Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
314/21.6T8OHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO POR DANO DE CHANCE
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL DIRIGIDA A MANDATÁRIO JUDICIAL DEVOLVIDA COM A MENÇÃO “OBJECTO NÃO RECLAMADO”.
NÃO APRESENTAÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO PARA O NÃO LEVANTAMENTO DE TAL NOTIFICAÇÃO.
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 249.º, 2, DO CPC
ARTIGO 254.º, DO CPC, NA SUA ANTERIOR REDACÇÃO
ARTIGO 570.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 1.º E 23.º, DO CPTA
ARTIGOS 38.º, 3 E 39.º, 1, 2 E 5, DO CPPT
ARTIGOS 91.º, H); 95.º, 1, C) E 98.º, 2, DO EOA
ARTIGOS 46.º, 3 E 57.º, DO CIRS
Sumário: 1- Constitui dever do advogado para com a Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 91.º, alínea h) EOA, que o mesmo mantenha um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos.
2 -Desde o momento em que a 1.ª R., Advogada, no âmbito do patrocínio do autor, não recebeu no seu domicilio profissional a notificação judicial que lhe foi dirigida, que veio devolvida com a menção «objecto não reclamado», e que se destinava à junção ao Processo de Impugnação Judicial àquele referente de documentos destinados a fazer prova dos valores por ele suportados para efeitos do disposto no artigo 46º/3 do Código IRS, e não apresentou qualquer justificação de modo a que se pudesse considerar que o não levantamento dessa correspondência havia ocorrido por factos a si não imputáveis, e tão pouco, comunicou, preventivamente, a existência de dificuldades no funcionamento do seu escritório junto do Tribunal, agiu ilícita e culposamente no cumprimento dos seus deveres de patrocínio para com o autor.

3- Constatando-se, em função do “julgamento dentro do julgamento” que, se aqueles documentos tivessem sido juntos, o valor da colecta do A. referente ao ano de 2005 seria negativo, com a inerente anulação do acto de liquidação e dos juros compensatórios, e, por conseguinte, que se está perante uma «razoável certeza» de que aqueles danos não teriam ocorrido se não fora aquela omissão por parte da Advogada, deverá esta ser responsabilizada pelos mesmos a titulo de responsabilidade profissional.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – AA, propôs acção declarativa de condenação contra BB e contra a Seguradora X... Company SE, Sucursal em Espanã,  pedindo que os seus danos sejam reconhecidos como incluídos no âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil profissional de grupo celebrado com a Ordem dos Advogados até ao limite do capital de seguro; que as RR. sejam condenadas, solidariamente, a título de responsabilidade civil, pelo exercício do patrocínio forense no âmbito do apoio judiciário, a pagar-lhe a quantia de 18 673,83 (dezoito mil, seiscentos e setenta e três euros e oitenta e três cêntimos), acrescido do montante que vier a ser considerado a título de juros vincendos e custas processuais no âmbito do Processo de execução fiscal n.º ...24 a correr termos no Serviço de Finanças ..., bem como, condenadas, solidariamente, ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2 500,00 (dois mil quinhentos), acrescidos de juros de mora a 4% desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.

As RR. contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção,  pugnando pela total improcedência do peticionado.

O A.  apresentou resposta às excepções.

Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferidos os despachos previstos nos termos dos artigos 595.º e 596.º, do Código de Processo Civil, e conhecida e decidida a excepção de prescrição invocada.

Realizou-se a audiência final, tendo o A. requerido a ampliação do pedido para o de €19.218,59 (dezanove mil, duzentos e dezoito euros e cinquenta e nove cêntimos), tendo a mesma sido admitida.

Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a acção, condenando-se as RR. a pagarem, solidariamente, ao A. o montante de € 19 218,59 (dezanove mil, duzentos e dezoito euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido do montante que vier a ser considerado a título de juros vincendos e custas processuais no âmbito do processo de execução fiscal nº ...24 a correr termos no Serviço de Finanças ..., absolvendo-se as mesmas do demais peticionado pelo A.

II – Do assim decidido, apelou a R. seguradora, que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:

1) A Ré Advogada foi nomeada, no âmbito da Lei de Acesso ao Direito (aprovada pela Lei n.º 34/2004, de 29-07) através do Sistema de Informação da Ordem dos Advogados, para patrocinar o Autor em impugnação judicial apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal ... (doravante TAF ...).

2) No âmbito do exercício do referido patrocínio, e após apresentação de impugnação judicial, o referido TAF ... proferiu, em 28.06.2018, despacho a notificar o autor para juntar, no prazo de 10 dias, os documentos que fizessem prova do alegado nos artigos 15º, 22º e 27º do referido requerimento de impugnação.

3) À data dos factos em apreço, as notificações operadas no seio dos Tribunais Administrativos e Fiscais apenas eram remetidas via postal, sendo essa a única forma de endereçar comunições às partes.

4) O despacho identificado em 2) foi remetido via postal à Ré Advogada.

5) Contudo, a notificação referida foi devolvida ao TAF ... com a indicação de “objeto não reclamado”.

6) Nessa senda, o TAF ... e bem assim, o tribunal a quo adotaram a tese sufragada no art. 249º n.º 2 do Código de Processo Civil, estabelecendo como consequência para o não levantamento da correspondência a presunção de notificação.       7) Mal andaram os referidos tribunais porquanto, na senda do defendido pelo Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 21.01.2010, proferido no processo n.º 807/09 e acórdão datado de 15.04.2021, processo n.º 2209/13.8BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt relativamente à interpretação do artigo 39º do Código de Procedimento e Processo Tributários, só poderá operar a presunção de notificação se a comunicação postal não for devolvida.

8) No caso em apreço, a notificação foi devolvida ao TAF ... com a menção “objeto não reclamado”.

 9) Entende a recorrente que a sentença padece de erro relativamente à valoração da presunção da notificação e pressuposto  normativo legal aplicável, devendo ser alterada nos termos descritos.

10) Ainda que assim não se entenda, a junção da referida documentação nunca poderia fazer prova plena do alegado pelo Autor porquanto a documentação junta com a petição inicial inclui um conjunto de faturas relativas a documentos como pagamentos de coimas ou acidentes de trabalho que nenhuma relação tem com o objeto do litígio.

11) As faturas juntas com a petição inicial não oferecem qualquer valor probatório relativamente à contabilização de encargos para efeitos de declaração de IRS por rendimentos de categoria “G”.

 12) No mais, será de considerar que as referidas faturas sempre seriam recusadas por serem anteriores aos últimos cinco anos, nos termos do disposto no artigo 51º Código sob o Rendimento de Pessoas Singulares.

13) A sentença recorrida incorre em clara contradição ao longo da exposição fática e jurídica tecida porquanto descura qualquer tipo de responsabilidade ao Autor.

14) Tendo o Autor contribuído diretamente para a existência da quantia em dívida ao Serviço de Finanças em causa e, por sua vez, da instauração de processo de execução fiscal, não compreende a aqui Ré como culpabilizou o Tribunal in totum a Ré Advogada, condenando ao pagamento da quantia em dívida acrescido de juros vincendos e custas processuais.

15) Nos termos do disposto no artigo 570º do Código de Processo Civil, existindo uma “atuação do lesado subjetivamente censurável em termos de culpa”, in casu, a não apresentação de rendimentos de categoria “G” na declaração de IRS de 2005, existirá culpabilidade do lesado na produção do alegado prejuizo invocado.

16) No caso sub judice, verifica-se assim que o Autor não alegou, demonstrou ou provou assim a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consistente na existência dos seus alegados direitos e respetivos danos emergentes de invocados comportamentos da R. Segurada Dra. BB.

            17) A este propósito, cita-se a decisão do STJ: “a mera perda de uma “chance” não terá, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória” (Acórdão STJ de 2010.10.26, Processo 1410/04.0TVLSB.L1.S1);

18) Ou seja, não basta alegar que não requereu a separação de bem, para se concluir pela existência do dano perda de chance!

19) Por tudo o exposto, consideramos que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do Réu Segurado e o alegado dano. Pelo que os danos morais deverão ser considerados como não provados e consequentemente a sentença recorrida revogada em conformidade!

20) Concluindo, salvo o devido respeito não poderia nunca vingar a condenação, nos termos decididos, pelo Tribunal a quo, nomeadamente a título de perda de chance, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada, no sentido de julgar totalmente improcedente a ação por não provada. Como tal, deverá ser revogada a douta Sentença proferida, na parte impugnada nos termos supras expostos, alterando-se a matéria de facto dada como provada em conformidade.

Contra-alegou o A., concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões: 

1-O recurso apresentado pela apelante, não poderá merecer provimento, dado que, aquela carece totalmente de razão e fundamento nas suas alegações e conclusões de recurso, socorrendo-se mesmo de entendimentos que não têm qualquer aplicação ao presente caso.

2- Na verdade, toda a matéria de facto foi correctamente apreciada e julgada pelo Meritíssimo Juiz de 1ª instância, cumprindo a douta sentença ora recorrida, escrupulosamente, o estabelecido no art. 659º do Código de Processo Civil.

3- Tal sentença, contém os factos julgados provados e os não provados, acompanhados da respectiva análise crítica das provas, bem como, a especificação dos fundamentos que estiveram na base da formulação da convicção do julgador, tomada de forma livre, nos termos do art. 655º nº1 do Código de Processo Civil.

 4- A recorrente não se conforma com a convicção formada pelo Meritíssimo Juiz a quo, pretendendo criar uma outra que lhe seja favorável, no entanto, como referem os Acórdão da RC de 5 / 7 / 2000 e de 3 / 10 / 2000 (Proc.s nºs 2815 / 1999 e 3425 / 1999, ambos da 2ª Secção – ww.com.to/trc.pt), o Tribunal de 2ª instância não vai à procura de uma nova convicção mas, simplesmente, à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a prova constante nos autos pode exibir perante si.

 5- Não se vislumbra de facto, quaisquer elementos probatórios existentes nos autos que possam colidir com a factualidade dada como provada, bem como, com as conclusões de direito patentes ao longo do Ponto 5 da douta sentença recorrida, nomeadamente, nos Pontos 5.3.4. e 5.3.5.

6- De facto e, de acordo com o estabelecido nos art.s 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 247º nº 1 e 249 nº2 do Código de Processo Civil, conjugando com a factualidade dada como provada nos Pontos 4.1.17. a 4.1.19. da sentença recorrida, dúvidas não remanescem sobre a perfeição das notificações feitas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... à R. Dra. BB, no âmbito do Processo de Impugnação Judicial nº 343/11....,

7- Acrescentando-se, quando a este aspecto, o facto de se dever ter em conta o anterior art. 254º do Código de Processo Civil, em virtude da alteração legislativa, quanto às notificações electrónicas dos mandatários, as quais, somente mais tarde, vieram a ser acompanhadas nos processos administrativos, devendo igualmente ter-se em conta os despachos constantes nos doc.s 76 e 77 juntos com a P.I.

8- Ao contrário do que a recorrente pretende dar a entender nas suas alegações, tal como se encontra dado como provado no Ponto 4.1.23. da douta sentença recorrida, a R. Dra. BB, jamais pediu ao recorrido quaisquer documentos ou facturas, quando se tratavam de documentos essenciais à prova no processo de impugnação judicial para o qual foi nomeada patrona.

 9- A factualidade dada como provada, para além do mais, nos Pontos 4.1.2. e 4.1.10. da douta sentença recorrida, é bem demonstrativa da relevância desses documentos (facturas), para o efeito pretendido no que concerne à anulação da liquidação do imposto em causa (IRS), demonstrando igualmente que se tratam de facturas relativas aos custos de construção, suportados pelo recorrido com o imóvel alienado.

10- No citado processo de impugnação judicial, o preceito legal aplicável era o art. 46º nº 3 do C.I.R.S. e não, como alega a recorrente, o art. 51º do mesmo diploma legal, uma vez que se tratou de construção promovida pelo próprio recorrido e, assim, o valor da aquisição corresponderia ao valor patrimonial acrescido dos custos de construção, demonstrando-se essencial a apresentação das ditas facturas, as quais teriam sido levadas em conta.

11- Ao contrário do alegado pela recorrente, o que está em causa na presente acção, reside na conduta assumida pela R. Dra. BB, enquanto patrona do recorrido e, no âmbito do processo de impugnação judicial para o qual foi nomeada e não sobre o motivo que fez despontar o processo de execução fiscal.

 12- De igual forma e, ao contrário do alegado pela recorrente, encontra-se plenamente demonstrado, pela factualidade dada como provada nos Pontos 4.1.10. e 4.1.17. a 4.1.22. da douta sentença recorrida que, a R. Dra. BB assumiu uma clara conduta negligente e nada zelosa no âmbito do citado processo de impugnação judicial para o qual foi nomeada e que,

13- Tal conduta conduziu e foi causa adequada à decisão de improcedência proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., causando assim prejuízos ao recorrido, mantendo-se válida a nota de liquidação do imposto em causa, pelo que se mantém a dívida do recorrido para com a Autoridade Tributária,

14- O que não sucederia caso a R. Dra. BB tivesse recebido, como era seu dever, as notificações remetidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... e tivesse fornecido os documentos solicitados por aquele, realçando-se que,

 15- A R. Dra. BB, nem sequer deveria, em primeira mão, ter aceite tal patrocínio, nos termos do art. 98º nº2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, atento à matéria de facto dada como provada no Ponto 4.1.9. da douta sentença recorrida.

16- A recorrente litiga de má fé, deduzindo pretensão, no âmbito do presente recurso, cuja falta de fundamento não poderá desconhecer, devendo aquela ser condenada a esse titulo, no pagamento ao recorrido, de uma indemnização a arbitrar por esse tribunal, tudo nos termos dos art.s 542º nºs 1 e 2 a) e 543º nº2 do Código de Processo Civil.

O A foi ouvido a respeito do pedido de condenação por litigância de ma fé,  pronunciando-se no sentido da não  verificação da mesma.

           

III – A -  O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

4.1.1. O autor adquiriu em 1987 prédio urbano prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...14 tendo neste construído um edifício para sua habitação.

 4.1.2. No período de 1989 a 1991, o autor adquiriu vários materiais de construção para construção da sua habitação no valor de € 16 219,07 (dezasseis mil, duzentos e dezanove euros e sete cêntimos).

 4.1.3. Em despacho de 02-02-2001 proferido pelo Subdirector Geral da Direcção de Serviços dos Impostos de Selo e das Transmissões, foram prestados os seguintes esclarecimentos ao autor:

 

4.1.4. Em 08-07-2009, o Serviço de Finanças ... notificou o autor do apuramento de rendimentos s categoria G, para o ano de 2005, no montante de € 90 000,00, correspondendo ao rendimento colectável de € 38 875,25 e para exercício do direito de audição.

4.1.5. Em 15-09-2009, o autor deu entrada de reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças ..., que aqui se dá por reproduzida.

 4.1.6. Em 23-10-2009, foi proferida decisão Serviço de Finanças ... a indeferir a reclamação com fundamento em parecer de 13-10-2009, anulado por despacho de 07-01-2010 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária por delegação do Director de Finanças.

4.1.7. BB, 1.ª ré, exerce a profissão de advogada, praticando e exercendo todos os actos inerentes e próprios dessa mesma actividade profissional.

4.1.8. Em 14-01-2010, no exercício da sua actividade profissional, a 1.ª ré foi nomeada patrona do autor no âmbito do sistema de apoio judiciário, com a finalidade de patrocinar aquele, interpondo / requerendo um processo de impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal ....

4.1.9. A 1.ª ré reconheceu não ser conhecedora, nem estar à vontade em matéria de Direito Tributário.

4.1.10. No âmbito do processo de impugnação da reclamação graciosa, e em momento anterior à apresentação da impugnação judicial em 4.1.16., o Autor conjuntamente com a 1.ª Ré apresentaram-se no Serviço de Finanças ... munidos com facturas referentes a despesas suportadas com obras no prédio objecto do processo tributário, mas que segundo eles não foram aceites por aqueles serviços aqueles serviços por estes entenderem não ser relevantes.

 4.1.11. Em sede de audiência prévia no procedimento tributário, o autor apresentou requerimento onde declara:



 4.1.12. Após realização da audiência, em 19-01-2010 foi proferido indeferimento da reclamação, convertendo em definitivo o parecer de 23-10-2009.

4.1.13. Em 24-01-2011 foi proferida decisão pela Directora de Serviços do IRS a negar provimento ao recurso gracioso com fundamento na informação datada de 12-01-2011 e que aqui se dá por reproduzida, onde consta na fundamentação de facto e de direito com relevo para os presentes autos:

4.1.14. Na informação que fundamentou a decisão que apreciou o recurso foram considerandos os seguintes valores para efeito de cálculo de IRS e juros compensatórios:

4.1.15. Constando, ainda na fundamentação de direito:




4.1.16. Em 15-05-2011, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., na Unidade Orgânica 2, processo n.º 343/11...., impugnação judicial em nome do autor e subscrita pela ré da decisão proferida em 23-03-2010, que se dá aqui por reproduzida e onde é alegado, com pertinência para os autos:

(…)


4.1.17. Em 28-06-2018 foi proferido despacho a notificar o autor na pessoa da sua patrona, a ré, para juntar no prazo de 10 (dez) dias para documentos que fizessem prova do alegado nos artigos 15º, 22º e 27º do requerimento inicial da dita impugnação.

4.1.18. O despacho foi remetido à ré por via postal registada para a morada constante nos autos e correspondente à indicada na Ordem dos Advogados.

 4.1.19. A notificação foi devolvida ao Tribunal Administrativo e Fiscal ... com informação aposta de «objecto não reclamado».

 4.1.20. Em 17-09-2018 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... a julgar improcedente a impugnação judicial confirmando-se assim a nota de liquidação do imposto de IRS referida em 4.1.14. constando da mesma os seguintes segmentos relevantes para os presentes autos



(…)




(…)



4.1.21. Da citada sentença, consta na motivação da matéria de facto:


4.1.22. Por sua vez, consta na fundamentação da matéria de direito:


4.1.23. A 1.ª ré nunca pediu por sua iniciativa quaisquer documentos ou facturas ao autor, porque entendeu que a recusa da admissão destes pelo Serviço de Finanças ... eram motivo suficiente para considerar os mesmos como não necessários à defesa para fins de impugnação graciosa e administrativa.

4.1.24. O autor reconheceu que, a partir do conhecimento da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., 08/11/2018, esteve em contacto com a 1.ª ré para elaboração das alegações de recurso de apelação, tendo conhecimento do teor daquelas, bem como entregando as facturas para instruir o recurso.

 4.1.25. A 1.ª ré apresentou os documentos em sede de alegações de recurso por insistência do autor que os entregou para o efeito e que aqui se dão por reproduzidos:

4.1.26. Corre contra o autor processo de execução fiscal nº ...24 que corre termos no Serviço de Finanças ... para cobrança do imposto de IRS de 2005:



4.1.27. No âmbito do processo de execução fiscal o autor tem os bens que integram o seu património penhorados, incluindo a sua habitação:



4.1.28. O autor é pessoa de humilde de condição sócio económica, não detendo meios financeiros para fazer face à dívida em causa.

 4.1.29. A 1.ª ré., em virtude de ser advogada devidamente inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses, detém e detinha à altura dos descritos factos, a respectiva responsabilidade civil profissional transferida para a X... COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPANA”, aqui 2ª Ré, beneficiando de um seguro de grupo com a apólice nº ...1..., contratada com a seguradora X... Company, SE, Sucursal En España, figurando como mediadora e representante em Portugal a empresa A..., S.A.

4.1.30. A 2.ª ré “segura o risco decorrente de acção ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólices n.º ...8..., ...9... e ...20... e ...21...,

 4.1.31. Nos termos do Ponto 11 das Condições Particulares da Apólice em causa, ES00013615EO18A, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01-01-2018 às 00h e vencimento às 00h de 01-01-2019.

4.1.32. A Apólice subscrita pela Ré Segurada tem como limite de indemnização o capital total de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros) por sinistro.

4.1.33. Tendo sido fixada uma franquia no montante global de € 5 000,00 (cinco mil euros) por sinistro, franquia essa que fica a cargo da Segurada.

 4.1.34. Na cláusula 15 das condições especiais da apólice consta que não são oponíveis a terceiros lesados.

 B - O Tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:

4.2.1. Em consequência da improcedência da impugnação judicial, o autor tendo vindo a viver num estado de enorme ansiedade e mesmo de depressão, apresentando-se constantemente de semblante taciturno, tendo dificuldades em dormir, encontrando-se constantemente a ser “consumido” pela ideia de vir a perder todo o seu parco património, inclusive a sua habitação.

4.2.2. Essa ansiedade e depressão na sua vida diária, quer na sua falta de alegria, ao contrário do que sucedia anteriormente, quer no facto de se refugiar na sua residência, não demonstrando vontade de sair e conviver com as pessoas conhecidas e amigas.

4.2.3. O autor aborda constantemente o assunto, sempre de uma forma que revela uma grande revolta e indignação, não aceitando ou compreendendo a actuação da 1ª R., nem as consequências que daí advieram, o que lhe provoca um permanente estado de ansiedade.

IV – Vistas as conclusões das alegações, e operando o seu confronto com a decisão recorrida, são as seguintes as questões que importa decidir, correspondendo ao objecto do recurso:

- se a  1ª. R.  não deveria ter sido considerada como presuntivamente notificada do despacho do TAF de 28/6/2018, em virtude da correspondência em causa ter vindo devolvida, por isso, se devendo excluir a ilicitude na condução do patrocínio judiciário para que foi nomeada;

- se nem toda a documentação junta pelo A. deveria ter sido admitida,  designadamente as facturas,  porque anteriores aos últimos cinco anos;

- se a responsabilidade da 1ª R.  devia ter sido mitigada em função da culpa do A., nos termos e para o efeito do art 570º do CC;

- se não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta omissiva da 1ª R. e o dano, estando, por isso, afastado o dano de chance;

- se a R. seguradora, ao interpor o presente recurso, litigou de má fé.

Para enquadrar as questões objecto do recurso (e colmatando a exiguidade do relatório do presente acórdão), faz-se notar que se está na presença de uma acção destinada à efectivação de responsabilidade civil profissional relativamente à aqui 1ª R , Advogada,  Dra. BB, em função de ter apresentado  impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal ... em nome do A., tendente a alterar/rectificar a decisão tomada pelo Serviço de Finanças ... no âmbito do antecedente recurso hierárquico da reclamação graciosa, relativamente à liquidação do IRS, referente aos rendimentos do A. de 2005, no que se reporta às mais valias, sem que  tenha diligenciado, na impugnação judicial, pela junção da prova documental que demonstraria os encargos suportados com a construção do imóvel que vendeu nesse ano de 2005 e que originou aquela liquidação.

Resulta da matéria de facto relevante para a apreciação da 1ª questão objecto do recurso que, em 14/01/2010, no exercício da sua actividade profissional, a 1.ª R. foi nomeada patrona do A. no âmbito do sistema de apoio judiciário, com a finalidade de patrocinar aquele, interpondo / requerendo um processo de impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal ....

  Em 15/05/2011, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., na Unidade Orgânica 2, o processo n.º 343/11.... -  impugnação judicial em nome do A. da decisão proferida em 23/03/2010.

No âmbito desse processo, em 28/06/2018, foi proferido despacho a notificar o A., na pessoa da sua patrona, a R., para juntar no prazo de 10 (dez) dias documentos que fizessem prova do alegado nos artigos 15º, 22º e 27º do requerimento inicial da dita impugnação.

 O despacho em causa foi remetido à R. por via postal registada para a morada constante nos autos e correspondente à indicada na Ordem dos Advogados, mas tal  notificação veio devolvida ao Tribunal Administrativo e Fiscal ..., com informação aposta de «objecto não reclamado».

Pretende a apelante que o Tribunal Administrativo e Fiscal ... não devia ter presumido a notificação da aqui 1ª R, ao abrigo do nº 2 do art 249º CPC, fazendo valer, para assim concluir, a disciplina do nº 1 do art 39º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPTT), citando, para o efeito, vária jurisprudência dos Tribunais Administrativos.

Dispõe o art 39º do CPPT que, «1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção».

Estão em causa, como resulta do nº 1 desta norma, as notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º,  norma que estipula que «As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».

A norma do referido art 39º estatui no seu nº 5, que, «Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vir assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal».

Desta disciplina – desde logo respeitante a notificações  por carta registada com aviso de recepção, o que não é o caso  -  resulta, com evidência, que estão em questão  comunicações dirigidas ao «contribuinte», por isso se referindo ao seu domicilio, o que anda longe da situação em causa nos autos, que se reporta a uma notificação a um advogado que representa no processo o contribuinte e para a qual foi utilizada apenas carta registada.

Neste domínio, só pode reger o disposto na norma remissiva do art 23º do CPTA, que dispõe ser «subsidiariamente aplicável ao processo administrativo o disposto na lei processual civil em matéria de entrega ou remessa das peças processuais, dos duplicados dos articulados e das cópias dos documentos apresentados, bem como em matéria de realização das citações e notificações», bem como o disposto no art 1º CPTA que nos remete, genérica e subsidiariamente , para «a lei de processo civil», o que, in casu, implica a aplicação do disposto  no art 254º do anterior CPC, visto que ao tempo da notificação em apreço  - 28/06/2018 – não vigorava ainda nos processos administrativos o regime das notificações elecrónicas dos mandatários.

Norma que estatuía- lembre-se - que «os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal» - nº 1;  que «a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» - nº3;  e que «a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior» - nº 4,  sendo que «as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis» – nº 6.

Valem, pois, para o efeito da ilicitude da conduta da Exma mandatária do A. a valorar nesta acção, todas as pertinentes considerações feitas na sentença recorrida, nenhum sentido fazendo que se diga, como o faz o apelante, que «competia ao próprio Tribunal Administrativo e Fiscal ... promover nova tentativa de notificação da Ré Advogada para junção da documentação solicitada. Não poderá aceitar-se que o Tribunal a quo impute in totum a responsabilidade e culpa na não recepção da notificação relativa ao pedido de junção de documentos, quando a mesma não promoveu nem diligenciou pelo total cumprimento e esgotamento das vias de notificação, antes fazendo operar de imediato a presunção de notificação, pelo que se conclui pela não verificação de um facto ilícito e culposo verificado pela Ré Advogada».
            Bem pelo contrário, como é apontado na sentença recorrida, lembrando que,   segundo o artigo 91.º, alínea h) EOA,  é dever do advogado para com a Ordem dos Advogados, «manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral», e que, «ainda que este dever (…) seja para com a Ordem dos Advogados, o mesmo materializa o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente na medida em que o domicílio corresponde ao ponto de contacto com os tribunais para o exercício do patrocínio. E o domicílio e a garantia de existência de uma estrutura que receba a correspondência são meios necessários ao recebimento das notificações judiciais não sendo feitas electronicamente. O ponto de acesso à informação sobre a tramitação processual é feito pelo domicílio e mais do que uma morada, é necessário que a correspondência seja efectivamente recebida».
           Assim, desde o momento em que a 1.ª R. não recebeu a notificação judicial em referência, apesar de lhe ter sido enviada para o seu domicílio profissional, e não apresentou qualquer justificação para considerar que o não levantamento dessa correspondência ocorresse por factos que não lhe são imputáveis, nem tão pouco, preventivamente, comunicou a existência de dificuldades no funcionamento do seu escritório junto do Tribunal, violou o dever estatutário em causa. «E tal resultou de uma actuação culposa na medida em que sendo profissional do foro, deixar correr sem rumo os processos judiciais onde apenas é possível a notificação por via postal e não electrónica demonstra leviandade no exercício da sua função, com prejuízo directo no cumprimento dos seus deveres de patrocínio para com o autor».
            Deve aqui salientar-se que a ilicitude da conduta profissional da 1ª R.  não residiu apenas nesta falha, embora esta seja a fulcral para o desfecho da acção.
             È que a mesma  não podia  alegar o desconhecimento dos documentos  em questão, pois que, como resulta do facto 4.1.10, «No âmbito do processo de impugnação da reclamação graciosa, e em momento anterior à apresentação da impugnação judicial, o Autor conjuntamente com a 1.ª Ré, apresentaram-se no Serviço de Finanças ... munidos com facturas referentes a despesas suportadas com obras no prédio objecto do processo tributário, mas que segundo eles não foram aceites por aqueles serviços  por estes entenderem não ser relevantes».
            Pese embora a não aceitação pela administração tributária destes documentos nesse momento processual, a 1ª R., que os ficou a conhecer, não podia  ignorar a importância capital dos mesmos, apenas eles permitindo o comprovativo dos encargos com o imóvel alienado para efeitos do disposto no nº 3 do art 46º do CIRS, como adiante melhor se referirá, por isso, na defesa do seu patrocinado, deveria estar alerta para a necessidade de os dever juntar no processo de impugnação judicial, irrelevando que não os tivesse na sua posse, pois em qualquer momento os poderia solicitar do A., acrescendo que o cabal cumprimento das suas funções lhe teria exigido que deles tivesse tirado cópia aquando do momento atrás referido.
            Deve concluir-se, como se concluiu na sentença recorrida: «O desconhecimento absoluto do processo por parte da ré é por si suficiente para concluir que falhou no seu dever de cuidado, sendo altamente censurável a sua conduta». E, como mais adiante refere, ainda a este propósito: «Sobrevém a particular gravidade de não ter alocado meios para ter um escritório em funcionamento que permitisse cumprir uma das funções básicas e necessárias ao exercício da profissional: receber notificações judiciais em domínios processuais que recorram ao correio, como é o caso do processo administrativo e tributário (cf. 4.1.19.) e sem que tenha invocado a ocorrência de um justo impedimento».
           Acresce que a R. desrespeitou também o dever estatutário a que se reporta o nº 2 do art 98º EOA, segundo o qual,  «o advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito», pois, como resulta do ponto de facto 4.1.9, «a R. reconheceu não ser conhecedora, nem estar á vontade em matéria de direito Tributário».
            Improcede assim a 1ª questão.

            Quanto à questão de que, nem toda a documentação junta pelo A. deveria ter sido admitida para contabilização de encargos em sede de rendimentos da categoria G, designadamente as facturas que não são anteriores os últimos cinco anos, trata-se de uma falsa questão.
            Desde logo, porque o Exmo Juiz a quo foi especialmente cuidadoso no ponto em apreço, como o demonstra, à saciedade, a minuciosa  elencagem dos documentos que fez constar da fundamentação da decisão da matéria de facto, a cuja  ordenação cronológica procedeu, e a circunstancia de, à partida, ter excluído alguns deles, tendo sobre estes referido: «Contudo, nem todos os bens adquiridos se podem concluir como afectos à construção, assim como há vários documentos que não têm valor contabilístico, como o caso das guias de remessa abaixo identificados com o n.ºs 7 (doc. 35, da PI) e o documento infra identificado como n.ºs 1 (doc. 5, da PI). Bem como outros dizem respeito a obrigações que não se consideram como custos de construção (cf. documento infra identificados n.º 10 (doc. 7 da PI), n.º 19 (doc n.º 4 da PI), n.º 25 (doc. n.º 19 PI). Bem como não se consideraram os recibos por dizerem respeito a pagamento feitos por referência a facturas (documento infra identificado 78 (doc. n.º 40), 82 (doc. n.º 45), 84, 87 (doc. n.º 43), ou por se desconhecerem os materiais adquiridos (documento infra 79 (doc. 40), 71 (doc. 57), 68, 69)».
            Não concordando a apelante com esta destrinça operada pelo Exmo Juiz a quo, deveria ter sido mais explicita relativamente aos demais documentos a excluir .
           Também não lhe assiste razão quando pretende que as facturas admitidas deveriam ter sido recusadas por serem anteriores aos últimos cinco anos, nos termos do art 51º do Código de Imposto sobre Rendimentos Singulares.
            È que, a norma desse Código a aplicar na situação dos autos, é a do art 46º/3 e não o art 51º  (na redacção anterior à vigente, que se reportava  aos últimos  cinco anos, quando hoje se reporta aos últimos doze anos).
           Com efeito, dispõe o art 46º, no que se refere à determinação do rendimento colectável em matéria de incrementos patrimoniais, sob a epigrafe,  “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”: «1 — No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis (IMT). 2 — (…) 3 — O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele », sendo que  a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º refere que «1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».
            Do que resulta que nenhuma das considerações da apelante interfere com o cálculo constante da sentença recorrida relativamente ao valor da colecta, feito pelo Exmo Juiz a quo, no pressuposto – não verificado, porque falhado, nos termos acima expostos, pela Exma Advogada R.  – de terem sido juntos ao processo de impugnação judicial os documentos contabilísticos elencados, cujos valores somam a quantia de € 16. 219,7, e que levaram o Exmo Juiz a concluir que, se esses documentos tivessem sido juntos, o valor da colecta seria negativo, com a inerente anulação do acto de liquidação, dai decorrendo que «o resultado da impugnação judicial seria necessariamente de procedência e não de improcedência como sucedeu».  
            Com o que improcede também a 2ª questão acima referida.


            Nenhum sentido fazem as considerações da apelante a respeito da contribuição e consideração da culpa do A., enquanto lesado, para o resultado da improcedência da impugnação judicial.
            Dispõe o art 570º CC, no seu nº 1: «Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Englobam-se nesta norma duas realidades diversas: por um lado, a concorrência do facto culposo do lesado para a produção dos danos; por outro, essa concorrência para o agravamento dos danos.

 Ali, fala-se de «concorrência de causas», (concorrência de facto culposo do lesado para a produção dos danos), aqui, de  «causalidade sucessiva» (concorrência de facto culposo do lesado para o agravamento dos danos «ou (para) a não remoção deles, quando possível») [1].

É comum às duas situações o fenómeno da causalidade – a conduta do lesado, seja para a produção dos danos na primeira situação, seja para o seu agravamento na segunda, há-se sempre apresentar-se como causal e a causalidade relevante é a adequada.

Na situação dos autos a “culpa” do A. é exógena ao processo de impugnação judicial, como o é relativamente à antecedente impugnação da reclamação graciosa.

A sua responsabilidade situa-se em momento muito anterior ao da própria nomeação da Exma Advogada para o patrocinar. Reside na falta de entrega atempada da declaração de rendimentos a que se refere o art. 57º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Tal causa – remota -  da actuação da R., em nada interfere – não é adequada  - para a produção dos danos a que se reporta a presente acção ou para o seu agravamento. È que, como é muito óbvio, a actuação profissional da Exma Advogada que aqui se sindica situa-se num plano posterior à falha do A. e destina-se, justamente, a suprimir ou minimizar os efeitos dessa falha.

 

Entende, subsequentemente, a apelante que não ficou demonstrado nos autos o nexo de causalidade entre os factos imputados à R. Advogada e os danos sofridos pelo A.  enquanto perda de oportunidade ou de chance que justifique o montante indemnizatório no dispositivo da sentença recorrida.

Já muito se escreveu sobre  o dano da perda de chance, matéria que, ultrapassada  a fase da discussão relativamente à sua admissão no nosso e noutros ordenamentos jurídicos[2], justificou o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência  nº 2 /2022 de 26/1, que veio a clarificar, que «O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade».

Como é posto em evidência nesse Acórdão Uniformizador, «nos casos das “perdas de chances processuais”, o dano não estará no resultado final desfavorável do processo (no não ganhar ou no perder o processo), mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de ganhar ou de não perder o processo), decorrente do evento lesivo do mandatário e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio (em relação ao dano final): o dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso (e não o dano final do resultado desfavorável do processo)».

A perda de chance, nas palavras de Nuno Santos Costa [3] , traduz-se «na privação da possibilidade de obter determinada vantagem ou evitar certo prejuízo, sem que se saiba se a vantagem a obter ou o prejuízo a evitar se concretizariam se a chance não se tivesse perdido». Assim, «a chance, strictu sensu, será a possibilidade inerente a determinada sucessão de eventos (processo causal), hipotética e probabilisticamente considerada, de certo resultado se vir a produzir, constituindo a perda de chance o desaparecimento (…) dessa possibilidade dentro do processo causal, em virtude de um facto voluntário, ilícito e culposo». Pondo em destaque, que «esse desaparecimento, não implicando directamente o eventual dano final sofrido pelo sujeito (lesado) do processo causal (não sendo condição sem a qual não se produziria o dano final, mas sendo, no entanto, sua condição suficiente)», levanta a questão de saber até que ponto deve ser valorado o facto ilícito e culposo que lhe deu origem, para efeitos de ressarcimento do lesado.

Patrícia  Cordeiro da Costa[4] faz notar que «a doutrina da perda de chance, ou da perda de oportunidade, permite indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (…), mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais». Por isso, adverte, que «ficam de fora do campo da sua aplicação os casos em que se formou a convicção razoável em como o agente provocou o dano bem como os casos em que se formou a convicção oposta. O seu campo de aplicação situa-se, conforme supra referido, entre dois limites: um constituído pela probabilidade nula ou desprezível em como o facto do agente causou o dano (onde não há lugar a qualquer indemnização), e o outro constituído pela alta probabilidade que se converte em razoável certeza (dando lugar à reparação integral do dano final, visto afirmar-se o nexo causal entre o facto e este dano). (…)  A chance, para ser ressarcível, tem que estar suficientemente fundada e caracterizada, expressando um grau não insignificante de probabilidade de que o lesado teria obtido a vantagem esperada, não fora o facto do agente. A perda de chance assume assim uma natureza dúplice no que à certeza respeita: exige-se a certeza da existência de uma possibilidade séria de conseguir uma vantagem ou de evitar uma desvantagem; mas está-se perante a incerteza de que tal vantagem/evitamento de desvantagem teriam sido alcançados caso o facto do agente não tivesse ocorrido».

A circunstância da obrigação do Advogado que patrocina o seu cliente ou, como foi o caso, do Advogado que é nomeado oficiosamente para esse patrocínio,  não ser  uma obrigação de resultado, mas de meios – o advogado não se obriga a garantir um determinado resultado em benefício do patrocinado,  como seria o de ganho na causa onde desenvolve o patrocínio judiciário,  mas apenas a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido se venha a atingir, devendo para tanto utilizar as regras de arte adequadas nesse sentido, e que, no caso do advogado, se traduzem, essencialmente, nos seus conhecimentos jurídicos e prática judicial, ou, se se quiser , com a propriedade que advém do disposto no art 95º/1 al c) do EOA, que enumera os deveres do advogado para com o cliente- no «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade» - torna  a obrigação em causa terreno fértil para a aplicação do dano de oportunidade.

Pois, como se acentua na sentença recorrida, «No caso de responsabilidade profissional do advogado ainda que este actue diligentemente, o sucesso no processo judicial depende também de factores que fogem ao seu controlo, por isso a dificuldade de estabelecer, para a hipótese, um nexo causal entre a negligência e o dano».

Parecendo haver consenso em que a especificidade e autonomia do dano de chance implicam a sua destrinça do dano final, o ponto de vista de Nuno Santos Rocha [5] pode  oferecer uma adequada proposta de trabalho, ao distinguir a realidade e a seriedade no dano da perda de chance, atribuindo a esses dois requisitos do dano em causa – afirmados no acima Acórdão Uniformizador - campos diferentes de aplicação.

Pondera o mesmo autor: «O requisito de realidade da chance, parece-nos, estará ligado à existência de possibilidades de ocorrência de um determinado resultado além das esperanças ou expectativas meramente pessoais do seu detentor – será real aquela chance que não exista apenas subjectivamente, que não viva só dentro de espectativas não fundadas num juízo de probabilidade que possa servir de critério transubjectivo de valorização da chance. Com isto pode concluir-se desde já que será real qualquer chance que seja fundamentada por uma demonstração probabilística da sua concretização. A chance terá a sua seriedade avaliada na medida das probabilidades da sua concretização. Se, em juízo, o lesado provar, através de uma demonstração probabilística objectiva, que o resultado que esperava obter (ou evitar) tinha alguma (qualquer) probabilidade de se vir a realizar (ou a evitar) e que essa probabilidade foi destruída pelo facto ilícito e culposo de terceiro, então o dano daí resultante (que é o dano da perda de chance), deve ser indemnizável na medida da seriedade da chance perdida».

Deste modo, conclui: «Para que a chance seja juridicamente relevante, e a sua perda juridicamente tutelável, deve ficar assente que a mesma é real. Já no que toca à seriedade da chance, esta deverá, a nosso ver, relevar apenas para efeitos de determinação do quantum indemnizatório».

Assim, «o que caberá ao lesado, em juízo, deixar provado, é que a seriedade (o nível probabilístico de concretização) da chance não se baseava na sua apreciação subjectiva, mas sim em critérios objectivamente apreciáveis, o que lhe conferirá valor jurídico». Já o cálculo do dano da perda de chance, deve ser feito «fazendo incidir, sobre o valor do dano final, a probabilidade (traduzida em percentagem) de realização da chance perdida, no fundo, a sua seriedade».

O que implica o conhecido juízo sobre o juízo ou a dupla avaliação, ou o julgamento dentro do julgamento : «Em primeiro lugar há que proceder à avaliação da situação hipotética de a chance se ter realizado, determinando em que situação o lesado estaria se a chance se tivesse materializado; em segundo lugar, calcular qual o grau de probabilidade da própria chance se ter realizado no processo causal hipotético – ou seja, qual o grau de interferência que a existência daquela chance implicava na concretização do resultado final (no fundo reconduz-se à verificação da sua seriedade). Depois de terminadas estas operações, pode então aplicar-se a percentagem obtida na segunda operação ao valor obtido na primeira e estará assim encontrado o valor do dano da perda de chance».

Assim procedeu o Exmo Juiz a quo, como resulta das seguintes considerações:

«(…) cabe determinar se as facturas respeitantes a despesas e encargos suportados pelo autor (cf. 4.1.2.), enquanto documentos comprovativos, permitiam obter a procedência da impugnação» e, consequentemente, «um desfecho diferente do realmente obtido». (…) «Isto é, se os valores suportados pelo autor na construção da habitação deveriam, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, do Código IRS, ter sido somados ao valor de aquisição dos imóveis.»

E, procedendo ao «julgamento sobre o julgamento» desenvolveu o seguinte raciocínio (de que aqui se transcrevem os passos mais significativos):

«Estando em causa a tributação das mais-valias, o objecto da impugnação circunscreve-se ao apuramento de elementos que permitam enquadrar fiscalmente o incremento patrimonial ocorrido na esfera do autor entre a aquisição dos prédios e respectivo valor e depois a sua alienação. (…).Tem-se, assim, que julgar a impugnação judicial a partir dos elementos constantes no processo judicial pressupondo o cumprimento do dever de patrocínio pela 1.ª ré na junção dos documentos contabilísticos e respectivo valor probatório. Teremos de proceder ao julgamento nas circunstâncias em que se encontrava o Tribunal Administrativo e Fiscal ....

Logo, proceder-se-á à apreciação dos factos e do custo de construção da habitação para apreciar a conta de liquidação do IRS.

De acordo com o 4.1.1. e 4.1.2., o autor despendeu, no período de 1989 a 1992, o montante €16 219,07 € (dezasseis mil, duzentos e dezanove euros e sete cêntimos) para construção da habitação no prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...14. Este valor deve ser acrescido ao valor de aquisição (€ 4 040,26), conforme o artigo 46.º, n.º 3, CIRS. No entanto, considerando a data de realização das despesas e a data de alienação dos prédios (2005), é necessário proceder à actualização dos valores em conformidade como artigo 50.º, CIRS, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 03-07, em vigor. (…). Assim, considerando a liquidação do imposto em 4.1.14. nos quadros I e II, corrigindo os valores referentes ao prédio U-...14, apuramos (aplicando o coeficiente de desvalorização previsto no artigo 50.º, n.º 1, CIRS em conjunto com a Portaria n.º 488/2005, de 20-05): prédio ano valor ano valor despesas U-...14 2005 75 000,00 € 1997 20 259,33 € R-...05 2005 2 500,00 € 1998 250,00 € 166,30 € R-...15 2005 2 500,00 € 2001 750,00 € 209,40 € 80 000,00 € 21 259,33 € 375,70 € alienação aquisição Coeficiente de actualização, atendendo às datas consideradas pela Autoridade Tributária como data de aquisição: prédio ano valor U-...14 1997 20 259,33 € 1,24 R-...06 1998 250,00 € 1,2 R-...15 2001 750,00 € 1,09 R-...05 1988 1 000,00 € 2,34 ...08 1988 1 500,00 € 2,34 R-...09 1988 1 500,00 € 2,34 R-...17 1988 2 000,00 € 2,34 aquisição coeficiente de actualização 5.3.23. Desta feita, atendendo aos valores do anexo G, rectificado o Quadro I em conjunto com o Quadro II, aplicando os respectivos coeficientes de actualização supra e contabilizando que 50% da diferença entre o valor de aquisição actualizado e o valor de venda corresponde a mais-valias obtemos com o rendimento global para o ano de 2005: € 11 230,80 (onze mil, duzentos e trinta euros e oitenta cêntimos). Este valor é o determinativo da taxa de IRS que no ano de 2005 se fixava em 23,5%.».

Concluindo: «Isto significa que a importância apurada se fixa em € 2 639,24 (dois mil, seiscentos e trinta e nove euro e vinte e quatro cêntimos). A este valor deve ser deduzido a título de benefícios fiscais os encargos e juros com o mútuo (€ 2 513,08), o que perfaz a colecta total de € 126,16 (cento e vinte e seis euros e dezasseis cêntimos). Feita a dedução à colecta no montante de € 773,82 (setecentos e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), verificamos que o valor da colecta líquida é negativo (- 647,41)».

Do que resulta que, «caso tivessem sido apresentados os documentos em sede de impugnação judicial tal determinaria a anulação do acto de liquidação de imposto, concluindo-se que o mesmo não era devido», «anulação que implicaria a das liquidações de juros compensatórios, nos termos dos artigos 35.º, n.º 8, e 100.º, da Lei Geral Tributária».

Em consequência do que o Tribunal de 1ª instância entendeu que «se fossem juntos os documentos, a probabilidade de evitar a causação do dano é de tal modo elevada que se converte numa razoável certeza», tendo feito, em consequência, proceder a acção na totalidade no que aos danos patrimoniais diz respeito.

Solução esta, conforme com o entendimento acima mencionado de Patrícia  Cordeiro da Costa  - quando  a alta probalidade  se converte  em razoável certeza, dever-se-á proceder  à reparação integral do dano final, visto afirmar-se o nexo causal entre o facto e este dano, e estar-se já fora do dano de chance.

Resultado que conflui com o entendimento de Nuno Santos Rocha, pese embora a diferente abordagem deste autor – operada a avaliação da situação hipotética de a chance se ter realizado, conclui-se que nessa situação hipotética não seria devido imposto nem os correspondentes juros compensatórios. Mas, porque se conclui igualmente que a probabilidade de assim suceder seria francamente alta, o resultado será o de se dever proceder à reparação integral do dano final.

Tudo isto para evidenciar a sem razão da apelante ao sustentar que não ficou demonstrado nos autos o nexo de causalidade entre os factos imputados à R. Advogada e os danos sofridos pelo A. .

Com o que há que confirmar a sentença recorrida.

           Relativamente à litigância de má fé que o A. atribui à apelante em face da interposição pela mesma do presente recurso, parece-nos pacifico que pese embora a total sem razão desta, como se expôs, tal total falta de razão  não permite que se conclua que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça ,pois, como se salienta, entre tantos outros,  no  recente Ac R L de 18/1/2023 [6] «a discordância na interpretação da lei, e na sua aplicação aos factos, é faculdade que não deve ser coarctada em nome de uma certeza jurídica, devendo ser-se cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé».

            V- Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela apelante.

                                                                       Coimbra, 7 de Maio de 2024
(Maria Teresa Albuquerque)
(Sílvia Pires)
(Pires Robalo)


(…)


                [1] - Dario Martins Almeida, «Manual de Acidentes de Viação», 1980, p 139/140

[2]  -A perda de chance, também dita, perda de oportunidade, enquanto figura jurídica, surgiu em França na decorrência principalmente de casos de negligência médica e da comparação entre o estado actual do paciente resultante dessa negligência e o hipotético estado do mesmo se não fora a mesma, sendo aí, e já então, realçado, que «só constitui uma perda de chance reparável, o desaparecimento actual e certo duma eventualidade favorável», exigindo-se que «a perda de oportunidade de ganho seja real e séria e não demasiado hipotética».

  Entre nós, embora tendo merecido algum tratamento doutrinário e jurisprudencial, foi ao princípio, a um e outro desses níveis, posta de lado como susceptível de fundamentar uma pretensão indemnizatória em função da nossa actual lei civil, admitindo-se tal potencialidade apenas em situações pontuais ou residuais.

Essa falta de «virtualidade jurídico positiva» para fundamentar pretensões indemnizatórias entendia-se advir do facto de tal dano «contrariar o princípio da certeza dos danos e das regras da causalidade adequada», falando-se a seu respeito de uma “causalidade probabilística”, que se entendia como insuficiente.

Apesar destas críticas, e depois de se ponderar que, por exemplo, o acolhimento da responsabilidade em função de danos futuros não deixa de implicar também a dita «causalidade probabilística», passou, lentamente, a acolher-se a perda de chance como base da obtenção de indemnização cível, mas dentro de certos condicionalismos.



[3]Perda de Chance como uma Nova Espécie de Danos», dissertação de Mestrado acessível em repositório-aberto.up.pt/
[4]- «Dano de Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português», www.verbo jurídico.net 
[5] - Obra acima referida (nota10)

                [6] - Relator, Leopoldo Soares