Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
713/18.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
DOCUMENTO COMPROVATIVO
JUNÇÃO
ÓNUS
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 24 LEI Nº 34/2004 DE 29/7
Sumário: I - O requerente de apoio judiciário em processo a tramitar, tem, ele próprio, para operar a interrupção do prazo em curso, o ónus de, máxime se para este foi expressamente advertido, juntar aos autos o comprovativo do respectivo requerimento – artº 24º nºs 2 e 4 da Lei 34/2004 de 29.07.

II - Este ónus, vg. por se tratar de ato material e não exigir qualquer tipo de conhecimento jurídico bem como não ser incompatível com a situação de carência económica, não se assume inconstitucional por violação do princípio da indefesa ou por denegação do acesso à justiça.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…), deduziu oposição à execução que lhe foi movida por  N (…), SA.

2.

De imediato foi proferido o seguinte despacho liminar:

«O prazo para a Executada deduzir oposição à execução por Embargos é de:

– 20(vinte) dias (art.os 728.º/1 e 856.º/1 CPC) a contar da citação para o Processo Executivo;

Em caso de recurso ao apoio judiciário:

– 20(vinte) dias partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; ma desde que o prazo em curso tenha sido interrompido pela Requerente da nomeação de patrono com a junção ao Processo Executivo do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (artigo 24.º, n.os 4 e 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29/07).

No caso concreto:

A Executada foi citada para o Processo Executivo, na sua própria pessoa, dentro da Comarca de Coimbra, através de carta registada, com aviso de recepção, que foi por si recebida a 25-05-2018.

Conforme se constata pela decisão que a “Segurança Social” juntou ao Processo Executivo (a 13-07-2018), a Executada requereu apoio judiciário, incluindo a modalidade de nomeação de patrono, a 11-06-2018. Contudo, não cumpriu a sua obrigação legal de juntar cópia ao Processo Executivo, obrigação que, para além da lei, consta expressamente do quadro 5.1 do requerimento do apoio judiciário.

Assim, no Processo Executivo só houve notícia de que a Executada requereu apoio judiciário incluindo a modalidade de nomeação de patrono a 10-07-2018 quando a “Ordem dos Advogados” comunicou ao Tribunal a nomeação do Ilustre Patrono Oficioso.

Os Embargos de Executado foram propostos a 07-09-2018.

É assim manifesto que não chegou a haver interrupção do prazo que se iniciou com a citação da Executada e que, portanto, já se encontrava extinto o direito de deduzir oposição à execução através de Embargos de Executado, pelo decurso do respectivo prazo peremptório, quando foi apresentada a petição inicial [“verbi gratia”, os acórdãos (em www.dgsi.pt – Processo n.º) do: Tribunal da Relação do Porto de 28-09-2015 (659/13.9TVPRT.P1) e  de 06-03-2017 (2009/14.8TBPRD-B.P1); Tribunal da Relação de Évora de 12-04-2018 (1811/13.1TBPTM-A.E1)].

Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 732.º/1/a) CPC, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminarmente os Embargos de Executado propostos pela Executada.

2) Condenar a Executada no pagamento das custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.»

3.

Inconformada recorreu a oponente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A ora Recorrente, regularmente citada em 25 de Maio de 2018, requer apoio judiciário em 11 de Junho de 2018, que lhe é concedido a 9 de Julho, tendo sido nomeado patrono no dia seguinte e dando-se entrada dos embargos a 7 de Setembro.

2.º

Tais embargos foram - em nosso entender erradamente - considerados intempestivos pelo facto de a ora Recorrente não ter documentado nos autos de execução o pedido de apoio judiciário formulado (algo de que nunca foi informada que teria de fazer), não operando assim por essa via a interrupção do prazo em curso para oposição.

3.º

Não deixando de ser verdade que do requerimento de apoio judiciário consta expressamente a obrigação de o beneficiário juntar cópia do pedido efectuado aos autos executivos e não fazendo tábua rasa do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, entendemos que esta norma deve ser dirigida primordialmente à administração.

4.º

A junção de documentação aos autos é um acto jurisdicional quando levanta questões jurídicas como a interrupção de prazos, algo que não é grosso modo inteligível por não profissionais do foro e da administração. Deve portanto estar sobretudo confinada a estes. A própria citação deveria conter toda a informação relacionada com as questões do apoio judiciário, mormente de que a interrupção do prazo em curso depende da observância da junção do documento comprovativo do apoio judiciário aos autos.

5.º

Com o advento dos tempos modernos e da massificação da tecnologia não é compreensível que não sejam os próprios serviços administrativos a comunicar aos processos judicias o pedido de apoio efectuado, mas que posteriormente em determinados processos o façam em relação à decisão desse pedido.

6.º

O espírito e a letra do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 parecem dirigir a norma a vincular a própria administração, pelo que interpretar tal norma de outra forma consubstancia a violação dos artigos 3.º n.º 3 e 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio Constitucional da proibição da indefesa (este enquanto acepção do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no referido artigo 20.º n.º 1 da CRP).

7.º

Pelo que em suma, deve a presente sentença ser revogada e substituída por outra que considere tempestivamente apresentados os embargos de executado em causa e que consequentemente conheça do mérito dos mesmos.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(Des)necessidade do requerente de apoio judiciário pedido no âmbito de processo a tramitar, juntar ao mesmo, para operar a interrupção do prazo que esteja  decorrer, documento comprovativo da apresentação do requerimento.

5.

Apreciando.

Estatui o artº 24º da Lei 34/2004 de 29.07:

«Autonomia do procedimento.

1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.

2 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.

3 - Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.

4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»

Por outro lado, e no que para o presente caso interessa, consta do formulário relativo ao pedido de apoio judiciário o seguinte ponto com o respectivo teor, a saber:

«5.1 Do requerente.

Tomei conhecimento de que devo:

- comunicar qualquer alteração da informação prestada até ao mês seguinte ao da sua verificação;

- entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a ação, no prazo que me foi fixado na citação/notificação»

Perante esta realidade, jurídica e fáctica, a doutrina e a jurisprudência são, tanto quanto alcançamos, unânimes no sentido de que  o ónus da prática do acto relevante para operar a interrupção do prazo que esteja a decorrer na acção em que o pedido de apoio judiciário é formulado, qual seja, a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento atinente a tal pedido, sobre o respectivo impetrante impende.

Tal entendimento e conclusão, adrede, inequívoca e meridianamente, colhe respaldo na letra da lei – artº 24º nºs 2 e 4.

Pelo que, ex vi de norma imperativa – artº 9º nº2 do CC – outra exegese e conclusão não pode ser operada e retirada, pois que para as mesmas em tal letra  inexiste um mínimo de correspondência verbal.

A lei manda, ou seja, não apenas permite, mas antes impõe, que seja o requerente do apoio judiciário a juntar aos autos o requerimento do pedido.

Logo,   e ao menos de jure constituto, não há margem para o entendimento de que tal ato possa ser efectivado por outra pessoa ou entidade, como sejam os próprios serviços da segurança social.

 Neste sentido, cfr., entre outros, e para além dos arestos citados na decisão, os seguintes acórdãos, in dgsi.pt:

Ac. da RC de 10.03.2015, p. 20/14.8T8PNH-C.C1:

«Incumbe ao requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, na pendência de uma acção judicial, o ónus de juntar ao processo o comprovativo da apresentação do requerimento em que se peticiona a concessão de tal benefício, para que se interrompa o prazo que estiver em curso, designadamente para deduzir contestação/oposição.»

Ac. da RP de 06.12.2016, p. 1488/12.2TBFLG-A.P1:

«Não se mostra gravoso para o requerente do Apoio Judiciário, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de Apoio nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa, pois que se trata de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessado, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.»

E por aquilo que neste último aresto se plasmou, já se antolha que inexistem os vícios assacados a esta interpretação, no sentido de que ela contende com o acesso à justiça, com o princípio da proibição da indefesa e, assim, se assumindo como inconstitucional.

Efetivamente, e como se expende no Ac. da RP citado na decisão:

« “o Tribunal Constitucional já, por várias vezes, se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma plasmada no nº 4 do citado art. 24º da Lei nº 34/2004 (e bem assim da norma equivalente vertida no nº 4 do art. 25º da Lei nº 30-E/2000, de 20.12), “interpretada no sentido de que impende sobre o requerente do apoio judiciário o ónus de fazer juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário para efeitos de beneficiar da interrupção do prazo que estiver em curso”. Em tais arestos, igualmente se propende para considerar que a solução legislativa consagrada no nº 4 do art. 24º não afeta a “proteção constitucionalmente garantida pelo artigo 20º, nº 1 da Constituição da República aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos”.»

Nesta senda, concretizando, e tal como se plasma,  nele se citando arestos do TC, no Ac. da RE, outrossim assumido na decisão:

«…independentemente dos conhecimentos jurídicos de que disponha, qualquer cidadão tem a percepção de que correndo um processo contra si e tendo-lhe sido assinado um prazo para a apresentação da sua defesa, bem como da obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, tem de dar conhecimento aos autos das diligências que encetou para neles se defender e de que esse efeito tem prazos a observar. Acresce que no caso, o próprio requerimento de proteção jurídica, imediatamente antes da assinatura do requerente, contém essa advertência.

Se é certo que outro sistema poderia ser implementado, mais cómodo para o cidadão, como seja a comunicação direta da Segurança Social ao tribunal, certo é que esta matéria do processo de comunicação da dedução do requerimento de proteção jurídica ao processo judicial para que é requerida, ainda cabe nos poderes de conformação do legislador ordinário, sem que isso atente contra o direito fundamental de acesso ao direito. Cremos até que o legislador terá sido sensível a alguma ineficiência dos serviços da Segurança Social nas comunicações no âmbito do apoio judiciário, realidade diariamente retratada nos processos, optando pela imposição desse ónus ao interessado direto e por parte de quem por isso será de esperar maior diligência.

Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão – repete-se – é a de saber se o regime,…ofende a Constituição.

Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.

Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.

(…)

A proteção constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º, n.º 1, da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24.º, n.º 5, da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido.»

(sublinhado nosso).

As citações foram relativamente longas, mas valeram a pena, porque nos dispensam de adicionais e redundantes considerações.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - O requerente de apoio judiciário em processo a tramitar, tem, ele próprio, para operar a interrupção do prazo em curso, o ónus de, máxime se para este foi expressamente advertido,  juntar aos autos o comprovativo do respectivo requerimento – artº 24º nºs 2 e 4 da Lei 34/2004 de 29.07.

II -  Este ónus, vg. por  se tratar de ato material e não exigir qualquer tipo de conhecimento jurídico bem como não ser incompatível com a situação de carência económica, não se assume inconstitucional por violação do princípio da indefesa ou por denegação do acesso à justiça.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Coimbra, 2019.05.08.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos