Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3819/19.5T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
AVALISTAS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO FRACCIONADA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º; 70.º E 77.º DA LULL
ARTIGOS 305.º, 1; 306.º, 1; 309.º; 310.º, E); 311.º, 1; 323.º, 1; 326.º, 2; 327.º, 1; 334.º E 781.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. O prazo de prescrição de 5 anos, previsto na al.ª e), do art.º 310.º, do C.C., aplica-se às prestações fracionadas.
II . Se os executados, ora recorridos, não foram partes na execução que motivou a interrupção da prescrição quanto aos mutuários, quanto àqueles (executados/avalistas) não operou a interrupção da prescrição.

III. A invocação da prescrição por parte do avalista é, legitimada pelo carácter de instrumentalidade da relação cambiária perante a relação fundamental, tal como decorre do disposto no artigo 32.º, da LULL, ex vi seu artigo 77.º Assim, os executados, na qualidade de avalistas, podiam, como o fizeram, invocar a prescrição.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra     

                                         Proc.º n.º  3819/19.5T8VIS-A.C1

                                                           1- Relatório

1.1.- AA e BB, executados nos autos principais, onde é exequente a Banco 1..., S.A., vieram deduzir oposição à execução, solicitando a sua absolvição do pedido, requerendo, ainda, o chamamento de CC e DD, uma vez que os embargantes pretendem exercer o seu direito de regresso contra os mesmos.

Para sustentar a sua pretensão, alegam, em suma, o seguinte: o exequente diz ser dono e legitimo portador de uma livrança; para que as conclusões da exequente tivessem qualquer valor, necessário era que a livrança integrasse os ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob Gestão do Banco 2..., SA, o que não vem alegado, e não se aceita; não vem alegada a data da transmissão do crédito e não o aceita; os aqui executados, são avalistas de uma letra cuja finalidade é servir de caução; foi assinada a pedido dos avalisados, antes e para caucionar a celebração de uma escritura de mútuo com hipoteca, que se viria efetivamente a realizar na data de 27/12/2002; celebrada a escritura deixou de ter qualquer sentido ou legitimidade a detenção da livrança, contudo não a restituiu; impugna-se o preenchimento quanto à data de emissão, quanto à importância, quanto à data de vencimento, e quanto à domiciliação, a livrança em causa, uma vez que não tem qualquer correspondência com a realidade; a existência desta livrança não foi sequer referida na reclamação de créditos e na lista de credores no âmbito do processo de insolvência da avalisada CC; impugna o valor aposto na livrança, uma vez que os valores dali constantes, estariam seguramente prescritos, à data em que terá ocorrido tal preenchimento, e à data em que nela consta como data de vencimento; a livrança garantiria um contrato de mútuo onde a restituição se processaria por prestações mensais de capital e juros; tendo-se vencido em data não posterior a 2006, estariam vencidas todas as prestações (como de qualquer forma estariam vencidos todos os juros relativos aos últimos cinco anos); acresce que aquele valor colocado na letra englobaria juros (não obstante prescritos, o que expressamente se invoca) pretende o exequente receber nesta execução juros sobre aqueles juros (o que a lei manifestamente não consente, e é imoral); a pretensa dívida terá tido o seu vencimento em 2006; os executados foram contactados no ano de 2005 pelo Banco, Banco 2..., na altura, para regularizarem a situação de incumprimento em que se encontravam os compradores do imóvel; tendo naquela data, os executados, procedido ao pagamento da quantia que se encontrava em dívida, e como tal regularizado toda a situação de incumprimento perante a instituição bancária; no ano seguinte, foram de novo, os executados confrontados com um incumprimento por partes dos titulares do empréstimo, mas nessa altura, aqueles já não tinham condições, para regularizar a situação; tiveram conhecimento que a hipoteca, que garantia a mesma dívida, foi executada, e que ao credor acabaria por ser adjudicada a casa dos ali executados (os avalizados DD e CC); desde 2006 não tiveram qualquer tipo de contacto com o credor não poderiam retirar desse comportamento do credor, prolongado por uma década, outra convicção que não fosse de que a dívida estaria inteiramente regularizada ou de que o credor nela não tinha interesse; existe abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”; para além da clara violação do princípio da boa fé, é convicção dos executados, que estamos perante uma clara violação do princípio da confiança; torna-se incompreensível que um contrato que se encontra em incumprimento desde o ano de 2006, a livrança agora dada à execução, tenha como data de vencimento o ano de 2018, ou seja, que haja um hiato temporal de mais de 12 anos; estranhamente, a presente execução, apenas foi instaurada contra os avalistas AA e BB; poderá decorrer dos presentes autos que os embargantes tenham que proceder ao pagamento do montante que avalizaram; se tal acontecer, têm o direito de exigir dos subscritores da livrança aquilo que pagaram, ou seja, a lei faculta-lhes a possibilidade de exercerem o direito de regresso; pelo que é seu interesse em que os mesmos sejam demandados na presente ação, cujo chamamento requerem.

                                                                       ***

1.2.- Notificada da dedução de oposição por parte dos executados, veio a exequente apresentar contestação, alegando, em suma, o seguinte: por escritura de mútuo com hipoteca, datada de 27.12.2002, o embargado, ainda na veste de Banco 2..., S.A., concedeu a DD e CC, na qualidade de mutuários, a quantia de € 90.864,97; estes confessaram-se devedores, ao Banco, do montante supra descrito acrescido de juros, a ser reembolsado no prazo de 28 (vinte e oito) anos; como forma de garantia do cumprimento, os mutuários constituíram i. Hipoteca sobre o bem imóvel identificado na escritura; ii. Livrança, em branco, subscrita pelos mutuários e avalizada aos subscritores por AA e BB, ora Embargantes – a preencher na hipótese de eventual incumprimento, pelo montante global em dívida ao abrigo do contrato; o Banco foi, então, expressamente autorizado, pelos subscritores e pelos avalistas, a acionar ou descontar a referida livrança, perante o incumprimento das obrigações assumidas, bem como a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida, pela quantia devida pela mutuária, ao abrigo do contratualmente estabelecido; todos os subscritores aceitaram o teor do pacto de preenchimento da livrança; os mutuários não procederam ao reembolso da quantia financiada, encontrando-se em incumprimento perante o Banco desde 5.08.2006, do montante de capital de € 83.980,36, acrescido de juros e demais encargos; em 20.06.2007, o Banco intentou ação executiva contra os mutuários; tendo-se procedido à adjudicação do imóvel sobre o qual recaia a hipoteca do Banco, foi a referida execução extinta por inexistência de bens suscetíveis de penhora, em 9.10.2017; em 12.06.2018 a mutuária CC foi declarada insolvente; o Banco não procedeu ao preenchimento imediato da livrança, optando por aguardar pelos termos ulteriores do processo de insolvência; face à manifesta impossibilidade de satisfação do montante em dívida, o Banco por cartas datadas de 9.10.2018, interpelou os prestadores da garantia do aval, para pagamento do montante em dívida, dando-lhes conhecimento do supra referido vencimento antecipado do Contrato e do preenchimento da livrança-caução; sem qualquer resposta ou pagamento; intentou então a presente ação executiva, dando a livrança preenchida pelo montante em dívida ao abrigo do contrato de mútuo celebrado e de acordo com a autorização concedida; dúvidas não restam que a livrança-caução dada à execução teve em vista garantir o cumprimento do contrato de mútuo celebrado por escritura pública e, já não, a celebração da escritura em si, contrariamente ao afirmado pelos Embargantes; o facto de não ter sido invocada no processo de insolvência em nada contende com a sua inexistência; a escritura era suficiente, por si só para justificar o crédito do Banco; o título dado à execução é uma livrança e não o contrato subjacente à sua emissão e preenchimento; a livrança foi dada à execução na qualidade de título de crédito; em matéria de prescrição, a norma aplicável ao título executivo em apreço é o artigo 70.º, da LULL (ex vi do artigo 77.º) e não o invocado artigo 310.º, do Código Civil; o título executivo venceu-se em 2.11.2018, tendo sido intentado a ação executiva em 26.08.2019; o prazo prescricional apenas pode começar a contar a partir do momento em que o direito puder ser exercido (306.º do Código Civil); tendo o Banco interpelado os Embargantes a cumprir o contrato entre eles celebrado, se possa considerar, de modo algum, que o primeiro agiu de forma negligente na cobrança do crédito; o Banco interpelou, por diversas vezes, os Embargantes para a regularização da situação de incumprimento contratual; ainda com a extinção da execuçãocontra os mutuários por inexistência de bens e da insolvência da mutuária, o Banco procedeu ao preenchimento da livrança-caução e acionou, por força da mesma, os prestadores do aval; inexiste comportamento contraditório; o facto de o Embargado não ter procedido ao acionamento imediato dos avalistas nunca poderá ser assimilável a um comportamento desinteressado do credor, na medida em que este apenas teve em vista esgotar todas as possibilidades de ressarcimento direto pelos titulares do contrato de mútuo; o chamamento não se afigura admissível no presente caso.

                                                           ***

1.3. - Foi proferido despacho a indeferir a intervenção provocada requerida nos autos.

                                                                       ***

1.4. - Foi dispensada a realização da audiência prévia.

                                                                       ***

1.5.- Proferiu-se nos autos despacho saneador, fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova.

                                                                       ***

1.6. Realizou-se a audiência final, com observância dos legais formalismos.

Após foi proferida sentença onde se  decidiu:

a)- julgar procedentes os presentes embargos, julgando demonstrada a prescrição da obrigação e consequente extinção da obrigação cambiária, o que determina a extinção da execução.

b)- Custas a cargo do exequente – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Valor: o já fixado.

Registe e notifique

                                                           ***

1.7. – Inconformado com tal sentença dela recorreu o embargado - Banco 1... S.A. -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 2 de agosto de 2023 que julgou procedente a oposição à execução, mas que, salvo o devido respeito, a quo não fez correta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.

2. Em 04/11/2019, os Executados deduziram oposição à execução, invocando, entre outras, a exceção da prescrição da obrigação, o abuso do direito na modalidade do “venire contra factum proprium” e a violação do princípio da confiança.

3. A douta sentença de 2/08/2023, o Tribunal a quo julgou procedente a

oposição à execução, com base na procedência da exceção da prescrição, o que merece reparo e censura.

4. Antes do mais, o Banco Recorrente entende que, reapreciada a prova gravada, deverão ser incluídos no elenco da factualidade dada como provada o seguinte facto:

13 - Dada a proximidade entre os irmãos, o irmão (mutuário) e a irmã (testemunha) dos Recorridos (avalistas), disseram-lhes que o imóvel para compra do qual o irmão da Recorrida (mutuário) tinha pedido o empréstimo, que os Recorridos avalizaram, foi vendido judicialmente, em 2017.

5. Com efeito, tal resulta da prova testemunhal, designadamente do depoimento da testemunha EE, na primeira gravação disponibilizada no portal Citius, (Diligencia_3819- 19.5T8VIS-A_2023-05-24_09-49-00) do minuto 9:00 ao minuto 11:10.

6. O Banco Recorrente entende ainda que, reapreciada a prova gravada, deve

ser incluído no elenco da factualidade dada como provada o seguinte facto:

14 – Os Recorridos tentaram fazer um empréstimo junto de um banco, em

2011, e tiveram dificuldades, inicialmente, por motivo de serem avalistas.”

7. Com efeito, tal resulta da prova testemunhal, designadamente do depoimento da testemunha EE, na primeira gravação disponibilizada no portal Citius (Diligencia_3819-19.5T8VIS-A_2023-05-24_09-49-00) do minuto 11:30 ao minuto 12:13.

8. Posto isto, a sentença a quo entendeu que o crédito exequendo prescrevia em 5 anos, por se enquadrar na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, relativa às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

9. Contudo, não é aplicável, in casu, o prazo de prescrição de 5 anos, previsto

naquele normativo, mas sim o prazo de prescrição ordinário de 20 anos,

previsto no artigo 309º do Código Civil.

10. Isto porque, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fracionadas aplica-se o disposto no artigo 781.º do Código Civil, uma vez que o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas: por os mutuários terem deixado de liquidar as prestações, deu-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, podendo o Banco, a qualquer momento, solicitar o pagamento da totalidade da dívida.

11. Ainda que assim não se entenda, isto é, que a este tipo de obrigação seria

de aplicar o prazo de cinco anos, ocorreu, no caso sub judice, interrupção do prazo de prescrição, o que determinou que o novo prazo de prescrição em curso seja o prazo ordinário de vinte anos.

12. Nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”

13. Remontando o incumprimento contratual a 5/08/2006, o prazo de prescrição interrompeu-se, uma vez que, antes de instaurada a presente ação, este crédito já havia sido acionado na ação executiva instaurada contra os mutuários e reclamado no processo de insolvência da mutuária.

14. Quanto à duração da interrupção, determina o n.º 1 do artigo 327.º do

Código Civil que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto

equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não

começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser

termo ao processo.

15. Assim, o prazo de prescrição interrompeu-se, desde logo, em 20/06/2007

e iniciou-se a 9/10/2017, tendo voltado a ser interrompido em 17/07/2018,

com a apresentação da Reclamação de Créditos no processo de insolvência da mutuária e começou a correr após o trânsito em julgado da Sentença (de 12/11/2018), ou seja, em 12/12/2018.

16. Relativamente aos efeitos da interrupção, prescreve o n.º 2 do artigo 326.º

do Código Civil que “A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º”, o qual, por sua vez, estabelece, no seu n.º1, que

“Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”:

“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um

prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”

17. Deste modo, a lei estabelece que, tendo sido proferida sentença que

reconheça o direito, a prescrição desse direito (sendo de prazo mais curto),

fica sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.

18. Com a sentença de verificação e graduação de créditos na insolvência da

mutuária, reconhecido o direito de crédito, tal determina a aplicação do n.º

1 do artigo 311.º do Código Civil, pelo que a nova prescrição passa a estar

sujeita ao prazo ordinário – que começou a correr em 12/12/2018, logo, o crédito só prescreveria, caso não fosse acionado, em 12/12/2038.

19. Ademais, no caso sub judice, verificou-se uma circunstância – instauração

da ação executiva e reclamação de créditos e sentença – que tornou aplicável a este crédito o prazo de prescrição ordinária de 20 anos, o qual, manifestamente, não se encontra esgotado, e foi de novo interrompido com a presente ação executiva, em 29/08/2019.

20. A livrança dada à execução, aquando da aposição das assinaturas da

subscritora e dos respetivos avalistas, não se encontrava preenchida, pelo

que, está fora de dúvida que o título (livrança) dado à execução foi emitido

e avalizado em branco.

21. O prazo de prescrição aplicável à livrança aqui em causa é de três anos, a

contar da data do seu vencimento, nos termos do artigo 70.º n.º 1 da LULL.

22. O prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o

direito pode ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306º do Código

Civil, no caso concreto, na data de vencimento da livrança, ou seja, 2/11/2018.

23. Ora, tendo a presente ação executiva sido instaurada em 29/08/2019, é

manifesto que não decorreram os três anos, findos os quais a livrança se poderia considerar prescrita.

24. Portanto, é este o prazo que importa para efeitos de prescrição das livranças: o prazo é de três anos a contar da data de vencimento aposta na livrança, o que significa que, in casu, tendo a livrança sido a data de vencimento de 2/11/2018, o prazo de prescrição só poderia contar-se a partir desta data.

25. Quem subscreve uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega

o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado: os Recorridos, ao subscreverem o pacto de preenchimento constante do contrato, deram ao mesmo o seu acordo e declararam avalizar a livrança nos seus precisos termos

26. O incumprimento contratual constitui a causa de que depende o preenchimento da livrança quanto à data do seu vencimento; porém, não foi estabelecido para esse efeito qualquer prazo a contar da falta de cumprimento, podendo o Banco Recorrente, a partir de então, indicar a data de vencimento.

27. Igualmente não resulta da LULL qualquer prazo para o preenchimento de

livrança.

28. Assim, verificado o incumprimento da relação subjacente o Banco podia,

mas não estava obrigado, a preencher a livrança, pelo que esta foi validamente preenchida, a juízo do Banco Recorrente, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito e uma vez verificado o incumprimento da relação subjacente.

29. O aval, uma vez prestado, é irretratável, como qualquer obrigação

cambiária, logo que o título entre na posse do legítimo possuidor (Gonçalves Dias, “Da Letra e da Livrança”, 7º-pág. 462), pelo que se trata de uma garantia objetiva do próprio pagamento de um título cambiário, uma específica obrigação cambiária de garantia, que assegura o pagamento do título cambiário.

30. Dispõe o artigo 78º do citado diploma legal que o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra, remetendo, pois, para o regime previsto no artigo 28º, donde decorre que está obrigado ao seu pagamento na data do respetivo vencimento.

31. Nos termos do artigo 32.º da LULL, “O dador de aval é responsável da

mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantémse, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.”

32. O que se discute, concretamente, neste caso, é que, tendo os avalistas

subscrito o pacto de preenchimento, encontram-se no âmbito das relações imediatas, o que lhes permite opor exceções ao portador, incluindo a da prescrição.

33. Não obstante, a obrigação de restituição do capital mutuado ao abrigo do

contrato encontra-se, neste momento (e no momento do preenchimento da (livrança), como acima explicado, sujeita ao prazo geral de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, o qual foi interrompido com a instauração da presente ação executiva.

34. Deste modo, é legalmente infundada a conclusão da sentença a quo, de

que tendo sido interrompida a prescrição quanto aos mutuários, não o foi relativamente aos avalistas, isto porque, não existe relativamente à prescrição da obrigação subjacente, no instituto do aval, nenhuma norma semelhante à do artigo 363.º do Código Civil, exclusivamente aplicável no instituto da fiança.

35. O Banco Recorrente interrompeu a prescrição da obrigação subjacente,

como suprarreferido, mediante instauração de ação executiva contra os mutuários e, posteriormente, reclamando créditos na insolvência da mutuária, e, tal como já explicado, não era necessário que disso desse conhecimento aos avalistas para se considerar a prescrição da obrigação interrompida contra estes.

36. Por outras palavras, a interrupção da obrigação levada a cabo pelo Banco

Recorrido, é eficaz também relativamente aos avalistas, não tendo sequer o Banco Recorrido de lhes dar conhecimento disso, mas tão-somente, lhe é exigido que dê conhecimento aos avalistas do preenchimento da livrança, o que ocorreu e foi dado como facto provado na sentença a quo.

37. Em síntese, não ocorreu a prescrição nem da obrigação nem do aval, pelo

que a excepção invocada deve ser julgada improcedente.

38. Os Recorridos alegaram que constituiu um excesso e abuso do direito, o

tempo que o banco demorou a preencher a livrança, 12 anos após o incumprimento do contrato.

39. Nos termos do artigo 334º do Código Civil ocorre abuso de direito quando

o titular o exerce excedendo manifestamente os limites impostos pela boafé,

bons costumes ou fim social ou económico.

40. Conforme tem sido amplamente difundido pela nossa jurisprudência, o

mero decurso do tempo, não é suficiente para que, sem mais, se crie a expectativa do não exercício do direito por parte do seu titular.

41. Também não se verifica, in casu, abuso do direito na modalidade "venire

contra factum proprium”, porquanto Banco Recorrente nunca atuou de modo a criar nos Executados qualquer expectativa de que estariam desonerados das responsabilidades que assumiram nesse contrato.

42. Alias, resulta dos dois factos que o Banco Recorrente ora requer que sejam

integrados na factualidade assente, que os Recorridos sabiam e tinham plena consciência que a dívida que avalizaram se mantinha, pelo menos, até 2017, data em que souberam que o imóvel foi adjudicado em processo judicial.

43. Resulta, pois, do exposto, e sem necessidade de mais considerandos, que

o Banco Recorrente não atuou em abuso de direito ao interpor a presente ação executiva contra os Executados.

44. Além disso, não é admissível é que o avalista, que além de ter subscrito a

livrança, também subscreveu o pacto de preenchimento, venha mais tarde invocar o abuso do direito quanto a uma cláusula que conhecia e expressamente aceitou aquando da celebração do acordo.

45. Face ao exposto, a decisão sob censura fez incorreta interpretação do condicionalismo fáctico subjacente e inadequada interpretação e aplicação do Direito impendente, designadamente das disposições legais supracitadas, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos de executado.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a sentença a quo, e em consequência determinando a improcedência dos Embargos de Executado, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

                                                           ***

1.8.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu a embargante - BB, embargante -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“ 1- As conclusões de um recurso delimitam o seu âmbito, e devem ser verdadeiras conclusões, no sentido de que encerram apenas as questões que o recorrente pretende ver analisadas e que coloca em crise com o recurso.

2- Dito isto, sob o título de conclusões, o Recorrente apresenta-as sob a forma de 45 pontos, o que na prática se traduz numa reprodução das suas alegações, não cumprindo aquelas a sua verdadeira função, e como tal não delimitam concretamente as questões jurídicas a decidir.

Dito isto:
3- Quanto à prescrição da obrigação cambiária, o momento da resolução do

contrato ocorreu em Agosto de 2006, aplicando-se lhe o prazo de prescrição de 5 anos, tal como resulta da lei, nos termos do disposto no artigo 301º, al. e) do Código Civil.

4-Ocorrendo a prescrição da obrigação cambiária de Agosto de 2011, no que à recorrida diz respeito.

5-Encontrando-se, como se encontra prescrito, o crédito do Banco recorrente relativamente à recorrida, e como tal extinguida a obrigação cambiária, outra solução não resta que não seja a extinção da obrigação.
6- Pelo que a citação da ora recorrida no ano de 2018, já não tem como efeito a

interrupção da prescrição da obrigação uma vez que esta se encontrava prescrita desde o ano de 2011.

7-E relativamente a ela não operou qualquer prazo de interrupção da prescrição da obrigação, e sendo certo que a interrupção da prescrição quanto aos mutuários não se lhe aplica, uma vez que esta só produz efeitos quanto à pessoa contra quem foi feita,

8-O que neste caso significa que se aplica apenas aos mutuários.

9-Ainda que o Banco recorrente se socorra da alegação da prescrição da livrança, salvo o devido respeito, é certo que no momento em que a mesma é preenchida,tal preenchimento não produz efeitos, porque a obrigação cambiária já se encontrava prescrita.

10-Pelo que extinta a obrigação, extingue-se a garantia.

11-Pelo que aqui já não se coloca, sequer, a questão da prescrição daquele título de crédito.

Termos em que nada havendo de censurável na douta sentença proferida, mantendo-se a mesma, e improcedendo o presente recurso, se fará inteira

JUSTIÇA!”

                                                           ***

1.9. – Foi proferido despacho a receber o recurso, do seguinte teor:

“ Por ser admissível, estar em tempo e a recorrente ter legitimidade, admito o recurso interposto – artigos 627.º, 629.º, 631.º, 637.º e 638.º, todos do Cód. Proc. Civil.

O recurso é de apelação, tem efeito meramente devolutivo, subindo nos próprios autos – artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), 647.º, n.º 1, e 853.º, todos do Cód. Proc. Civil.

Notifique.”

                                                           ***

1.10.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

                        ***

2. Fundamentação.

A) Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1-No dia 26.08.2018, o Banco 1..., S.A. requereu a execução de AA e BB, com vista ao pagamento da quantia de € 159.487,66 (cento e cinquenta e nove mil quatrocentos e oitenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos), o que constitui os autos principais;

2- O exequente é portador de uma livrança, subscrita por CC e DD e avalizada por AA e por BB, emitida em ... em 27/12/2002, no valor de € 155.096,70 e preenchida quanto ao seu vencimento em 02/11/2018, junta aos autos de execução e aqui se dá por integralmente reproduzida;

3- Apresentada a pagamento, a mesma não foi paga na respetiva data de vencimento, nem posteriormente e até ao presente pelos Executados;

4- A livrança foi entregue ao Banco 2..., S.A., em branco, para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes de um acordo escrito celebrado por escritura pública entre os subscritores e o Banco 2..., S.A., denominado de “mútuo com hipoteca” outorgado em 27.12.2002, através do qual foi concedido aos subscritores da livrança um crédito no valor de € 90.804,97, em conformidade com o teor do documento junto aos presentes autos a fls. 20 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

5- Ficou ainda acordado entre as partes o seguinte: “(…) Para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes do empréstimo (…), à data dos respetivos vencimentos ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o capital que for devido, juros remuneratórios e de mora, comissões e eventuais despesas, junto remetemos uma livrança subscrita por nós – mutuários – DD e CC (…) e avalizada por AA e BB (…) livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontram em branco, para que este Banco –mutuante – os fixe, completando o preenchimento do título, assim como proceda ao seu desconto. Todos os restantes intervenientes dão o seu consentimento à remessa desta livrança nos termos e condições em que ela é feita, pelo que connosco assinam a presente autorização (…)”;

6- Por deliberação do Banco de Portugal, datada de 03.08.2014, foi constituído o exequente, para o qual foram transferidos todos os ativos do Banco 2..., S.A.;

7- Banco Exequente, em 9.10.2018 remeteu aos embargantes uma carta onde os informava que o aludido contrato de crédito se encontrava em situação de incumprimento, tendo sido denunciado, e que exigia o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas, mais informando que, caso esse pagamento não fosse efetuado, será igualmente realizado o preenchimento da Livrança pelo montante de € 155.096,70, tudo em conformidade com o teor dos documentos juntos a fls. 28 e 29 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

8- Os mutuários não procederam ao reembolso da quantia financiada, tendo deixado de pagar em agosto de 2006, altura em que ficou em dívida a quantia de € 83.980,36 a título de capital, e em que foi resolvido pelo embargado;

9- Em junho de 2007, o Banco intentou a ação executiva apenas contra os mutuários, que correu termos no juízo de execução de Águeda, Comarca de Aveiro, que correu termos com o n.º 753/07....;

10- Após a adjudicação do imóvel objeto de hipoteca, a execução foi extinta, por decisão datada de 09.10.2017, por inexistência de bens suscetíveis de penhora;

11- Em 12.06.2018, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 2181/18...., do Juízo de Comércio de Aveiro (J...), a mutuária CC foi declarada insolvente;

12- Após a adjudicação do imóvel hipotecado ficou em dívida ao exequente o valor total de € 95.677,82 (noventa e cinco mil seiscentos e setenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), sendo € 80.323,79 (oitenta mil trezentos e vinte e três eros e setenta e nove cêntimos) a título de capital, € 13.290,87 (treze mil duzentos e noventa euros e oitenta e sete cêntimos) a título de juros; € 1.861,86 (mil oitocentos e sessenta e um euros e oitenta e seis cêntimos) de despesas judiciais, € 132,40 (cento e trinta e dois euros e quarenta cêntimos) de comissões e € 5,36 (cinco euros e trinta e seis cêntimos) de imposto.

*

B) Factos não provados

a. A livrança foi assinada para caucionar a celebração de uma escritura de mútuo com hipoteca, pelo que devia ter sido devolvida após a sua celebração.

                                                                                           ***

   3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Assim, as questões a decidir são:

A)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser ampliada.

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada a substituída por acórdão, que julgue a exceção de prescrição improcedente.

C) – Saber se houve abuso de direito.

Tendo presente que são várias as questões a decidir, por uma questão de método, iremos analisar cada uma de per si.

Assim,

A)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser ampliada.

