Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
493/21.2T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CRITÉRIOS DA FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
VALOR DO LAUDO DOS PERITOS
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º, 3, CPC
ARTIGO 342.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 62.º, 2, DA CRP
ARTIGO 8.º, LEI 28/2005, 29/12
ARTIGOS 23.º, 1 E 2, C); 25.º, 2, A; 26.º E 27.º, 1 E 2, DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: I – A indemnização por expropriação, em caso de recurso, deverá fundamentalmente buscar-se nos valores dados nos laudos e Relatórios dos Srs. Peritos – com especial destaque para os dos Peritos escolhidos pelo Tribunal, de entre os constantes de lista oficial, no caso de disparidade entre eles e quaisquer outros – em atenção à competência que o julgador lhes deve reconhecer e que fundamenta o laudo pericial, posto que o laudo dos mesmos é o que oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado.
II – Esse valor probatório apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, se padecer de erro grosseiro ou se for contrário a normas legais vinculativas.
Decisão Texto Integral:
Apelações em processo comum e especial (2013)
                                                                                                                                       *

      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

Nos presentes autos de Expropriação litigiosa por utilidade pública em que é Expropriante “MUNICÍPIO DE RESENDE”, e Expropriada “A..., Lda.”, ambos com os sinais dos autos, inconformadas com a quantia indemnizatória fixada por Acórdão Arbitral, interpuseram recurso quer a Entidade Expropriante, quer a Entidade Expropriada.

O objeto da expropriação é a seguinte parcela: parcela n.º 1, com a área total de 1600 m2, correspondente ao prédio rústico, pertencente ao expropriado, situado na freguesia ..., concelho de Resende, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...95.º e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob nº ...7, confrontando a norte com AA, de sul e poente com caminho, e de nascente com estrada.

A Declaração de Utilidade Pública (DUP) a que se reporta a presente expropriação resulta de despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local de 17/08/2020, publicado na II Série do Diário da República, n.º 182, de 17 de setembro de 2020.

                                                           *

Na sequência dessa declaração, em 7 de outubro de 2020, foi a identificada parcela objeto de vistoria ad perpetuam rei memoriam.

                                                           *

Tendo-se frustrado a proposta de acordo apresentada, foi realizada a arbitragem.

O acórdão de arbitragem, datado de 23 de fevereiro de 2021, fixou o valor indemnizatório global em € 141.791,50 (cento e quarenta e um mil, setecentos e noventa e um euros e cinquenta cêntimos), sendo € 132.224,00 relativos ao valor do solo da parcela e € 9.567,50 relativos a benfeitorias.

A entidade expropriante procedeu ao depósito da quantia arbitrada, na parte remanescente relativa ao depósito prévio de € 41.234,00 (correspondentes à avaliação inicial).

Proferido despacho de adjudicação da propriedade da referida parcela, em 04/05/2021, procedeu-se à notificação da decisão arbitral à expropriada e à entidade expropriante.

Da decisão arbitral apresentou recurso a entidade expropriante, por não concordar com o valor atribuído à parcela de terreno expropriada, invocando, em suma, que:

- do valor do solo da parcela: a expropriada adquiriu o prédio em causa a 09/05/2018, por compra, pelo preço de € 50.000,00, o que corresponde ao valor/m2 de € 13,47, sendo que, aplicável tal valor à parcela expropriada (com 1.600m2) temos um total de € 21.552,00. Por força da decisão arbitral, por referência à data da DUP, o valor daquela parcela passou para € 110.672,00. Tal valorização não poderá ser implementada, devendo o critério a adotar na fixação da justa indemnização ser o do valor da aquisição, nos termos do artigo 26º, nos 2 e 3 do Código das Expropriações (doravante “C.E.”).[2], não havendo lugar à aplicação do critério do custo da construção. A natureza do solo (enquanto apto à construção) manteve-se a mesma e não houve transformação deste desde aquela aquisição;

- do custo da construção: mesmo adotando este critério, a decisão arbitral atribuiu 10% ao custo da construção sem que fundamentasse e referisse os equipamentos existentes na localização que inexistem (serviços públicos de primeira necessidade); o facto de não ter considerado a EN. 22 que confronta com o prédio da parcela expropriada para a qualidade ambiental e o facto de estar virada a nascente e as limitações quanto à localização da mesma por estar em zona intermédia de proteção das águas termais de Caldas de Aregos;

- do acréscimo à percentagem do custo da construção: a decisão arbitral considerou a existência de uma estação depuradora em ligação com a rede de coletores de saneamento, que inexiste, ignorando a rede de saneamento e sem que justificasse a fixação das percentagens máximas em cada item associado a infraestruturas, designadamente, em face da distância da rede de saneamento, abastecimento de água, rodoviária e elétrica, não podendo, cada um daqueles parâmetros fixa-se em mais de 0,5%;

- da sobrecarga das infraestruturas existentes: a decisão arbitral não considerou que o tipo de construção a levar a efeito na parcela expropriada iria contribuir para uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes;

- do fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à construção: foi aplicado o fator de 10%, quando deveria ter sido aplicado o de 15%;

- do índice máximo de utilização do solo: não explica a decisão arbitral a consideração do parâmetro máximo do índice de utilização do solo previsto no PDM para a parcela, o qual prevê condicionantes;

- do valor das benfeitorias: foram consideradas a este título, o furo artesiano e o muro em pedra acamada e encostada: quanto a este, não pode o expropriado receber o valor do solo apto a erigir construção e simultaneamente receber o valor das benfeitorias que são destruídas ou inutilizadas com a construção; quanto àquele, apenas existe um buraco no solo com 90 m de profundidade não tendo valor económico.

Conclui pela procedência do recurso e sustenta, assim, que o valor global indemnizatório a atribuir à parcela expropriada deverá ser fixado em € 37.835,20.

A entidade expropriada apresentou resposta ao recurso interposto pela entidade expropriante e apresentou recurso subordinado, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

- quanto à alegada adoção do critério de valor de aquisição pretendida pelo expropriante: o valor da justa indemnização deve aferir-se em função do valor real e corrente numa situação normal de mercado, seguindo-se o critério consagrado no artigo 23º, nº 1, do C.E., encarando os demais como referências para atingir aquele valor da justa indemnização, sendo que o título de compra e venda do prédio rústico objeto da expropriação parcial não traduz o valor de mercado do mesmo porquanto foi vendido pelos pais do sócio da expropriada à mesma, não implicando uma perda da sua disponibilidade;

- a localidade dispõe de serviços e equipamentos, designadamente, de pendor turístico, publicitados pelo próprio expropriante (por exemplo, as Termas de Caldas de Aregos, piscina municipal, Clube Náutico e de Pesca Desportiva);

- da desvalorização da parte sobrante: é viável a construção de uma unidade hoteleira no prédio objeto de expropriação e, concretamente, na sua parte sobrante, com a área de implantação de 1.056 m2 que, com a redução levada a cabo por força da expropriação reduziu a viabilidade de construir uma unidade hoteleira de 56 quartos para 36 quartos, com o prejuízo inerente à diminuição do rendimento gerado (de € 233.594,00 para € 153.111,00), que deve ser ressarcido no valor anual não inferior a € 80.483,00 no ano cruzeiro e € 40.241,50 no início da exploração, que se verifica não 3.º ano seguinte ao da construção.

Pugna, assim, pela improcedência do recurso do expropriante e pela procedência do recurso subordinado, fixando-se a indemnização global em € 342.999,00.

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Procedeu-se à avaliação legal e obrigatória, nos termos do artigo 61º, nº 2 do C.E. e foi elaborado e junto o competente laudo de peritagem, do qual resulta que os Srs. Peritos designados pelo tribunal atribuíram o valor indemnizatório de € 126.027,00, correspondente ao somatório do valor da parcela expropriada de € 119.209,00 e das benfeitorias existentes de € 6.818,00.

O Sr. Perito da expropriada avançou com o montante de € 211.641,05, correspondente a € 160.280,64, do valor do terreno; € 9.768,00, do valor das benfeitorias; e € 41.592,41, da desvalorização da parte sobrante.

O Sr. Perito do expropriante avançou com o montante indemnizatório de € 78.818,00, correspondente a € 72.000,00 referente ao valor do terreno da parcela expropriada e € 6.818,00 relativos ao valor das benfeitorias.

Foram pedidos esclarecimentos ao relatório apresentado, que foram prestados.

Foram solicitados novos esclarecimentos aos Srs. Peritos, conforme consta da respetiva ata.

Notificadas as partes para os termos do disposto no artigo 64º do C.E., a entidade expropriante apresentou as respetivas alegações.

*
Foi proferida sentença, através da qual se julgou parcialmente procedente o recurso interposto da decisão arbitral pela expropriante e, em consequência, fixou-se o montante da indemnização a pagar pela expropriante no valor global de € 126.027,00, «atualizado desde a data de publicação da Declaração de Utilidade Pública, ocorrida em 17 de setembro de 2020, até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de parte do depósito sobre o qual se verificava o acordo das partes, incidindo daí por diante a atualização sobre o valor necessário a perfazer o valor total fixado nos autos até à decisão final do processo, de acordo com os índices de preço do consumidor, com exclusão da habitação, obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística»; julgou-se improcedente o recurso subordinado interposto pela expropriada.

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Inconformada com esta decisão vem a Expropriante interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª / Deve ser levado à matéria de facto provado um ponto com o seguinte teor:

“Para abertura do furo artesiano, sem utilização, referido no ponto 7. dos factos provados não foi emitida pela APA qualquer licença para a sua abertura e nem emitido qualquer título de utilização”

2.ª / A prova desta facto resultado da informação escrita junta aos autos em 4 de agosto de 2022 e da inversão do ónus da prova sobre a expropriada que, intimada para informa se o referido furo foi licenciado e em caso afirmativo entregar cópia do título de utilização, nada disse.

3.ª / A expropriada, cujo ónus lhe competia, não alegou, nem provou a finalidade do muro descrito na vistoria ad pepetuam rei memoriam e dado como provado no ponto 8 dos factos provados, nomeadamente se era um muro de vedação no interior da parcela e, caso se destinasse apenas a vedação com o caminho publico, se fazia parte integrante da parcela ou parte integrante do caminho público.

4.ª / Estando tal muro referido na vistoria ad perpetuam rei memoriam, a facear o caminho público e não tendo a expropriada reclamado que tal muro pertencia ao seu prédio, nomeadamente, por ela construído, não ficou provado que o mesmo seja parte integrante do prédio da expropriada, cujo ónus e alegação competia a esta.

5.ª / Tendo a sentença recorrida considerado tal furo artesiano e aquele muro, para efeitos de benfeitoria, como parte integrante da parcela, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando os artigos 341.º, 342.º, 1302.º e 1305.º do C.C.

Sem prescindir,

6.ª / Sendo a parcela expropriada considerada solo apto para a construção e o seu destino (abertura de plataforma rodoviária de ligação à zona pedonal de Aregos) implica que o solo esteja limpo de benfeitorias razão pela qual não há lugar a sua avaliação autónoma ou separada do solo.

7.ª /Razão pela qual não há que fixar autonomamente valor às referidas benfeitorias do furo artesiano e do muro.

8.ª/ Certo, ainda, que não foi alegado, nem está provado, que tais benfeitorias beneficiavam a parte sobrante da parcela expropriada e, por conseguinte, nenhum dano ou prejuízo daí advém.

9.ª / Donde decorre que a sentença recorrida ao atribuir valor a estas benfeitorias cometeu erro de julgamento, violando a lei e o direito, nomeadamente, o princípio constitucional e legal da justa indemnização.

