Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARVALHO MARTINS | ||
Descritores: | INABILITAÇÃO PRODIGALIDADE ÓNUS DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 02/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CBV ÁGUEDA JMPIC | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS.152, 342 CC | ||
Sumário: | 1.- Para efeitos de inabilitação ( art. 152º Código Civil), a prodigalidade não se traduz em despesas elevadas, mas naquelas que sendo exageradas em relação aos rendimentos de quem as faz, injustificadas e reprováveis, implicam a dissipação ou possibilidade de perda do próprio capital ou dos bens donde provêm os rendimentos. 2.- A prodigalidade, para constituir fundamento de inabilitação deve revestir a natureza de habitual, abrangendo os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial, devendo, para o efeito, atender-se, concretamente, ao capital do requerido e à natureza das despesas, sendo necessário que as despesas ultrapassem o rendimento e (ou) ponham em risco o capital, mostrando-se improdutivas e injustificáveis. 3.- Por prodigalidade entende-se a existência de uma propensão para a dissipação desregrada de bens, quer em proveito próprio, quer alheio, o que leva a supor que a pessoa, que assim procede, estará incapaz de reger ou administrar convenientemente o seu património. 4.- Os interessados na inabilitação devem alegar e provar (art.342º Código Civil) que há habitualidade actual na prática de actos ruinosos na administração dos bens e da sua dissipação e que isso constitui perigo actual para o património do inabilitando. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - A Causa:
O Ministério Público intentou a presente acção especial de inabilitação de A (…) nascido em 18/03/1978, solteiro, residente em (…) Águeda, referindo, em síntese, que o requerido sofre de défice cognitivo ligeiro que o impede de ter total noção das consequências dos actos que pratica no que se refere a questões de ordem burocrática e administração de bens e dinheiro, necessitando de ajuda nesse campo. * Foi dado cumprimento do disposto no art. 945 do C.P.C., e realizada a citação do requerido, que não constituiu mandatário no prazo da contestação. Foi então nomeada curadora provisória ao requerido, nos termos e para efeitos do disposto no art. 947 n.º 1 do C.P.C., que foi citada.
Nomeado defensor oficioso ao requerido, veio posteriormente o mesmo deduzir contestação, admitindo padecer de défice cognitivo e aceitando dever ser auxiliado por outra pessoa no que diz respeito à gestão do seu património, relatando até uma situação em que terá sido enganado num negócio que encetou com um empreiteiro a propósito de umas obras que não chegaram a ser realizadas, mas terão sido pagas pelo requerido. Entende, porém, que tal ajuda deve ser diária, permitindo-lhe, no entanto, a tomada de decisões quanto aos demais aspectos da sua vida, características que a pessoa indicada para curadora não possui, dado já contactar com ele regularmente, por não residir em Aguada de Cima. * Quer a curadora nomeada nos termos do disposto no art. 947 n. 1 do C.P.C. quer o requerido deram entretanto entrada de vários requerimentos e juntaram documentos, nomeadamente extractos de conta bancária do requerido. * Foi realizado interrogatório do requerido e exame pericial.
* Em 29 de Maio de 2012 foi proferido despacho a convidar as partes a declararem se se opunham a que fosse já proferida sentença de mérito, uma vez que atenta a posição assumida pelo requerido na sua contestação e os elementos já disponíveis nos autos se afigurava que a selecção de matéria de facto e o subsequente julgamento redundariam em actos inúteis.
Vieram ambas as partes declarar não se opor a que seja desde já proferida sentença de mérito, entendendo agora o requerido que afinal o défice de que padece não o impedirá de reger sozinho o seu património, reiterando, em todo o caso que, sendo decretada a sua inabilitação não deve ser nomeada curadora a pessoa já indicada, por já não haver qualquer relação de afeição e proximidade entre ambos, havendo até alguma conflituosidade. * O Ministério Público veio requerer a prorrogação do prazo para indicar pessoa que possa ser nomeada curadora ao requerido, atenta a eventual inadequação para o cargo da pessoa indicada, por quinze dias, o que foi deferido. Posteriormente veio de novo requerer nova prorrogação daquele prazo por mais quinze dias, por ter dificuldades em encontrar pessoa idónea que possa exercer o cargo. O requerido veio opor-se a nova prorrogação de tal prazo, referindo que o retardar da decisão lhe causa transtorno.
O prazo requerido foi deferido, sem prejuízo de decisão.
*
Foi, oportunamente, proferida decisão, onde se consagrou que:
“Termos em que, na procedência da acção, decreto a inabilitação definitiva de A (…), nascido em 18/03/1978, solteiro, residente (…), Águeda. A inabilitação terá como efeito a entrega da administração de todo o património do inabilitado ao seu curador, nos termos do art. 154.º n. 1, do Código Civil, incluindo o saldo da conta nº x... da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Baixo Vouga, balcão de Aguada de Cima, que será ainda a pessoa responsável pela administração de quaisquer quantias recebidas pelo requerido, que excedam o valor mensal de €200,00 (duzentos euros). Fixo a data do começo da incapacidade na data em que o requerido nasceu - 13/03/1978.
*
A (…) Requerido e melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com a sentença proferida a fIs. dos autos, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que: (…)
O Magistrado do Ministério Público junto deste Juízo, na sequência da notificação dos requerimentos apresentados pela Curadora M (…) e pelo Sub-Curador F (…), veio aos autos supra referenciados expor e requerer o seguinte:
Nos presentes autos foi decretada a inabilitação do A (…) melhor identificado nos autos. Na douta decisão final foi ainda nomeada curadora do mesmo a M (…) e decidido que o Conselho de Família seria constítuido por F (…) (com as funções de sub-curador) e AR (…) Não obstante, invocando razões de natureza pessoal, tanto a M (…) como o F (…) vieram aos autos requerer a sua substituição nos cargos para que haviam sido nomeados. Nestes termos (e para o coso de serem julgados válidos os argumentos apresentados), o Ministério Público, depois de efetuadas algumas diligências, está em condições de indicar as seguintes pessoas, para preencher os lugares das requeridas substituições, por se considerar terem a idoneidade necessária e terem manifestado disponibilidade para tal: - Para o cargo de Curadora, MG (…) casada, e residente na Rua y...Aguada de Cima; - Para integrar o Conselho de Família e desempenhar o cargo de Sub Curador, o Sr. Dr. JM (…), com domicilio profissional na Rua Z... Águeda.
Por forma sequencial e oportuna, foi, a tal respeito, igualmente, proferida a seguinte decisão:
“Vieram a curadora e o sub-curador nomeados ao inabilitando A (…) requerer a sua substituição em virtude de, essencialmente, a primeira já não residir na freguesia de Aguada de Cima, onde reside o inabilitando, e o segundo por ter já 74 anos de idade e uma saúde débil. Nos termos do disposto no art 1934. n. 1, ai. d) e g) do Código Civil, podem escusar-se do cargo de tutela os que residam fora da comarca onde reside o incapaz, e aqueles que tenham mais de 65 anos. Assim, deferindo o requerido, exonero do cargo de curadora e subcurador, respectivamente, (…) e (…), nomeando em sua substituição as pessoas entretanto indicadas pelo Ministério Público, a saber, para cargo de curadora nomeio (…) e para sub-curador nomeio (…) ambos melhor identificados a fls. 114”.
***
Não foram proferidas contra-alegações
II. Os Fundamentos:
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:
1. A (…) nasceu em 18/03/1978, filho de (…) e (…) (certidão de fis. 8). 2. O mesmo sofre de défice cognitivo ligeiro, manifestando um desempenho a nível de funcionamento cognitivo abaixo da média para a sua idade (relatório de fis. 10 a 14 e relatório de fls. 64/65) 3. O requerido é órfão de pai (certidão de fls. 16). 4. Os pais separaram-se quando o requerido era bebé; viveu com o pai até aos 6 anos; depois viveu com avós paternos até ao 8 anos; ingressou na “Obra da Criança”, em Ílhavo onde ficou até aos 16 anos; fez curso de metalomecânica na C+S da Gafanha da Nazaré; regressou a viver com o pai; entre 2002 e 2003 viveu com a mãe e agregado familiar desta (companheiro e irmãos), referindo mau ambiente familiar, regressando a casa do pai (relatório de fis. 10 a 14). 5. Foi tendo vários trabalhos, por pouco tempo (relatório de fis. 10 a 14). 6. Aos 17 anos ingressou o CFE da CERCIAG onde frequentou o curso de carpintaria (relatório de fls. 10 a 14). 7. Em 2008 sofreu acidente de viação, tendo sido atropelado, tendo recebido uma indemnização, que refere ter sido de €55.000,00 (relatório de fls. 10 a 14e interrogatório do requerido). 8. É titular da conta n. x... da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Baixo Vouga, balcão de Aguada de Cima, que em 09/06/2011 apresentava o saldo de €9.708,33 (documento de fls. 43). 9. Refere, além do mais, ter gasto o dinheiro que recebeu de indemnização por acidente de viação, no sinal para compra de uma casa; com um empreiteiro que o enganou, levando-lhe dinheiro, mas não fazendo quaisquer obras; pagou ao advogado; comprou um computador e uma impressora; devolveu dinheiro à Segurança Social, por recebimento indevido de RSI, embora não saiba quanto; sempre que visitava uma namorada em Sever do Vouga pagava €170,00 ao táxi para esperar por ele; gastou dinheiro em álcool, vinho e raparigas; viveu numa pensão e tem dívidas de mais de €9.000,00, não sabendo ao certo o montante porque não anota e confia nas pessoas (interrogatório do requerido, a fis. 51 ess.) 10.A patologia de que sofre (Deficiência Mental Ligeira) não o impede de ganhar o seu próprio dinheiro através do trabalho (relatório de fis. 64/65). 11. Tem capacidade para custear as suas necessidades básicas necessárias à manutenção da vida dentro de parâmetros adequados ao seu nível social (relatório de fls. 64/65). 12. Quando em posse de uma quantia em dinheiro superior ao necessário para as necessidades básicas de vida, não mostra capacidade de o poupar ou armazenar (relatório de fls. 64/65). 13. De acordo com o parecer médico nada impede o requerido de gerir a sua pessoa e bens.
* Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.
Das conclusões -
(das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem - de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, em desrespeito pelo disposto no art. 685º-A, CPC sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°-359). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 30, 299), -
ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:
I. W) Não sendo possível enquadrar o comportamento do Requerido em nenhum dos casos de habilitação, tal como é descrito no art. 152 do Código Civil, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela improcedência da ação; X) Deverá então revogar-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que julgo improcedente a presente ação, não declarando o Requerido inabilitado;
Apreciando, diga-se - situando conceitualmente a questão - que as pessoas sujeitas a inabilitação estão indicadas no artigo 152.° Código Civil: indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja tão grave que justifique a interdição; indivíduos que se revelem incapazes de reger o seu património por habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou estupefacientes. A primeira categoria (anomalias psíquicas, surdez-mudez ou cegueira que provoquem uma mera fraqueza de espírito e não uma total inaptidão do incapaz) abrange as hipóteses em que, no domínio do Código de 1867, teria lugar uma interdição parcial (art. 314.°, § único, deste Código). A segunda categoria — habitual prodigalidade — abrange os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial (não confundir com a administração infeliz ou pouco perspicaz). Trata-se da prática de actos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos rendimentos, improdutivas e injustificáveis. A terceira categoria — abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes representa uma inovação do Código Civil, pois anteriormente tais pessoas não podiam ser declaradas incapazes, salvo quando as repercussões psíquicas daqueles vícios atingissem os extremos fundamentadores da interdição por demência. O abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes tem de importar uma alteração do carácter, ainda que traduzida apenas na anormal dependência dessas drogas, sem o que não pode haver inabilitação; deve, por outro lado, atender-se ao estado actual do sujeito e não à eventualidade de uma deterioração futura (CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 3.ª EDIÇÃO ACTUALIZADA, 6.ª REIMPRESSÃO, 1992, pp. 236-237).
Em qualquer dos casos, no entanto, basta que se prove a existência de um perigo actual de actos prejudiciais ao património, mesmo que se não tenha verificado ainda um dano concreto. Quanto basta para concluir que o tribunal hipostasiou bem como única questão a apreciar nestes autos a que diz respeito a saber se há causa legal de inabilitação ou de interdição do Requerido, uma vez que a sentença decreta a interdição ou a inabilitação, independentemente de ter sido pedida uma ou outra - cfr. art. 954 n. 1 do C.P.C.. Como bem andou ao decretar, na forma descrita, “a inabilitação definitiva de A (…), nascido em 18/03/1978, solteiro, residente em (…), Águeda”. E tal face à circunstância de - como vem consignado - “dos elementos que constam dos autos e mormente das declarações que o próprio fez no seu interrogatório, resulta(r) à saciedade que o mesmo tem dificuldade em gerir o seu património naquilo que vá além das despesas correntes do dia a dia, mostrando também em relação a estas um sentido de desproporção sobre o que é necessário ou essencial ou supérfluo. Só assim se justificam os gastos a que o próprio alude, referidos em 9. da matéria de facto supra elencada “[(…) ter gasto o dinheiro que recebeu de indemnização por acidente de viação, no sinal para compra de uma casa; com um empreiteiro que o enganou, levando-lhe dinheiro, mas não fazendo quaisquer obras; pagou ao advogado; comprou um computador e uma impressora; devolveu dinheiro à Segurança Social, por recebimento indevido de RSI, embora não saiba quanto; sempre que visitava uma namorada em Sever do Vouga pagava €170,00 ao táxi para esperar por ele; gastou dinheiro em álcool, vinho e raparigas; viveu numa pensão e tem dívidas de mais de €9.000,00, não sabendo ao certo o montante porque não anota e confia nas pessoas (interrogatório do requerido, a fis. 51 ess.)] . Gastos em relação aos quais o próprio tem noção que por vezes resultam de os outros se aproveitarem da sua debilidade. Ora, em face a esta factualidade, não descurando que o requerido tem capacidade para angariar sustento através do trabalho e que é capaz de reger a sua pessoa no dia a dia, é para nós inequívoco que o requerido é incapaz de reger convenientemente o seu património. Incapacidade que fez com que no prazo de 3 ou 4 anos tenha gasto o valor da indemnização que recebeu por acidente de viação, em quantia não apurada mas que o próprio refere ter sido €55.000,00, sem adquirir património equivalente a tal quantia. Assim, pese embora no relatório do exame médico realizado no âmbito dos autos (fls. 64 ss) se conclua que o requerido não está impedido de gerir a sua pessoa e bens, o certo é que tal gestão, pelos factos supra expostos, se deverá confinar à gestão dos bens de primeira necessidade, mas já não à gestão de património acumulado ou que possa a vir a acumular, e que o mesmo, por ingenuidade, inabilidade ou falta de percepção dos bens necessários, delapide. Ou seja, em face dos factos, conclui-se que a anomalia psíquica de que sofre o requerido, embora de carácter permanente, não é de tal ordem que o torne inapto para a prática de todos os negócios, sendo o mesmo perfeitamente capaz de reger as despesas essenciais do dia, carecendo apenas de auxílio na gestão de outras despesas não essenciais ou extraordinárias”.
Assim, exactamente, pois que, por decorrência do disposto no art. 152º Código Civil, a prodigalidade não se traduz em despesas elevadas, mas naquelas que sendo exageradas em relação aos rendimentos de quem as faz, injustificadas e reprováveis, implicam a dissipação ou possibilidade de perda do próprio capital ou dos bens donde provêm os rendimentos (Ac. STJ, 23-6-1970: BMJ, 198.°-106). E sempre sem perder de vista que o referido art. 152.° parecendo limitar os efeitos da inabilitação à esfera patrimonial, impõe, contudo, fazer diferença entre a inabilitação por anomalia psíquica e a inabilitação por outra causa. Em relação à primeira há que ter presente o disposto nos arts. 1601°, al. b), 1913.º, n.° 1, al. b), e 1850.°. No tocante à segunda, esta, em princípio não afecta a esfera jurídica pessoal. No que respeita à esfera patrimonial, além do regime regra constante dos afta. 153.º e 154.° há que ter presente que é a sentença que fixa os efeitos da inabilitação (Castro Mendes, Teoria Geral, 1978,1-348 e as.).
Esta, como vem de referir-se, não deixou de atender, adequadamente, a que a prodigalidade, para constituir fundamento de inabilitação deve revestir a natureza de habitual, abrangendo os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial. Para o efeito deve atender-se, concretamente, ao capital do requerido e (ou) à natureza das despesas: é necessário que as despesas ultrapassem o rendimento e ponham em risco o capital, mostrando-se improdutivas e injustificáveis (Ac. RP, 21-4-1992: BMJ, 416.°-712). Tendo em conta que, por prodigalidade se entende a existência de uma propensão para a dissipação desregrada de bens, quer em proveito próprio, quer alheio, o que leva a supor que a pessoa que assim procede, estará incapaz de reger ou administrar convenientemente o seu património.
Naturalmente que os interessados na inabilitação devem alegar e provar que há habitualidade actual na prática de actos ruinosos na administração dos bens e da sua dissipação e que isso constitui perigo actual para o património do inabilitante (Ac. RL, 18-1-2000: CJ, 2000, I, 81). O que foi logrado à saciedade, nos termos consagrados em probatório e, convenientemente levados em consideração na decisão proferida.
Tudo a pretexto de que o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184). O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).
Podendo dizer-se, articularmente, que ocorre a nulidade prevista na alínea c) do n.° 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civil - oposição entre os fundamentos e a decisão - «quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente» (Ac. STJ, de 13.2.1997: BMJ, 464.°-525), a verdade é que tal não aconteceu no caso sub judice. Com efeito, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil) (Ac. RE, de 22.5.t997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).
O que atribui resposta negativa às questões em I.
II. Y) Caso se entenda que motivos inexistem para que seja alterada a decisão de decretar a inabilitação do Requerido, o que só por mera hipótese académica se admite, ainda assim, entende o Requerido que a limitação imposta pelo Tribunal a quo, no que se refere ao valor mensal, a partir do qual lhe é retirada a administração dos seus bens, necessitando de autorização do curador, é muito reduzido; Z) Entendeu o Tribunal a quo que o valor fixado (200,00 euros) e que pode ser livremente administrado pelo Requerido, sem necessidade da dita autorização, era o suficiente à manutenção da sua subsistência condigna, adequado ao seu nível social. No entanto, tal não pode ser entendido dessa forma, atendendo às necessidades e meios de subsistência do Requerido; AA) O Requerido não dispõe atualmente de qualquer fonte de rendimento, pois encontra-se desempregado, tendo somente ao seu dispor, e para já, o dinheiro existente na conta bancária para ir fazendo face às despesas do seu dia-a-dia, nomeadamente alimentação, vestuário, gás, telefone e deslocações (o Requerido não dispõe de meios próprios para se deslocar, tendo de recorrer constantemente aos transportes públicos) para o que, convenhamos, o montante definido pelo Tribunal a quo é manifestamente escasso, mesmo para uma pessoa com um nível social baixo; BB) Deste modo, e no caso de se manter a decisão de decretar a inabilitação do Requerido, desde já se requer que seja alterada a decisão do Tribunal a quo no que toca ao valor estabelecido para que aquele possa gerir livremente, sem necessidade de autorização do curador, uma vez que o mesmo não acautela devidamente as necessidades básicas diárias do Requerido, sendo mesmo atentatório da dignidade humana, fixando-se esse valor nos 300,00 euros mensais.
Nesta dimensão específica - e continuando a dar como reproduzido aqui o que anteriormente se configurou, por adequação -, não obstante, concede-se, a pretexto do inabilitado
“ir fazendo face às despesas do seu dia-a-dia, nomeadamente alimentação, vestuário, gás, telefone e deslocações (o Requerido não dispõe de meios próprios para se deslocar, tendo de recorrer constantemente aos transportes públicos)”
fixar-se o valor estabelecido, para que aquele (inabilitado) possa gerir(-se) livremente, naquela dimensão específica, sem necessidade de autorização do curador, em 300,00 euros mensais. Consequentemente, configura-se como afirmativa, nesta dimensão considerada, a resposta às questões em 2) .
*
Podendo, nestes termos concluir-se, sumariando, nos termos e para os efeitos do que se dispõe no art. 713º, nº7, CPC, que:
1. Por decorrência do disposto no art. 152º Código Civil, a prodigalidade não se traduz em despesas elevadas, mas naquelas que sendo exageradas em relação aos rendimentos de quem as faz, injustificadas e reprováveis, implicam a dissipação ou possibilidade de perda do próprio capital ou dos bens donde provêm os rendimentos. 2. A prodigalidade, para constituir fundamento de inabilitação deve revestir a natureza de habitual, abrangendo os indivíduos que praticam habitualmente actos de delapidação patrimonial. Para o efeito deve atender-se, concretamente, ao capital do requerido e à natureza das despesas: é necessário que as despesas ultrapassem o rendimento e (ou) ponham em risco o capital, mostrando-se improdutivas e injustificáveis. 3. Tendo em conta que, por prodigalidade se entende a existência de uma propensão para a dissipação desregrada de bens, quer em proveito próprio, quer alheio, o que leva a supor que a pessoa que assim procede, estará incapaz de reger ou administrar convenientemente o seu património. 4. Os interessados na inabilitação devem alegar e provar (art.342º Código Civil) que há habitualidade actual na prática de actos ruinosos na administração dos bens e da sua dissipação e que isso constitui perigo actual para o património do inabilitante, tal como, circunstancialmente, aconteceu.
III. A Decisão:
Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, fixando-se o valor estabelecido - para que o inabilitado possa “ir fazendo face às despesas do seu dia-a-dia, nomeadamente alimentação, vestuário, gás, telefone e deslocações (o Requerido não dispõe de meios próprios para se deslocar, tendo de recorrer constantemente aos transportes públicos)”, gerir-se livremente, nesta dimensão específica, sem necessidade de autorização do curador -, em 300,00 euros mensais; no mais se confirmando a decisão recorrida, pelos fundamentos ora expendidos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
António Carvalho Martins (Relator) Carlos Moreira - 1º Adjunto João Moreira do Carmo - 2º Adjunto |