Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS MIGUEL CALDAS | ||
| Descritores: | INJUNÇÃO FÓRMULA EXECUTÓRIA EXECUÇÃO FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO REJEIÇÃO TOTAL | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – SOURE – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 37.º, 550.º, N.º 2, AL. B), 551.º, 555.º, N.º1, 855.º A 858.º 703.º, N.º 1, ALÍNEA D), 726.º, N.º 2, AL. A) E B), 734.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGOS 7.º, 13.º, AL. D), 14.º, N.º 1, 14.º-A, N. º 2, AL. A) 21.º DO REGIME ANEXO AO DL N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO. ARTIGO 12.º DA PORTARIA N.º 220-A/2008, DE 4 DE MARÇO. | ||
| Sumário: | 1. Nada obsta a que, em sede de execução sumária, o juiz conheça oficiosamente das questões que poderiam levar ao indeferimento liminar do requerimento executivo, caso a execução seguisse a forma ordinária, e que estão previstas no n.º 2 do art. 726.º do CPC.
2. O procedimento de injunção não admite que nele se peticione, entre outras quantias, (i) o pagamento de cláusula penal, (ii) de despesas correspondentes a gastos associados à cobrança da dívida, ou (iii) o valor de qualquer indemnização contratual. 3. O recurso ao procedimento de injunção, cumulando pretensões incompatíveis entre si, ao qual tenha sido aposta fórmula executória, redunda, em sede de acção executiva, na falta de um pressuposto processual – falta de título executivo –, configurando uma excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso, implicando a rejeição total, e não apenas parcial, da execução. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]
A..., S.A., exequente no processo de execução sob a forma do processo sumário, em que é executada AA, veio recorrer do despacho do tribunal a quo, com a referência n.º 96379441, intitulado “Rejeição da Execução”, datado de 12-02-2025, com o seguinte teor: “O título executivo na presente Execução é um Requerimento de Injunção com Aposição da Fórmula Executória. No Requerimento de Injunção é alegado que: “das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €132,2 de 03/11/2021, €16,99 de 03/12/2021, €106,13 de 02/02/2022, €27,19 de 03/03/2022, €102,92 de 03/05/2022, €60,18 de 02/06/2022, €143,82 de 02/08/2022, €90,17 de 02/09/2022, €11,99 de 04/10/2022, €45,11 de 03/11/2022, €1,49 de 06/12/2022, €149,99 de 03/01/2023, vencidas, respectivamente, em 28/11/2021, 28/12/2021, 26/02/2022, 28/03/2022, 28/05/2022, 28/06/2022, 28/08/2022, 28/09/2022, 28/10/2022, 28/11/2022, 28/12/2022 e 28/01/2023...”. A 25-10-2024, veio a Exequente esclarecer que: “no seguimento da devolução de equipamento por parte da Executada e da emissão da respetiva nota de crédito no montante de 149,99 Euros para a fatura ...70, vem comunicar a V.ª Ex.ª que a execução deverá prosseguir para cobrança da obrigação exequenda, liquidada da seguinte forma: ...”. Notificada a Exequente para se pronunciar sobre a invalidade do título executivo apresentado por cumulação ilegal de pedidos, veio a mesma comunicar que na presente Execução não peticiona qualquer valor relativo a cláusula penal. Cumpre apreciar e decidir: Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-12-2024 (209/20.0T8GVA.C1): “I – Pela letra do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 268/1998, de 1 de Setembro, e finalidade que presidiu à criação deste regime jurídico tão específico, está sedimentado o entendimento no sentido de ser lícito o recurso ao procedimento de injunção para exigir, apenas, o cumprimento de obrigações pecuniárias (stricto sensu) emergentes de contratos, extravasando do seu âmbito, v.g., a cláusula penal...” (…) Com efeito, o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, estabelece que o Regime da Injunção que aprova é apenas destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €.15.000,00. Nos termos do Acórdão “supra” citado, é hoje largamente dominante o entendimento de que estas “obrigações pecuniárias” são apenas e só a remuneração, a contraprestação, pelo fornecimento de um bem ou pela prestação de um serviço, acrescida dos respetivos juros moratórios [art.º 10.º/2/e) do Regime da Injunção], à taxa legal civil no caso de contratos com consumidores. Logo, neste conceito de “obrigações pecuniárias” não se incluem pretensões indemnizatórias pelo incumprimento contratual cujo valor é liquidado pela Exequente em montantes pecuniários para efeito de cobrança coactiva, nomeadamente: cláusula penal; despesas com a cobrança de dívida; indemnização por incumprimento da obrigação de restituição de coisas entregues para a prestação do serviço após a cessação do mesmo ou por incumprimento de outras obrigações contratuais acessórias; etc.. No caso concreto, a Exequente recorreu ao Procedimento de Injunção para cobrar da Executada a quantia de €.149,99, e juros moratórios à taxa anual de 7%, a título de indemnização pela falta de devolução de equipamento seu. Deste modo, quanto a esta quantia, verifica-se um uso indevido do Procedimento de Injunção por lhe corresponder uma outra forma de processo, logo, ocorre uma ilegal cumulação objectiva de pedidos [art.os 37.º/1 e 555.º/1 CPC], o que implica erro na forma do processo [art.º 193.º CPC]. Este erro não foi corrigido no Procedimento de Injunção e, portanto, verifica-se a excepção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade do processado do Procedimento de Injunção que permitiu a indevida aposição da fórmula executória e a formação de título executivo [art.os 576.º/1/2, 577.º/b) e 578.º CPC]. Não é pacífico na jurisprudência qual seja a consequência processual mais adequada para esta invalidade do título executivo. Isto é, se deve ocorrer a rejeição total da Execução por falta de título executivo ou se deve tal rejeição ser apenas parcial quanto à parte do pedido em relação à qual ocorreu erro na forma do processo. Sobre o tema em geral do indevido uso do Procedimento de Injunção e sobre a questão específica das suas consequências, a título de exemplo: o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-12-2024 (209/20.0T8GVA.C1); o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2024 (14700/23.3YIPRT.E1); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2024 (5740/24.6T8SNT.L1-2); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2024 (5533/24.0T8SNT.L1-7); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2024 (13698/23.2T8SNT.L1-2); o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-10-2024 (21181/22.7T8SNT.L1-2); o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-07-2024 (3368/23.7T8VLG-A.P1); e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 12-07-2023 (3889/21.6T8VLG-A.P1). Por nós, aderimos à posição defendida: no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-12-2024 (209/20.0T8GVA.C1); no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2024 (14700/23.3YIPRT.E1); e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2024 (5533/24.0T8SNT.L1-7); no sentido de que o título executivo é inválido na sua totalidade e não apenas na parte (quando discernível) relativa ao erro na forma do processo. Com efeito, para além de ser essa a solução jurídica mais adequada, é também a única que, verdadeiramente, poderá ter algum efeito prático futuro, pois não deve o Tribunal deixar de ponderar nas suas decisões as respectivas consequências práticas em acções futuras. Na verdade, se em sede de Acção Executiva a consequência para uma errada utilização do Procedimento de Injunção com ilegal coligação de pedidos for, simplesmente, uma rejeição parcial da Execução nessa medida, absolutamente nenhum incentivo tem um qualquer litigante, nomeadamente os Grandes Litigantes, para mudar o seu procedimento; pois, seguindo a Execução baseada em Requerimento de Injunção com Aposição da Fórmula Executória sempre a forma sumária de processo [art.º 550.º/2/b) CPC], o mais provável é que a Execução comece e acabe sem nunca ser apresentada para despacho a um Juiz, sendo que não há notícia de algum dia um Agente de Execução ter suscitado a intervenção do Tribunal à luz do art.º 855.º/1/b) CPC para este efeito. Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs art.º 726.º/2/a) e 734.º CPC, o Tribunal decide: 1) Declarar a nulidade do título executivo apresentado. 2) Rejeitar a Execução por falta de título executivo. 3) Ordenar o levantamento/cancelamento/restituição de toda e qualquer penhora determinada na Execução. 4) Custas pela Exequente. Registe e notifique. Notifique o(a) Sr.(a) Agente de Execução.” (sic). Após trânsito em julgado, notifique o(a) Sr.(a) Agente de Execução para que dê cumprimento à decisão.” (sic). * O recurso foi recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo – cf. art. 853.º, n.º 3, do CPC.[2] * A terminar as alegações, a recorrente formula as seguintes conclusões: “1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2. Por a Exequente ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a equipamento cedido para utilização dos serviços contratados mas não devolvido; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Por outro lado, o Executado foi citado mas não deduziu embargos de executado; 8. Sem prescindir, o entendimento de que o equipamento cedido para utilização dos serviços contratados e não devolvidos não pode integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tal valor; 9. Contudo, o valor em causa já se encontra anulado, tendo a Exequente informado os autos e requerido a redução do valor; 10. A despacho proferido pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso; De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente: - o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.; - o artigo 734.º do CPC; - o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC; - o artigo 193.º do CPC; - o artigo 3.º n.º 3 do CPC; Deverá, consequentemente, ser revogado e substituído por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.”. * Foram apresentadas contra-alegações que a executada concluiu da seguinte forma: “1. Nenhuma censura merece o douto Despacho de rejeição da execução proferido pelo Tribunal a quo, com o qual se concorda plenamente, sendo a posição ali vertida manifestamente maioritária na nossa Jurisprudência. 2. Está excluída do âmbito do procedimento de injunção a exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória; despesas feitas pelo credor com a atuação ou exercício do crédito de que se diz titular; indemnização por incumprimento da obrigação de restituição de coisas entregues para a prestação do serviço após a cessação do mesmo ou incumprimento de outras obrigações contratuais acessórias. 3. A executada só foi citada para os presentes autos em 15 de abril de 2025, citação essa realizada nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 641.º, n.º 7 e 638.º, n.º 5, ambos do C.P.C.. 4. Carece de fundamento o alegado pela Exequente ao afirmar, erroneamente, que “apesar do executado se encontrar citado nos presentes autos, não deduziu embargos de executado.”, pois que não corresponde à verdade. 5. A executada sequer foi citada no âmbito do requerimento de injunção. 6. É entendimento maioritário da nossa Jurisprudência que o uso indevido do procedimento de injunção constitui exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso. 7. A orientação prevalecente na Jurisprudência é a que conclui que a utilização indevida, ainda que meramente parcial, do procedimento de injunção inquina na sua totalidade o procedimento de injunção, tornando este totalmente inaproveitável mesmo para os pedidos para os quais o procedimento de injunção é adequado ou admissível. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o Douto Despacho recorrido, Assim, se fazendo Justiça!”. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir três questões fundamentais: 1.ª Indagar se o uso indevido do procedimento de injunção constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso pelo juiz da execução; 2.ª Qual o escopo do procedimento de injunção e os seus limites legais; 3.ª Se a utilização indevida do procedimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória, dá lugar à rejeição total ou parcial da execução. * A. Fundamentação de facto. 1. A A..., S.A., apresentou em 03-02-2023, no Balcão Nacional de Injunções, o requerimento de injunção n.º 11061/23...., contra a AA, pedindo o pagamento da quantia total de € 1179,82, dos quais € 888,18 a título de capital, € 37,50 de juros de mora, € 177,64 de outras quantias, e € 76,50 de taxa de justiça paga, tendo por fundamento um contrato de fornecimento de bens e serviços celebrado em 05-12-2020, relativamente ao período decorrido entre 05-12-2020 a 28-01-2023. 2. Na fundamentação do requerimento de injunção [“Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”] consta: “A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º ...80. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €132,2 de 03/11/2021, €16,99 de 03/12/2021, €106,13 de 02/02/2022, €27,19 de 03/03/2022, €102,92 de 03/05/2022, €60,18 de 02/06/2022, €143,82 de 02/08/2022, €90,17 de 02/09/2022, €11,99 de 04/10/2022, €45,11 de 03/11/2022, €1,49 de 06/12/2022, €149,99 de 03/01/2023, vencidas, respectivamente, em 28/11/2021, 28/12/2021, 26/02/2022, 28/03/2022, 28/05/2022, 28/06/2022, 28/08/2022, 28/09/2022, 28/10/2022, 28/11/2022, 28/12/2022 e 28/01/2023. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €177,64, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.” 3. A 16-03-2023, o Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções atribuiu força executiva ao requerimento de injunção. 4. Nessa sequência, a exequente apresentou, no Juízo de Execução de Soure, requerimento executivo electrónico, com, entre outras, as seguintes indicações: “Título Executivo: Injunção Factos: A Exequente, A..., S.A., sociedade comercial anónima, com sede na Rua ..., ... Lisboa, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva ...51, é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro. No contrato que está na origem da dívida foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação. Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento. É, por isso, o Executado, devedor do valor remanescente do título executivo, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção até efectivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP. Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários. (…) Valor Líquido: 1 179,82 € Valor dependente de simples cálculo aritmético: 372,92 € Valor Não dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 € Total: 1 552,74 € Corresponde ao valor do título executivo, no montante de € 1 179,82, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP. (…)”. 5. Por requerimento de 25-10-2024 a exequente veio expor e requerer: “A..., S.A., Exequente nos autos à margem identificados, em que é Executada AA, no seguimento da devolução de equipamento por parte da Executada e da emissão da respetiva nota de crédito no montante de 149,99 Euros para a fatura ...70, vem comunicar a V.ª Ex.ª que a execução deverá prosseguir para cobrança da obrigação exequenda, liquidada da seguinte forma: - Valor Líquido: 992,33 € - Valor de simples cálculo aritmético: 323,46 € - Total: 1. 315,79 € Motivo pelo qual vem requerer a V.ª Ex.ª a prossecução dos autos para cobrança do montante acima indicado.”. 6. Notificada do despacho de 29-01-2025, a convidar a exequente a pronunciar-se “sobre a invalidade do título executivo apresentado por cumulação ilegal de pedidos”, a mesma apresentou o requerimento de 05-02-2025 informando que “não peticiona qualquer valor relativo a cláusula penal”. * B. Fundamentação de Direito. Visto a factualidade enunciada e o relato antes exposto, analisemos as três questões concitadas em sede de recurso. 1.ª Se o uso indevido do procedimento de injunção constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso pelo juiz da execução. O art. 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na especificação dos tipos de títulos executivos, indica que “[à] execução apenas podem servir de base (…) [o]s documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”. Ao anotarem este preceito legal, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, p. 342 (nota 5, 1.ª parte) aduzem: “Os títulos executivos por força de disposição especial de lei podem classificar-se em judiciais impróprios, particulares e administrativos. Constituem títulos judiciais impróprios, isto é, formados num processo mas não consistentes em decisões judiciais: o requerimento de injunção, depois de nele aposta pelo secretário judicial do tribunal a fórmula executória (art. 14.º, n.º 1 do regime aprovado pelo DL 269/08, de 1 de Setembro)”. O procedimento de injunção consiste num mecanismo de natureza célere e simplificada, com a predominante finalidade de conferir força executiva a um requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, estando especialmente vocacionado para os casos em que o crédito peticionado não é contestado. Nessa senda, o requerido é notificado para pagar ou deduzir oposição, sob pena de, permanecendo inerte, ser atribuída força executiva ao requerimento apresentado pelo credor – cf. art. 14.º, n.º 1, do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01-09: “Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: «Este documento tem força executiva»”, estabelecendo o art. 12.º da Portaria n.º 220-A/2008, de 04-03, que “a aposição da fórmula executória é efectuada por meios electrónicos, com recurso a assinatura electrónica do secretário de justiça (…)”.. Nas palavras de Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2022, 5.ª edição, p. 133: “O procedimento de injunção parte, assim, de uma técnica de inversão do contencioso, na medida em que faz recair sobre o devedor o ónus de adotar uma posição ativa, pagando ou deduzindo oposição. Neste pressuposto, a injunção caracteriza-se pelos «efeitos jurídicos que produz em caso de silêncio consciente do devedor»”. A execução fundada em requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória segue, com as necessárias adaptações, a forma de processo comum – art. 21.°, n.º l, do regime anexo ao DL n.º 269/98 –, tendo como limites as importâncias previstas no art. 13.°, al. d), desse regime, abrangendo, a quantia pedida a título de capital, a taxa de justiça paga pelo requerente, os juros de mora desde a data da apresentação do requerimento de injunção e os juros, à taxa de 5% ao ano, a contar da data da aposição da fórmula executória Ou seja, a execução de injunção segue a forma do processo comum sumário ex vi das normas conjugadas dos arts. 550.º, n.º 2, al. b), e 855.º a 858.º do CPC. Na tramitação da execução sumária não está contemplada a prolação de qualquer despacho liminar, determinando o n.º 1 do art. 855.º do CPC, que a execução prossiga, através do agente de execução, “sem precedência de despacho judicial”, em princípio, para as diligências de penhora, após o que ocorre a citação do executado. Todavia, é pacífico que esse regime processual não obsta a que o Juiz da execução tome conhecimento de questões que sejam passíveis de apreciação oficiosa, designadamente as relativas à falta ou à insuficiência do título executivo ou referentes à ocorrência de excepções dilatórias insupríveis, nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do 726.º do CPC.[3] Ademais, o n.º 1 do art. 734.º do CPC é expresso ao estabelecer que “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, sendo certo que esta norma é aplicável à execução sumária por força da aplicação subsidiária das disposições do processo ordinário, determinada no n.º 3 do art. 551.º do CPC. Por conseguinte, nada obsta a que, em sede de execução sumária, o Juiz possa conhecer oficiosamente das questões que poderiam conduzir ao indeferimento liminar do requerimento executivo, caso a execução seguisse a forma ordinária, e que estão previstas no n.º 2 do art. 726.º do CPC. 2.ª O escopo do procedimento de injunção e os seus limites legais. A injunção tanto se pode destinar a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art. 1.º do diploma preambular ao DL n.º 269/98 – i.e., “obrigações pecuniárias emergentes de contratos” [4] – como das obrigações emergentes de transacções comerciais, inicialmente abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17-02[5] – cf. art. 7.º do regime anexo ao DL n.º 269/98 (e, ainda, o art. 10.º, n.º 1, do DL n.º 32/2003) – constituindo, como se afirmou antes, um procedimento célere e simplificado destinado à obtenção de um título executivo.[6]/[7] Marco Carvalho Gonçalves – Lições de Processo Executivo, 2022, p. 134 –, clarifica, ao analisar o objecto do requerimento de injunção, que “(…) [o] conceito de «obrigação pecuniária» deve ser interpretado em sentido restrito, isto é, na aceção do disposto nos arts. 550.° e ss. do CC. Com efeito, só é possível recorrer a um procedimento de injunção quando a quantia pecuniária constitua «o próprio objeto da prestação», ficando, por isso, excluídas do seu âmbito as «obrigações de valor», isto é, as obrigações que «não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação»”. E acrescenta, mais adiante – op. cit., p. 135: “Outrossim, já não é admissível a dedução, em sede de procedimento de injunção, de pedido de pagamento de uma cláusula penal (art. 810° do CC) e/ou de uma indemnização por incumprimento contratual, bem como o pagamento de uma quantia pecuniária com fundamento em enriquecimento sem causa”. Salvador da Costa – A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8ª edição, 2021, p. 13 –, afirma, outrossim, que este regime processual se aplica “ao incumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos”, mas não tem a virtualidade “de servir para obter indemnização no âmbito da responsabilidade civil contratual ou extracontratual ou com base no enriquecimento sem causa, incluindo a restituição do indevido a que se refere o nº 1 do artigo 476º do Código Civil”. De igual modo, Paulo Duarte Teixeira – Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, em “Themis”, VII, n.º 13, 2006, p. 18 – considera que “… só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”. A jurisprudência tem-se pronunciado, de forma praticamente unânime, acompanhando a melhor doutrina, no sentido de a inadmissibilidade da injunção servir para peticionar, entre outras quantias, (i) o pagamento de cláusula penal, (ii) de despesas correspondentes a gastos associados à cobrança da dívida, ou (iii) o valor de qualquer indemnização contratual. Neste mesmíssimo sentido, vejam-se, entre muitos outros Acórdãos:[8] – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-12-2024 (Proc. n.º 209/20.0T8GVA.C1):“Pela letra do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 268/1998, de 1 de Setembro, e finalidade que presidiu à criação deste regime jurídico tão específico, está sedimentado o entendimento no sentido de ser lícito o recurso ao procedimento de injunção para exigir, apenas, o cumprimento de obrigações pecuniárias (stricto sensu) emergentes de contratos, extravasando do seu âmbito, v.g., a cláusula penal”; – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-11-2024 (Proc. n.º 14700/23.3YIPRT.E1): “O pedido de pagamento de quantia certa a título de “encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente”, dependente que está da análise de cláusulas contratuais assessórias do contrato de mútuo ou de pressupostos da responsabilidade civil contratual dos mutuários – como o valor dos prejuízos sofridos pelo mutante ou o nexo de causalidade entre estes e o incumprimento dos Réus –, está fora do âmbito de utilização do procedimento de injunção por não cumprir os respectivos requisitos substantivos”; – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2024 (Proc. n.º 5740/24.6T8SNT.L1-2): “A inclusão de pedido de pagamento de quantias não abrangidas pelo conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em sentido estrito no procedimento injuntivo, no qual foi aposta fórmula executória, constitui um vício do título executivo, de conhecimento oficioso ao abrigo dos artigos 726º nº 2 alínea a) e 734º do Código de Processo Civil (…)”; – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2024 (Proc. n.º 5533/24.0T8SNT.L1-7): “O tribunal pode conhecer oficiosamente da exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, ao abrigo do disposto nos art.º artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do Cod. Proc. Civil, a tal não obstando o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, nem o princípio da concentração da defesa; A inclusão no requerimento injuntivo de algumas pretensões legalmente inadmissíveis pode determinar a extinção total - e não apenas parcial - da instância executiva (…)”; – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2024 (Proc. n.º 13698/23.2T8SNT.L1-2): “O processo de injunção não se configura como adequado para o ressarcimento indemnizatório por incumprimento contratual, o qual abrange não só as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, como ainda a própria indemnização pelas despesas originadas pela cobrança da dívida, em virtude de, em ambas as situações, não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade”; – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-10-2024 (Proc. n.º 21181/22.7T8SNT.L1-2): “No âmbito do procedimento injuntivo apenas é exigível o cumprimento de obrigações pecuniárias em sentido estrito, não sendo, assim, o instrumento processual adequado e pertinente a exigir o cumprimento de obrigações indemnizatórias constituídas com o desiderato de reparar os danos ou perdas sofridas pelo credor com despesas, entre as quais figuram os encargos associados à cobrança da dívida, realizados no intuito de assegurar a satisfação do seu crédito”; – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 11-12-2024 (Proc. n.º 1261/24.5T8VLG-A.P1): “O pedido de pagamento de despesas de cobrança da dívida, formulado a título indemnizatório, porque fundado em responsabilidade civil (contratual), não é compatível com a natureza do procedimento de injunção, nem se equipara aos juros de mora nascidos com a constituição em mora do devedor”; – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-07-2024 (Proc. n.º 3368/23.7T8VLG-A.P1): “Não cabe no âmbito do procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato”. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 12-07-2023 (Proc. n.º 3889/21.6T8VLG-A.P1): “Não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato”. In casu, a exequente cingiu-se a afirmar, no requerimento de 29-01-2025, que a quantia exequenda não se refere a qualquer cláusula penal, o que está, porém, em contradição com o que alegara no requerimento de injunção, ao qual foi aposta a fórmula executória e que serviu de base a esta execução, onde invocou, expressamente, que “[n]o âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato” (sic), pedindo o pagamento coercivo de diversas facturas que enumerou, sendo certo que não se alcança quais as quantias facturadas (se é que as há…) decorrentes de qualquer prestação de serviços. É, pois, ostensivo que a exequente não podia ter-se socorrido do requerimento de injunção nos termos em que fez, o que redunda no uso indevido desse procedimento, configurando, como se explicou anteriormente, uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta, aliás, do art. 14.º-A, n.º 2, al. a) do regime anexo ao DL 269/98, que exceptua do efeito cominatório da falta de dedução da oposição à injunção o “uso indevido do procedimento de injunção”, bem como a “ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso”. Acresce que o vício traduzido no uso indevido e inadequado do procedimento de injunção, que inquina o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, destrói a natureza de título executivo do mesmo, já que, por disposição especial, não pode ser atribuída a esse requerimento a força executiva pretendida - cf. art. 1.º do diploma preambular ao DL n.º 269/98 e art. 7.º do regime anexo a esse diploma. 3.ª Se a utilização indevida do procedimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória, dá lugar à rejeição total ou parcial da execução. Clarificado que a utilização indevida da injunção redunda numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, há que apurar, por fim, se o vício correspondente ao uso indevido e inadequado do procedimento de injunção implica a rejeição total ou parcial da execução. Recapitulando, a exequente/recorrente optou por recorrer ao procedimento de injunção para obter um título executivo, incluindo nesse requerimento, além do mais, dívidas decorrentes da obrigação da executada de devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato (sic). Está-se, pois, em face de uma situação de cumulação objectiva de pedidos, à qual é aplicável, por força do art. 555.º, n.º 1, o disposto no art. 37.º, ambos do CPC, que prescreve que “a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes”, como é o caso do pedido referente à cláusula penal e à indemnização pela não devolução do equipamento. Esclarecido que a actuação da exequente não é compatível com a natureza do procedimento de injunção é evidente para nós que todos os pedidos se têm de se ajustar à finalidade do procedimento, ou seja, no requerimento de injunção só podem ser cumulados pedidos compatíveis com tal forma de processo. Como tal, não se mostrando reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção, mormente a adequação dos pedidos à finalidade desse procedimento – uma vez que, como se demonstrou, o requerimento de injunção apresentado pela exequente/recorrente se destinou a exigir (também) o cumprimento de obrigações que não as definidas no art. 7.º do regime anexo ao DL 269/98 –, não podia ser aposta a esse requerimento a fórmula executória, sendo forçoso concluir que não ocorreu uma constituição válida do título executivo, vício esse – excepção dilatória inominada – que inquina todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização. Na verdade, e contrariamente a alguma jurisprudência que propende a considerar que ao caso se deve aplicar o princípio de aproveitamento dos actos, relativamente aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, sustentando, assim, o indeferimento parcial da execução, entendemos que o estatuído no n.º 3 do art. 726.º do CPC [“É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados”], está directamente conexionado com o disposto nos arts. 10.º, n.º 5, e 53.º, n.º 1, do CPC, que estabelecem que é através do título executivo que se determinam o fim e os limites da acção executiva e, bem assim, se afere a legitimidade do exequente e do executado, pressupondo, evidentemente, que exista um título executivo válido, ainda que parcialmente afectado de inexequibilidade, o que não ocorre no caso exposto. Como se desenvolveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-12-2024 (Proc. n.º 209/20.0T8GVA.C1): “Se houver cumulação objectiva de pretensões, em que algumas sejam e outras não sejam exigíveis através do procedimento de injunção (arts. 555.º, n.º 1, e 37.º, ambos do Código de Processo Civil), tal como sucede quando se peticiona uma quantia a título de cláusula penal (mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito), essa utilização indevida, ainda que meramente parcial, inquina in toto o procedimento de injunção – sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento ou de adequação processual – e, subsequentemente a acção declarativa especial em que se convolou, dando lugar à absolvição do requerido da instância, ou pela verificação da excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do procedimento, ou por erro na forma de processo, consoante a posição que se perfilhe./ No caso de se ter avançado para a instauração de acção executiva – como a situação vertente –, em que a Recorrente optou por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensões incompatíveis entre si, há efectiva falta de um pressuposto processual – falta de título executivo –, que consubstancia uma nulidade de conhecimento oficioso a ser conhecida em sede executiva porque esta assenta num título ao qual foi indevidamente atribuída força executória (ilegalidade do título).” Nesta consonância, inexistindo um título executivo válido, como bem decidiu o tribunal a quo, impunha-se a rejeição total da execução. Neste mesmo sentido, vejam-se, entre muitos outra jurisprudência recente: – Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa, de 26-04-2025 (Proc. n.