Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO JUNTA MÉDICA REQUERIMENTO A APRESENTAR PELO SINISTRADO | ||
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Data do Acordão: | 09/11/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE LAMEGO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 117º E 138º, Nº 2 DO CPT. | ||
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Sumário: | Se todas as questões relativamente às quais não houve acordo na fase conciliatória estão diretamente relacionadas com a incapacidade permanente e temporária terão de ser dirimidas em sede de junta médica, pelo que, impõe-se ao sinistrado a apresentação do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT e não de uma petição inicial, com vista a dar início à fase contenciosa do processo especial de acidente de trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório O... – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, com sede em ..., participou o presente acidente de trabalho, ocorrido no dia 31/12/2018, de que foi vítima R... ao serviço da entidade patronal Padaria M..., Ldª e que celebrou um contrato de seguro por acidente de trabalho com a participante. Procedeu-se à realização de exame médico no INML e no qual foi atribuída ao sinistrado uma IPP de 5,95%. Teve lugar a tentativa de conciliação, conforme auto constante dos autos e na qual não foi obtido acordo porque o sinistrado não aceitou os períodos de incapacidade temporária, a IPP de 5,95% e a data da alta atribuídos pelo perito médico do GML. O sinistrado veio intentar ação emergente de acidente de trabalho contra a responsável O... - Companhia Portuguesa de Seguros, SA. Foi, de seguida, proferida decisão nos seguintes termos: “O Sinistrado intentou acção emergente de acidente de trabalho, nos termos dos arts. 117º, nº 1, al. a) e 138º, nº 1, do CPT contra a Seguradora por não se conformar com os períodos de incapacidade temporária e alta indicados, nem com o grau de incapacidade permanente parcial que lhe foi atribuído. Preceitua o artigo 138.º do Código de Processo do Trabalho: “1 - Quando não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, a parte requer, na petição inicial ou na contestação, perícia por junta médica. 2 - Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”. A apresentação de petição inicial a que alude o artigo 138º, nº 1, pressupõe que a parte não aceite outras questões (por exemplo a própria ocorrência de um acidente de trabalho, ou o montante da remuneração, etc.) que exorbitem a questão da mera fixação da incapacidade para o trabalho. Já o pedido de junta médica a que alude o mesmo artigo 138º pressupõe que a parte não se conforme com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória (ITS, alta e IPP). No caso vertente a Seguradora aceitou o acidente, circunstâncias do mesmo, lesões que daí advieram para o Sinistrado, a sua remuneração anual, a transferência para a mesma da responsabilidade infortunística laboral pela totalidade do salário, os períodos de incapacidades temporárias, pagar os montantes devidos a título de diferenças dessas indemnizações e a título de despesas de deslocação. Por seu turno, o Sinistrado, aceitando tudo o mais, não concordou com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória, concretamente os períodos de ITs, a data da alta e a IPP atribuída no exame pericial singular. Do exposto emerge que, efectivamente, apenas está em causa o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, pelo que não pode o Sinistrado intentar a acção nos moldes em que o fez, mas antes e apenas requerer a perícia por junta médica. Desta forma, determina-se que os presentes autos sigam a tramitação prevista nos arts. 117º, nº 1, al. b) e 138,º declarando verificado o erro na forma de processo com aproveitamento de todo o processado na parte que respeita ao pedido de realização de Junta Médica, quesitos formulados e exposição factual que respeita a esta parte, por não ser incompatível com a forma adequada, considerando-se como não escrito todo o mais.” * O sinistrado notificado desta decisão, interpôs o presente recurso, cuja alegação concluiu da seguinte forma: ... A Seguradora requerida não apresentou resposta. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que “não se verificando, a nosso ver, qualquer erro na tramitação prevista nos supramencionados art.ºs 117.º, n.º 1, b), e 138.º, n,º 2, do CPT, não se acompanha a alegação do apelante no entendimento de que o douto despacho impugnado não merece qualquer censura, devendo, pois, manter-se”. Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. II – Saneamento. A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse. III – Fundamentação. a) - Factos provados constantes da sentença recorrida: Os constantes do relatório que antecede. b)- Discussão Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C., na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 28/06). Cumpre, então, apreciar a questão suscitada pelo recorrente, qual seja: – Se o requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT respeita apenas ao grau e natureza da incapacidade. Alega o sinistrado recorrente que a alínea b) do n.º1 do art.º 117.º do CPT, e o n.º 2 do art.º 138º, abrangem as situações em que o desacordo, na tentativa de conciliação, incidiu apenas e tão só sobre o grau e natureza da incapacidade; se a discordância foi para além da questão relativa ao grau e natureza da incapacidade para o trabalho, por exemplo, por também ter incidido sobre os períodos de Incapacidade Temporária, ou sobre a data da alta, aqui, a forma adequada para dar início à fase contenciosa é a prevista na al. a), do n.º1, do art.º 117.º, e no n.º 1 do art.º 138º, ou seja, mediante a apresentação de petição inicial. Vejamos: Conforme resulta do artigo 117.º do CPT, a fase contenciosa do processo de acidente de trabalho tem por base o requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT, “do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”. Por outro lado, <<se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; (…)>> - n.º 2 do artigo 138.º do CPT. É então este requerimento que origina a abertura da fase contenciosa se apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade. Na decisão recorrida entendeu-se que: “A apresentação de petição inicial a que alude o artigo 138º, nº 1, pressupõe que a parte não aceite outras questões (por exemplo a própria ocorrência de um acidente de trabalho, ou o montante da remuneração, etc.) que exorbitem a questão da mera fixação da incapacidade para o trabalho. Já o pedido de junta médica a que alude o mesmo artigo 138º pressupõe que a parte não se conforme com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória (ITS, alta e IPP). (…) Por seu turno, o Sinistrado, aceitando tudo o mais, não concordou com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória, concretamente os períodos de ITs, a data da alta e a IPP atribuída no exame pericial singular. Do exposto emerge que, efectivamente, apenas está em causa o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, pelo que não pode o Sinistrado intentar a acção nos moldes em que o fez, mas antes e apenas requerer a perícia por junta médica.” Pois bem, antes de mais impõe-se questionar o que se deve entender por “questão da incapacidade” a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT. Como se refere no acórdão desta Relação de 28/09/2006[2], <<como parece evidente, à volta da incapacidade, podem suscitar-se não uma, mas, várias questões: para além de controvérsia relativamente à natureza e grau da incapacidade permanente, aquela pode surgir a propósito, por exemplo, da determinação das lesões e do início da incapacidade, ou seja, da data da alta clínica. E poderão também suscitar-se questões relativamente às incapacidades temporárias, designadamente no que toca à sua duração e respectivo grau de desvalorização. Cabe então perguntar: sempre que, na tentativa de conciliação, se não tenha chegado a acordo quanto a alguma ou algumas de tais questões, mas não a outras de carácter diverso, tem o interessado que cumprir o disposto nos citados artigos 117º, nº 1, alínea b) e 138, nº 2? A nosso ver, tudo está em saber se se trata de questões que devam ser esclarecidas exclusivamente com recurso a prova pericial de natureza médica, que o mesmo é dizer, com intervenção da junta médica. Na verdade, o ónus que tais normas colocam sobre o interessado tem esta justificação: o meio de prova único necessário para a dilucidação do ponto ou pontos relativamente aos quais se verificou a divergência é o exame por junta médica (…).>> Revertendo ao caso dos autos, na tentativa de conciliação não foi obtido acordo porque o sinistrado não aceitou os períodos de incapacidade temporária, a IPP de 5,95% e a data da alta atribuídos pelo perito médico do GML, sendo que, aquele apresentou a sua petição inicial alegando, desde logo, que “tendo-se frustrado a fase conciliatória por não se conformar com os períodos de incapacidade temporária e da alta indicados, bem como não concordando com o resultado da perícia médica legal, vem, ao abrigo do disposto nos art.º 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 1 do art.º 138º do Código Processo do Trabalho, apresentar contra (…)”. Ora, todas estas questões relativamente às quais não houve acordo estão diretamente relacionadas com a incapacidade permanente e temporária e terão de ser dirimidas em sede de junta médica, pelo que, impunha-se ao sinistrado a apresentação do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT e não a apresentação de uma p. i.. É também este o entendimento vertido no voto de vencido constante do Ac. da RP de 18/12/2018, disponível em www.dgsi.pt, acórdão citado pelo recorrente, no sentido de que: << (…), aceitando a responsável/seguradora – na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória do processo – a existência do acidente, o nexo de causalidade entre as sequelas e esse acidente, bem como o salário auferido pela sinistrada e as despesas de transporte que reclamou, apenas declarando que não aceita o resultado do exame médico efetuado pelo perito do INML uma vez que os seus serviços clínicos entendem que a sinistrada ficou curada sem desvalorização em data que indica e que é diversa daquela que naquele exame se considerou ser a data da alta, estamos ainda perante discordância que se insere no âmbito da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do CPT, iniciando-se assim a fase contenciosa com o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, na consideração de que, no que particularmente se refere à data da alta, se trata afinal de um dos aspetos que se integra na pronúncia/resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, estando necessariamente ligada às lesões/sequelas que decorrem do acidente, não havendo razões na minha ótica para a autonomizar, em termos de regime processual (forma do processo), dos casos em que ocorre divergência em relação ao resultado dessa perícia sobre a fixação de incapacidade para o trabalho. De resto, pela sua natureza, por estar afinal diretamente ligada à existência ou não das lesões e suas sequelas, em termos de prova essa satisfaz-se, face ao regime estabelecido, com o estabelecido para a discordância sobre o próprio grau de incapacidade sobre que se discorde, assim através da realização de junta médica.>> Desta forma, bem andou o tribunal de 1ª instância quando determinou que os presentes autos seguissem a tramitação prevista nos arts. 117º, nº 1, al. b) e 138,º declarando verificado o erro na forma de processo com aproveitamento de todo o processado na parte que respeita ao pedido de realização de Junta Médica, quesitos formulados e exposição factual que respeita a esta parte, por não ser incompatível com a forma adequada, considerando-se como não escrito todo o mais. Improcedem, assim, todas as conclusões do recorrente. IV – Sumário[3] - Se todas as questões relativamente às quais não houve acordo na fase conciliatória estão diretamente relacionadas com a incapacidade permanente e temporária terão de ser dirimidas em sede de junta médica, pelo que, impõe-se ao sinistrado a apresentação do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo 138.º do CPT e não de uma petição inicial, com vista a dar início à fase contenciosa do processo especial de acidente de trabalho. V - DECISÃO. Nestes termos, na total improcedência da apelação, acorda-se em manter a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. Coimbra, 2020/09/11 (Paula Maria Roberto) (Ramalho Pinto) (Felizardo Paiva)
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