Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1346/23.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
ÓNUS LEGAIS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 640.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto se o recorrente não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e não indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 1346/23.5T8CTB.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


***************

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –  AA, intentou a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra “A..., E.M., S.A.”, pedindo que a ação seja julgada procedente e assim consequentemente, ser a R. ser condenada a:

Reconhecer que o A. ao seu serviço desde a data da sua admissão até à presente data com exceção do período que decorreu entre março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 sempre efetuou trabalho noturno.

Ao pagamento de 33.013,01€;

Ao pagamento de 3.204,06€;

Ao pagamento dos juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas, desde o seu vencimento até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, que A R. tem por principal atividade a promoção e a gestão dos equipamentos coletivos pertencentes ao Município ..., e a prestação de serviços nas áreas cultural, social, desportiva, recreativa e de lazer.

Mais alegou que em 15/04/2003, foi admitido ao serviço da R., por contrato de trabalho sob a forma escrita, e pelo prazo de um ano, para exercer funções correspondentes ao conteúdo funcional de guarda e manutenção da ordem e instalações, abertura e fecho de instalações aos utentes, contrato que se renovou por igual período respetivamente em 17 de abril de 2004 e 18 de abril de 2005, passando o A. a integrar os quadros de pessoal efetivo da R. em 19 de abril de 2006.

Alega que desde que iniciou funções ao serviço da R., com exceção do período que decorreu entre março de 2020 e 31 de dezembro de 2021, lhe foi fixado o horário de trabalho das 20h00 às 07h00, razão por que, com exclusão deste período, todo o tempo que o A. levou ao serviço da R., deve ser classificado como sendo trabalho noturno, o qual deve ser pago com um acréscimo de 25% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.

Sucede que pese embora o A. tenha efetuado trabalho noturno entre a data da sua admissão ao serviço da R. e a presente data, esta nunca lhe pagou o acréscimo de 25% e sempre lhe pagou a respetiva remuneração mensal pelo montante correspondente ao salário base prestado durante o dia, pelo que a este título lhe deve a quantia global de 33.773,01€.

Por outro lado, alega ainda o autor que no período que decorreu entre novembro de 2012 e outubro de 2017. efetuou trabalho para a R, por determinação expressa desta e com o seu conhecimento e consentimento que foi além do seu horário normal, diário e semanal, trabalho esse que nunca lhe foi pago, pelo que este título que lhe é devida a quantia de 3.2014,06€.

Conclui, por isso, o autor pedindo a condenação da ré nos pedidos acima referidos.


+

Citada a ré e realizada, sem êxito, a audiência de partes, apresentou aquela contestação na qual, em muito breve síntese, defende não dever qualquer quantia ao autor, aduzindo que o autor sempre foi compensado com dias de folga pelo trabalho noturno prestado e que o trabalho suplementar que prestou sempre lhe foi pago.

Concluiu, por isso, pela improcedência da ação, pedindo a sua absolvição do pedido.


+

II. Findos os articulados, não se realizou a audiência prévia, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença em cujo dispositivo se lê:

“Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação procedente e, em consequência, decido condenar a ré a reconhecer que o autor ao seu serviço desde a data da sua admissão até à presente data (com exceção do período que decorreu entre março de 2020 e 31 de dezembro de 2021) sempre efetuou trabalho noturno, condenando-a a pagar ao autor:

- a quantia de 33.013,01€, devida a título de trabalho noturno, acrescida de juros à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento.

- quantia a liquidar posteriormente, devida a título de trabalho suplementar, acrescida de juros à taxa legal, desde o seu vencimento até integral pagamento.


***

II – Inconformado veio o réu apelar alegando e concluindo[1]:

1ª Apesar de mui douta, não pode o autor conformar-se com a sentença recorrida, que aqui dá por integralmente reproduzida, pelo que, por via do presente recurso, requer a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, que a reapreciem, quer do ponto de vista da decisão sobre a matéria de facto dada por provada e não provada, quer, consequentemente, das soluções jurídicas propostas como subsunção dos (novos) factos ao direito e assim se dignem revogar o decidido, julgando a ação instaurada total, ou ainda que sem conceder, parcialmente procedente.

2ª No que à matéria de facto respeita, considera a recorrente merecerem ser alterados, por incorretamente julgados, os pontos da matéria de facto indicados em , 11º e 13º da douta sentença recorrida.

3.ª Os documentos juntos pela ora recorrente, em audiência, bem como aqueles constantes da contestação, não poderiam, senão, aliás, atento o depoimento do próprio autor em declarações de parte, ora recorrido, ter conduzido a tal desfecho.

4.º Não é crível que alguém que saiba ler e escrever outorgue documento nos termos do qual vem assumir que, por compensação relativamente ao acréscimo remuneratório relativamente por desempenho de trabalho noturno, foi compensado, como resulta do seu teor, venha depois dizer que assim não foi, devendo pois ser desconsiderada a prova produzida por declarações de parte, face à sua manifesta inconsistência e parcialidade.

5.ª Não se pode, pois, senão insurgir-se a ora recorrente também relativamente à irrelevância, patente na douta sentença recorrida, da outorga dos referidos documentos, razão pela qual suscita a atenção de V. Excias., requerendo a reponderação e revogação do decidido.

6.ª E sobre tais documentos, recaiu também o depoimento da mulher do autor, cuja. Ponderação também ora se suscita no âmbito deste recurso, pois apesar do mesmo ser compreensível do ponto de vista conjugal, foi parcial e emotivo, razão pela qual deverá ser desconsiderado para a prova dos factos que se pretendem revogados.