º 77226/20.0YIPRT.L1-6): “O uso indevido do procedimento de injunção traduz-se numa exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina o indeferimento liminar do requerimento inicial”. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-04-2025 (Proc. n.º 5566/24.7T8SNT.L1-8): “Quando tenha sido aposta fórmula executória ao requerimento de injunção fora das condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção (como é caso da adequação dos pedidos à finalidade do procedimento), não há uma constituição válida do título executivo, impondo-se, por isso, a rejeição total da execução”; – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-04-2025 (Proc. n.º 3025/24.7T8VLG.P1): “Tendo sido aposta fórmula executória a requerimento de injunção para fins diversos do cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, fica posta em causa a própria legalidade do título executivo que assim foi constituído, por uso indevido do procedimento de injunção”; – Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa, 10-10-2024 (Proc. n.º 5820/24.8T8SNT.L1-6): “O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum”. Concluindo: é de rejeitar a execução na totalidade por falta de título executivo. Por ser parte vencida, condena-se a apelante no pagamento das custas processuais – cf. arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do CPC. * Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): 1. Nada obsta a que, em sede de execução sumária, o juiz conheça oficiosamente das questões que poderiam levar ao indeferimento liminar do requerimento executivo, caso a execução seguisse a forma ordinária, e que estão previstas no n.º 2 do art. 726.º do CPC. 2. O procedimento de injunção não admite que nele se peticionem, entre outras quantias, (i) o pagamento de cláusula penal, (ii) de despesas correspondentes a gastos associados à cobrança da dívida, ou (iii) o valor de qualquer indemnização contratual. 3. O recurso ao procedimento de injunção, cumulando pretensões incompatíveis entre si, ao qual tenha sido aposta fórmula executória, redunda, em sede de acção executiva, na falta de um pressuposto processual – falta de título executivo –, configurando uma excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso, implicando a rejeição total, e não apenas parcial, da execução.
Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela exequente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pela apelante. Notifique. Coimbra, 30 de Setembro de 2025
Luís Miguel Caldas Francisco Costeira da Rocha Hugo Meireles
[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Francisco Costeira da Rocha e Dr. Hugo Meireles. [2] Prescreve o n.º 3 do art. 853.º do CPC: “Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.” [3] Prescrevem as alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 726.º do CPC: “2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso (…)”. [4] Daniel Bessa de Melo – Causa de Pedir e pedido de Injunção, “Revista de Direito Civil”, 2022, 4, p. 839 –, enuncia, a título exemplificativo, que“(…) o procedimento de injunção é adequado ao pedido de pagamento de rendas, da remuneração convencionada num contrato de mediação imobiliária, do capital mutuado, juros e demais acréscimos contratuais, de créditos emergentes de depósito bancário ou de contrato de utilização de cartão de crédito e das despesas incorridas por uma instituição hospitalar com o tratamento de um paciente na sequência de um acidente de viação ou, em geral, por quaisquer despesas por cuidados de saúde prestados independentemente da sua causa.”. [5] O DL n.º 32/2003, de 17-02, estabeleceu o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais, transpondo a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29-06, e alterou o Código Comercial e o DL nº 269/98, de 01-09. [6] Escreve Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, 2022, p. 255: “A injunção é um meio célere e económico de obter um título executivo em relação a um crédito que previsivelmente não será contestado pelo requerido”. |