Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
987/21.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REQUISITOS PARA A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 607.º, 5 E 640.º, DO CPC
ARTIGOS 494.º; 496.º E 503.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I -  A alteração da decisão sobre a matéria de facto, exige que os meios probatórios esgrimidos pelo recorrente e a interpretação por ele operada, não apenas sugiram, mas antes imponham, tal censura; o que, por via de regra, e porque ao tribunal ad quem falham os benefícios da imediação e oralidade - os quais melhor ajudam a convencer sobre a verdade e eticidade do verbalizado -,  não acontece quando a prova invocada é essencialmente pessoal.

II -Julga-se adequado, para lesado de 42 anos, à  data do acidente de viação  que nuclearmente:

Esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho  cerca de 5 meses; ficou com a perna imobilizada por força da utilização de bota gessada durante cerca de 7 semanas; utilizou canadianas durante o referido período;  Teve  23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia; recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência; assistiu a 12 consultas (de cirurgia dermatológica na “Polyclinique du Plateau”; teve Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 146 dias;  défice funcional temporário parcial de 354 dias; O quantum doloris foi de grau 4 numa escala de 7; padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7; ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos; as sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional; 

a quantia de 25 mil euros em vez de 12 mil euros  para compensar o dano biológico e o dano não patrimonial.

III -Julga-se adequado, para lesada de 45 anos que nuclearmente:

 sofreu várias fraturas no  tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico; foram-lhe identificadas áreas de contusão pulmonar de predomínio em ambos os lóbulos inferiores; Padeceu de derrame pericárdico mínimo e de lesão hipotensa mínima no segmento IV B provavelmente cística; assistiu a 16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia; Recebeu 29 tratamentos de enfermagem na sua residência;  teve défice funcional temporário total é de 100 dias; défice funcional temporário parcial é de 246 dias;  Repercussão permanente nas atividade  desportivas e de lazer fixável no grau 2/7”; Tem ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares;  passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; o quantum doloris foi de 5 em 7; padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7; padece de dores diariamente, necessitando de tomar medicação para o respetivo alívio e de assistência médica regular; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares;

a quantia de 70 mil euros em vez de 40 mil  para compensar  os mesmos danos.

IV - Julga-se adequado, para lesado de 15 anos à data do sinistro, sinóticamente:

 Sofreu Traumatismo no pneumotórax esquerdo, Fratura subcapilar do fémur direito do tipo III, Ferida inciso-contusa no braço esquerdo;  Laceração do pavilhão auricular; foi submetido a intervenções  cirúrgicas com cerca de 2 semanas de internamento; assistiu a 6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia; recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;  ficou com uma perna mais curta que a outra em 2cm; o défice funcional temporário total foi de 107 dias;  o défice funcional temporário parcial foi de 968 dias; teve Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias; as sequelas implicam esforços suplementares; ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu  quantum doloris de 5 em 7; padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7;

a quantia de 150 mil euros em vez de  80 mil para ressarcir/compensar os mesmos danos.

Decisão Texto Integral:
Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto Vitor Amaral
2.º Adjunto: Alberto Ruço



ACORDAM  OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA, BB, CC, DD, intentaram contra «F..., S.A,  ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediram:

A condenação da ré a pagar:

Ao autor AA, 3.468,68 euros por danos patrimoniais e 40.000,00 euros por danos não patrimoniais;

À autora BB 20,677,04 euros por danos patrimoniais e cem mil euros por danos não patrimoniais;

Ao autor CC 335,00 euros por danos patrimoniais e duzentos mil euros por danos não patrimoniais;

À autora DD a quantia de 200,00 euros por danos patrimoniais e 8.000,00 euros por danos não patrimoniais.

 Alegaram:

Foram intervenientes em acidente de viação enquanto tripulavam uma viatura automóvel cuja responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação estava transferida para a Ré.

Contestou a Réu.

Aceitando alguma da factualidade alegada, desde logo no respeitante ao contrato de seguro e a alguns dos danos alegados, impugnando genericamente a demais factualidade alegada, acrescentando que, ainda que se tenha por procedente a pretensão dos Autores, sempre os valores peticionados são exagerados.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Termos em que, julga-se o pedido dos Autores parcialmente procedente e, em consequência,

A. condena-se a Ré «F..., S.A.» pagamento

− ao Autor AA do valor de € 16.723,20 (dezasseis mil setecentos e vinte e t rês euros e vinte cêntimos) de capital;

− à Autora BB do valor de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) de capital;

− ao Autor CC do valor de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros) de capital;

− à Autora DD do valor de € 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) de capital;

− de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal de juros civis, calculados sobre cada um dos referidos valores de capital;

B. absolve-se a Ré do demais peticionado;

*

Custas por Autores e Réus, em proporção que se fixa, respetivamente em 68% e 32%.».

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Os apelantes não se conformam com a douta decisão proferida pelo tribunal recorrido, o presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito.

2. A Ré, F... S.A., foi condenada no pagamento:

 - ao Autor AA do valor de € 16.723,20

− à Autora BB do valor de € 34.000,00

− ao Autor CC do valor de € 68.000,00

− à Autora DD do valor de € 2.125,00

− de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal de juros civis, calculados sobre cada um dos referidos valores de capital.

3. Os apelantes entendem que a prova produzida – pericial, documental, testemunhal e declarações de parte – impunha decisão diversa sobre alguns pontos da matéria de facto;

4. Os valores indemnizatórios que foram atribuídos, na douta sentença (face à prova que foi produzida) ficam aquém dos valores que consideram justos e adequados aos danos padecidos pelos Autores.

5. Não houve culpa dos lesados.

6. Não ficou demonstrado que os Autores BB, CC e EE não faziam uso do cinto de segurança, mas mesmo que assim fosse, não ficou demonstrado, nem o tribunal recorrido fundamentou em que medida tal circunstância agravou as lesões dos autores.

7. Não se demonstrou nos autos, nas circunstâncias concretas do acidente, se os lesados tivessem usado o cinto de segurança, muito provavelmente não teriam sofrido alguma ou algumas das lesões corporais que sofreram, ou seja, que o uso dos cintos, nas concretas circunstâncias do sinistro, teria funcionado como causa adequada à não ocorrência das lesões ou parte delas.

8. Pelo que não havia fundamento para que as indemnizações a atribuir aos autores CC, BB e DD fossem reduzidas em 15%,

9. Tal resulta das declarações do autor AA gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896), minutos: 11:09 a 16:00. 10. E bem assim, não podia proceder a redução dos 15%, atento o facto do tribunal recorrido, a fls 10 e 11 da douta sentença, reconhecer que a este respeito, o perito nomeado nos autos aquando dos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, aventou “este tipo de lesões podem ocorrer dentro do veículo sem haver projecção”.

11. O tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação, apreciação e aplicação dos meios de prova no que diz respeito a alguns dos factos que estavam em discussão.

12. Não incluiu na matéria de facto provada alguns factos que constam do relatório pericial, e outros cuja prova resultou da prova documental e testemunhal produzida.

13. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, que se encontra gravada, bem como, os documentos juntos aos autos, impunham decisão diversa relativamente a determinados factos.

14. Pelo exposto não deveriam os factos 7, 8, e 9 ter sido julgados provados.

15. Deveriam ser julgados provados e aditados/alterados os factos supra referenciados no ponto  2. DA MATÉRIA DE FACTO – A IMPUGNAR, alíneas a. a m., das presentes Alegações, pelas razões aí expostas.

16. No art. 115.º da PI é alegado que “a qualidade de vida do Autor AA baixou significativamente, até porque durante meses não pôde ter relacionamento sexual com a sua esposa”. E no art. 138.º da PI é alegado que “a Autora BB teve uma recuperação lenta, prolongada e acompanhada de muito sofrimento, incluindo a possibilidade de ter vida íntima (relacionamento sexual) durante vários meses”. Das declarações do autor AA gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896), minuto 1:08.08 a1:09:31, e da perícia médico-legal resultam provados estes factos, que “os Autores AA e BB, durante dois anos, viram afectado o seu relacionamento sexual”. Estes factos deverão ser aditados à matéria de facto provada, e obviamente, deverão ser valorizados a nível indemnizatório.

17. No ponto 20, seguramente por lapso de escrita, não consta o ano 2021, pelo que deverá ser alterado/corrigido.

18. O ponto 23 deverá ser alterado e fazer-se constar “A data da consolidação é fixável em 19.08.2020” data que está indicada no relatório pericial (páginas 4 e 6) e não a data que, seguramente por lapso, foi fixada na decisão (28.02.2019).

19. O ponto 25 deverá ser alterado e fazer-se constar “ O défice temporário parcial é de 354 dias”, o que resulta do relatório pericial (páginas 4 e 6), e não 181 dias indicados na douta sentença.

20. Deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada, relativamente ao autor AA, porque resulta provado e está fixado no relatório pericial, páginas 4 e 6, o seguinte facto: “Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total é de 146 dias”.

21. Deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada, relativamente à autora BB, porque resultam provados e estão fixados no relatório pericial, páginas 6 e 7, os seguintes factos: “Repercussão permanente nas actividade desportivas e de lazer fixável no grau 2/7” e “ Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares”

22. O ponto 42. deverá ser corrigido; certamente por lapso, é referido que por força das referidas lesões “ na perna”, quando as lesões da autora BB, tal como consta do ponto 32 da douta sentença e do relatório pericial, são lesões ao nível do tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico.

23. Deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada, relativamente ao autor CC, porque resultam provados e estão fixados no relatório pericial, página 5 e 6, os seguintes factos: “ Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021”, “ Período de repercussão temporária na actividade profissional total de 158 dias” e “As sequelas descritas são em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com exercício de actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”;

24. Tendo em consideração a perícia médico-legal, as declarações do autor AA, gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896), minuto 55:00 a 59:15, e das testemunhas indicadas, nomeadamente FF, gravação áudio (00:33:09) do dia 14:09.2022 (ficheiro 20220914151355_938235_2870896, minuto 21:00 a 24:50, deverão, também, ser julgados provados e aditados os seguintes factos “Devido ao encurtamento da perna tem necessidade de utilizar calçado específico ou palmilha” art. 76.º da PI “Apesar do uso da palmilha, claudica na marcha” art. 82.º da PI.

25. Ainda, relativamente ao autor CC, o tribunal recorrido julgou não provada a matéria da alínea N “À data do sinistro o autor CC pretendia encetar estudos na área do desporto, e futuramente seguir carreira profissional na referida área.” De facto, da prova produzida não ficou demonstrado que o autor CC, que à data tinha 15 anos, tivesse comprovadamente investido recursos num determinado projecto de formação, vendo esse plano irremediavelmente postergado. As declarações da testemunha GG, gravação áudio (00:29:57) do dia 14.09.2022 (ficheiro 20220914154706_938235_2870896), minuto 15:02 a 27:05, e do autor AA, gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896), minuto 53:02 a 57:48, não foram nesse sentido. Referiram que “o autor CC praticava actividades desportivas com assiduidade, nomeadamente, futebol e atletismo e que mostrava interesse e entusiasmo pela área do desporto, o que deixou de fazer devido às sequelas do acidente”. Pelo que estes factos deverão constar da matéria de facto provada.

26. Da prova produzida – pericial, testemunhal, documental - ficou provado que todos os autores padeceram de sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, consultas e o período de recuperação. Tal matéria é reconhecida na fundamentação da douta sentença; pelo que o ponto 30. deverá ser alterado ou deverão ser aditados novos factos à matéria de facto dada como provada, reconhecendo que todos os autores padeceram de sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, consultas e o período de recuperação.

27. A alínea H dos factos não provados “Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 20 297,04 €”, deverá fazer parte dos factos provados.

28. A prova testemunhal e as declarações prestadas pelo autor AA, em audiência de julgamento, gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896, minuto 01:06:50 01:09:00, e os documentos juntos aos autos, especialmente, os recibos de vencimento impunham decisão diversa da que foi proferida e que fossem julgados provados os factos alegados nos art. 118.º a 122.º da PI. Foram juntos aos autos, os documentos relativos ao período em que a autora BB esteve de baixa médica, bem como, doc. 10, recibos de vencimento desde o mês de Janeiro de 2018 ao mês de Novembro de 2020. pelo que teve uma perda salarial de 20 297,04 € (31 200,00 € - 10 902,96 €), tendo em consideração o montante recebido de L´Assurance Maladie por se encontrar de baixa médica.

29. Deveria a matéria do ponto M da matéria de facto não provada ter sido julgada provada.

30. Não foi junto documento a comprovar que a autora DD teve 6 consultas com a psicóloga da escola, por ter tido necessidade de acompanhamento psicológico. Todavia, entendem os apelantes, que das declarações das testemunhas, nomeadamente, FF, gravação áudio (00:33:09) do dia 14:09.2022 (ficheiro 20220914151355_938235_2870896, minuto16:00 a 21:00, e das declarações do autor AA, gravação áudio (1:25:54) do dia 10.11.2022 (ficheiro 20221110143253_ 938235_2870896, minuto 45:40 a 47:48, deveria ser julgado provado que “A autora DD teve necessidade de apoio psicológico tendo sido acompanhada pela psicóloga da escola que frequenta.”

31. O tribunal recorrido julgou incorrectamente os factos submetidos à sua apreciação, e supra referidos, razão pela qual se requer a modificação da douta decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos requeridos.

32. O tribunal recorrido cometeu erro de julgamento na apreciação da prova e quantificação do valor das indemnizações.

33. O quadro fáctico vivenciado pelos autores, especialmente o autor CC e a autora BB, demonstra elevado sofrimento físico e psicológico, que bem justifica os valores de indemnização peticionados na presente acção, a título de danos patrimoniais, danos não patrimoniais e dano biológico.

34. Na fixação de indemnização são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o défice funcional temporário total, parcial, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, a repercussão permanente na actividade profissional, nas actividades de lazer e desportivas, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e o dano futuro, entre outras.

35. Violou o tribunal recorrido, nomeadamente, o disposto nos artºs 496º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil, pelo que, deverá ser revogada a douta sentença e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar aos autores o valores peticionados na Petição Inicial

Contra alegou a ré pugnando pela improcedência do recurso dos autores aduzindo os seguintes argumentos finais:

A. O objecto do recurso é delimitado pelas respectivas Conclusões;

B. Por razões de economia processual, dão-se aqui por reproduzidas as Conclusões dos recorrentes enumeradas em 2. supra; pela mesma razão,

C. Dão-se por integralmente reproduzidos os factos dados como provados e como não provados na douta sentença recorrida e descritos em 3. e 4. supra, respectivamente;

D. O Tribunal recorrido concluiu pela condenação da R. no pagamento:

- ao Autor AA do valor de € 16.723,20 (dezasseis mil setecentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) de capital;

- à Autora BB do valor de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) de capital;

- ao Autor CC do valor de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros) de capital;

- à Autora DD do valor de € 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) de capital;

- de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal de juros civis, calculados sobre cada um dos referidos valores de capital.

E. As questões pelos recorrentes podem, no essencial, resumir-se a duas:

· pretendida modificação da decisão de facto;

· quantificação/elevação dos montantes indemnizatórios.

F. Deverá, desde logo, rejeitar-se o recurso dos AA., não se procedendo ao escrutínio da decisão de facto e não havendo, assim, lugar à solicitada reapreciação/alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo;

G. Considerando os requisitos expressos no artigo 640º do CPC, tal pretensão dos AA. de reapreciação da matéria de facto encontrase, inabalavelmente impossibilitada;

H. Os recorrentes não procederam a uma válida impugnação da matéria de facto, na medida em que, tendo a prova sido gravada, não foi pelos mesmos dado cumprimento às imposições do artigo 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), ambos do CPC;

I. Fundando-se o recurso na prova gravada – depoimentos de testemunhas e declarações de parte – cabia aos impugnantes, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” [artigo 640º, 2, alínea a) do CPC – negrito e sublinhado nossos], o que não fizeram;

J. Os recorrentes limitaram-se a invocar supostos depoimentos e declarações, desgarrados e subjectivamente citados, sem os relacionar efectivamente com a pretendida imposição de “decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” [artigo 640º, nº 1, alínea b) – parte final, do CPC];

K. Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o Mmo. Juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria controvertida face aos elementos carreados aos autos, tratando-se, pois, da avaliação de um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), por forma a aferir-se da adequação, ou não, desse julgamento;

L. Os AA. convocam aquilo que dizem ser “os depoimentos das testemunhas indicadas pelos autores que impunham decisão diversa daquela que foi proferida” (página 11 das alegações), mas, na verdade, ao apresentarem apenas uma breve súmula, subjectiva e interpretativa, de provas gravadas [quanto aos depoimentos de testemunhas e declarações de parte que invocam], não dão (reitera-se) mínimo cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC citado, o que constitui obstáculo intransponível à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação;

M. Não esclarecem os recorrentes de que modo é que os depoimentos e declarações a que aludem imporiam (na respectiva tese) decisão diferente quanto a que específicos factos;

N. Ao referir-se a “concretos meios probatórios”, a lei está a colocar a exigência de que se alegue o porquê da discordância, que se apontem as passagens precisas da prova gravada que fundamentam a concreta divergência e que se explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão do Tribunal recorrido quanto a factos específicos, exigência também imposta pelo princípio do contraditório, dada a necessidade que a parte contrária tem de conhecer os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para deles melhor se poder defender;

O. “[N]ão basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art. 640º, do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise crítica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto que pretende ver alterados não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável(acórdão da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.04.2015, proferido no Processo nº 1/12.6TBALD.C1) – negrito e sublinhado nossos;

P. Será, pois, de concluir que a rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, na situação de “Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, sendo também certo que a observação das exigências mencionadas deve ser apreciada como decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de “inconsequente inconformismo” (Abrantes Geraldes – “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livraria Almedina, Coimbra, 2013), até porque não pode valer como verdadeira transcrição (sem mais) uma resenha ou aquilo que em suma terão referido as pessoas de cujos depoimentos os recorrentes se querem fazer valer;

Q. Ao não ter correspondido aos ónus decorrente do artigo 640º do CPC (preceito legal imperativo), para o que a lei concedia um prazo recursivo acrescido de dez dias aos recorrentes (cfr. artigo 638º, nº 7 do CPC), incorreram estes em vício determinante da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte” [cfr. norma imperativa do nº 2, alínea a), do artigo 640º do CPC); sem prescindir:

R. Quanto à pretendida modificação da decisão de facto e com o respeito devido, a argumentação dos recorrentes mais não traduz do que uma valoração dos depoimentos testemunhais (e da restante prova) diferente da efectuada pelo Tribunal recorrido;

S. Nas suas alegações e conclusões, o que os AA. pretendem é substituir a convicção a que o Tribunal de 1ª Instância chegou a respeito dos factos que impugnam – após as várias sessões de julgamento e a apreciação global e crítica da prova dos autos (incluindo as declarações das testemunhas e as declarações de parte genericamente citadas pelos recorrentes) – pela sua própria convicção;

T. Os recorrentes contrariam, nesse âmbito, o princípio da livre apreciação das provas pelo julgador, que decide, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto;

U. O poder de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal Superior, em 2ª instância, constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como o Tribunal a quo apreciou e valorou a prova;

V. E na douta sentença recorrida não se vislumbram erros ou incorreções que obriguem ou imponham a alteração da matéria de facto defendida pelos recorrentes, o que se aplica a todos os pontos da matéria de facto por eles “impugnados”;

W. A decisão sobre tais específicos pontos está devidamente fundamentada na sentença, sendo que o Tribunal recorrido fez, quanto a eles, uma apreciação crítica correcta dos diversos meios de prova e da referida decisão constam as razões que foram decisivas para a convicção do julgador;

X. Em face dos elementos probatórios de que dispôs (nomeadamente os relatórios periciais, o relatório da Guardia Civil e a restante prova documental, bem como a prova testemunhal e por declarações de parte), não se impunha ao Tribunal recorrido outra decisão quanto à matéria de facto posta em crise pelos AA., que não padece dos “vícios” apontados;

Y. Quanto aos Pontos 7. a 9. da matéria de facto provada (falta de utilização do cinto de segurança e consequências dessa violação por parte dos AA. BB, CC e DD – culpa dos lesados), dáse, pelas razões acima apontadas, por reproduzido o douto e esclarecedor entendimento do Tribunal recorrido citado em 36. supra;

Z. Ademais, os AA. confessam terem o A. CC e as AA. BB e DD sido todos projectados para fora do veículo (vde. designadamente, o artigo 166º da petição inicial; página 71 mesmo articulado – doc. junto pelos AA. – tradução junta aos autos em 27.01.2022; e as próprias declarações de parte do A. AA);

AA. Os recorrentes não lograram infirmar (sequer minimamente) as apreciações e conclusões do Tribunal recorrido no sentido de este ter, “Em face do exposto, […] por suficientemente demonstrado que os Autores BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança aquando do acidente, que foram projetados e que tal agravou as lesões de que padeceram – cf. FACTO PROVADO 7 a 9”;

BB. Os AA. limitam-se a utilizar alegações vagas, imprecisas e conclusivas, que nem sequer haviam trazido aos autos quando dos articulados, como quando dizem não se saber “se o sistema de retenção dos cintos funcionava”, ou que “o cinto que a filha DD tinha, deslizava quando esta colocava o dedo”;

CC. Como se afigurará pacífico, a conduta ilícita e culposa dos AA. – que eram transportados no veículo sem que, por sua negligência grosseira, tivessem colocado os cintos de segurança – tem toda a aptidão para contribuir para o agravamento dos danos sofridos em caso de acidente como o dos autos, justificando-se, por isso, que essa conduta seja valorada (como se fez na sentença recorrida, embora sem a veemência nem a relevância que se impunham), ao abrigo do disposto no artigo 570º do Código Civil, justificando-se – até – uma redução das indemnizações superior aos 15% fixados;

DD. A falta de utilização, por parte dos AA. (projectados para fora o veículo) contribuiu, notória e facticamente, para o agravamento dos danos causado pelo acidente e, por essa via, terá sempre de implicar – como implicou em 1ª Instância – a redução da indemnização devida, sendo evidente que, para além de constituir infracção à norma do artigo 82º, nº 1 do Código da Estrada, se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância dos deveres e da diligência exigíveis a uma pessoa medianamente solícita e cautelosa, colocada na situação dos lesados, não podendo ignorar-se uma ideia de auto-responsabilização dos AA., os quais não deverão deixar de – de algum modo – suportar as consequências das omissões demonstradas, que (repete-se) contribuíram também, decisivamente, para a ocorrência e para o agravamento dos danos;

EE. Deve, assim, manter-se inalterada a matéria de facto em causa, reiterando-se que, como bem concluiu o Mmo. Juiz a quo:

· Os Autores BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança aquando do acidente;

· Os Autores BB, CC e DD foram projetados da viatura;

· Os danos sofridos pelos Autores BB, CC e DD foram agravados pelo facto de terem sido projetados da viatura.

FF. Quanto aos factos que, segundo os recorrentes, teriam também de constar da matéria de facto provada (Conclusões 15. a 30. da alegação dos AA.), defendem os mesmos a alteração da matéria de facto por forma a serem acrescentados factos que descrevem e não constam da sentença; no entanto e por um lado, não dão (como se disse) cumprimento às exigências do artigo 640º do CPC; por outro, requerem o aditamento de factos que não haviam sequer alegado na petição inicial, violando os princípios do pedido e do dispositivo;

GG. Atendendo também ao facto de o Tribunal recorrido ter analisado e conjugado toda a prova produzida e descrita na sentença e considerando que o Tribunal Superior só deve alterar a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (o que se não verifica nos termos propugnados pelos AA.) – não poderá aquela pretensão ser atendida;

HH. Quanto aos montantes indemnizatórios fixados, insurgem-se os recorrentes, insistindo, a final, que a R./recorrida deveria ser “condenada a pagar aos autores o valores peticionados na Petição Inicial”;

II. Os AA./recorrentes atiram, agora em sede de recurso, com os mesmos valores que identificaram (já ali exageradamente) na petição inicial, como se não tivesse sido depois desenvolvida toda a tramitação da acção judicial, com a discussão dos factos alegados, com a produção de prova documental e testemunhal, com a realização de perícia médico-legal e com a presença e inquirição do próprio A. AA, diante do Mmo. Juiz a quo, na sala de audiências;

JJ.Mas o que decorre dos factos dados como provados pelo Tribunal recorrido é que os valores invocados nas alegações dos AA. se afiguram sumamente excessivos, empolados e desproporcionados, ficando patente que, se a sentença recorrida andou mal, foi por excesso e não por defeito;

KK. A recorrida não põe, naturalmente, em causa que os recorrentes sofreram danos, alguns merecedores da tutela do direito; no entanto e apesar das insistências dos mesmos, o certo é que não lograram demonstrar todos os danos que alegaram, quer de natureza patrimonial quer não patrimonial, pelo que, salvo melhor opinião e considerando os factos efectivamente comprovados (nomeadamente através das perícias médico-legais), nunca as indemnizações em discussão poderiam ir ao encontro dos valores peticionados, não devendo sofrer qualquer aumento face às quantias calculadas na 1ª Instância;

LL. Em suma, bem andou o Tribunal de 1ª Instância ao concluir pela culpa dos lesados (que até assume, crê a recorrida, gravidade maior do que a correspondente aos 15% atribuídos na sentença), não tendo feito, no sentido apontado pelos recorrentes, errada interpretação das normas invocadas, nomeadamente, na Conclusão 35., nem devendo as indemnizações fixadas ser de valor superior.

Termos em que deverá:

a) rejeitar-se o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, por incumprimento, por parte dos AA./recorrentes e como acima se deixou explanado, dos requisitos e ónus previstos no artigo 640º do CPC; quando assim se não entenda (o que não se admite),

b) denegar-se provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto invocada pelos recorrentes e recusando-se o aumento dos valores indemnizatórios por eles peticionados

Ademais,  a ré interpôs recurso subordinado.

Nele formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Local Cível ... – Juiz ..., que condenou a R./ora recorrente no pagamento:

· ao Autor AA do valor de € 16.723,20 (dezasseis mil setecentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) de capital;

· à Autora BB do valor de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) de capital;

· ao Autor CC do valor de € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros) de capital;

· à Autora DD do valor de € 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros) de capital;

· de juros vincendos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal de juros civis, calculados sobre cada um dos referidos valores de capital;

B. Com o devido respeito, entende a recorrente, por um lado, que o Tribunal recorrido deveria ter dado como não provados alguns dos factos que considerou demonstrados; e provados factos que não incluiu na matéria correspondente (Ponto III da, aliás douta, sentença), não tendo – salvo melhor opinião – apreciado adequadamente a prova produzida;

C. E crê, por outro, que as indemnizações fixadas aos AA. deveriam ter sido de valor inferior, afigurando-se, portanto, exageradas e desproporcionais aos efectivos danos sofridos;

D. Além disso, na apreciação da culpa do lesado e suas consequências, considera a recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo deveria ter ido mais além, reduzindo os montantes indemnizatórios relativos aos AA. que, no momento do acidente, não usavam cinto de segurança (BB, CC e DD), em 1/3, como defendido na contestação, em vez de em apenas 15%, como determinado na sentença; E. O presente recurso incide sobre os seguintes aspectos:

· impugnação da matéria de facto e suas consequências;

· contestação dos concretos montantes indemnizatórios fixados aos AA./recorridos pelo Tribunal a quo, com reapreciação das consequências práticas da culpa dos lesados;

F. Por razões de economia processual, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados citados em 6. supra;

G. Embora sem esquecer que as decisões dos Tribunais se encontram abrangidas pelo princípio da livre apreciação da prova, não deixa de ser verdade que, como resulta da lei, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (artigo 662º, nº 1 do referido diploma);

H. Afigura-se à recorrente existir erro na apreciação da prova por parte do julgador, uma vez que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, deveria ter-se considerado provado também [por muito relevantes para a boa decisão da causa e por serem factos complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, além de terem resultado da instrução da causa – cfr. artigo 5º, nº 1, alínea b) do CPC]) que:

· “Como resultado do capotamento, os ocupantes que não usavam cinto de segurança – a Autora BB, o Autor CC e a Autora DD – foram projectados para a encosta”;

· “O Autor CC foi encontrado na valeta”;

I. Ademais, o Tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os factos 16., 17. e 19. (relativos ao A. AA); 42. e 43. (relativos à A. BB); 52. (relativo à A. DD); e 56. e 57. (relativos ao A. CC);

J. Como é sabido, “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado” (artigo 413º do Código de Processo Civil);

K. No caso concreto, a matéria de facto em apreço (, referente ao modo como os AA. BB, CC e DD ficaram dispostos após terem sido projectados para fora do veículo – projecção para a encosta e para a valeta (complementar dos factos provados 7., 8. e 9.), resulta do Relatório junto pelos próprios AA. como doc. 1, tratando-se de matéria constatada, no local, pela autoridade policial espanhola (cfr. folha 22 do referido documento – traduzido no requerimento dos AA. de 27.01.2022, com a referência Citius 1891775);

L. E foi confirmada pelo A. AA, quando prestou declarações de parte, na sessão de julgamento do dia 10.11.2022 (com início da gravação pelas 14.32 horas e fim pelas 15.58 horas – ficheiro 20221110143253_938235_2870896), quando o mesmo afirmou, em concreto, que:

· “No banco onde eu estava só fiquei eu” (minuto 16.00 da gravação);

· “Ao meu lado não havia ninguém; toda a gente tinha sido projectada” (minuto 16.10); · “[quando acordou] Não vinha ninguém ao lado” (minuto 1.17.20);

· “Quando eu abri os olhos, não vinha ninguém ao lado” (minuto 1.18.30);

· “Quando acordei, depois do acidente… quando o carro ficou parado, não havia ninguém ao meu lado” (minuto 1.23.55);

· “Depois, quando acordei, não vi ninguém” (minuto 1.24.28);

M. A “decisão diversa” que a ora recorrente entende ser imposta pela prova produzida [em concreto pelo teor do doc. 1 (Relatório da Guardia Civil Espanhola junto com a petição inicial – com tradução junta aos autos em 27.01.2022 – referência Citius 1891775; e do doc. 2 (tradução) junto pelos AA. em 27.01.2022 – referência Citius 1891777; conjugadas com as citadas declarações de parte do A. AA] é a que obriga à inclusão, na matéria de facto provada, da matéria descrita na Conclusão H. supra;

N. Quanto aos Pontos 16., 17. e 19. (relativos ao A. AA); 42. e 43. (relativos à A. BB); e 56. e 57. (relativos ao A. CC), identificados na Conclusão I. supra, deverá evidenciar-se que nem na sentença se justifica – suficientemente – por que razão foram dados como provados aqueles específicos números de consultas e tratamentos (médico de família; fisioterapia; cirurgia dermatológica; ortopedia; enfermagem) – sendo mesmo referido que se tratou, em alguns casos, de simples cálculo aritmético, ainda que aproximado (página 13 da douta sentença recorrida);

O. Nem a efectiva prova produzida (que a sentença não identifica) permite ter-se por comprovados tais concretos factos (Ponto 16.: “3 consultas com médico de família e 23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia”; Ponto 17.: “42 tratamentos de enfermagem”; Ponto 19.: “12 consultas (12.02.2019, 19.12.2019, 06.07.2019, 17.12.2019, 04.02.2020, 10.03.2020, 21.04.2020, 23.06.2020, 08.09.2020, 17.11.2020, 18.05.2020, 29.06.2020) de cirurgia dermatológica”; Ponto 42.: “16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia”; Ponto 43.: “29 tratamentos de enfermagem”; Ponto 56.: “6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia”; Ponto 57.: “42 tratamentos de enfermagem”), que deverão ser, pelo exposto, dados com não provados;

P. Em relação ao Ponto 52., “o Tribunal valorou as declarações do Autor AA, seu pai, nos exatos termos referidos para os demais factos, antevendo-se com razoável clareza que a dimensão do sinistro teve a aptidão de causar, nos meses seguintes, um inevitável constrangimento quando confrontada com a necessidade de se deslocar de veículo automóvel” (página 15 da douta sentença); só que, não obstante os AA. terem alegado, na petição inicial, o sofrimento de “trauma e choque psicológico” por parte da A. DD, que teria ainda “o dia do acidente bem presente na sua memória”; que teria “ainda hoje […] receio em se deslocar em veículos, sejam eles quais forem”; e que estremeceria “quando, por alguma razão, é efectuada uma travagem mais repentina ou alguma manobra mais brusca”, o certo é que nada disse se provou, antes ficando claro que, como os próprios AA. admitiram logo no respectivo articulado inicial, “Não foram diagnosticadas lesões passiveis de valoração a título de défice funcional permanente”, além de que tal A. não teve, também ao contrário do que defendiam os AA., necessidade de apoio psicológico (cfr. Ponto M. dos factos não provados);

Q. A conclusão do Tribunal recorrido agora posta em crise (citado Ponto 52.) baseou-se, em exclusivo, nas declarações de parte produzidas pelo A./pai da A. DD, já que os depoimentos das testemunhas (arroladas pelos AA.) FF (tio dos AA.), HH (mãe da A. BB) e II (amigo do A. AA) – todas inquiridas na sessão de julgamento realizada em 14.09.2022 – nada de concreto e substancial puderam acrescentar acerca desta matéria, para mais porque constituíram depoimentos parciais, interessados, nada objectivos, hesitantes e vagos, revelando a nítida intenção de beneficiar os AA.;

R. Foi unicamente por as declarações de parte do A. AA terem sido valoradas de forma auto-suficiente e sem se exigir, verdadeiramente, a sustentação em qualquer outra prova que o douto Tribunal a quo deu por demonstrado que a A. “DD padeceu, nos meses seguintes ao do acidente, de receio de se deslocar em veículos automóveis”;

S. Mas não pode esquecer-se que as declarações de parte – como meio probatório – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, afigurando-se, pois, arriscado dar como provado, sem mais – nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios – os factos alegados pela própria parte e só por ela admitidos e confirmados;

T. Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, LEX, Lisboa, 1997, pág. 348, “([s]e o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção”; acrescentando o mesmo que, “Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (art.ºs 655º n.º 1, e 652º, n.º 3, alªs b) a d), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente” (Idem, Ibidem) – negrito e sublinhado nossos;

U. Salvo melhor opinião e com o devido respeito, não foram – atendendo às razões explanadas – tais exigências cumpridas, pelo que, face à prova (e/ou à falta dela) efectivamente produzida (designadamente nos termos acima convocados), dúvidas não restarão de que devem ser retirados os Pontos 16., 17. e 19. (relativos ao A. AA); 42. e 43. (relativos à A. BB); 52. (relativo à A. DD); e 56. e 57. (relativos ao A. CC), da listagem de factos provados, sendo antes transpostos para a matéria de facto não provada, o que terá de implicar, desde logo e por diminuir a gravidade global dos danos sofridos, a redução do valor das indemnizações de todos os AA.;

V. E (insiste-se) deve dar-se como provado que:

· Como resultado do capotamento, os ocupantes que não usavam cinto de segurança – a Autora BB, o Autor CC e a Autora DD – foram projectados para a encosta; e que

· O Autor CC foi encontrado na valeta;

W. Ficou demonstrado (quanto aos danos sofridos pelos AA. e em resumo):

· quanto ao A. AA, que:

o tinha 42 anos à data do acidente;

o o impacto de recuperação imediata foi muito reduzido (2 dias de défice temporário total);

o careceu de acompanhamento médico relevante;

o careceu de utilizar bota gessada por cerca de sete semanas e retomou a actividade laboral sensivelmente cinco meses após o sinistro;

o padece de dano estético de grau 1 numa escala de 7 e de défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 2,98 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respectiva actividade profissional;

o recuperou, apesar das lesões, de forma muito relevante a sua integridade física;

o e não se antevêem consequências de longo prazo para eventuais projectos de vida, sejam de cariz pessoal ou profissional;

· quanto à A. BB, que:

o tinha 45 anos à data do acidente;

o padeceu de lesões relevantes, as quais pela sua gravidade implicaram a necessidade de cuidados imediatos significativos e períodos de recuperação com imobilização praticamente total e total dependência de terceiros;

o padeceu de um quantum doloris de 5, numa escala de 7 pontos;

o padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7 e

o apresenta um défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respectiva actividade profissional, bem como a toma de medicação e acompanhamento médico regular;

o existem perspectivas de existência de dano futuro;

o não fazia uso do cinto de segurança;

o foi projectada do veículo;

o foi projectada para a encosta;

o os danos por si sofridos foram agravados pelo facto de ter sido projectada da viatura;

· quanto ao A. CC, que:

o tinha 15 anos à data do acidente;

o padeceu de lesões relevantes, as quais pela sua gravidade implicaram a necessidade de cuidados imediatos muito significativos (incluindo várias intervenções cirúrgicas com internamento hospitalar), bem como um período de recuperação com imobilização praticamente total, sendo também relevante  o período de convalescença que se prologou por mais de dois anos e meio;

o ficou com uma perna mais curta do que a outra;

o padeceu de uma quantum doloris de 5, numa escala de 7 pontos;

o padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7;

o ficou afectado por um défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 7,317 pontos, tendo as sequelas do sinistro repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de nível 4, numa escala de 7;

o existem perspectivas de existência de dano futuro;

o não fazia uso do cinto de segurança;

o foi projectado do veículo;

o foi projectado para a encosta;

o foi encontrado na valeta;

o os danos por si sofridos foram agravados pelo facto de ter sido projectado da viatura ; · quanto à A. DD, que:

o tinha 9 anos de idade à data do acidente;

o sofreu ferimentos;

o após ser tratada e medicada a seguir ao acidente, recebeu alta no mesmo dia;

o foi afectada por um défice funcional temporário parcial fixável em 15 dias, com repercussão temporária total na actividade escolar durante o mesmo período;

o não fazia uso do cinto de segurança;

o foi projectada do veículo;

o foi projectada para a encosta;

o os danos por si sofridos foram agravados pelo facto de ter sido projectada da viatura; X. Tendo em conta quer os descritos factos que ficaram provados quer aqueles que deviam ter sido assim considerados (nos termos acima explanados), resultará, salvo melhor opinião, claro que os valores das indemnizações atribuídas aos AA./lesados se mostram excessivos (e já seriam desproporcionais mesmo sem a alteração da matéria de facto);

Y. O valor da reparação do dano não patrimonial tem de ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados na Jurisprudência;

Z. Como é pacífico, além da equidade também a proporcionalidade, a igualdade, a razoabilidade e as necessidades de segurança jurídica e tutela das expectativas, devem orientar o raciocínio tendente à melhor decisão a proferir sobre o valor da compensação por danos não patrimoniais;

AA.Pelo exposto, afigura-se à R./recorrente equilibrada e adequada às circunstâncias do caso concreto uma indemnização/compensação:

 · quanto ao A. AA, de valor não superior a 8.000,00€, devendo ser assim reduzido o montante fixado na decisão recorrida;

· quanto à A. BB, de valor não superior a 30.000,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 20.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança;

· quanto ao A. CC, de valor não superior a 60.000,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 40.000,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança;

· quanto à A. DD, de valor não superior a 900,00€, devendo ser reduzido o montante fixado na sentença recorrida para 600,00€, em virtude da falta de utilização de cinto de segurança;

BB.Em suma, decidindo como decidiu, contrariou a douta sentença recorrida, designadamente, as disposições dos artigos 5º, nº 1, alínea b) e 607º, nºs 3 a 5, do Código de Processo Civil; e 342º, 483º e seguintes e 562º e seguintes, do Código Civil.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são as seguintes:

1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª- Procedência in totum dos valores pedidos ou redução dos sentenciados.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionaisAC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1.  in dgsi.pt pt;

5.1.2.

Por outro lado, estatui o artº 640º do CPC:

«1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

Nesta vertente urge ter presente que não basta a indicação do inicio e fim do depoimento no respetivo suporte magnético.

É que:

«…A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador”.» - Acs. do STJ de 26.1.2017, p. 599/15.7T8CLD.C1.S1, apud, Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 108/13.2TBPNH.C1.S1;  de 27.10.2016, p. 3176/11.8TBBCL.G1.S1; de 05.08.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2. e de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1.

A transcrição  dos depoimentos não exime ao cumprimento daquele dever – Des. Henrique Antunes, ob. e loc. cits. e Ac. do STJ de   14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1.

Certo é que o cumprimento destes requisitos formais  deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ -  que o não cumprimento,  nas conclusões, do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório.

Mas se nem no corpo alegatório tal ónus não é cumprido, este motivo já se verifica.

De notar que a falta  de cumprimento dos aludidos ónus não admite convite ao seu aperfeiçoamento- cfr. vg., Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1 e Henrique Antunes, ob. e loc. cits.

De tudo o referido decorre que  o recorrente não pode limitar-se a invocar, mais ou menos abstrata, genérica e indiferenciadamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

Antes ele devendo efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

Se assim não for, e:

«Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC.

 Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.» - Ac. do STJ de   14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1.(sic).

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac. do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz e não a parte, e atento o supra aludido em 5.1.1, a  lei  apenas permite a censura da convicção do julgador  se os meios probatórios invocados impuserem (não basta  apenas que sugiram) decisão diversa da recorrida.

Ora tal censura apenas pode advir desde logo com cumprimento dos ónus formais legais que não somente da apriorística e subjetiva irresignação do recorrente, não cabal, concreta, discriminada  e inequivocamente  substanciada, e pelo modo legal exigido.

Enfim,  só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

In casu.

Os recorrentes autores não cumpriram, ao menos cabal e plenamente, o ónus de impugnação especificada, o qual, como supra se disse, impõe o reporte  dos concretos elementos probatórios a cada concreto facto impugnado.

O que, por via de regra, poderia implicar a liminar rejeição do recurso nos termos do artº 640º nº1 al. b) do CPC. – cfr. vg, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1

No entanto, porque a prova produzida é claramente identificada e se reporta  a  núcleos factuais homogéneos – vg. falta de cinto de segurança e suas consequências, abrangência e gravidade dos danos -  que podem ser considerados na sua globalidade -  apreciaremos, na medida do possível, em função do (in)cumprimento dos legais requisitos do artº 640º do CPC.

Efetivamente:

«Embora, a impugnação da matéria de facto deva, em princípio, especificar, relativamente a cada facto impugnado, quais os meios de prova que justificam um diferente resultado de prova, nada impede que, quando as razões invocadas para a alteração de vários factos, sejam precisamente as mesmas, essa indicação seja dirigida, em bloco, a toda essa factualidade. Necessário é, que seja compreensível quais os meios de prova e quais as razões pelas quais o impugnante sustenta que o resultado da prova, relativamente a esses factos, deve ser alterado.» Ac. do STJ de 14-01-2021 - Revista n.º 1121/13.5TVLSB.L2.S1

Desde logo pretendem os autores que se  deem como não provados os factos 7, 8, e 9 julgados provados.

7. Os Autores BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança aquando do acidente;

8. Os Autores BB, CC e DD foram projetados da viatura;

9. Os danos sofridos pelos Autores BB, CC e DD foram agravados pelo facto de terem sido projetados da viatura;

Os dois primeiros factos meridianamente têm de ser dados como provados.

Resultam da própria confissão dos autores exceto o AA – cfr. docs 4, 5 e 6 juntos com a contestação -  e de toda a dinâmica do acidente: se foram projetados para fora do veículo através das janelas, e ele não se desmantelou completamente, tendo alguns passageiros permanecido dentro do mesmo, é quase óbvio que quem foi projetado não levava cinto de segurança.

O ponto 9.

Como diz o julgador, foi afirmado  em audiência pelo Sr. Perito médico que elaborou o relatório pericial que as lesões sofridas pelos autores não foram necessariamente causadas pela projeção:  «este tipo de lesões podem ocorrer dentro do veículo, não tem que haver projeção».

Este é o entendimento de quem tem privilegiados conhecimentos na matéria, pelo que, como é consabido, apenas pode ser infirmado se outra prova idónea cabalmente assim o impuser.

Ora se perante as lesões por ele verificadas e toda a dinâmica do acidente, considera que, mesmo que inexistisse projeção, as lesões poderiam ter-se verificado nos seus precisos termos e efeitos gravosos, não se pode concluir que, no caso vertente, a projeção as agravou.

Basta atentar que a menor DD não levava cinto de segurança, foi projetada para fora do veículo e, não obstante, sofreu lesões de menor gravidade relativamente aos demais lesados, máxime o AA, que levava cinto de segurança.

Em tese e por via de regra, o agravamento das lesões em situações de projeção até pode acontecer.

Mas cada caso é um caso e é nele, e para ele, que se produz e aprecia a prova e, perante ela, se retiram as respetivas e mais pertinentes conclusões.

Ora neste decidendo, não se pode afirmar, porque, no mínimo, existe dúvida sita para além da margem de álea em direito probatório permitida, que tal agravamento  tenha acontecido pela projeção, sendo que, se esta não se verificasse, não emergiria.

E esta dúvida, porque este é um facto excetivo invocado pela ré, a quem aproveita, e a qual, assim, tem o ónus da sua prova, contra si se resolve, não podendo, pois, tal facto conclusivo ser dado como provado – artºs 342º nº2 do CC e 414º do CPC.

Quanto ao mais.

Os pontos 115 e 138º da pi não podem ser dados como provados.

Versus o invocado pelos recorrentes, as perícias nada dizem sobre tais factos, antes referindo que na vida afetiva – a qual, lato sensu, inclui o relacionamento sexual- não houve alterações.

E as declarações do autor - e não do arguido como referido pelos recorrentes – para além de obviamente interessadas e, assim, devendo ser valoradas cum granno sallis, ie. cautelosa e comedidamente, nem sequer vêm sinalizadas na gravação quanto a tal preciso conspeto, não dando pois cumprimento ao disposto no artº 640º.

As datas dos pontos 20 e 23 parecem ser (são)  erros materiais e, assim devem ser corrigidos – artº 246º do CC.

Especificando-se, no ponto 23, que a data da consolidação se refere às lesões.

Quanto ao ponto 25 os recorrentes têm razão.

O défice temporário parcial fixado na perícia ao autor AA não foi de 181 dias, mas antes de 354 dias.

O ponto 42 deve ser corrigido pelos motivos pelos recorrentes aduzidos, a saber, pelo relatório pericial resulta que as lesões não foram, ou não foram essencialmente, na perna, antes sendo as referidas no ponto 32.

Os períodos de repercussão e as concretas sequelas do acidente para cada um dos autores, são a decorrência e a concretização  das alegações dos mesmos quanto às consequências do sinistro e apenas puderam ser esclarecidos  posteriormente pela via pericial.

Decorrentemente, e porque tais factos têm interesse para a decisão da causa, e encontram-se provados pela prova  pericial, idónea e abalizada,   tais factos têm de ser dados como provados nos seguintes termos:

Para o autor AA:

Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total é de 146 dias.

Para a autora BB:

Repercussão permanente nas atividade  desportivas e de lazer fixável no grau 2/7”.

Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares.

Para o autor CC:

 Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021.

 Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias.

As sequelas descritas são em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com exercício de atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Os factos referidos no ponto i) para o autor AA, não podem ser dados como provados.

Quanto ao valor probatório das  suas declarações, mantém-se o já supra exposto.

Quanto á perícia, ela nada refere quanto ao encurtamento da perna (qual?), à necessidade do uso de palmilha e ao claudicar da marcha.

Antes apontando em sentido oposto quando nela se plasma «sem alteração na marcha».

O teor pretendido provar no ponto j não pode ser dado como provado, desde logo por razões formais, pois que os recorrentes não o alegaram e sendo que provados e não provados podem apenas ser, atentos os princípios da substanciação, dispositivo e auto responsabilidade das partes, os expressamente invocados.

Quanto ao ponto k – conclusão 26 – é quase uma evidência conclusiva que as lesões provocadas atenta a sua dimensão, relevância e prolongamento no  tempo, causaram sofrimento físico e psicológico em todos os autores e não apenas no autor AA.

Assim, o ponto 30 deverá refletir tal matéria para todos eles.

Quanto à não prova da alínea H): «Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 20 297,04 €”»

«Aqui o julgador fundamentou nos seguintes termos:

Já quanto aos valores que BB terá deixado de auferir no período em que terá estado incapacitada para o trabalho a prova produzida não permite alcançar a conclusão alegada pela Autora, menos ainda antever – como clareza mínima – quais os eventuais quantitativos a ter em conta.

Em primeiro lugar, mesmo ultrapassando a alegação conclusiva apresentada – portanto, de que «teve uma perda salarial de € 20.297,04» –, devidamente apreciados os elementos probatórios de natureza documental que sustentam a sua alegação e as breves referências que foram feitas à sua atividade profissional em sede de declarações de parte pelo coautor seu marido, não é possível aferir de indicadores elementares como o regime ou o número de horas que a Autora BB trabalhava e respetivos valores (ainda que em termos médios).

Ainda que procurando descortinar tais dados dos recibos juntos aos autos (portanto, ultrapassando a falta de demonstração inequívoca do direito pela parte), o Tribunal depara-se, por exemplo, com referências a aparentes cessação e celebração sucessiva de contratos sem que – repete-se – se perceba quais os concretos regimes a que a atividade laboral da Autora obedecia (v.g. se com um número fixo de horas; qual o valor horário; quais as horas concretamente trabalhadas; etc.), menos ainda, por fim, qual o fundamento aritmético para os valores que peticiona.

Estes argumentos são algo exigentes e rebuscados.

Os documentos juntos aos autos pelos autores provam que a BB, antes do acidente, auferia cerca de 1200 euros ilíquidos e 900 euros líquidos mensais – cfr. fls.87 a 90.

E que entre Outubro de 2018 e Outubro de 2020 não auferiu qualquer remuneração – cfr. fls. 74 a 85.

De notar que ela não juntou documento atinente ao mês de Abril de 2019, pelo que este mês, no rigor dos princípios, não pode ser considerado como perda salarial total (por qualquer motivo poderia ter percebido algum valor).

Provou-se que ela esteve de baixa médica com fundamento em incapacidade para o trabalho desde a data do acidente, ou seja setembro de 2018, inclusive, (o sinistro ocorreu em 30 de Agosto) até 1 de setembro de 2020, ou seja, durante 24 meses.

Descontando o mês de Abril de 2019, temos pois que se provou que a autora esteve sem salário pelo menos 23 meses, à razão de 1.200 euros (valor a considerar porque os descontos também se reportam à segurança social e reforma, o que lhe aproveita), o que perfaz a quantia de  27.600,00 euros (vinte e sete mil e seiscentos euros)

Descontando o valor de 10 902,96 €,  recebido pela assistência/seguro na doença, assiste-lhe jus a 16.697,04 euros.

O ponto m) atinente ao acompanhamento psicológico da autora EE não pode ser dado como provado porque, invocando-se prova pessoal, não foi minimamente dado cumprimento, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, ao disposto no artº 640º nº2 al.a) do CPC com indicação precisa das passagens da gravação em que elas se terão pronunciado quanto a tal facto.

5.1.4.

Do recurso da ré.

Provados e não provados devem ser aqueles que, alegados, tenham interesse para a decisão da causa.

Ora não tendo sido dado como provado que a  projeção para fora do veículo tenha agravado as lesões é irrelevante que se dê como provado que

 · “Como resultado do capotamento, os ocupantes que não usavam cinto de segurança – a Autora BB, o Autor CC e a Autora DD – foram projectados para a encosta”;

· “O Autor CC foi encontrado na valeta”;

Quanto aos factos 16, 17 e 19, 42, 43 56 e 57, atinentes essencialmente ao número de consultas  e tratamentos, o Sr.Juiz  a quo fundamentou  as respostas nos seguintes termos:

«Igualmente tomando de apoio as suas declarações e as concretas referências temporais que indicou (as quais permitiram, em alguns casos, confirmar o número de consultas ou episódios por simples – ainda que aproximado – cálculo aritmético), percebeu-se o número de consultas que teve – CF. FACTO PROVADO 16 –; os tratamentos de enfermagem na sua residência – CF. FACTO PROVADO 17 –; ou os tratamentos necessários às lesões na orelha – CF. FACTOS PROVADOS 18 E 19 –, sendo que neste último caso conferiu credibilidade acrescida a tal alegação a declaração junta com a PI sob documento n.º 3 …

Já no atinente ao ponto 52 expendeu:

«No que respeita especificamente à Autora DD, o Tribunal valorou as declarações do Autor AA, seu pai, nos exatos termos referidos para os demais factos, antevendo-se com razoável clareza que a dimensão do sinistro teve a aptidão de causar, nos meses seguintes, um inevitável constrangimento quando confrontada com a necessidade de se deslocar de veículo automóvel – cf. FACTO PROVADO 52»

Já se viu que a convicção do juiz encerra elementos de índole subjetiva, os quais, até certo ponto, são admissíveis perante a apreciação da prova produzida, máxime se de jaez pessoal, atentos os princípios da imediação e oralidade.

Por outro lado, ainda que as declarações de parte, só por si,  a priori e em princípio, não sejam suficientes para convencer, elas, numa análise extrema adversa, não podem, ipso facto, serem cerce e liminarmente postergadas e desvalorizadas.

Antes  devendo ser concatenadas com outros elementos de prova e com outros factos apurados, para, numa apreciação global e conjunta, e considerando as regras da lógica e da experiência comum, se poder concluir, ou não, se merecem, ao menos algum, crédito.

No caso vertente,  é obvio que certos factos provados demonstram que as lesões e sequelas oriundas do acidente para os autores a que tais pontos respeitam assumem gravidade considerável e determinaram um largo lapso de tempo – muitos meses - , de incapacidade, total e parcial para a atividade profissional e até para a vida quotidiana.

Decorrentemente, e mais consulta/tratamento,  ou menos consulta/tratamento, os números plasmados pelo julgador, e alcandorados nas declarações das partes e em documentos, mostram-se consentâneos com a aludida gravidade e extensa temporalidade e com a normalidade das coisas e a experiência comum, pelo que eles se encontram ainda ínsitos na margem de álea em direito probatório permitida.

E o mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente ao ponto 52.

Ademais,  e versus o que parece entender a ré, o facto de  não terem sido diagnosticadas lesões passiveis de valoração a título de défice funcional permanente à autora EE, e  de ela não ter tido necessidade de apoio psicológico, não é impeditivo de, nos meses seguintes ao do acidente, ter tido receio de se deslocar em veículos automóveis.

5.1.5.

Decorrentemente, na parcial procedência do recurso dos autores nesta questão e na improcedência do recurso da ré, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os aditados/alterados:

1. No dia 30 de agosto de 2018, pelas 17:00 horas, ocorreu um acidente de viação, ao Km 211,080 da A-62, em Salamanca – Espanha, tendo como interveniente a viatura ..., modelo ..., com matrícula ..-..-NH - que trazia um reboque ligeiro com motociclo marca ... (matrícula ..-..0-TZ);

2. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação referente ao veículo ..., modelo ..., com matrícula ..-..-NH estava transferida para a F..., S.A., por contrato titulado pela apólice ...89;

3. A referida viatura era conduzida pelo respetivo proprietário JJ;

4. Transportava como passageiros KK, LL, MM, NN e os ora Autores AA, BB e os seus dois filhos menores, CC (então com 15 anos) e DD (então com 9 anos);

5. O automóvel seguia na direção Portugal – Burgos e, após um rebentamento de pneu, saiu da via em que seguia, chocou contra a barreira de proteção e de seguida capotou;

6. No dia, hora e local do acidente o piso encontrava-se seco e limpo, e o tempo de sol, sem vento e com plena luminosidade;

7. Os Autores BB, CC e DD não faziam uso do cinto de segurança aquando do acidente;

8. Os Autores BB, CC e DD foram projetados da viatura;

9. eliminado;

10. AA tripulava o assento traseiro direito e fazia uso do cinto de segurança;

11. Na sequência do sinistro, AA, à data com 42 anos de idade, foi transportado para o Complejo Asistencial Universitario de Salamanca, tendo-lhe sido colocada tala, medicado, tendo recebido alta no mesmo dia e transferido para o respetivo domicílio;

12. Do acidente resultou, ferimento na orelha esquerda e cicatriz queloidiana e ferimentos e fratura epifisária da fíbula esquerda não deslocada;

13. AA esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho até 23 01.2019;

14. Ficou com a perna imobilizada por força da utilização de bota gessada durante cerca de 7 semanas;

15. Utilizou canadianas durante o referido período;

16. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 3 consultas com médico de família e 23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

17. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;

18. Por força das referidas lesões na orelha, AA foi submetido a cirurgia em 20 de fevereiro de 2019 e teve de fazer tratamentos de penso ao pavilhão auricular esquerdo durante cerca de duas semanas;

19. Assistiu a 12 consultas (12.02.2019, 19.12.2019, 06.07.2019, 17.12.2019, 04.02.2020, 10.03.2020, 21.04.2020, 23.06.2020, 08.09.2020, 17.11.2020, 18.05.2020, 29.06.2020) de cirurgia dermatológica na “Polyclinique du Plateau”;

20. A cicatriz queloidiana foi considerada estabilizada a 18/05/2021;

21. O Autor AA auferia, à data do sinistro, um vencimento mensal de € 2.437,08;

22. Nos 128 subsequentes ao acidente em que não trabalhou, deixou de auferir o valor de € 4.723,20;

23. A data de consolidação das lesões é fixável em 19.08.2020.

24. O défice funcional temporário total é de 2 dias,

 24 –A -  O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 146 dias

25. O défice funcional temporário parcial é de 354 dias,

26. O quantum doloris de grau 4 numa escala de 7;

27. Padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7;

28. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos;

29. As sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional;

30. Todos os autores padeceram de sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, consultas e o período de recuperação;

31. Na sequência do acidente, BB à data com 45 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de Salamanca, em estado grave, com politraumatismos;

32. Foram-lhe diagnosticadas fraturas

a. em ambas as escápulas sem deslocamento dos fragmentos;

b. do primeiro arco costal e arco costal posterior da 11.ª costela direita;

c. do segundo arco costal esquerdo;

d. em cunha do corpo vertebral dorsal 10, com fratura associada do pedicuro direito;

e. da apófise transversal esquerda com mínimo deslocamento do fragmento para dentro do canal medular;

33. Na parênquima pulmonar foram-lhe identificadas áreas de contusão pulmonar de predomínio em ambos os lóbulos inferiores;

34. Padeceu de derrame pericárdico mínimo e de lesão hipotensa mínima no segmento IV B provavelmente cística;

35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 03/09/2018 e recebeu alta a 12/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;

36. As lesões de que padeceu consolidaram-se a 10/08/2019;

37. O défice funcional temporário total é de 100 dias;

38. No referido período de 100 dias, permaneceu em repouso absoluto, com tratamentos, apoio médico e de enfermagem e necessidade de usar fralda;

39. O défice funcional temporário parcial é de 246 dias;

39 - A -  A Repercussão permanente nas atividade  desportivas e de lazer fixável no grau 2/7”.

39-B -Tem ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares.

40. Esteve de baixa médica com fundamento em incapacidade para o trabalho desde a data do acidente até 1 de setembro de 2020;

40-A - Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 16 697,04 €»

41. A Autora BB recebeu autorização médica do clínico que a acompanhava para retomar o trabalho a 09/11/2020;

42. Por força das referidas lesões no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico, assistiu a 16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

43. Recebeu 29 tratamentos de enfermagem na sua residência;

44. Como consequência do sinistro, a Autora passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro;

45. O quantum doloris de 5 em 7;

46. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;

47. BB padece de dores diariamente, necessitando de tomar medicação para o respetivo alívio e de assistência médica regular;

48. Não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares;

49. Na sequência do acidente, DD à data com 9 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de Salamanca com ferimentos no ombro esquerdo, joelho esquerdo, pirâmide nasal e dedo da mão direita;

50. Após ser tratada e medicada, recebeu alta no mesmo dia;

51. As lesões físicas sofridas causaram défice funcional temporário parcial, fixável em 15 dias, com repercussão temporária total na atividade escolar durante o mesmo período;

52. DD padeceu, nos meses seguintes ao do acidente, de receio de se deslocar em veículos automóveis;

53. Na sequência do acidente, CC à data com 15 anos de idade, deu entrada no Complejo Asistencial Universitario de Salamanca em estado em estado grave, com politraumatismos;

54. Foram-lhe diagnosticados:

f. Traumatismo no pneumotórax esquerdo;

g. Fratura subcapilar do fémur direito do tipo III;

h. Ferida inciso-contusa no braço esquerdo;

i. Laceração do pavilhão auricular;

55. Foi submetido a intervenção cirúrgica a 30 de agosto de 2018 e recebeu alta a 10/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;

56. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

57. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;

58. Não frequentou a escola até janeiro de 2019, ainda que tenha acompanhado a partir de casa as atividades letivas;

59. Assim que retomou as aulas presenciais, usou canadianas até abril de 2019;

60. Foi submetido a cirurgia, em França, a 25/06/2020, tendo ficado internado do dia 24 a 26 de junho de 2020;

61. Na sequência da referida cirurgia, permaneceu em convalescença até o final de setembro, momento em que regressou novamente à escola;

62. Utilizou canadianas para se locomover entre final de setembro e dezembro de 2020;

63. Foi submetido a cirurgia a 8 de julho de 2021 para retirada do material de osteossíntese da perna direita;

64. Por força das lesões decorrentes do acidente, o Autor CC ficou com uma perna mais curta que a outra em 2cm;

65. O défice funcional temporário total é de 107 dias,

66. O défice funcional temporário parcial é de 968 dias,

66-A – Teve Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias.

66-B-  A Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021.

66-C - As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com exercício de atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

67. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro;

68. O quantum doloris de 5 em 7;

69. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;

70. Sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7;

5.2.

Segunda questão.

O julgador pronunciou-se, em tese geral,  curialmente quanto aos pressupostos da responsabilidade civil da ré, considerando-a oriunda da responsabilidade objetiva advinda do rebentamento do pneu  - artº 503.º, nº 1 do CC -  e da sua adstrição indemnizatória ex vi do contrato de seguro.

Em concreto e no atinente ao quantum indemnizatório atribuído a cada um dos autores decidiu nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«Na indemnização a atribuir ao Autor (AA) …importa ponderar que o mesmo contava com 42 anos à data do acidente, sem nota de qualquer constrangimento físico ou psíquico prévio...

…o impacto de recuperação imediata foi muito reduzido (2 dias de défice temporário total…sendo bem mais significativo o período de convalescença (181 dias de défice temporário parcial) dado que careceu de utilizar bota gessada por cerca de sete semanas e apenas retomou a atividade laboral sensivelmente cinco meses após o sinistro...

Há, ainda, a considerar que padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7 e um défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 2,98 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional.

Todo o percurso em causa foi pautado por sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, inúmeras consultas e o período de recuperação, o que importa considerar.

Em todo o caso, não pode deixar o Tribunal de consignar que …este recuperar de forma muito relevante a sua integridade física...

Em termos gerais, e sem prejuízo do exposto, não se anteveem consequências de longo prazo para eventuais projetos de vida, sejam de cariz pessoal ou profissional.

Assim, tudo ponderado, afigura-se adequada a fixação de uma indemnização global de € 12.000,00 (doze mil euros).

Na indemnização a atribuir à Autora (BB) …importa ponderar que a mesma contava com 45 anos à data do acidente, sem nota de qualquer constrangimento físico ou psíquico prévio...

…padeceu de lesões particularmente relevantes, as quais pela sua gravidade – implicaram, quer a necessidade de cuidados imediatos muito significativos (v.g. intervenção cirúrgica com internamento hospitalar), quer um primeiro período de recuperação com imobilização praticamente total e total dependência de terceiros de alguns meses (cf. 100 dias de défice temporário total), sendo igualmente significativo o período de convalescença categorizado como de défice temporário parcial, o qual se estendeu por 246 dias, perfazendo um período de praticamente um ano até à consolidação das lesões.

…as sucessivas baixas médicas que foram sendo concedidas a BB …não deixam de ilustrar a repercussão relevante que, mesmo após tal consolidação, os esforços suplementares que o exercício da sua atividade profissional passou a exigir se revelaram manifestamente custosos de integrar e ultrapassar.

Há, ainda, a considerar um quantum doloris particularmente relevante de 5, numa escala de 7pontos; de que padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7 e um atendível défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, implicando as sequelas do sinistro, não apenas esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional (particularmente exigente no plano físico), como que suporte dores e necessite de toma de medicação e acompanhamento médico regular.

Todo o percurso em causa foi pautado por sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, inúmeras consultas e o período de recuperação, o que importa considerar.

…contrariamente ao consignado para o coautor AA, existem perspetivas concretas da existência de um dano futuro relevante, consubstanciado na afetação da sua plena integridade física, com manifestação nos mais elementares atos do seu quotidiano.

Assim, tudo ponderado, afigura-se adequada a fixação de uma indemnização global de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

Na indemnização a atribuir ao Autor (CC) em presença importa ponderar que a sua evidente juventude à data do acidente, com apenas 15 anos de idade, sem nota de qualquer constrangimento físico ou psíquico prévio...

…padeceu de lesões muito relevantes, as quais pela sua gravidade – implicaram, quer a necessidade de cuidados imediatos muito significativos (v.g. intervenção cirúrgica com internamento hospitalar), quer um primeiro período de recuperação com imobilização praticamente total (cf. 107 dias de défice temporário total), sendo também extremamente relevante o período de convalescença categorizado como de défice temporário parcial e que se prologou por mais de dois anos e meio (cf. 107 dias de défice temporário parcial).

Sucede, ainda, que CC foi submetido a várias intervenções cirúrgicas ao longo do referido período, condicionando-o necessariamente no seu livre e são desenvolvimento pessoal, familiar e escolar por força dos evidentes constrangimentos que tratamentos médicos acarretam, a que se soma um número de larguíssimas dezenas de consultas médicas e tratamentos a que foi igualmente sujeito.

Acresce, ainda, que as sequelas de que CC para sempre padecerá – note-se, tratando-se de alguém no início da idade de jovem adulto – são de uma relevância tal que colocam forçosamente entraves ao seu desenvolvimento e integrações harmoniosos em sociedade e junto dos seus pares, bastando para o efeito considerar que ficará sempre vinculado à necessidade de utilizar mecanismos de correção da marcha, em virtude de ter uma perna mais curta do que a outra.

Por conseguinte, muito embora não se tenha considerado qualquer projeto concreto futuro de que o ora Autor haja sido forçado a abdicar, nem por isso as sequelas do acidente deixam de ter uma notória influência negativa na forma como, conforme se disse, se desenvolverá...

Há, ainda, a considerar um quantum doloris particularmente relevante de 5, numa escala de 7 pontos; de que padece de um dano estético de grau 2 numa escala de 7 e um atendível défice funcional de natureza permanente da integridade físico-psíquica de 7,317 pontos, tendo as sequelas do sinistro repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7.

Todo o – de resto, longo – percurso em causa foi pautado por sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, lesões sofridas, tratamentos, inúmeras consultas e o período de recuperação, o que importa considerar.

…contrariamente ao consignado para o coautor AA, existem perspetivas concretas da existência de um dano futuro relevante, …(dada) a sua juventude, a irreversibilidade de algumas sequelas muito relevantes que o seu corpo apresentará e as necessárias consequências futuras das mesmas.

Assim, tudo ponderado, afigura-se adequada a fixação de uma indemnização global de € 80.000,00 (oitenta mil euros).»

Na indemnização a atribuir à Autora (DD) …Tribunal ater-se-á necessariamente à circunstância desta ser ainda uma criança à data dos acontecimentos, a qual – em todo o caso – foi exposta à sua gravidade, com necessárias consequências para o seu bem estar emocional.

De todo o modo, não se mostram provados – além dos referidos – factos relevantes adicionais que devem ser integrados na tutela indemnizatória.

Assim, tudo ponderado, afigura-se adequada a fixação de uma indemnização global de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

Dilucidemos.

Quanto aos danos patrimoniais decorrentes do acidente propriamente ditos, e como aludido na sentença, apenas se provou que o autor AA deixou de auferir, por força do acidente, a quantia de 4.723,20 euros.

E nesta instânca apurou-se que a autora BB Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 16 697,04 €»

Destarte, a estes autores assiste jus a tais montantes.

Quanto aos restantes danos os autores pedem um valor global conjunto para o dano biológico e para os danos não patrimoniais.

Poderiam não o fazer e diferenciar tais valores  pois que esses dois tipos de danos não se confundem necessariamente.

Efetivamente, o direito à indemnização e a correspetiva obrigação de indemnizar apenas podem ser perspetivados numa dupla vertente ressarcitória: a indemnização por danos patrimoniais e a compensação por danos não patrimoniais.

Pelo que todos os danos provados têm de ser integrados numa destas duas vertentes, por reporte à sua natureza de patrimoniais ou não patrimoniais, inexistindo um tertium genus.

 Na verdade, mesmo a recente noção de dano biológico, cuja relevância lhe foi atribuída pela Portaria 377/2008, posto que autonomamente indemnizável, se reconduz, por via de regra, a um dos referidos tipos de ressarcimento: patrimonial ou não patrimonial.

Efetivamente:

«O dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho, ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual». Ac. do STJ de  17.05.2011, p. 7449/05.0TBVFR.P1.S1.

«O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre , é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» - Ac. do STJ de 06.12.2011, p. 52/06.0TBVNC.G1.S1  citando ainda os Acs. deste STJ de 11/11/10, p. 270/04.5TBOFR.C1.S1 e de 20/5/10,  P. 103/2002.L1.S1.

É que a génese da tutela do dano biológico ou corporal assenta na:

«…diminuição funcional e somático-psíquica relevante do lesado, com uma repercussão substancial na sua vida profissional e pessoal… pelas limitações funcionais relevantes e por sequelas psíquicas graves – visa compensar o lesado, para além da presumida perda de rendimentos associada ao grau de incapacidade …também da inerente perda de capacidades e competências, mesmo que essa perda não esteja imediata e totalmente reflectida ao nível do rendimento auferido.

O fundamento da compensação do dano biológico é…duplo: a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando uma patente redução de oportunidades geradoras de possíveis acréscimos patrimoniais futuros, irremissivelmente frustados pelo grau de incapacidade que definitivamente afecta o lesado; o acrescido grau de penosidade e esforço experimentado pelo lesado, no seu quotidiano, imposto pelas funcionais, graves e irreversíveis, de que é portador, consequentes à lesão física sofrida.» - Ac. da RC de 21.03.2013, p. 793/07.4TBAND.C1;  AC STJ de 21.01.2016, p 1021/11.3TBABT.E1.S1

Por outras palavras ou noutra nuance:

« A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas,  inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão.» -  Ac. do STJ de  07.03.2023, p. 766/19.4T8PVZ.P1.S1; cfr. ainda, o  Ac. RC de 06.06.2017, p. 3930/06.2TBLRA.C1 e o Ac. do STJ de  01.03.2023, p. 10849/17.0T8SNT.L1.S1.

O critério fulcral para a sua determinação é o juízo équo.

Pois que  este juízo é única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores e, sobretudo, para atender às especificidades do caso.

Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro.

Vale aqui, ao menos por igualdade de razão, o que vale para o cálculo dos danos futuros.

Na verdade:  «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil.

A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, proc. 08B939, dgsi.pt.

Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica,  por outro lado, ele não  deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.

E mais uma vez aqui importa atentar, em abono e defesa da também importante justiça relativa ou comparativa,  em outros valores indemnizatórios fixados na jurisprudência a este título.

Assim, p.ex:

 No Ac. do STJ  de 01.03.2023, p. 10849/17.0T8SNT.L1.S1. Para um « lesado de 43 anos à data do sinistro; havendo sofrido défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 15 em 100, sem impossibilidade do exercício da actividade profissional mas com esforços acrescidos no seu desempenho; passando a registar limitação nas tarefas profissionais que obrigam a permanência prolongada na posição de sentado (por exemplo, trabalho à secretária ou exercício da condução), com impossibilidade de realização de viagens de trabalho longas; auferindo no anterior emprego a remuneração no valor bruto de € 110 238,05, que passou agora, no seu novo emprego, para montante sensivelmente inferior; tendo ainda o autor perdido a oportunidade de manter uma carreira ao nível em que se encontrava ao tempo do acidente e de vir a desenvolvê-la em termos de valorização profissional, o que implica a passagem a um nível remuneratório inferior àquele de que poderia, noutras circunstâncias, beneficiar, é equilibrada e equitativa a fixação da indemnização de € 115 000,00 (cento e quinze mil euros) a título de dano biológico» - 

 No Ac. do STJ de 17.01.2023, p. 5986/18.6T8LRS.L1.S1 para uma  «lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho, considerou-se  equitativo fixar … a indemnização por tal biológico em € 50.000,00.

No  Ac. STJ de 09.05.2023, p. 7509/19.0T8PRT.P1.S1   para um lesado de 33 anos, auferindo € 1.714,00 mensais, que necessita de um esforço suplementar para o exercício da sua atividade profissional habitual e a quem foi fixado um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, foi atribuída a indemnização de 80.000 euros.

No Ac. do STJ de 06.06.2023, p. 9934/17.2T8SNT.L1.S1 foi tida por: «adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira:::»

No  Ac. RC de 27.06.2023, p.3113/16.3T8LRA.C1 e em que o presente também  foi relator, julgou-se adequado para  lesado de 58 anos para ressarcir o dano biológico, que, essencialmente: i)  ficou com uma incapacidade  permanente geral de 53 pontos; ii)  com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos; iii) com  repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 5/7; iiii) ficou impossibilidade de permanência em pé por períodos superiores a 10 minutos; iiiii) e ficou com a perna esquerda mais curta em cerca de 2 cm, necessitando de auxiliares de marcha., a quantia de 75.000,00 euros.

No Ac. do STJ de 06.06.2023, p. 9934/17.2T8SNT.L1.S1 teve por  adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos …profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos.

Ac . STJ de 04.07.2023, p. 342/19.1T8PVZ.P1.S1, para uma lesada, de 45 anos de idade, …que ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos, que lhe diminui a capacidade física e de ganho embora seja compatível com o exercício da sua atividade profissional, padecendo de dores que lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização, tornando penosa a realização de longas viagens de carro que são frequentes no exercício da sua profissão, foi fixada a indemnização indemnização por danos patrimoniais decorrentes do dano biológico  no valor de € 35 000,00.

No atinente ao dano não patrimonial.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um  lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

Porém, como ponto de partida e critério orientador determinante, há que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender

Assim, a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário afastar critérios miserabilistas e  elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

E neste sentido se pronunciando a doutrina.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S. in dgsi.pt.

Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

E importando perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

Assim e neste particular atente-se em algumas decisões dos Tribunais Superiores.

- No Acordão deste Tribunal da RC de 24.04.2012, proferido no p. nº 124/08.6TBCTB em que o presente também  foi relatorpara compensar, a título de danos não patrimoniais, o lesado de 43 anos que, nuclearmente, foi submetido a duas operações à perna e braço esquerdos, ficou internado durante 15 dias, necessitou durante um ano da ajuda e auxilio de terceiros para as tarefas do seu dia a dia, ficou com sequelas a nível da mobilidade do punho esquerdo e dificuldade na marcha,  com um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7,  com uma incapacidade parcial permanente de 26 pontos,  ficou incapacitado de  forma permanente e absoluta para qualquer profissão que implique esforços com a perna esquerda e sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, julgou-se adequado o quantum de 30.000 euros.

-No Ac. do STJ de 06.06.2023,  sup. cit., teve-se por adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais  a lesada, na casa dos trinta anos,  cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funcional permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo..

-No    Ac. RC de 27.06.2023, p.3113/16.3T8LRA.C1 e em que o presente também  foi relator, julgou-se adequado para  lesado de 58 anos que, mais relevantemente: i) - foi submetido a  duas intervenções cirúrgicas; ii) esteve internado cerca de  dois meses e meio; iii) tem dificuldade em dormir sem medicação; iiii)  tem alterações neuro-psiquiátricas enquadráveis num contexto pós traumático; iiiii) foi-lhe fixado um  quantum doloris no grau 6/7;iiiiii) teve repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 4/7. – a compensação de 45.000 euros.

-No  cit .Ac. STJ de 04.07.2023, para a mesma lesada de 45 anos de idade foi tida por  equitativa a atribuição da quantia de € 20 000,00 para compensar um quadro de sofrimento físico e psicológico caraterizado por um quantum doloris de 3/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7, perturbações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objetos pesados, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração.

No caso vertente.

As lesões sofridas pelos autores assumem gravidade diferenciada, mas merecem todas a tutela do direito.

Quanto ao autor AA, de 42 anos, provou-se nuclearmente:

13. Esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho até 23 01.2019;

14. Ficou com a perna imobilizada por força da utilização de bota gessada durante cerca de 7 semanas;

15. Utilizou canadianas durante o referido período;

16. Assistiu a 3 consultas com médico de família e 23 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

17. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;

18. Por força das referidas lesões na orelha, foi submetido a cirurgia em 20 de fevereiro de 2019 e teve de fazer tratamentos de penso ao pavilhão auricular esquerdo durante cerca de duas semanas;

19. Assistiu a 12 consultas (de cirurgia dermatológica na “Polyclinique du Plateau”;

21. Auferia, à data do sinistro, um vencimento mensal de € 2.437,08;

22. Nos 128 subsequentes ao acidente em que não trabalhou, deixou de auferir o valor de € 4.723,20;

23. A data de consolidação das lesões é fixável em 19.08.2020.

24. O défice funcional temporário total é de 2 dias,

 24 –A -  O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 146 dias

25. O défice funcional temporário parcial é de 354 dias,

26. O quantum doloris de grau 4 numa escala de 7;

27. Padece de um dano estético de grau 1 numa escala de 7;

28. Como consequência do sinistro passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 2,98 pontos;

29. As sequelas do sinistro implicam esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional;

Estas lesões e sequelas são graves e acarretaram consequências nocivas para a integridade físico-psíquica  do autor e, por decorrência, patentes e perenes afetações negativas para a sua atividade profissional e qualidade de vida, pessoal, familiar e social.

Por conseguinte e considerando os valores arbitrados, vg. nos arestos supra citados e que os autores impetram um montante global unitário para o dano biológico e o dano não patrimonial, o valor fixado de 12 mil euros alcança-se escasso/diminuto/insuficiente, antes se vislumbrando mais adequado e justo, o montante de  25.000,00 euros.

No atinente à autora BB, de 45 euros, apurou-se:

32. Foram-lhe diagnosticadasdiversas fraturas

33. Na parênquima pulmonar foram-lhe identificadas áreas de contusão pulmonar de predomínio em ambos os lóbulos inferiores;

34. Padeceu de derrame pericárdico mínimo e de lesão hipotensa mínima no segmento IV B provavelmente cística;

35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 03/09/2018 e recebeu alta a 12/09/2018, momento em que foi transferida para o seu domicílio;

36. As lesões de que padeceu consolidaram-se a 10/08/2019;

37. O défice funcional temporário total é de 100 dias;

38. No referido período de 100 dias, permaneceu em repouso absoluto, com tratamentos, apoio médico e de enfermagem e necessidade de usar fralda;

39. O défice funcional temporário parcial é de 246 dias;

39 - A -  A Repercussão permanente nas atividade  desportivas e de lazer fixável no grau 2/7”.

39-B -Tem ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares.

40. Esteve de baixa médica com fundamento em incapacidade para o trabalho desde a data do acidente até 1 de setembro de 2020;

40-A - Durante o período em que esteve incapacitada para o trabalho a Autora BB teve uma perda salarial no valor de 16 697,04 €»

41. A Autora BB recebeu autorização médica do clínico que a acompanhava para retomar o trabalho a 09/11/2020;

42. Por força das referidas lesões no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálico, assistiu a 16 consultas com médico de família, 3 consultas com médico ortopedista e 92 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

43. Recebeu 29 tratamentos de enfermagem na sua residência;

44. Como consequência do sinistro, passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro;

45. O quantum doloris de 5 em 7;

46. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;

47. BB padece de dores diariamente, necessitando de tomar medicação para o respetivo alívio e de assistência médica regular;

48. Não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares;

Estas lesões são ainda mais graves do que as do marido e deixam, seguramente, sequelas com consequências mais nocivas.

Mais uma vez se considera o valor fixado de 40 mil euros escasso e insuficiente, antes se julgando mais consentâneo e apropriado para ressarcir os dois tipos de danos, o biológico, aqui na vertente de dano patrimonial futuro, e o dano não patrimonial,  o montante de 70 mil euros.

Agora o autor CC, de 15 anos à data do sinistro:

54. Foram-lhe diagnosticados: f. Traumatismo no pneumotórax esquerdo; g. Fratura subcapilar do fémur direito do tipo III; h. Ferida inciso-contusa no braço esquerdo; i. Laceração do pavilhão auricular;

55. Foi submetido a intervenção cirúrgica a 30 de agosto de 2018 e recebeu alta a 10/09/2018.

56. Por força das referidas lesões na perna, assistiu a 6 consultas com médico de família, 11 consultas com médico ortopedista e 40 consultas de fisioterapia/cinesioterapia;

57. Recebeu 42 tratamentos de enfermagem na sua residência;

58. Não frequentou a escola até janeiro de 2019, ainda que tenha acompanhado a partir de casa as atividades letivas;

59. Assim que retomou as aulas presenciais, usou canadianas até abril de 2019;

60. Foi submetido a cirurgia, em França, a 25/06/2020, tendo ficado internado do dia 24 a 26 de junho de 2020;

61. Na sequência da referida cirurgia, permaneceu em convalescença até o final de setembro, momento em que regressou novamente à escola;

62. Utilizou canadianas para se locomover entre final de setembro e dezembro de 2020;

63. Foi submetido a cirurgia a 8 de julho de 2021 para retirada do material de osteossíntese da perna direita;

64. Ficou com uma perna mais curta que a outra em 2cm;

65. O défice funcional temporário total é de 107 dias,

66. O défice funcional temporário parcial é de 968 dias,

66-A – Teve Período de repercussão temporária na atividade profissional total de 158 dias.

66-B-  A Data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 08.08.2021.

66-C - As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com exercício de atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

67. Como consequência do sinistro, o Autor passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro;

68. O quantum doloris de 5 em 7;

69. Padece de um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7;

70. Sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de nível 4, uma escala de 7;

Aqui a gravidade é ainda mais patente/frisante.

Estamos perante um jovem que ficou definitivamente afetado, física – basta atentar no encurtamento de uma perna -  psíquica e funcionalmente,  em elevado grau e durante   as largas dezenas de anos que é suposto vive, o que vai, indelével e substancialmente, afetar a sua qualidade de vida, quer na vertente material, quer na ótica pessoal/emocional.

Por conseguinte outrossim aqui se nos afigura que a quantia de 80 mil euros arbitrada peca largamente por defeito, julgando-se mais pertinente e justo o montante de 150  mil euros.

Finalmente a autora DD de 9 anos.

Para esta, felizmente, as consequências e danos do acidente foram menos gravosas.

Mas considerando a sua ainda tenra idade e que

 Sofreu ferimentos no ombro esquerdo, joelho esquerdo, pirâmide nasal e dedo da mão direita;

 Que ficou com um défice funcional temporário parcial, fixável em 15 dias, com repercussão temporária total na atividade escolar durante o mesmo período;

E que padeceu, nos meses seguintes ao do acidente, de receio de se deslocar em veículos automóveis;

julgamos, aqui com alguma generosidade, que entendemos ser admissível, que o valor mais ajustado outrossim não são os 2.500,00 euros fixados na sentença, mas antes a quantia de cinco mil euros.

Uma vez que não se provou que a falta de cinto de segurança tenha contribuído para o agravamento das lesões não há que atribuir culpa aos lesados respetivos e, assim,  operar uma diminuição dos valores fixados.

Na verdade, e como se decidiu no aresto citado na sentença, tal apenas poderia ocorrer se se verificasse uma:

«contribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção, mas apenas para o aprofundamento das lesões, circunstância que também não pode deixar de ser sopesada na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta» – cf. Acórdão do  STJ de 03/03/2009, processo n.º 09A0009, in dgsi.pt.

As verbas fixadas por danos patrimoniais vencem juros desde a citação.

As restantes, porque arbitradas essencialmente via juízo équo e estão atualizadas  vencem juros a partir da presente decisão.

Procede, em parte, o recurso dos autores e improcede o recurso da ré.

(…)

6.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso dos autores parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré a pagar:

i) Ao autor AA a quantia de 4.723,20 euros a titulo de danos patrimoniais e juros legais desde a citação e até integral pagamento; a quantia de vinte e cinco mil euros  pelo dano biológico e não patrimonial, acrescida de juros legais desde o acórdão até efetivo pagamento.

ii) À autora BB a quantia de 16. 697,04 € acrescida de juros legais desde a citação  até integral pagamento; a quantia de setenta mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal desde a presente decisão e até efetivo pagamento.

iii) Ao autor CC a quantia de cento e cinquenta mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, e juros legais desde  o presente aresto

iV) À autora DD a quantia de cinco mil euros pelo dano biológico e dano não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal, desde o presente Acordão, até efetivo pagamento.

Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2023.10.25.