Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
855/23.0T8ACB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
DECISÕES DO AGENTE DE EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 262.º, 263.º, 356.º, 850.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário: I - As decisões tomadas pelo agente de execução que não foram objeto de oportuna impugnação transitam em julgado.

II - A habilitação do cessionário/aquirente – artº 356º do CPC - não interfere com o objeto do processo, tendo efeitos meramente processuais implicando apenas a substituição de alguma das partes na sequência da cessão do direito, como permitido pelo artº 262º do CPC, constituindo, aliás, um incidente da instância da causa a que se reporta: declarativa ou executiva.

III – Ademais, ela é facultativa, e, enquanto não for admitida, a primitiva parte transmitente continua a ter legitimidade para a causa praticando assim nos autos todos os atos cujos efeitos se repercutem no adquirente quando for habilitado – artº 263º do CPC.

IV - Destarte, a habilitação apenas é admissível e concedível enquanto a causa tramitar e já não, porque inútil, após ser declarada extinta - como, vg., na ação executiva, pelo pagamento.

V – Acresce que, satisfeito o crédito exequendo e declarada extinta a instância executiva, ela não pode ser renovada a pedido do cessionário do crédito que requer a sua habilitação como exequente, pois que para tal inexiste preceito legal – vg. o artº 850º do CPC – que o permita.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Vítor Amaral
João Moreira do Carmo
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ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe foi proferido o seguinte despacho:

«Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que Banco 1..., S.A. moveu contra AA, veio BB deduzir incidente de habilitação de adquirente.

Alegou, para tanto, ter procedido ao pagamento integral da dívida exequenda ao exequente, pelo que ficou sub-rogado nos direitos deste.

Compulsados os autos de execução, verifico que:

- por decisão da Agente de Execução de 23-10-2024, foi determinada a extinção da execução, atento o pagamento efetuado pelo requerente;

- por decisão da Agente de Execução de 4-11-2024, foi determinada a renovação da execução extinta, que passa a prosseguir a impulso da credora reclamante A..., S.A.

Verifica-se, assim, que, quando o presente incidente foi deduzido (em 7-11-2024), já a execução se encontrava extinta quanto ao crédito exequendo (crédito relativamente ao qual se pretende a habilitação). Por outro lado, a execução não é suscetível de renovação quanto a tal crédito, por falta de previsão legal (mormente no artigo 850.º do CPC).

Não se quer com isto dizer que o requerente não tenha direito a ficar sub-rogado no direito do exequente Banco 1..., S.A., mas simplesmente que, para fazer valer tal direito nos presentes autos, o mesmo tinha de ser exercido antes da extinção da execução quanto a esse crédito.

Por outras palavras, encontrando-se a execução extinta quanto ao crédito exequendo (por decisão já consolidada na ordem jurídica), não pode a mesma prosseguir quanto ao mesmo, pelo que a habilitação requerida é inútil.

Face ao exposto, julgo extintos os presentes autos, por inutilidade superveniente da lide – artigo 277.º, alínea e), do CPC.

Custas pelo requerente – artigo 536.º, n.º 3, do CPC.»

(sublinhado nosso)

2.

Inconformado recorreu  o requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

- Ao credor reclamante, na circunstância a empresa “A... Lda.” não assiste fundamento legal para requerer o prosseguimento imediato da execução;

- Em caso algum, tal devendo ter sido sentenciado;

- A Sentença sob recurso, decidindo em sentido contrário, fez errónea aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 850.º do C. P. C.;

 - Tendo subsumido mal, a factualidade constante dos autos, aos aludidos comandos legais;

- Quando o presente incidente de habilitação foi deduzido, ao invés do que na Sentença sob recurso se expressa, não se verificava a extinção da execução, nem se encontrava tal Decisão consolidada na ordem jurídica,

- A aludida extinção da execução, não se verificou em 25/10/2024, data em que foi notificada ao Mandatário do Executado originário (e muito menos na data da sua prolacção em 23/10/2024, como se afirma na Sentença recorrida), mas sim com o seu trânsito em julgado, que ocorreu em 07/11/2024 (art.º 628.º do CPC);

- D`estarte quando tal incidente foi deduzido (precisamente em 07/11/2024), a execução não estava extinta, pelo que o primeiro pressuposto expresso na Sentença para a não aceitação da “subrogação” pelo ora Recorrente, se encontra mal fundamentado;

-No que concerne à falta de previsão legal, diremos que o instituto da sub-rogação, se encontra contemplado, nos termos gerais, nos artºs. artigos 590.º e 592.º e seguintes do Código Civil, não existindo dispositivo legal, crê-se, que restrinja a sua aplicação no campo da acção executiva;

 Por outro lado,

- Mal andou a Sentença sob recurso, ao sancionar a renovação da execução extinta, atento o pagamento efectuado pelo requerente, ora Recorrente;

- Tal renovação, só é possível de ser levada a cabo pelo credor Reclamante;

- Contudo a “A..., S. A.”, não foi ainda admitida nos autos como tal;

- Existe nos autos, o apenso de reclamação de créditos, n.º 855/23.0T8ACB-B - Reclamação de Créditos;

- Estes autos têm origem na circunstância de em 03/05/2024, ter a firma “A..., Lda.”, vindo arguir o estatuto de credor reclamante e reclamar créditos na execução, no montante de € 67.822,59, por força de lhe ter sido cedido um crédito hipotecário originariamente realizado pelo Banco 2... S.A., ao executado originário (req. ref.ª 10764551 – Apenso B);

- O executado originário AA, sub-rogante, impugnou a reclamação de créditos, e bem assim a admissão da “A..., Lda.” como credor reclamante, conforme contestação apresentada neste citado apenso, em 28/05/2024 (req. ref.ª 10841104 – Anexo B);

- Incidente este, que ainda não foi objecto de decisão pelo Tribunal;

- Resulta lógico que se não for admitido como credor, tal como ali se contesta, não tem legitimidade para renovar a instância;

- Tal incidente, constitui causa prejudicial, da decisão tomada pelo Digmo. Juiz “a quo”, da decisão de poder a execução seguir a seu impulso nos temos do art.º 850.º do CPC;

- Não tendo previamente sido resolvido pelo Tribunal “a quo”, não poderia a Sentença sob recurso, determinar que a execução passasse a prosseguir a impulso da credora reclamante “A... S. A.”, que não o é!;

Acresce que,

- Existe outrossim nos autos o Apenso C), cuja não decisão até ao presente, de igual modo obstaculiza a que a firma “A..., S. A.”, seja admitida a intervir nos presentes autos;

- E designadamente a impulsionar a execução;

- Constituindo (também) verdadeira causa prejudicial da decisão tomada;

- Através deste apenso, pediu o Executado originário a sua absolvição da instância, alegando que execução não podia ter sido instaurada;

- Não obstante a existência do contrato de crédito, e das obrigações do mesmo decorrente, que ficaram por solver pelo devedor originário, o “Banco 1..., S. A.”, instituição bancária credora, não procedeu à sua Integração no regime denominado PERSI;

- Impondo-se que o tivesse feito;

- Como constitui exigência legal, nos termos consagrados no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, o qual se aplica ao crédito contraído pelo Executado, ora em causa – cfr. artº 2º - alíneas c) e d));

- E sendo que o seu cumprimento, consubstancia uma condição objectiva de procedibilidade para a execução;

- O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas);

- Sendo que, por se verificar a aludida falta da condição objetiva de procedibilidade , falta essa impossível de ultrapassar, a execução não podia ser requerida e impõe-se que não prosseguisse, absolvendo-se o ali Embargante da instância;

- Não poderia, destarte, o “Banco 1..., S. A.”, intentar ações judiciais contra o executado originário, tendo em vista a satisfação do seu crédito;

- E não prosseguindo a execução, não poderia o credor reclamante ser chamado à execução, porquanto a falta de integração no PERSI, por parte dos devedores originários, transmite-se aos eventuais cessionários (instituições bancárias ou não);

- O não cumprimento da aludida condição, implica a absolvição do executado da instância, por procedência de excepção dilatória, inominada, insanável de conhecimento oficioso - artigos 573.º, n.º 2 e 578.º, alínea c) do art.º 729.º, quando em conjugação com o art.º 731.º, todos do Cód. Proc. Civil e Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10;

- Termos em que, ali se defende, deverá a excepção invocada ser julgada procedente por provada, e consequentemente provados os embargos;

- Mas acontecendo que até ao presente, tal processo de embargos, não foi ainda decidido pelo V. Tribunal “a quo”, mostrando-se, contudo, verdadeira questão prejudicial, em virtude da decisão ora contestada, dela depender em absoluto;

- Por força das questões destes dois apensos - questões prejudiciais

- não se encontrarem ainda resolvidas, não poderia o Tribunal “a quo”, proferir a Sentença “sub-judice”, e considerar a “A..., Lda.”, credor reclamante na execução, tão-pouco ser admitida a impulsioná-la;

- Deste modo, resultaram violadas, as normas constantes dos Artºs 590.º e 592.º do Código Civil, Artºs. 628.º, 850.º e n. º 1 do art.º 272, quando em conjugação com o disposto nos artigos 573.º, n.º 2 e 578.º, 647.º e alínea c) do art.º 729.º, o art.º 731.º, todos do Cód. Proc. Civil.

- Por tudo se verificando erro de julgamento;

- Devendo face a todo o exposto, revogar-se integralmente, o Dispositivo da Sentença sob recurso;

- E proferir-se outra, declarando-se:

- a aceitação da sub-rogação do ora Recorrente como “sub-rogado” na execução, ocupando a posição processual do Credor Originário, substituindo este último no presente processo de execução, no pleno exercício dos seus direitos;

- reconhecer ao Recorrente, todos os direitos e garantias que assistiam ao Credor Originário;

 - a não admissão da “A..., Lda.”, como credor reclamante e a consequente revogação do Dispositivo da Sentença, de prosseguir a execução a seu impulso;

- Nos termos do disposto na parte final da alínea b) do número 3 do art.º 647.º do CPC, ao presente recurso deve ser conferido efeito suspensivo, como é de Lei, designadamente dando-se sem efeito a venda do imóvel penhorado nos autos, agendada para o dia 16/01/2025.

- O que igualmente se requer, com os fundamentos estabelecidos no número 4 do aludido preceito legal, isto é, por constituir casa de habitação do executado e estar na sua posse e de sua propriedade, a sua eventual venda lhe causar prejuízos irreparável e existindo garantia nos autos.

(sublinhado nosso).

Inexistiram contra alegações.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é  a seguinte:

(In)admissibilidade do incidente de habilitação do adquirente.

4.

Apreciando.

4.1.

Liminarmente.

O recorrente, para além de pedir a aceitação da sub rogação ao credor originário e  a sua admissão no processo no lugar deste, impetra outrossim,  a não admissão da “A..., Lda.”, como credor reclamante e a consequente revogação do Dispositivo da Sentença, de prosseguir a execução a seu impulso.

Mas este pedido é patentemente inadmissível.

Efetivamente, a  decisão recorrida apenas se pronunciou, a final e em sede decisória stricto sensu, sobre a inadmissibilidade do incidente.

Tudo o mais nela aduzido, vg, a referência à renovação da instância executiva relativamente à credora A..., Lda, são argumentos ou razões para sustentar o decidido.

Assim sendo, o recorrente pode rebater estes argumentos, mas apenas para operar a revogação do a final decidido.

E não para efetivar a modificação decisória final já antes proferida quanto a tais argumentos.

O que lhe está claramente vedado.

É que, como consta do despacho e o recorrente não impugna,  a decisão de renovação da instância relativamente à aludida credora decorreu de decisão do Sr. Agente de Execução.

Ora:

« As decisões tomadas pelos agentes de execução que não foram objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (com efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial).

 Não tendo a recorrente, no prazo legal (10 dias) reclamado da decisão do AE de extinção da execução para o juiz, a mesma tornou-se definitiva/estabilizada, equiparada a transitada em julgado. » - Ac. TRE de 27.05.2021, p. 2561/15.0T8STB-E.E1 in dgsi.pt., bem  como os infra cits.

In casu assim é.

A decisão de renovação da instância deveria ter sido impugnada quando o Sr. Agente de execução a proferiu.

Não o tendo sido –e nem o recorrente invocando que  perante aquele ele ou o exequente primitivo a não possam ter impugnado -  ela e os seus efeitos fixaram-se definitivamente.

Não podendo agora impugná-la perante o Juiz, entidade que nem sequer a proferiu, e, ademais, extemporaneamente, porque seguramente fora do  prazo legal que para o efeito é concedido e que já há muito que se exauriu.

4.2.

Resta, pois, averiguar  apenas da (i)legalidade do decidido quanto à não admissão do incidente.

Relevam, essencialmente, os seguintes preceitos:

Artigo 262.º do CPC

«Outras modificações subjetivas

A instância pode modificar-se, quanto às pessoas:

a) Em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio;

b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.»

  Artigo 263.º do CPC

«Legitimidade do transmitente - Substituição deste pelo adquirente

1 - No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.

2 - A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.

3 - A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.

Artigo  356.º do CPC

«Habilitação do adquirente ou cessionário

1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes:

a) Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;

b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.

2 - A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias.»

Vemos assim que a habitação de cessionário (ou de adquirente) – artº 356º -  é um incidente da instância.

E com ele visa-se apenas uma modificação subjetiva da instância, ou seja, a substituição de alguma das partes na consequência da cessão do direito ou transmissão da coisa objeto do litígio.

Esta modificação subjetiva da instância é permitida pelos  artºs 262º e 263º do CPC.

Reitera-se: como o incidente  processual  a habilitação do artº 356º apenas visa a modificação dos sujeitos da lide, os seus efeitos são de natureza meramente processual.

Pelo que a decisão do incidente não comporta a discussão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa, designadamente sobre a sua existência e validade ou sobre o âmbito das garantias do direito de créditoNeste sentido, cfr, vg., Acs. TRG de 21.06.2018, p. 7153/15.1T8GMR-B.G1, e de 18.12.2024, p. 38941/19.9YIPRT-A.G1.

Por outras palavras:

« A decisão final tomada em incidente de “habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio” (art. 356º CPC) constitui decisão interlocutória com natureza processual (com aplicação dos arts. 292º a 295º do CPC para os incidentes da instância), no âmbito de um incidente legalmente previsto como inserido na causa principal sem estar configurado com a estrutura e a natureza de uma verdadeira acção, apesar de constituir dependência de outro processo, mas diluindo-se como questão acessória na tramitação dessa causa principal, conducente no caso à pretendida substituição processual da Ré e Reconvinte originária.» -  Ac. STJ de 10.04.2024, p. 1162/22.1T8AVR-A.P1.S1.

Dado este cariz, essencial e determinantemente, adjetivo, e de dependência da ação a que respeita, há quem entenda que esta habilitação:

  «não pode ter lugar na ação …se a transmissão do direito ocorreu antes do início da lide.» - Ac. TRL de 5.11.2020, p. 16336/19.4T8LSB-B.L1-4.

E ainda que:

«estando pendente uma acção, mostra-se indiferente à decisão do incidente de habilitação de adquirente ou cessionário o facto de, nessa acção, já ter sido proferida sentença, sendo certo que o habilitado, sucedendo na posição processual do transmitente ou do cedente, passa a exercer os mesmos direitos e fica sujeito ao cumprimento das mesmas obrigações processuais que àquele competiam, sem interferir com o objecto da causa.» - Ac. TRG de 21.06.2018,   sup. cit.

Há ainda que considerar que:

«ao contrário do que sucede no caso de transmissão mortis causa, a transmissão inter vivos não determina a suspensão da causa, sendo facultativa a habilitação do adquirente, …a habilitação do adquirente/cessionário …não é  condição necessária do prosseguimento da causa, pois que, enquanto tal não ocorrer, o transmitente continua a ter legitimidade para a demanda, até ao final do pleito..e…nessa situação, se produzirá, de qualquer modo, caso julgado contra ao referido adquirente.» - Ac. TRC de 09.05.2017, p. 1062/14.9TBPBL-B.C1.

(todos os sublinhados nossos)

Nesta conformidade, e atento o jaez da habilitação do artº 356º, bem como  a sua finalidade e consequências, não só relativamente às partes -  vg. quanto  aos poderes e deveres que o transmitente pode exercer e cumprir enquanto parte na causa, antes da habilitação do cessionário, cujos resultados  se repercutem neste -,  como  quanto ao objeto do processo, considera-se pacificamente que são requisitos da sua admissibilidade:

i) pendência de uma ação;

ii) existência de uma coisa ou de um direito litigioso;

iii)  transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação, por ato entre vivos e conhecimento da transmissão durante a ação (independentemente da sua espécie/natureza declarativa ou executiva). - Cfr. Ac. TRC de 09.05.2017, p. 1062/14.9TBPBL-B.C1 e Ac. do TRL de 07.12.2021, p. 134/10.3TBCTX-D.L1-7.

Vemos assim que a admissibilidade da habilitação tem, para além do mais, como requisitos sine qua non, a existência de uma ação/execução ainda pendente, ou seja, a tramitar.

Sendo este o entendimento,  ao menos maioritário, da jurisprudência.

Tal compreende-se pois que a habilitação é facultativa e, enquanto ela não for admitida,  a ação/execução prossegue seus termos com o transmitente produzindo os seus feitos na esfera jurídica do transmissário/cessionário.

Pelo que este, se e quando habilitado, tem de aceitar os termos do processo em função da atuação daquele.

Do que decorre que, se a ação/execução já estiver extinta, a habilitação, lógica e intuitivamente,  queda inútil e improfícua, apresentando-se assim inadmissível.

Neste sentido, veja-se, para além dos Arestos citados, o adrede, direta e inequivocamente, decidido  no aludido Ac. TRE de 27.05.2021,  p. 2561/15.0T8STB-E.E1:

«4. Estando extinta a execução, justifica-se a prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de habilitação por impossibilidade da lide.».

