Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
J (…) e mulher A (…), e M (…) e mulher M (…) vieram ao abrigo do disposto no art. 42, nºs 2, 3 e 4 do Código das Expropriações (= CE/99) requerer contra a D (…) – Expropriações do (…), ACE, que seja ordenada a remessa àquele TJ do processo de expropriação desencadeado pela requerida, acompanhado da guia de depósito da indemnização arbitrada ou a avocação do processo em causa. Alegaram, em síntese que o processo expropriativo sofreu atrasos superiores a 90 dias para os quais nada contribuíram.
A requerida tendo sido notificada nos termos e para os efeitos previstos no art. 42/3 CE/99, veio dizer, em súmula, que a pretensão dos requerentes não tem fundamento, não correspondendo à verdade que o processo esteja parado há mais de 90 dias. Os Árbitros foram nomeados por notificação datada de 25/02/2010, pelo que a Arbitragem já foi instalada. Mais alega que o depósito prévio há muito que se encontra efectivado e a expropriante não tem de comunicar todos os actos que pratica mas apenas os que digam respeito aos expropriados. Conclui pugnado pelo indeferimento do requerido (seguiu-se, até aqui, no essencial, o relatório feito pela Srª juíza do TJ de Celorico da Beira).
A Srª juíza deferiu o pedido dos requerentes.
A D (…) recorre deste despacho, pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
1. Todos os actos que tinham de ser notificados o foram, em tempo útil, oportuna e pontualmente;
2. Os Recorridos não apresentaram qualquer reclamação no decurso de todo o processo expropriativo, seja ao abrigo do disposto no art. 21/7 do CE, seja ao abrigo do disposto no art. 54 do mesmo Código Ablativo;
3. O facto da Recorrente não notificar os Recorridos de alguns actos – que não tem de notificar como é o caso do pedido ao Presidente do Tribunal da Relação para nomear Árbitros – não quer dizer que o procedimento expropriativo esteja parado;
4. Impõe-se a exclusão do ponto 10. da matéria de facto dada como provada, pois é esta a resposta que melhor se coaduna com a prova documental junta aos autos, bem como com o enquadramento legal do CE, o qual em momento algum impõe que os actos que não foram notificados aos Recorridos o fossem!
5. O procedimento de expropriação não sofreu atrasos, seguidos ou interpolados, que no seu conjunto ultrapassem 90 dias, contados nos termos do artigo 279 do Código Civil;
6. Pelo que a decisão recorrida violou o disposto no art. 42/2b) CE;
7. A Recorrente já promoveu a Arbitragem, pelo menos, desde 9/2/2010, aquando da notificação ao Tribunal da Relação a solicitar a nomeação de “equipas de árbitros”;
8. Nos termos do disposto no art. 51 do CE, é à Entidade Expropriante que compete remeter o processo de expropriação ao Tribunal da Comarca da situação do bem expropriado ou da sua maior extensão no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da Decisão Arbitral – esta exigência tem colocado algumas reservas, uma vez que, como afirma José Osvaldo Gomes [Expropriações por Utilidade Pública”, Texto Editora, 1997, pág. 379] “a decisão dos árbitros só deve ser comunicada ao beneficiário da expropriação (…), os interessados ficarão na maior parte dos casos impossibilitados de controlar atempadamente o cumprimento do prazo fixado” no art. 51/1 do CE;
9. É possível determinar se há ou não cumprimento de prazos pela Entidade Expropriante, pois manda o art. 49/4 do CE, que o Acórdão Arbitral seja entregue à Entidade Expropriante no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção da comunicação a que se refere a alínea c), n.º 1, art. 47 do CE, ou da apresentação de “Quesitos”;
10. Em casos devidamente fundamentados, designadamente em razão do número de arbitragens, o prazo de 30 dias para elaboração e remessa do Acórdão Arbitral pode ser prorrogado até 60 dias, a requerimento de qualquer dos Árbitros, dirigido à Entidade Expropriante, como dispõe o art. 49/5 do CE.
11. Como conclui J. A. Santos, visto que a Entidade Expropriante deve notificar, no prazo de 10 dias, os expropriados e demais interessados e os próprios Árbitros sobre a designação da Comissão Arbitral, tendo esta o prazo de 30 dias para apresentar o seu acórdão, com prorrogação máxima de 60 dias, facilmente se conclui que todo este processo pode estender-se, no máximo, por 100 dias;
12. Num prazo máximo de 100 dias deve o processo ser remetido para o Tribunal;
13.A pretensão dos Recorridos enquadrar-se-ia no regime previsto no art. 51/2 do CE, visto que já se encontra instalada a Arbitragem e não no regime previsto no art. 42 do CE;
14. No caso do art. 51/2 do CE, a avocação é imediata e não admite contraditório, e já se encontra instalada a Arbitragem, mas no caso do art. 42/2 do CE, é exercido o contraditório e proferida decisão sumária, sendo certo que a Arbitragem ainda não se encontra instalada;
15. A decisão recorrida, além de ter violado o art.º 42/2b) do CE, violou tal-qualmente o disposto no art. 51/2 do CE.
Os requerentes não contra-alegaram.
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As questões que as conclusões do recurso colocam são as: da exclusão do ponto 10 dos factos provados; se está verificada ou não a previsão do art. 42/2b) do CE; bem como, se não era esta a previsão aplicável mas antes a do art. 51/2 do CE.
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Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 11/08/2009 foi publicada no Diário da República n º 154, II Série, a declaração de utilidade pública com carácter de urgência da parcela nº 348, com a área de 5.670 m2, sita na freguesia de Açores, concelho de Celorico da Beira, pertencente ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., necessária à construção da obra IP2 – Lanço Trancoso/Celorico da Beira.
2. Por comunicação datada de 25/08/2009 a expropriante procedeu à notificação da sua “resolução de expropriar” e apresentou aos ora requerentes proposta amigável de indemnização da parcela no valor global de € 27.242,25, sendo que os requerentes alegam que não a aceitaram.
3. Por comunicação datada de 24/09/2009 a expropriante procedeu ainda à notificação da data de realização da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” – dia 8 de Outubro de 2009 - e renovou a sua proposta amigável de indemnização.
4. No dia 08/10/2009 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, sendo enviada aos requerentes cópia do auto por comunicação de 09/10/2009.
5. No dia 06/11/2009 a expropriante tomou a posse administrativa da parcela, tendo sido lavrado o respectivo auto que foi notificado aos requerentes por comunicação datada de 10/11/2009.
6. A requerida efectuou um depósito bancário no valor de €27 242,75 no dia 04/12/2009.
7. Em 09/02/2010 foi solicitado ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra a nomeação de “equipas de arbitragem” a fim de serem avaliadas várias parcelas.
8. Em 17/02/2010 o Tribunal da Relação de Coimbra solicita esclarecimentos quanto à identificação das parcelas, o que foi satisfeito por comunicação datada de 22/02/2010.
9. Por comunicação datada de 25/02/2010 foram nomeados os senhores Árbitros que efectuarão a arbitragem de várias parcelas, entre as quais, a parcela 348 [corrige-se o lapso do nº. da parcela].
10. Após a comunicação aludida em 5., a requerida nada mais comunicou aos requerentes.
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Quanto ao ponto de facto 10
Para fundamentar tal pretensão (exclusão do ponto 10 da matéria de facto dada como provada), a recorrente diz, na conclusão 4, que esta é a resposta que melhor se coaduna com a prova documental junta aos autos, bem como com o enquadramento legal do Código das Expropriações, o qual em momento algum impõe que os actos que não foram notificados aos Recorridos o fossem!
Ora, consultados os autos, constata-se que nenhuma outra comunicação existe, da expropriante aos expropriados, depois da referida em 5, pelo que é evidente que o facto está provado e que a expropriante não tem qualquer razão para o por em causa (aliás, o estilo da argumentação aduzida, com a remessa para “a prova documental junta aos autos”, assim, sem mais nada, já indiciava isso, como também o indiciava a parte final da referida conclusão 4).
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Quanto ao preenchimento da previsão do art. 42/2b) do CE/99.
Diz a norma em causa: 2. As funções da entidade expropriante referidas no número anterior passam a caber ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão em qualquer dos seguintes casos: […] b) Se o procedimento de expropriação sofrer atrasos não imputáveis ao expropriado ou aos demais interessados que, no seu conjunto, ultrapassem 90 dias, contados nos termos do artigo 279 do Código Civil (mas para além dela ainda se poderia invocar a norma da al. e) do nº. 2: nos casos previstos nos artigos 15 e 16; ou seja, nos casos da expropriações urgentes e urgentíssimas, sendo que no caso dos autos a expropriação foi declarada urgente – note-se que este caso não depende de quaisquer outros pressupostos… para além do requerimento do interessado).
Como se diz no ac. do TRP de 16/11/2006 (0634735), sintetizando o entendimento que tem sido seguido quanto à questão (como se pode ver nos vários acórdãos que se citam à frente) e que é o correcto, “para concluir se há atrasos são imputáveis à expropriante, há que verificar o cumprimento dos prazos em relação a cada um dos actos e aferir também em relação a cada um deles se […] o incumprimento está justificado […]”.
“A contabilização dos atrasos da expropriante não pode ser feita […] computando apenas o atraso global do processo desde a DUP até à remessa ao tribunal. Em primeiro lugar, porque o CE não prevê um prazo limite para a remessa do processo ao tribunal, a contar da DUP; em segundo lugar porque no procedimento administrativo também existem obrigações de prazo certo a cumprir pelo expropriado e por terceiros, como o Presidente da Relação e os árbitros”.
O ac. do TRP de 19/05/2009 (860/05.9TBLSD.P1) sistematiza os prazos que importam (nos termos que são seguidos nos acórdãos que também se irão citar) e que no caso dos autos é apenas (face aos factos dados como provados) o prazo para promoção da arbitragem.
De acordo com o disposto no art. 35, a expropriante tinha o prazo de 15 dias, após a publicação da DUP, para dirigir aos expropriados uma “proposta do montante indemnizatório” (nº 1) e estes dispunham de outros 15 dias para responderem àquela proposta (nº 2). Só depois, “na falta de resposta ou de interesse” dos expropriados é que a expropriante estava obrigada a dar “início [no prazo de 10 dias – prazo geral actual: art. 71 do Código do Procedimento Administrativo; segue-se a posição dos acórdãos do TRP de 16/11/2006 (0634735) e de 27/05/2008 (0726243) e do TRG de 08/05/2008 (582/08-2), contra a posição do ac. de 19/05/2009 que não considera estes 10 dias] à expropriação litigiosa, nos termos dos arts. 38 e seguintes”, notificando deste facto os expropriados (nº 3) e promovendo a arbitragem nos termos dos arts. 42 e segs., solicitando ao Presidente do Tribunal da Relação a designação de três árbitros para a realização da arbitragem (art. 45).
Tais prazos suspendem-se aos fins-de-semana e feriados mas não durante as férias judiciais (isto porque, como explica aquele acórdão de 19/05/2009, a contagem dos prazos estabelecidos no CE para a promoção da arbitragem, para a notificação dos árbitros [a fim de realizarem a arbitragem] e para a remessa do processo a tribunal está sujeita às regras fixadas nos arts. 72 e 73 do CPA e não às previstas nos arts. 144 e 145 do Código de Processo Civil, [pois que] os actos em questão estão integrados na fase não judicial do processo de expropriação litigiosa (que se inicia com a DUP e termina com a remessa dos autos a tribunal), não podendo os prazos para a sua prática ser, por isso, havidos como prazos judiciais. E esta definição da natureza dos prazos em questão não é indiferente […], já que o modo de contagem de um (judicial) e de outro (não judicial) é diversa. Na verdade, realçando apenas as principais diferenças, enquanto o prazo judicial “é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais”, como estabelece o nº 1 do art. 144 do CPC, o prazo não judicial “suspende-se nos sábados, domingos e feriados”, como prescreve a al. b) do nº 1 do art. 72 do CPA, mas continua a correr [não se suspende] durante as férias judiciais).
Como no caso dos autos a DUP foi publicada a 11/08/2009, a expropriante devia ter dirigido a proposta aos expropriados até 04/09/2009 (contando com os três dias úteis do correio - segue-se a posição do acórdão do TRP de 16/11/2006 (0634735), contra a posição implícita de vários outros, entre eles, o ac. de 19/05/2009 que não considera este prazo de 3 dias - e iniciando-se o prazo a 12/08/2009). Fê-lo, no entanto, a 25/08/2009 (e voltou a fazê-lo, já fora do prazo, a 24/09/2009, renovação que por isso é irrelevante). A resposta dos expropriados podia ter chegado até ao dia 23/09/2009 (iniciando-se a 31/08/2009 e contando-se com os três dias para o correio). Pelo que a expropriante devia ter promovido a arbitragem até 13/10/2009 (contando-se os 10 dias desde 24/09/2009 mais os três dias para o correio e descontando o feriado). Como só iniciou essa promoção a 09/02/2010, constata-se um atraso de 118 dias (quanto à contagem do tempo de mora, o acórdão de 19/05/2009 remete para um outro, onde ser explica: “se para a prática do acto em referência o prazo se suspende […] aos fins-de-semana e feriados, já o prazo da mora – que é o que se acaba de indicar – é contado nos termos dos arts. 804 e 806 nº 1 do CC, ou seja, de forma continuada, porquanto o dano do credor causado pela mora não se suspende nem se interrompe aos sábados e aos domingos” acórdão do TRP de 17/12/2008 - 0826647).
Como a expropriante não invocou qualquer causa que justificasse esse atraso, nem que o atraso fosse imputável aos expropriados – nem pôs em causa a falta de consideração, no despacho recorrido, de quaisquer factos por si alegados que tenham a ver com isso -, esse atraso não pode ser imputável aos expropriados (falando numa presunção de culpa, vejam-se vários dos acórdãos citados, entre eles o do TRP de 27/05/2008 (0726243): tendo-se verificado atrasos no cumprimento de actos processuais na fase administrativa do processo de expropriação, para os quais a expropriante não apresentou qualquer justificação, não elidindo a presunção de culpa que sobre ela impendia, constituiu-se na obrigação de indemnizar os expropriados pelos danos causados pela mora).
Tanto basta para considerar preenchida a previsão da al. b) do nº. 2 do art. 42 (como se diz no acórdão do TRP de 14/11/2005 (0555515): o legislador não condicionou no articulado da lei o pedido de avocação nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 42 do CE a qualquer outro requisito que não seja o de os atrasos no procedimento de expropriação serem superiores a 90 dias (designadamente que se tenha já realizado a fase amigável do procedimento expropriativo), pelo que não cabe ao intérprete distinguir aquilo que o legislador não distinguiu. Da letra do normativo citado apenas resulta que sendo os atrasos superiores a 90 dias pode o interessado requerer a intervenção do juiz. Se o legislador tivesse querido coisa diversa certamente o teria dito. E, como se disse, onde a lei não distingue não cabe ao interprete distinguir; ainda no mesmo sentido, embora num caso com especificidades, veja-se, o ac. do TRG de 08/05/2008 (582/08-2): O pedido de avocação, nos termos da alínea b), do citado art. 42, não está condicionado a qualquer outro requisito que não seja o de os atrasos no procedimento expropriativo serem superiores a 90 dias […]).
Tudo isto sem se esquecer, repete-se, que a previsão da al. e) do nº. 2 do art. 42 também estava preenchida e logo de início..., sem mais, pela natureza urgente do processo e pelo requerimento dos interessados (tal como é lembrado pelo ac. do TRE de 29/04/2004 (2142/03-3): atribuído carácter urgente à expropriação para obras de interesse público nos termos do art. 15 do CE vigente, pode o interessado requerer ao juiz de direito da comarca da situação do bem que promova perante si a constituição e funcionamento da arbitragem, nos termos do art. 42/2e) e nº 3 do mesmo diploma. Não é condição de constituição e funcionamento da arbitragem perante o juiz da comarca a tramitação da fase amigável do procedimento expropriativo a que se refere o art. 35 do CE [e como aí se diz, mesmo no caso da al. b) onde também não se faz depender a transferência das funções em causa para o juiz da comarca, da tramitação de qualquer fase do referido procedimento, mas apenas do facto de se mostrar ultrapassado aquele prazo].
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Quanto a ser aplicável o art. 51/2 do CE em vez do art. 42/2:
Como resulta da simples leitura dos nºs. 2 e 1 (pois aquele remete para este) do art. 51 do CE, a remessa do processo aí prevista está dependente do recebimento da decisão arbitral e não, como pretende a recorrente, da “instalação da arbitragem”.
Pelo que não era esta a norma que tinha que ser aplicada, mas sim a do art. 42/2 do CE, como o fez, bem, o despacho recorrido.
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Improcedem, assim, todas as razões relevantes da recorrente contra o despacho recorrido.
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Sumário:
I. Os dois prazos de 15 dias previstos no art. 35 do CE/99, são, até à promoção da arbitragem, contados nos termos do CPA e acrescidos dos 10 dias do art. 71 deste CPA e dos 3 dias de correio (todos dias úteis) – sem prejuízo das datas concretas que se tiverem provado como datas efectivas da prática dos actos respectivos. Se, para além destes prazos, se verificar um atraso de 90 dias (estes contados nos termos do art. 279 do CC), os interessados podem requerer a avocação do processo nos termos do art. 42/2b) do CE.
II. Para que não seja deferida a avocação do processo, terá que ficar provado que o atraso é imputável aos interessados.
III. Nos processos urgentes basta o requerimento dos interessados.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas deste recurso pela recorrente.
Pedro Martins ( Relator )
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira