Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA DA CONCEIÇÃO MIRANDA | ||
Descritores: | PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL PRAZO PEREMPTÓRIO JUSTO IMPEDIMENTO REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA, JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 103º. Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTIGO 140º. Nº.1 E ARTIGO 139º., Nº. 3, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART 4º CPP. | ||
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Sumário: | 1 - A lei permite ao interessado a prática de determinado ato processual para além do prazo perentório legalmente fixado para o efeito, desde que invoque e prove o justo impedimento e ainda que findo este, até ao prazo de três dias, pratique o ato em falta.
2 - O justo impedimento exige a verificação de dois requisitos: i) o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatário; ii) o evento determine a impossibilidade de praticar atempadamente o ato. 3 - O conteúdo do talão de uma caixa automática, emitido em 6/09/24, é manifestamente insuficiente para permitir ao tribunal comprovar os factos alegados pressupostos do justo impedimento, nomeadamente a existência do evento, imprevisto e estranho à sua vontade - (incêndio de grandes proporções) - que atingiu o localidade onde este se encontrava - (que nem sequer indicou) - e, por esse motivo, não logrou aceder a rede móvel para proceder ao pagamento atempado na aplicação bancária, tendo percorrido vários quilómetros e vários ATM’S, todos sem êxito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção – Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de tribunal singular, que correm seus termos sob o nº. 368/20.2PBCBR-B.C1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz ..., em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferido despacho judicial que considerou não verificado o justo impedimento alegado pelo arguido (…) e, consequentemente, foi decidido que a recurso pelo mesmo apresentada da sentença proferida nos autos, é extemporâneo.
Inconformado com esta decisão, dela veio o arguido e ora recorrente interpor o presente recurso, com os fundamentos constantes da respetiva motivação e as conclusões, que se transcrevem: “O Reclamante veio condenado por crime de gravidade penal e social elevadas, sendo este tipo de crime, pela relevância e impacto que causa na sociedade e por consequência na vida da vitima e/ou arguido cuja inocencia venha a provar-se, sendo este um exemplo claro de aplicação da máxima de Voltaire “ Mais vale arriscar-se a salvar um culpado do que a condenar um inocente” b. Ora a decisão, incompreensível do tribunal a quo, potencia precisamente uma situação de denegação de justiça, obliterando por completo os direitos de defesa do arguido, entre eles o acesso à dupla jurisdição, Art. 32º da C.R.P. c. Ao receber o comprovativo de pagamento da multa, cujo prazo havia sido ultrapassado por escassas horas, comprovativo que seguia companhado de explicação do impedimento que levou ao atraso no pagamento, situação inesperada, não prevista nem provocada pelo arguido, na qual o mesmo se encontrava impossibilitado de, por si próprio ou por ato de terceiro, cumprir o prazo, ainda que entendesse, o que só por dever de oficio se concebe, não verificado o justo impedimento, sempre deveria ter notificado o aqui reclamente para proceder ao pagamento do valor descrito no Art 139º N.º5 e 6, ou seja 25% do valor, isto caso entendesse não estar verificado justo impedimento, nem ser de aplicar o disposto no N.º7 do referido artigo. d. Contudo assim não se verificou, encontrando-se o aqui reclamante ilegitima e inadmissivelmente impedido de exercer o seu constituional direito de defesa, impondo-se a anulação do despacho ora em crise, susbtituindo-se aquele por outro que admita o recurso intentado, deferindo o justo impedimento invocado, ou caso assim se não entenda, aplicar o disposto no art 139º n 6, impondo-se pagamento da taxa de 25% legalmente prevista, isto, caso se entenda não verificada a excepçao do artigo 139º N.7).”
Na 1º. Instância o Ministério Publico respondeu ao recurso, sem formular conclusões, nos seguintes termos: “ Por despacho de 17/09/2024, o Tribunal «a quo» decidiu que, atendendo ao preceituado nos artigos 107.º, 107.º-A e 411.º, n.º 1, todos do Código Processo Penal e 139.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, se afigurava extemporâneo o recurso apresentado pelo arguido, não sendo admitidos os fundamentos por este invocados para o justo impedimento para a prática desse ato, atento o disposto nos artigos 107.º, nº 2 do Código de Processo Penal e 140.º do Código de Processo Civil. De tal despacho veio o arguido recorrer, por considerar que ao não admitir o recurso interposto, o Tribunal «a quo» ignorou a justificação de justo impedimento avançada, «coartando assim de forma inadmissível e injustificável o constitucional direito do arguido, aqui recorrente, a recorrer da decisão contra si proferida». Posição que o Ministério Público não subscreve, nem aceita, por infundada, uma vez que, ao contrário do que vem alegado pelo Recorrente, não se verifica qualquer fundamento factual e legal que possa sustentar a motivação e conclusões deste recurso e, consequentemente, a sua procedência. Pelo contrário, o despacho recorrido assenta numa correta apreciação dos elementos probatórios constantes do processo, com a consequente e devida valoração dos factos e, bem assim, numa interpretação certa e cuidada dos preceitos legais aplicáveis, não merecendo qualquer censura ou reparo. Senão, vejamos, No âmbito dos presentes autos foi proferida sentença condenatória em 15/07/2024, data esta em que o Recorrente foi devidamente notificado nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 4 do Código de Processo Penal. Nessa medida, considerando a natureza urgente dos autos, e bem assim as regras gerais em matéria de contagem de prazos, o prazo para interposição de recurso findou a 14/08/2024 (artigos 103, n.º 2, 104.º, n.º 2, 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro). Procedendo-se à contabilização dos três dias úteis seguintes em que é permitida a prática do ato, o mesmo era, ainda assim, passível de ser apresentado até ao dia 20/08/2024, data em que o arguido/recorrente apresentou o seu requerimento de interposição de recurso da sentença condenatória (cfr. referência eletrónica n.º 9079335). Nesse seguimento, a 21/08/2024, foi o arguido notificado pela secretaria para que procedesse ao pagamento da multa nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, correspondente ao 3.º dia [alínea c)], acrescido da respetiva penalidade (artigo 139.º, n.ºs 6 e 7 do Código de Processo Civil). Na correspondente guia para pagamento foi fixado o dia 05/09/2024 como data limite para o pagamento da multa nos termos expostos (referência eletrónica n.º 94890595). Sucede que, decorrido o aludido prazo, o arguido/recorrente apenas procedeu ao pagamento da multa no dia 06/09/2024, ou seja, um dia depois do limite máximo do prazo que lhe foi fixado para o efeito. Isto posto, por requerimento de 08/09/2024 (ref.ª 9107719), veio o arguido/recorrente justificar o atraso no pagamento da multa, com fundamento em justo impedimento, porquanto «encontrando-se o requerente em localidade fora de Lisboa, no qual decorria incêndio de grandes proporções, não logrou aceder a rede móvel para proceder ao pagamento na aplicação bancária, tendo percorrido vários quilómetros e vários ATMs, todos sem êxito, dando o erro que se mostra em fotograma que se junta como Doc. 1». Ora, à parte que alega o “justo impedimento” cabe o ónus de alegação e prova de factos que habilitem o tribunal a formular um juízo sobre a conduta culposa da parte, do mandatário ou dos seus auxiliares na ultrapassagem do prazo perentório, sendo essa culpa apreciada à luz do critério geral do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, a fim de decidir se, tendo em conta a prova produzida, (i) o evento não é imputável à parte nem aos seus representantes, por não ter havido culpa (nomeadamente sob a forma de negligência), e (ii) obsta à prática tempestiva do ato (artigo 140.º, n.º 1 e 2, Código de Processo Civil, e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Na verdade, como é superiormente defendido pela jurisprudência, só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele (vide, entre outros, os acórdãos do STJ, de 27/05/2010, processo 07B4184; do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/04/2011, processo 780/07.2TVPRT-C.G1; e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/04/2018, proc. 3188/17.8T8LRA-A.C1. Disponíveis em www.dgsi.pt). Em sentido similar, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/03/2010 (proc. 1651/02.4TAOER-A.L1-5, in www.dgsi.pt), ao exarar que não se verifica justo impedimento se, apesar de um acontecimento normalmente imprevisível, à luz da diligência normal, o ato puder ser praticado pela parte ou por mandatário, porquanto, «Ninguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo perentório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O ato é da parte, o advogado é apenas representante desta. Quando o advogado escolhido não está em condições de exercer o mandato, a parte tem de diligenciar pela escolha de outro que o esteja, caso aquele não tome a iniciativa de substabelecer noutro colega de profissão.». Posição que se subscreve. O justo impedimento deve ser considerado como uma prerrogativa excecional, atendível por questões de justiça material, como salvaguarda de ocorrências imprevisíveis ao obrigado à prática do ato, em respeito pelo princípio de acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos garantido, previsto no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa. No entanto, tal regime excecional deve ser compreendido com limites, sob pena de contribuir, não para a defesa da ação da justiça, mas antes como afrontamento dessa mesma realização, em prejuízo da ordem processual e dos aludidos princípios constitucionais que se impõe proteger. A este propósito se sublinha o douto acórdão n.º 380/96, do Tribunal Constitucional, de 06.03.1996 (DR, II, de 15.7.1996, págs. 9593 e ss.), o qual analisou a questão de saber se o anterior artigo 146.º, n.º 1, do CPC (atual artigo 140.º, n.º 1), interpretado no sentido de que a doença de um advogado que lhe não permite sair de casa no decurso do prazo para praticar um ato processual, mas que o não impede de comunicar com o seu constituinte ou com qualquer outro advogado que este tenha também constituído seu mandatário no processo e que possa praticar o ato em causa, viola, ou não, o artigo 20.° da Constituição, o mesmo concluiu pela não inconstitucionalidade daquela interpretação. Sucede que, da justificação apresentada pelo arguido não é possível descortinar qual a efetiva localização do arguido, que nessa localização não havia acesso à internet ou a qualquer outro meio de pagamento, assim como, não é, sequer, possível extrair dos documentos juntos qual o motivo do invocado “erro” e por quanto tempo o mesmo, a existir, perdurou, e que o arguido não tinha efetiva possibilidade de realizar o pagamento devido em momento oportuno, ainda que por intermédio de terceira pessoa. Pelo que, como oportunamente defendeu o Ministério Público, atento os elementos carreados nos autos, não é possível dar por justificado o justo impedimento invocado pelo arguido, impondo-se o indeferimento do requerido. Posição que mereceu o acolhimento do Tribunal «a quo» ao proferir o despacho recorrido, no qual, após concreta fundamentação, sustentou que «Revertendo à análise do requerimento apresentado pelo arguido, e aos fundamentos por si alegados, acompanhamos a posição adotada pelo Ministério Público no sentido da inexistência de motivos conducentes a justificar uma situação enquadrável em justo impedimento. Não só o arguido não concretiza a sua concreta localização, o período durante o qual se viu alegadamente impedido de proceder ao pagamento, como também não é possível extrai dos documentos por si juntos qualquer ilação no sentido daquela impossibilidade. Acresce, ainda, que de tais alegadas tentativas ressalta a data correspondente a 06-09-2024, já posterior ao prazo que lhe foi fixado para pagamento da multa processual». Acrescentando, «Não resulta, assim, verificada a situação de justo impedimento nos termos do disposto nos artigos 107.º, nº 2 do Código de Processo Penal e 140.º do Código de Processo Civil» (…) e «Considerando o pagamento intempestivo da multa processual devida, tem-se por intempestivo o ato praticado pelo arguido. / Considerando o supra exposto, e atendendo ao preceituado nos artigos 107.º, 107.º-A e 411.º, n.º 1, todos do Código Processo Penal e 139.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, julgo extemporâneo o recurso apresentado pelo arguido e consequentemente, o desentranhamento dos elementos juntos (referência eletrónica n.º 9079335)». Decisão que se afigura, assim, perfeitamente ajustada, tendo interpretado e aplicado corretamente as normais legais pertinentes, não merecendo qualquer censura ou reparo, devendo, em consequência, o recurso interposto ser declarado totalmente improcedente, por infundado, mantendo-se aquela integralmente. NESTES TERMOS, deverá ser julgado totalmente improcedente o presente recurso interposto pelo arguido, mantendo-se em vigor o douto despacho recorrido, fazendo-se assim, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
II Fundamentação Delimitação do objeto do recurso Nos termos do disposto no artigo 412º nº 1 do Código de Processo Penal e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, com exceção daquelas que forem de conhecimento oficioso. A motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida. Nesta conformidade, a questão que se suscita no recurso consiste em saber se ---
III. A decisão Recorrida A decisão recorrida tem o seguinte teor: “ Através de requerimento datado de 08-09-2025 (referência eletrónica n.º 9107719) veio o arguido AA requerer que seja deferida a junção aos autos de documento comprovativo do pagamento da multa de terceiro dia pelo recurso por si interposto. Refere o arguido que o atraso no pagamento da multa se justifica por justo impedimento uma vez que se encontrava em localidade fora de Lisboa, na qual decorria um incêndio de grandes proporções, pelo que não logrou aceder a rede móvel para proceder ao pagamento na aplicação bancária, tendo percorrido vários quilómetros e vários ATM’S, todos sem êxito. Mais refere que, nessa sequência, veio a ilustre mandatária a emitir DUC, tendo o pagamento sido realizado com a dita referência. Concedida vista, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido com fundamento na impossibilidade de dar o justo impedimento por justificado em face dos motivos invocados. Apreciando: De acordo com o disposto no artigo 140.º, nº 1 do Código Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código Processo Penal, “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”. À luz deste conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade. Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Cabe à parte que não praticou o ato alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo: embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos (cf. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, páginas. 257 e 258). Dispõe o artigo 140.º, nº 2 do Código Processo Civil, que “a parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova”, a significar que cabe à parte que não praticou o ato alegar e provar a sua falta de culpa, ou seja a verificação de caso fortuito ou de força maior impeditivo da prática do ato, pois o justo impedimento depende da inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário na ultrapassagem do prazo perentório, sem prejuízo do especial dever de diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das suas causas (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2021, processo n.º 4044/18.8T8STS-C.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). A jurisprudência tem, ainda, entendido que só o evento que impossibilite, de forma absoluta, a prática atempada do ato pode ser enquadrada na figura do justo impedimento, excluindo-se a mera dificuldade na sua realização (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-04-2018, processo n.º 3188/17.8T8LRA-A.C1, disponível em www.dgsi.pt). Em matéria de momento da prática de atos processuais os rege o artigo 107.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, segundo o qual “os atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”. Decorre do normativo legal em apreço o caráter excecional da prática de atos fora do prazo legalmente fixado, o que não deixa de ser sintomático da essencialidade dos prazos no processo penal – “os prazos são uma peça fundamental na engrenagem para lograr o fim do processo penal. A inexistência de prazos, ou a existência de prazos flutuantes ou incertos geraria o caos processual, potenciador de instabilidade e imprevisibilidade” (cf. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Volume I, páginas 1122 e 1123). Com pertinência para o caso, releva ainda a possibilidade conferida pelo artigo 140.º, n.º 5 do Código de Processo Penal de prática do ato nos três dias subsequentes, nos termos previstos na lei processual civil (artigo 139.º do Código de Processo Civil). Revertendo à análise do requerimento apresentado pelo arguido, e aos fundamentos por si alegados, acompanhamos a posição adotada pelo Ministério Público no sentido da inexistência de motivos conducentes a justificar uma situação enquadrável em justo impedimento. Não só o arguido não concretiza a sua concreta localização, o período durante o qual se viu alegadamente impedido de proceder ao pagamento, como também não é possível extrai dos documentos por si juntos qualquer ilação no sentido daquela impossibilidade. Acresce, ainda, que de tais alegadas tentativas ressalta a data correspondente a 06-09-2024, já posterior ao prazo que lhe foi fixado para pagamento da multa processual. Não resulta, assim, verificada a situação de justo impedimento nos termos do disposto nos artigos 107.º, nº 2 do Código de Processo Penal e 140.º do Código de Processo Civil. Cumpre, pois, retirar as devidas conclusões em face da prática do ato fora do prazo legalmente previsto. No âmbito dos presentes autos em que é arguido AA foi proferida sentença condenatória no dia 15-07-2024, data esta em que aquele foi notificado (cf. artigo 372.º, n.º 4 do Código de Processo Penal). Considerando a natureza urgente dos autos, e bem assim as regras gerais em matéria de contagem de prazos, temos que o prazo para interposição de recurso findou a 14-08-2024 (artigos 103, n.º 2, 104.º, n.º 2, 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro), sendo que contabilizados os três dias úteis seguintes em que é permitida a prática do ato, o mesmo era passível de ser apresentado até ao dia 20-08-2024. E o certo é que o arguido apresentou requerimento de interposição de recurso no dia 20-08-2024 (referência eletrónica n.º 9079335), sendo que a 21-08-2024 foi notificado pela secretaria para que procedesse ao pagamento da multa nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, correspondente ao 3.º dia (alínea c)), acrescido da respetiva penalidade (artigo 139.º, n.ºs 6 e 7 do Código de Processo Civil). Na guia para pagamento foi fixado o dia 05-09-2024 como data limite para o pagamento da multa nos termos expostos (referência eletrónica n.º 94890595). Decorrido o aludido prazo, o arguido apenas procedeu ao pagamento da multa no dia 06-09-2024, ou seja, após o limite máximo do prazo que lhe foi fixado para o efeito. Ora, o prazo para pagamento da multa nos aludidos termos é perentório, acarretando a não observância do mesmo, a extemporaneidade do ato - o prazo para pagamento da multa é entendido como perentório, sendo que o não pagamento acarretará a extemporaneidade da prática. A lei concede duas possibilidades de a parte praticar o ato para além do prazo normal, a prevista no n.