No caso vertente.

A execução foi declarara extinta  pelo agente de execução  não constando que de tal despacho o primitivo credor, o qual, como se viu, continuou a poder exercer os seus poderes/deveres  na execução até à habilitação, ou o executado,  contra tal despacho  de extinção se tenham insurgido.

Nem o recorrente impugnou tal despacho quando solicitou a sua habilitação.

 Apenas agora, em sede de recurso do despacho recorrido de 15.11.2024, aquele se reportando.

Logo, nesta data, tal despacho de extinção já tinha transitado em julgado.

E a habilitação, mesmo que  fosse impetrada ainda com a instância pendente –que é duvidoso face ao contraditoriamente alegado nos parágrafos 6 e 7  das conclusões -  já não podia ser concedida nesta pendência, mas apenas com a instância extinta.

Ora urge ter presente que:

«Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes.» - Ac. TRC de 09.12.2014, p. 5063/09.0TBLRA-A.C1.

(sublinhado nosso)

Assim sendo, o incidente da habilitação, o qual é sempre dependente da  causa principal em que tramita,  sempre tinha de ser dado por findo, no estado em que se encontrasse, após a instância ter sido declarada extinta.

Quanto ao argumento da «falta de previsão legal» referido na decisão, há que dizer que o recorrente menos bem interpretou tal expressão.

Na verdade,  numa exegese mais sagaz, entendemos que com a mesma não se quis significar, como ele entende, que, no processo executivo, a habilitação ou a renovação da instância extinta não são, de todo em todo, admissíveis.

Se assim  se tivesse decidido, a decisão mereceria censura, pois que, como dimana do supra referido, o incidente também pode ser suscitado na ação executiva.

 Neste sentido, o Ac. TRC de 09.05.2017, p. 1062/14.9TBPBL-B.C1, no qual , ipsis verbis, tal foi aceite, a saber:

«Ocorrendo cessão de créditos na pendência da ação executiva, o incidente de habilitação é o meio processual adequado para fazer intervir nessa ação o cessionário na qualidade de exequente (em substituição do primitivo/originário).»

Mas o que com ela se quis significar foi que a renovação da execução não é possível porque, para situações como a presente e atentos os seus contornos fáctico circunstanciais,  inexiste preceito legal, vg. o artº 850º do CPC, que o permita.

Desde logo porque, como se viu, a instância estava extinta.

Depois, porque o caso não quadra na previsão do artº 850º do CPC, tendo a julgadora a quo aqui também razão.

Reza tal normativo:

Artigo 850.º

Renovação da execução extinta

1 - A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.

2 - Também o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.

3 - O requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assume a posição de exequente.

4 - Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento.

Ora, na espécie não nos encontramos perante título com trato sucessivo, nem o recorrente é credor reclamante, antes desejando assumir a posição do exequente original.

Logo, este preceito nada prevê para a situação do recorrente, o qual, repete-se, não é credor reclamante, e apenas pretendia substituir o credor exequente inicial.

Ademais, é o próprio recorrente que alega e pugna que não é de admitir a renovação da instância, e que a mesma não está renovada porque inexistiu despacho a admitir tal renovação, faltando decisão quanto à impugnação da reclamação de créditos da credora A..., Lda deduzida pelo executado.

Por conseguinte, e na sua própria tese, a instância executiva, neste momento, está totalmente extinta.

Ou seja,  extinta não apenas quanto ao crédito de que ele agora é titular – pelo pagamento do mesmo - , como relativamente ao crédito da credora reclamante pois que este ainda não foi admitido.

Se assim fosse, tal impedia, por maioria de razão - argumento a fortiori:  porque assim a execução estava extinta quanto a  todos os interessados -,  a admissão da  sua habilitação.

Mesmo que assim não seja, como não é - porque a execução foi renovada pelo AE, para satisfação do credor reclamante, decisão que não foi atempadamente impugnada -, certo é que esta renovação não aproveita ao recorrente.

Pois que basta, como  bem se fez notar no despacho recorrido, que a extinção tenha operado quanto ao seu  crédito.

Efetivamente, quanto a  este houve pagamento, e em consequência,  a execução teve o seu termo e foi declarada extinta -  artº 849º do CPC.

Com todo este iter processual o primitivo exequente se conformou.

Sendo que esta conformação produz efeitos relativamente ao ora recorrente adquirente, o qual tem de aceitar a execução na situação em que se encontra.

E, como se demonstrou, a situação, no momento do pedido de habilitação, era já de extinção da execução pelo menos quanto ao seu crédito.

Improcede o recurso.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2025.03.25.