Segundo o recorrente e tendo por base o depoimento da testemunha EE, este Tribunal deve aditar à matéria de facto um ponto 13 e 14, com a seguinte redação:

13 - Dada a proximidade entre os irmãos, o irmão (mutuário) e a irmã (testemunha) dos Recorridos (avalistas), disseram-lhes que o imóvel para compra do qual o irmão da Recorrida (mutuário) tinha pedido o empréstimo, que os Recorridos avalizaram, foi vendido judicialmente, em 2017”, e

 “14 – Os Recorridos tentaram fazer um empréstimo junto de um banco, em

2011, e tiveram dificuldades, inicialmente, por motivo de serem avalistas.”

            Opinião oposta têm os recorridos.

            Apreciando.

            É consabido que este Tribunal pode ampliar a matéria de facto fixada em 1.ª, desde que, contenha todos os elementos para o efeito e a considera pertinente (cfr. art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do C.P.C.

            Atendendo a que no caso em apreço se coloca em causa saber se a exceção de prescrição deve ou não proceder, não vislumbramos, que a matéria pretendida aditar tenha pertinência para as várias soluções plausíveis de direito.

            Assim, sem mais considerandos não se atende a pretensão do recorrente.

            Visto este ponto passemos analisar o ponto seguinte

                                                                       *

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada a substituída por acórdão, que julgue a exceção de prescrição improcedente.

Em primeiro lugar cabe referir, que advogamos o entendimento, seguido na sentença recorrida, segundo o qual, o pacto de preenchimento, permite aos embargantes invocarem, como invocaram, a prescrição da obrigação (ou relação subjacente), na medida em que, como é entendimento quase unânime na jurisprudência, a existência de tal pacto, onde participaram os garantes, coloca-os no domínio das relações imediatas (cfr. Acórdão deste Tribunal, datado de 26/6/2013, bem como nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datados de 22/10/2013, proc.º n.º 4720/10.3T2AGD-A.C1, relatado por Alves Velho, e 11/2/2020, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24/9/2018. Razão pela qual, aqui transcrevemos tal segmento:

Por outro lado, o pacto de preenchimento, permite aos embargantes invocarem, como invocaram, a prescrição da obrigação (ou relação subjacente), na medida em que, como é entendimento quase unânime na jurisprudência, a existência de tal pacto, onde participaram os garantes, coloca-os no domínio das relações imediatas.

(…)

Em suma, ao celebrar um acordo em que intervém o credor e versa sobre o que pode ser inserido na livrança, o garante (avalista) passa a poder invocar todas as exceções que possam impedir o preenchimento do título como acordado, na medida em que a convenção reproduz o que consta da relação subjacente (acordo da subscrição do  título – pagamento de contrato que de mútuo) pelo que, não saindo a livrança das  relações imediatas (primitivos subscritores), não tendo assim entrado em circulação, é legitimo que se possa discutir não só a violação dos termos do pacto de preenchimento mais imediatos como também toda a situação que possa impedir o preenchimento do mesmo título”.

                                                           *

Entendeu-se na decisão recorrida que ao caso era aplicado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (A. U. J. n.º 6/2022, de 30/06/2022, D. R. 184/2022, I, de 22/09/2022, onde se fixou a seguinte jurisprudência: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.».

Opinião oposta tem o recorrente.

Entende o mesmo que no caso em apreço não se verifica a exceção de prescrição, assentando o seu ponto de vista em três (3) pontos, a saber:

i)- não é aplicado ao caso em apreço o prazo de prescrição de 5 anos, mas sim o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, desde logo, por estarmos perante prestações fracionadas.

ii)- Mesmo a entender-se que a este tipo de obrigação seria de aplicar o prazo de cinco anos, ocorreu, no caso sub judice, interrupção do prazo de prescrição, o que determinou que o novo prazo de prescrição em curso seja o prazo ordinário de vinte anos.

iii)- E não se verifica a prescrição por o prazo de três anos a que alude o art.º 70.º, n.º 1, da LULL, ainda não se ter esgotado, pois que a data de vencimento da livrança ocorreu em 2/11/2018.

Por uma questão de método iremos analisar cada um dos pontos.

Assim,

Quanto ao ponto i)

O recorrente para defender o seu ponto de vista a não aplicabilidade do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30/06/2022, D. R. 184/2022, I, de 22/09/2022, refere que o mesmo se aplica apenas às prestações periódicas e não às prestações fracionadas.

Por isso, refere, que ao caso em apreço não se aplica o prazo de prescrição de 5 anos, a que alude o art.º 310, al.ª e), mas sim o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, até por, a ratio do artigo 310.º do Código Civil, ao prever um prazo curto de prescrição compreende as designadas prestações periodicamente renováveis (v.g. as rendas), é a de obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, acumule excessivamente o seu crédito.

Ao contrário das prestações periódicas, às prestações fracionadas aplica-se o disposto no artigo 781.º, do Código Civil, uma vez que o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas, por os mutuários terem deixado de liquidar as prestações, deu-se o vencimento antecipado das prestações, vincendas, podendo o Banco, a qualquer momento, solicitar o pagamento da totalidade da dívida, para defender o seu ponto de vista cita o acórdão da Rel. do Porto, de 24 de janeiro de 2022, Proc.º n.º  22815/19.6T8PRT-A.P1, onde se refere no sumário:

II - Resolvido o contrato de mútuo, o mutuante podia exigir à mutuária a restituição do capital que lhe entregou por força desse contrato, mais exactamente, o montante do capital que estivesse em dívida nesse momento, bem como os juros de mora e os encargos.

III – Deixando de existir o plano de pagamento escalonado que mutuante e mutuária ajustaram entre si, não pode já falar-se em prestações periodicamente renováveis de capital e juros, a pagar conjuntamente, que justifica o regime prescricional do artigo 310.º, al. e), do Código Civil;

IV - O crédito de capital mutuado (o valor que está em dívida) assume, então, a sua natureza original (obrigação unitária de restituição do tantundem) e fica sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.

Opinião oposta têm os recorridos.

Apreciando.

Diga-se, desde já, que advogamos o entendimento perfilhado, na sentença recorrida.

As prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas (cfr. Ac. da Rel. do Porto de 14 de setembro de 2015, proc.º n.º  388/11.8TJPRT-A.P1, relatado por Carlos Gil.

Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objecto (cfr. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2009, proc.º n.º  08A3952, relatado por Alves Velho), especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas a duração contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo somente para permitir a liquidação de uma certa prestação no tempo, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa: de 16 de setembro de 2008, proc.º nº 4693/2008-1, relatado por João Aveiro Pereira, no processo nº 4693/2008-1 e de 12 de julho de 2012, proc.º nº 815/11.4TJLSB.L1-1, relatado por Pedro Brighton, no processo nº 815/11.4TJLSB.L1-1).

Por sua vez, dentro das prestações duradouras, distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.