º 5 do art. 139.º, mediante o pagamento imediato de uma multa aí prevista, e a prevista no n.º 6, pagamento daquela multa acrescida de penalização de 25%. Sendo que neste último caso a secretaria notifica e indica o limite do prazo de pagamento. O pagamento da multa no dia seguinte ao termo do prazo não valida a prática do ato, pelo que apresentação do requerimento de interposição do recurso foi extemporânea (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-04-2023, processo n.º 2646/21.4T8VNF-A.G1.S1-A, disponível em www.dgsi.pt). Considerando o pagamento intempestivo da multa processual devida, tem-se por intempestivo o ato praticado pelo arguido. Considerando o supra exposto, e atendendo ao preceituado nos artigos 107.º, 107.º-A e 411.º, n.º 1, todos do Código Processo Penal e 139.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, julgo extemporâneo o recurso apresentado pelo arguido e consequentemente, o desentranhamento dos elementos juntos (referência eletrónica n.º 9079335). (…)”
IV. Da apreciação do mérito do recurso A questão suscitada no presente recurso reside em saber se ocorreu uma situação de justo impedimento para a prática do ato fora do prazo estipulado na lei e, consequentemente, a tempestividade do recurso apresentado pelo arguido. O arguido foi condenado em 1.ª instância pela prática de um crime de violência doméstica, por sentença depositada no dia 15/07/24. O crime em questão tem natureza urgente, nos termos do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09, sendo de aplicar o regime do nº. 2 do artigo 103º. do Código de Processo Penal, ou seja, os prazos processuais correrem durante os fins-de-semana, férias e feriados. O prazo de 30 dias para a interposição do recurso da sentença proferida conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria, no caso, a partir de 15/07/24. No dia 28/08/24 foi interposto recurso, tendo o ato sido praticado nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, sem pagamento da multa, a secretaria do tribunal oficiosamente procedeu à notificação do arguido para efetuar o pagamento, acrescida da penalização prevista nos artigos 139.º nº. 6 do Código de Processo Civil e 107-A do Código de Processo Penal. Todavia, o arguido não procedeu ao pagamento no prazo que lhe foi concedido que terminava no dia 5/09/24, o que só fez no dia 6/09/24 e invocando justo impedimento. A regra geral do artigo 139º., nº. 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º. do Código de Processo Penal, estabelece que o decurso de um prazo perentório importa a extinção do direito de o sujeito processual praticar o ato. O direito de o arguido interpor recurso da sentença penal encontra-se balizado por um prazo perentório de 30 dias, findo o qual, em princípio, esse direito se extingue. Contudo, no processo penal a prática de ato fora de prazo é admitida, em casos excecionais, expressamente previstos no artigo 107º. do Código de Processo Penal. Preconiza este artigo 107º. do Código de Processo Penal, que: “(…) 2 - Os atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento. 3 - O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento. 4 - A autoridade que defira a prática de ato fora do prazo procede, na medida do possível, à renovação dos atos aos quais o interessado teria o direito de assistir. 5 - Independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.” O conceito de justo impedimento é definido no artigo 140º. nº.1 do Código de Processo Civil, para onde o artigo 4.º do Código de Processo Penal, remete, estabelecendo o seguinte: “1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. 2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. 3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.” Por conseguinte, a lei permite ao interessado a prática de determinado ato processual para além do prazo perentório legalmente fixado para o efeito, desde que invoque e prove o justo impedimento e ainda que findo este, até ao prazo de três dias, pratique o ato em falta. O justo impedimento exige a verificação de dois requisitos, a saber: i) o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatário; ii) o evento determine a impossibilidade de praticar atempadamente o ato. No caso em apreço, o arguido veio invocar justo impedimento para o pagamento da multa alegando, para o efeito, que se encontrava fora de Lisboa, numa zona atingida por incêndio de grandes proporções e, por esse motivo, não logrou aceder a rede móvel para proceder ao pagamento na aplicação bancária, tendo percorrido vários quilómetros e vários ATM’S, todos sem êxito. Mais refere que, nessa sequência, veio a ilustre mandatária a emitir DUC, tendo o pagamento sido realizado com a dita referência. Para prova das invocadas circunstâncias integradoras do justo impedimento juntou um registo fotográfico de um talão de uma caixa automática, emitido em 6/09/24. Por fim, dir-se-á que não assiste razão ao recorrente quando diz que ocorre “denegação de justiça, obliterando por completo os direitos de defesa do arguido, entre eles o acesso à dupla jurisdição, Art. 32º da C.R.P”.
V . Decisão
Notifique * * Coimbra, 19 de Fevereiro de 2025 * Maria da Conceição Miranda Alcina Costa Ribeiro Sandra Rocha Ferreira
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