10.ª / Mas mesmo que se entendesse serem indemnizáveis sempre se dirá que um furo artesiano sem água , de 90 metros, não tem qualquer valor e o eventual custo na sua abertura não pode ser objecto de indemnização por não se tratar de um custo que valorizasse a parcela.

11.ª/ Também aqui a sentença recorrida, ao ter entendimento diverso, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 23.º do CE.

12ª / Na data em que a expropriada comprou o prédio, por 50.000, 00 € já o seu solo, por força do PDM em vigor, tinha aptidão construtiva, isto é, um solo apto para a construção, nos termos do artigo 25.º n.º 2 alínea c) do CE.

13.ª / A sentença recorrida, para afastar a aplicação do critério do valor da aquisição na determinação do valor da parcela expropriada, previsto no artigo 26.º n.º 2 do CE, considerou que a expropriada tinha comprado um prédio rústico, que o preço de 50.000,00 € referia-se ao valor da venda e não de construção e que eram desconhecidos os critérios que presidiram à obtenção daquele valor; que não existe qualquer termo de comparação, o qual não foi alegado pela expropriante e que se desconhece se foi considerada, na fixação daquele valor de compra, a sua viabilidade construtiva que o mesmo apresentava.

14.ª / Com esta argumentação o tribunal recorrido fez incorreta apreciação dos factos provados, nomeadamente do ponto 5. da sentença em que está provado que a parcela expropriada se insere, de acordo com o PDM de Resende em solo urbano e dentro deste, em solo predominantemente habitacional e ainda do relatório dos peritos que, por unanimidade assim a consideraram.

15.ª / É um facto notório, que não precisa de alegação e prova, que na venda de um prédio rústico a fixação do preço tem em conta a sua capacidade edificatória e que esta resulta, decisivamente, daquilo que os Instrumentos de Gestão Territorial prevêem para o local.

16.ª / Donde decorre que a expropriada ao pagar o preço de 50.000,00 € por um prédio rústico teve em conta e foi decisivo para isso a sua capacidade edificatória e não para plantar batatas, milho, couves, tendo em conta a sua localização no centro urbano das Termas de Caldas de Aregos.

17.ª / A sentença recorrida, para afastar o critério do valor da aquisição na fixação do valor de mercado da parcela expropriada cometeu erro de julgamento ao ter entendimento diverso.

18.ª / A sentença recorrida não adoptou o critério principal de fixação do valor da justa indemnização - critério do valor da aquisição do solo - invocando a falta de elementos que permitisse comparar bens semelhantes e inexiste, nem é alegada a existência de outros terrenos na área desprovidos de construção, susceptíveis de serem vendidos para fins de construção urbana para servirem aqui de termo de comparação.

19.ª / Mais uma vez, tal entendimento do tribunal recorrido não encontra respaldo na lei e no direito, pois competia aos senhores peritos, na avaliação da parcela, socorrerem-se de todos os elementos de prova necessários a tal avaliação, solicitando à Autoridade Tributária a lista da aquisições ou avaliações dos prédios ocorridas nos últimos 3 anos na freguesia ou freguesias limítrofes da localização da parcela expropriada.

20.ª / Ou na recusa ou impossibilidade de o fazerem, solicitarem ao Tribunal tais informações, pois tal possibilidade está prevista no artigo 481.º do CPC.

21.ª / A sentença recorrida, fez, assim, incorreta aplicação da lei e do direito para afastar a não aplicação do critério principal na avaliação do solo apto para a construção pois só podia afastar este critério se tais elementos técnicos não fossem fornecidos e , por isso, concluir por inexistentes.

22.ª / E com isso veio o tribunal recorrido a fixar uma indemnização pela ablação do direito de propriedade de uma parcela de solo apto para a construção, por razões de utilidade publica no valor de 119. 209,00 € que a expropriada tinha comprado por 21. 522,00 € a menos de 3 anos, obtendo uma mais valia de 97. 657,00 €.

