (TJCR) e as Relações de Lisboa e de Coimbra.
Ponderemos uma situação em que pende na Relação de Lisboa, em 01/09/2014, um recurso de Apelação provindo do TJCR que para aí o mandou subir imediatamente e nos próprios autos e que versa sentença que julgou a acção improcedente. A Relação de Lisboa decide o recurso desse processo - nela pendente em 01/09/2014 - anulando o julgamento e mandando ampliar a matéria de facto. A decisão é cumprida e é interposto recurso da sentença final. Na sequência do exposto, entendemos que a competência para apreciar este recurso cabe à Relação de Lisboa, “ex vi” do citado artº 103º - com a vantagem de possibilitar o cumprimento do disposto no artº 218º do NCPC -, porque mantém a competência para julgar os recursos interpostos daquele processo que nela estava pendente em 01/09/2014.
Uma outra hipótese: Suponha-se que em 01/09/2014, estando a aguardar julgamento na Relação de Coimbra, provindo do TJCR, recurso de apelação de despacho que não admitiu o rol de testemunhas de uma das partes, que subiu em separado e com efeito meramente devolutivo, sucede que, na pendência desse recurso, já na Instância Central, Secção Cível, da Comarca de Leiria, para onde os autos principais foram remetidos por via das alterações introduzidas pela nova legislação de Organização Judiciária, vem a ser interposto outro recurso de Apelação, agora versando despacho que não admitiu um documento apresentado em audiência, recurso esse que foi admitido para subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Estando ainda para ser julgado, na Relação de Lisboa, o processo de recurso em separado que aí deu entrada antes 01/09/2014 - que, portanto, estava pendente nessa Relação a essa data - parece-nos que este recurso interposto subsequentemente, apesar de provir de um Tribunal que não é da área da competência “natural” do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim da competência da Relação de Coimbra, deve ser julgado, não nesta, mas sim naquela Relação de Lisboa, por força do disposto no artº 103º do ROFTJ.
Se assim não for entendido teremos uma competência bicéfala; Tribunais distintos, da mesma hierarquia, a julgar recursos de um mesmo processo, situação esta que não nos parece que fosse a intenção do legislador, designadamente, ao elaborar a norma do citado artº 103º.
O entendimento que perfilhamos quanto à norma deste artº 103º, como se viu, é realçado nas situações em que, em autos que originariamente eram do TJCR é interposto um recurso depois de 01/09/2014 enquanto está ainda para julgar desse mesmo processo, na Relação de Lisboa, um recurso que aí estava pendente em 01/09/2014, mas não carece da existência dessa simultaneidade, bastando-se com a verificação desta pendência.
A pendência num Tribunal da Relação, em 01/09/2014, de um recurso de um determinado processo, (seja recurso que subiu nos autos principais, seja recurso que subiu em separado), cristaliza nesse Tribunal, “ex vi” do artº 103º do ROFTJ, a competência para apreciar os recursos que respeitem a esse processo, quer sejam interpostos posteriormente a essa data, quer hajam sido interpostos anteriormente a ela, mas com subida diferida para momento posterior.
E é em face destas razões que entendemos, salvo o devido respeito, que, tendo aí dado entrada, anteriormente a 01/09/2014, os recursos interpostos dos despachos identificados em II “supra”, proferidos em 07/02/2014 e 28/3/2014 pelo Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, estavam pendentes para julgamento, em 01/09/2014, no Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, “ex vi” do artº 103º, é esse Tribunal também o competente para apreciar os restantes recursos interpostos de decisões deste mesmo processo, designadamente, os identificados a I-A) - 1) (na parte que se entenda subsistir) e 4), “supra”, sendo este Tribunal da Relação de Coimbra, territorialmente incompetente para tal.

A infração das regras de competência fundadas na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal (artº 102.º, do NCPC)

A Relação conhece oficiosamente da incompetência relativa (artº 104 nº 1 a), “ex vi” do artº 108º, nº 2, ambos do NCPC).

III - Decisão:

De harmonia com o exposto e os preceitos acima citados, decide-se  julgar este Tribunal da Relação de Coimbra, incompetente, em razão do território, para apreciar e decidir os recursos ainda subsistentes interpostos nestes autos, declarando como competente para esse efeito o Tribunal da Relação de Lisboa.

Face à ora declarada incompetência territorial deste Tribunal, bem como ao mais que ficou exposto, após trânsito em julgado desta decisão, remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa (artº 105.º, nº 3, do NCPC), comunicando à 1ª Instância. 

Sem custas.

Notifique, Apelante, Apelados e Ministério Público.
Coimbra, 17/3/2015
Luís José Falcão de Magalhães


[1] “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei entra em vigor na data de início da produção de efeitos do decreto-lei que aprove o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.”.