7.ª Também não é compreensível, no entender da recorrente, sempre expendida com todo o respeito a existência de acordo entre trabalhadores e entidade patronal, no sentido da compensação do trabalho noturno ser paga por dias de ausência ao trabalho, sem que tenha sido apresentado ou esclarecido motivo para tal.

8.ª E tal motivo atenta toda a prova produzida para a qual se requer a atenção de vossas excelências, foi por via da compensação de desempenho de trabalho noturno, tendo tal sido corroborado por vários depoimentos de várias testemunhas e também pelo próprio autor.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências.


+

O recorrido apresentou resposta.

+

O Exmº PGA em fundamentado parecer entende que a apelação deve ser julgada improcedente.

***

III. A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

1) A R. tem por principal atividade a promoção e a gestão dos equipamentos coletivos pertencentes ao Município ..., e a prestação de serviços nas áreas cultural, social, desportiva, recreativa e de lazer (artº 3º, n. º1 dos seus estatutos).

2) Em 15/04/2003, o A. foi admitido ao serviço da R. por contrato sob a forma escrita e pelo prazo de um ano para exercer funções correspondentes ao conteúdo funcional de guarda e manutenção da ordem e instalações, abertura e fecho de instalações aos utentes (cláusula 3ª do Doc. nº1 que se junta).

3) Contrato que se renovou por igual período respetivamente em 17 de Abril de 2004 e 18 de Abril de 2005, passando o A. a integrar os quadros de pessoal efetivo da R. em 19 de Abril de 2006.

4) O local de trabalho acordado à data de admissão do A. no serviço da R. foi estabelecido no Parque de Campismo de ... ficando desde logo “… acordada a possibilidade de transferência para outro local…” (cláusula 4ª do Doc. nº1 que se junta).

5) O horário de trabalho do A. deveria ser de 8 horas diárias e 40 semanais (cláusula 5ª do Doc. nº1 que se junta).

6) Ao A. desde que iniciou funções ao serviço da R., com exceção do período que decorreu entre março de 2020 e 31 de Dezembro de 2021, foi-lhe fixado como horário de trabalho das 20h00 às 07h00.

7) A R. pagou ao A. a título de remunerações mensais e anuais base as seguintes quantias:

8) No período que decorreu entre Novembro de 2012 e Outubro de 2017 o A efetuou trabalho para a R, por determinação expressa desta e com o seu conhecimento e consentimento que foi além do seu horário normal, diário e semanal.

9) Assim para além do trabalho diário que realizava no período entre as 20.00H e as 7.00H o A realizou ao serviço da R. o seguinte trabalho suplementar:

















10) Nesse mesmo período o A. auferiu os seguintes salários:

a) Ano 2012 – 500€ mensais.

b) Ano 2013 – 500€ mensais.

c) Ano 2014 – 500€ mensais.

d) Ano 2015 – 505€ mensais.

11) Foi acordado entre a empregadora e os trabalhadores que estes (o autor incluído) estariam desobrigados de comparecer no local de trabalho e de trabalhar nos períodos de encerramento do parque de campismo, períodos que decorrem entre os meses de novembro e janeiro do ano seguinte, normalmente entre 7 a 10 dias úteis.

12) O que desde sempre foi respeitado e cumprido pelas partes.

13) A ré pagou ao autor o trabalho suplementar descriminado nos recibos de vencimento emitidos e recebidos e juntos como Docs. 3 e seguintes com a contestação.


***

IV – Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objeto do recurso, importa dilucidar e decidir as seguintes questões:

1. Se há lugar à alteração da matéria de facto.

2. Se o autor tem direito a ser remunerado pela prestação de trabalho noturno e trabalho suplementar

Da alteração da matéria de facto:

Dispõe o artº 640º do CPC: (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto)

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

O recorrente limita-se a alegar que considera incorretamente julgados os factos provados 9º, 11º e 13º da a sentença.

Não indica qualquer solução alternativa, ou seja, não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnadas.

Por outro lado, no que refere aos meios probatórios (prova documental, prova testemunhal gravada, prova por declarações de parte gravadas e prova por confissão) limita-se a fazer uma alusão genérica a esses meios probatórios não concretizando os documentos a que se refere e omitindo por completo, no que concerne à prova gravada, as passagens da gravação sendo que também não procedeu à sua transcrição.

Não deu, assim, a recorrente minimente cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC, o que acarreta a rejeição da impugnação da matéria de facto, o que se decide.

Do trabalho noturno e suplementar:

Saber se o autor tem direito ou não a ser renumerado pela prestação deste tipo de trabalho encontrava-se dependente da decisão a proferir sobra a matéria de facto.

Isso mesmo decorre da própria economia das alegações.

Como a matéria de facto se manteve inalterada e o recorrente nenhuma razão aduziu no sentido de contrariar o enquadramento jurídico ínsito na sentença, mais não resta do que julgar a apelação improcedente.


***

V Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

***

Custas a cargo da apelante

***

Sumário[2]:

(…)


*

Coimbra, 25 de outubro de 2024

*

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)



[1] Conclusões apresentadas a convite do relator nos termos do disposto no nº 3 do artº 639º do CPC.
A 1ª instância entendeu não admitir o recurso por falta de conclusões.
O réu apresentou reclamação contra a retenção do recurso e esta Relação, por entender tratar-se de conclusões deficientes, mandou subir a apelação ordenando o cumprimento do preceituado no citado normativo do CPC.
[2] Da responsabilidade do relator.