Para justificação do prazo especial de prescrição das obrigações periódicas, sob um prisma passivo, aponta-se, o evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas em atraso ou, sob um prisma ativo, o evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (cfr. neste sentido, vendo as coisas pela perspetiva passiva: Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3090, Ano 89, 1956-1957, página 328, nota 2; Boletim do Ministério da Justiça, nº 106, maio 1961, estudo do Sr. Professor Vaz Serra intitulado “Prescrição Extintiva e Caducidade”, página 107. Enfocando a fundamentação do regime da prescrição quinquenal pelo prisma ativo vejam-se: Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, Coimbra 1974, Manuel A. Domingues de Andrade, página 452; Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, página 280, anotação 1. Referindo as duas vertentes veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 755, § 4. Na jurisprudência, citando a segunda vertente, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de maio de 2002, proferido no processo nº 02B1143 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dionísio Correia; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de março de 2014, proferido no processo nº 189/12.6TBHRT-A.L1 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Silva Gonçalves).

 No caso em apreço, a obrigação principal exequenda é claramente uma obrigação fracionada, como bem refere o recorrente, pois que as prestações mensais devidas resultam da divisão do montante global em dívida – capital, juros remuneratórios e encargos – pelo número de prestações acordado, relevando o tempo apenas para permitir a liquidação de cada prestação e não para a determinação do seu objeto.

No caso em apreço, como já referimos, a sentença recorrida, e bem quanto a nós, entendeu ser de aplicar a al.ª e), do art.º 310.º, do C.P.C., afirmando ser aplicável, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência supra citado, seguindo, o critério maioritário, da jurisprudência dos tribunais superiores, pelo menos, ao que se nos afigura, desde 1993 (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Monteiro, Colectânea de Jurisprudência Ano I, Tomo II – 1993, páginas 82 a 84, no qual se decidiu que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respetivos, independentemente de haver capitalização de juros) tem enquadrado estes casos de prestações fracionadas de reembolso de capital juntamente com juros na previsão da alínea e) do artigo 310º do Código Civil (cfr. e citando apenas jurisprudência do nosso mais alto tribunal publicada em 2020 e 2021, estão acessíveis nas bases de dados da DGSI os seguintes acórdãos, ordenados cronologicamente: acórdão de 23 de janeiro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, acessível em ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S; acórdão de 10 de setembro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, no processo nº 805/18.6T8OVR-A.P1.S1; acórdão de 03 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; acórdão de 12 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, no processo nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1; acórdão de 09 de fevereiro de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernando Samões, no processo nº 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1; acórdão de 04 de maio de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pedro Lima Gonçalves, no processo nº 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1; acórdão de 06 de julho de 2021, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1. Para uma resenha exaustiva da jurisprudência publicada sobre esta problemática e com indicação das dissonâncias existentes veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de setembro de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Martins, no processo nº 139552/18.5YIPRT.L1-2, Ac. STJ, de 29/11/2022, proc.º n.º 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, bem como os demais transcritos e Ac. desta Rel. de Coimbra, 12/7/2023, proc.º n.º 902/22.3T8SRE-A.C1, onde fomos relator).

Não vislumbramos nenhuma razão, para nos afastar desta forte corrente jurisprudencial, até por nela nos revermos, embora tenhamos assinado o Ac. desta Relação, de 15/12/2020, proc.º n.º 6971/18.3T8CBR-A/B.C1, que parece ir em sentido oposto, relatado por Maria Teresa Albuquerque, onde fomos 2.º adjunto, a respeito de uma situação do PERSI, quanto a nó ligeiramente diferente dos presentes autos, e, ainda assim, antes da publicação do acórdão de fixação de jurisprudência supra citado.

Porém, cabe referir, onde ainda não existe unanimidade dos tribunais superiores e bem assim de alguma doutrina é no enquadramento ou não na referida alínea dos casos em que se verifica o vencimento de toda a dívida. De facto, neste quadrante, existe jurisprudência publicada, minoritária, a sustentar que nos casos de vencimento antecipado, a previsão da alínea e) do artigo 310º, do Código Civil, já não seria aplicável (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de novembro de 2019, proc.º n.º 126848/17.2YIPRT.C1, relatado por Maria Teresa Albuquerque e Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de janeiro de 2021, proc.º n.º 8636/16.1T8LRS-A-7, relatado por Isabel Salgado), entendimento que tem algum suporte doutrinal (cfr. Veja-se o Professor António Menezes Cordeiro no Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina 2015, páginas 212 e 213, onde escreve o seguinte: “As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros: opera nos casos em que se tenha convencionado que o próprio capital iria sendo pago em prestações, com os juros; numa ocasião pode suceder que, por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência [neste ponto, na nota de rodapé nº 652 cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993, publicado no Tomo II da Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, páginas 82 a 84,já antes citado]; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de …quotas de amortização”. Esta passagem está integralmente reproduzida no Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, páginas 892 e 893, alínea e) da anotação 3 ao artigo 310º do Código Civil), entendendo outros que mesmo nestes casos, não obstante o vencimento antecipado, aplicar-se-ia a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas para efeitos de prescrição ter-se-ia em conta o vencimento programado (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acessível na base de dados da DGSI: acórdão de 26 de janeiro de 2021, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, no processo nº 20767/16.3T8PRT-A.S2. Neste acórdão cita-se na nota de rodapé nº 14, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993 já antes citado.

Ajuizando criticamente a posição minoritária, afigura-se-nos incompreensível que em caso de vencimento antecipado das prestações acordadas, tal releve para efeitos de exigibilidade do crédito, mas não releve para efeitos de contagem do prazo prescricional, continuando o plano prestacional a produzir efeitos, sendo certo que para efeitos de início do curso do prazo prescricional, como decorre claramente do nº 1, do artigo 306º do Código Civil, releva o momento em que o direito puder ser exercido.

Em termos claramente maioritários a jurisprudência publicada do nosso mais alto tribunal tem seguido a orientação pela qual o Professor Vaz Serra manifestava a sua preferência (cfr. Assim, a título meramente exemplificativo vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, acessíveis nas bases de dados da DGSI: acórdão de 23 de janeiro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, acessível em ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1; acórdão de 10 de setembro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, no processo nº 805/18.6T8OVR-A.P1.S1; acórdão de 03 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; acórdão de 12 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, no processo nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1. Na doutrina, neste sentido, veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 105, Abril 1961, estudo já citado do Senhor Professor Vaz Serra, primeiro parágrafo da página 213 e Estudo Jurídico e Económico, Almedina 2021, José Engrácia Antunes, páginas 573 e 574, Ac. da Rel. do Porto de 9/1/2023, proc.º nº 2570/21.0T8OAZ-A.p1, relatado por Eugénia Cunha, Ac. Rel. de Évora de 10 Março 2022, proc.º n.º 12/21.0T8SLV-A.E1, relatado por Ana Margarida Leite, com voto de vencido de Maria Domingas Alves Simões)

De facto, se a teleologia da prescrição quinquenal no caso de prestações fracionadas de reembolso de capital e juros é a de evitar a acumulação da dívida e a ruína do devedor, essa razão de ser ainda é mais pertinente quando ocorre um vencimento antecipado da totalidade das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização convencionado, pois que, nesse momento, o devedor e os seus garantes pessoais vêem-se confrontados com a obrigação de pagar a totalidade das prestações cuja liquidação estava prevista para ocorrer num prazo mais ou menos dilatado, sendo em tal contexto justificada a exigência de uma maior diligência do credor na cobrança do seu crédito.

Assim, nesta vertente, não assiste razão ao recorrente, quando refere que a al.ª e), do art.º 310.º, do C.C., não se aplica às prestações fracionadas, pelo que, o prazo de prescrição de 5 anos também se aplica ao caso em apreço.

Aqui chegados cabe analisar os pontos ii) e iii) para se aquilatar se tal prazo, é ou não o aplicável ao caso em apreço.

                                                           *

Quanto ao ponto ii)

Para defender o seu ponto de vista refere que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (cfr. n.º 1, do art.º 311.º, do C.C.)

Sendo que se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. n.º 1, do art.º 327.º, do C.C.)

Assim, refere que o prazo de prescrição se interrompeu-se em 20/06/2007, voltando a iniciar-se a 9/10/2017, voltando a ser interrompido em 17/07/2018,

com a apresentação da Reclamação de Créditos no processo de insolvência da mutuária e começou a correr após o trânsito em julgado da Sentença (de 12/11/2018), ou seja, em 12/12/2018.

Ao que acresce, refere o recorrente, que relativamente aos efeitos da interrupção, prescreve o n.º 2 do artigo 326.º do Código Civil que “A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º”, o qual, por sua vez, estabelece, no seu n.º1, que refere:

“Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”:

“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um

prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”

 Deste modo, a lei estabelece que, tendo sido proferida sentença que

reconheça o direito, a prescrição desse direito (sendo de prazo mais curto),

fica sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.

            Assim, e estando a prescrição, segundo o recorrente, sujeita ao prazo de 20 anos, e tendo começado a correr 12/12/2018, logo, o crédito só prescreveria, caso não fosse acionado, em 12/12/2038.

Opinião oposta têm os recorridos.

Apreciando.

Operando à leitura desta pretensão do recorrente verificamos que o mesmo assenta em dois sob pontos, a saber:

            a)- Saber se a suspensão invocada se aplica os recorridos.

            b)- Saber se operam quanto aos mesmos os efeitos do art.º 311.º, do C.C.

            Por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

            Assim,

            Quanto ao ponto a).

Sobre este ponto resulta que - em junho de 2007, o Banco intentou a ação executiva apenas contra os mutuários, (cfr. facto 9), sendo que o exequente é portador de uma livrança, subscrita por CC e DD e avalizada por AA e por BB, aqui executados, sublinhado é nosso, emitida em ... em 27/12/2002 (cfr. facto 1).

Ora, a ação foi apenas intentada contra os mutuários (CC e DD) e não contra os avalistas, aqui executados/recorridos (AA e por BB).

Assim, temos para nós, que esta interrupção ocorrida em 20/06/2007, apenas operou relativamente aos mutuários (CC e DD) já não contra os avalistas aqui recorridos (AA e por BB).

Pois, como decorre do disposto no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.

Como lapidarmente daqui resulta, seguindo, Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, a pág. 223, “O credor tem de dar conhecimento ao devedor da intenção de exercício do seu direito, através de citação do Réu – na sequência da proposição de uma acção – , de notificação judicial ou de outro meio judicial …”.

Atento a que os executados, ora recorridos, não foram partes na execução que motivou a interrupção da prescrição quanto aos mutuários, é óbvio que, quanto àqueles (executados/avalistas) não operou a interrupção da prescrição (cfr. neste sentido Ac. desta Relação, de 21 de Novembro de 2023, proc.º n.º 877/22.9T8ACB-A.C1, relatado por Arlindo Oliveira), onde se refere:

Pois como bem se refere na sentença recorrida, segmento que transcrevemos: “Refira-se que, apesar de o mesmo, (referindo-se à suspensão, sublinhado é nosso), não suceder relativamente aos subscritores da livrança – contra quem foi intentada ação executiva em 2007 – não consta dos autos qualquer outro facto interruptivo da prescrição que não seja a citação dos executados para pagarem (artigo 323.º, n.º 1, do C. C.)”.

Pelo exposto, esta pretensão do recorrente, não obtem acolhimento, desde logo, por a suspensão não operar quanto aos recorridos.

                                                           *

Quanto ao ponto b).

            Refere o recorrente e com a sentença de verificação e graduação de créditos na insolvência da mutuária, reconhecido o direito de crédito, tal determina a aplicação do n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, pelo que, a nova prescrição passa a estar sujeita ao prazo ordinário – que começou a correr em 12/12/2018, logo, o crédito só prescreveria, caso não fosse acionado, em 12/12/2038.

            Sobre esta matéria, temos a referir, que não é pacifico, que a sentença em causa, reconheça o direito de crédito noutra ação.

            Na verdade, a questão não é pacifica na jurisprudência, mormente, do nosso mais alto Tribunal o Supremo Tribunal de Justiça, pois há conselheiros, advogam o sim, outros o não.

            No Ac. do S.T.J. datado de18 de fevereiro de 2021, proc.º n.º 19520/18.4T8LSB-L1-S2, relatado por Olindo dos Santos Geraldes, entendeu-se que a sentença de verificação e graduação de créditos não forma caso julgado material quanto ao reconhecimento do direito de crédito, em sentido oposto Ac.s do mesmo Venerando Tribunal de 18 de Setembro de 2018, proc.º n-º 379/16.2T8LSB-S1, relatado por Roque Nogueira,  de 21.03.2019, proc.º n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1, relatado por Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho e de 29 de Setembro de 2022, proc.º n.º 5138/06.5YXLSB-F.L1.S1, relatado por Catarina Serra.

            Porém, independentemente da posição assumida, sobre o reconhecimento dos créditos, reconhecidos na sentença de graduação de créditos que terá ocorrido em 12/12/2018, noutros autos, diremos que quando a mesma foi proferida, já tinha decorrido o prazo dos 5 anos aludidos, na al.ª e, do art.º 310.º, do C.P.C., dado que, como referimos no sob ponto a), em relação aos recorridos, não se verificou a suspensão, quanto aos recorridos.

            Visto em ponto passemos ao seguinte.

*

Quanto ao ponto iii)

Para defender o seu ponto de vista refere o recorrente, que o prazo de prescrição aplicável à livrança aqui em causa é de três anos, a contar da data do seu vencimento, nos termos do artigo 70.º n.º 1 da LULL. O prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306º do Código Civil, no caso concreto, na data de vencimento da livrança, ou seja, 2/11/2018. Ora, tendo a presente ação executiva sido instaurada em 29/08/2019, é

manifesto que não decorreram os três anos, findos os quais a livrança se poderia considerar prescrita. Assim, é este o prazo que importa para efeitos de prescrição das livranças: o prazo é de três anos a contar da data de vencimento aposta na livrança, o que significa que, in casu, tendo a livrança sido a data de vencimento de 2/11/2018, o prazo de prescrição só poderia contar-se a partir desta data, tanto mais que, quem subscreve uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado: os Recorridos, ao subscreverem o pacto de preenchimento constante do contrato, deram ao mesmo o seu acordo e declararam avalizar a livrança nos seus precisos termos, sendo que, não resulta da LULL qualquer prazo para o preenchimento de livrança.

Apreciando.

Seguindo o texto «Aval em branco e prescrição», de Pedro Pais de Vasconcelos, na Revista de Direito Comercial de 25/09/2022[1], este tipo de convenção pode ser definido como tendo natureza negocial. É um pacto anexo a um outro negócio, (…). Estruturalmente, é um pacto que tem como conteúdo uma estipulação, uma convenção, que quase sempre contém uma autorização concedida pelo subscritor em branco (aceitante da letra ou subscritor da livrança), autorização que pode também ser mista de autorização e mandato, e ainda limitar-se a um mandato. É uma autorização constitutiva que confere ao portador legitimidade para preencher o título (página 1483).

No caso em apreço, como bem se refere na sentença recorrida e já o referimos in supra, estamos no domínio das relações imediatas.

Ora, como consabido, nas relações imediatas, designadas como aquelas que se situam nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, nas quais os sujeitos cambiários também o são de convenções extracartulares, tudo se passa como se a relação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que afectem, fundamentem, essas relações pessoais – cf. Ferrer Coreia, Lições de Direito Comercial, 1994, pág.s 449/50.

Em idêntico sentido, Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, pág.s 66 a 69, que defende que em virtude do carácter instrumental da obrigação cambiária perante a relação fundamental, conclui que as vicissitudes que afectam a relação subjacente se reflitam na pretensão cambiária, quando ali refere (pág. 69):

“…, sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos impeditivos ou extintivos da pretensão fundamental do credor, o carácter instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração. A circunstância de a obrigação fundamental se não haver validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária para a solver, garantir, novar, etc.”.

A invocação da prescrição por parte do avalista é, assim, legitimada pelo carácter de instrumentalidade da relação cambiária perante a relação fundamental, tal como decorre do disposto no artigo 32.º, da LULL, ex vi seu artigo 77.º (cfr. neste sentido Ac. desta Relação, de 21 de Novembro de 2023. – proc.º n.º 877/22.9TACB-A.C1, relatado por Arlindo Oliveira).

Assim, os executados, na qualidade de avalistas, podiam, como o fizeram, invocar a prescrição, como bem se refere na sentença recorrida.

A qual acarreta, para o respectivo beneficiário, a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cf. resulta do disposto no artigo 304.º, do Código Civil.

De resto, mesmo em geral, cf. resulta do disposto no n.º 1, do artigo 305.º, do Código Civil, a prescrição é invocável por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, em que, como defende, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, pág. 80, se integra o fiador, sendo a posição do avalista, para este efeito, similar à do fiador.

Aqui chegados, diremos já, que quanto a nós, também nesta vertente não assiste razão ao recorrente.

Na verdade, pelas razões expostas em i) e ii), o prazo a ter presente para efeitos de prescrição é de 5 anos.

Assim sendo, e, por advogarmos o expendido na sentença recorrida, quanto esta questão (aludida em iii), aqui transcrevemos tal segmento:

Assim, na falta de outra data, temos que a partir da data de resolução, começaram a correr cinco anos de prescrição, que ocorre em agosto de 2011.

Ora, quando a letra se venceu, em 02.11.2018, já o crédito da exequente, relativamente aos embargantes, estava prescrito, o mesmo sucedendo na data em que foram interpelados para o pagamento, ou seja, em outubro de 2018 (altura em que foram enviadas as cartas aos embargantes, na qualidade de avalistas). Refira-se que, apesar de o mesmo não suceder relativamente aos subscritores da livrança – contra quem foi intentada ação executiva em 2007 – não consta dos autos qualquer outro facto interruptivo da prescrição que não seja a citação dos executados para pagarem (artigo 323.o, n.o 1, do C. C.).

Assim, e porque a obrigação dos avalistas não é subsidiária em relação à obrigação dos subscritores, procede esta arguição dos recorrentes, considerando-se o crédito do exequente/embargado prescrito em relação aos embargantes, na medida em que extingue a obrigação cambiária, não podendo ser aqueles acionados na execução a que os embargos correm por apenso, julgando-se extinta a mesma execução.

Com tal extinção, torna-se desnecessária a análise das outras questões suscitadas nos presentes embargos”

 (cfr. neste sentido Ac. Rel. do Porto, de 12/1/2023, proc.º n.º 9735/21.T8PRT-A.P1, relatado por João Venade, em caso em tudo semelhante ao dos presentes autos).

Pelo exposto, também as razões invocadas pelo recorrente, neste ponto, não merecem acolhimento.

                                                           *

Concretizando.

Face a todo o exposto e após o referido nos pontos i), ii) e iii), não vislumbramos assistir razão ao recorrente.

Por um lado, como referimos em i), o prazo de prescrição é de 5 anos. Por outro, não resulta qualquer circunstância, como referimos em ii) e iii), que tal prazo tivesse de ser alargado, para qualquer outro prazo, ou que não fosse o aplicável.

Assim, sem mais considerandos, o recurso apresentado, é improcedente, e por consequência mantida a sentença recorrida.

Vista que foi esta questão, cabe aludir ao abuso de direito referido em C), sob pena de se pode vir invocar nulidade do acórdão, por omissão de pronuncia, ou denegação de justiça.

                                                           *

C) – Saber se houve abuso de direito.

Sobre esta matéria refere o recorrente os Recorridos alegaram que constituiu um excesso e abuso do direito, o tempo que o banco demorou a preencher a livrança, 12 anos após o incumprimento do contrato, nos termos do artigo 334º do Código Civil ocorre abuso de direito quando o titular o exerce excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes ou fim social ou económico.

Conforme tem sido amplamente difundido pela nossa jurisprudência, o

mero decurso do tempo, não é suficiente para que, sem mais, se crie a expectativa do não exercício do direito por parte do seu titular, também não se verifica, in casu, abuso do direito na modalidade "venire contra factum proprium”, porquanto Banco Recorrente nunca atuou de modo a criar nos Executados qualquer expectativa de que estariam desonerados das responsabilidades que assumiram nesse contrato.

Alias, resulta dos dois factos que o Banco Recorrente ora requer que sejam

integrados na factualidade assente, que os Recorridos sabiam e tinham plena consciência que a dívida que avalizaram se mantinha, pelo menos, até 2017, data em que souberam que o imóvel foi adjudicado em processo judicial.

Apreciando.

Diga-se, desde já, que tal matéria não foi apreciada em 1.ª instância, face à procedência da exceção de prescrição.

Este Tribunal, pelas razões, supra expostas, perfilha o entendimento da sentença recorrida.

Assim, sem mais delongas, este Tribunal, não toma posição sobre a questão do abuso de direito, por precludida.

                                                           **

                                                  4.- Decisão

Face ao exposto, decide-se por acórdão:

A) julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.

B) Não apreciar a questão do abuso de direito, por precludida

Custas pelo recorrente

Coimbra, 21/5/2024

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Cristina Neves (adjunta)