23.º / E assim, por efeito da DUP a expropriada vê valorizada a sua parcela em 81,92 €.

24.º / O que, segundo regras da experiência e da normalidade da vida, é uma valorização obtida com base na especulação dos bens.

25.º / O que o artigo 62.º n.º 2 da CRP não permite.

26.º / Sendo, por isso inconstitucional a norma do artigo 23.º do CE que, na interpretação que foi dada pelo tribunal recorrido, permite a fixação da justa indemnização com recurso à especulação imobiliária e, como tal, não corresponde ao valor real e corrente de mercado à data da DUP.

Ainda e sem prescindir,

27.ª / O acréscimo à percentagem do custo da construção (art. 26.º n.º 7 do CE), de acordo com a vistoria ad perpetuam rei memoriam, só podia abranger as situações :

- Acesso rodoviário pavimentado;

- Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão;

- Rede de saneamento;

- Rede de abastecimento de água;

- Rede telefónica.

28.ª / Os senhores peritos do tribunal e da entidade expropriante, na aplicação do critério supletivo da avaliação do solo apto para a construção - o critério do custo da construção - adicionaram ao valor do solo apto para a construção previsto no n.º 6 de artigo 26.º do CE a percentagem de 1,5 % para a rede de saneamento, com colector em serviço, junto da parcela e 2,5 % para a existência de estação depuradora , em ligação com a rede de saneamento com serviço junto da parcela, duplicando assim a infra estrutura de saneamento, pois ou a rede de saneamento junto da parcela TEM estação depurada ou NAO TEM.

29.ª / E com essa duplicação induziram em erro o tribunal, o que conduziu a erro grosseiro e manifestado na apreciação das provas e aplicação do direito.

30.ª / Finalmente, os senhores peritos, na aplicação do critério supletivo da avaliação do solo apto para a construção - o critério do custo da construção - adicionaram ao valor do solo apto para a construção previsto no n.º 6 de artigo 26.º do CE o limite máximo das percentagens previstas no n.º 7 do mesmo artigo, sem justificarem tal atribuição máxima.

31.ª / O que conduziu o tribunal recorrido em erro na aplicação de tal norma jurídica pois o legislador ao utilizar as palavras “até ao limite de cada uma das percentagens ” está a dizer que em cada uma delas terá de ser justificado o percentil aplicado.

32.ª / A sentença recorrida ao não justificar, remetendo para o relatório dos peritos que é omisso quanto à justificação na atribuição máxima daquelas percentagens, comete erro de julgamento na apreciação crítica das provas, erro esse que tem de entender-se como grosseiro pois o acesso rodoviário, seja qual for o material com que é feito (em calçada, betuminoso ou equivalente) pode estar em bom estado de conservação, ser betuminoso de 1.ª ou 2.ª classe. calçada com pedra ou blocos de cimento, etc, etc.

33.ª / E o mesmo ocorre, mutatis mutandis, relativamente à rede de abastecimento de água ao domicílio, rede de saneamento ou rede eléctrica de baixa tensão, pois podem estar no limite da parcela ou podem estar a 100 m de distância e, em qualquer destes casos, a parcela expropriada é servida por tais infra estruturas de serviço público, razão pela qual o percentil a acrescer tem de ser justificado.

34.ª / Assim, não sendo motivo para anulação da sentença recorrida, ainda assim o tribunal de recurso deve proceder, de acordo com juízos de equidade, na fixação dos percentis a acrescer àquelas infra estruturas, reduzindo-os a metade do seu limite máximo, desta forma:

0,5% para a rede rodoviário em betuminoso;

0.5 % para a rede de abastecimento de água;

0,5 % para rede elétrica de baixa tensão;

0,5 % para rede de saneamento;

0,5% para rede telefónica

35.ª / E após isso ser adicionadas as percentagens de 2,5 % ( n.º 7 do artigo 26.º do CE) à percentagem do valor da parcela de 9,50 % ( n.º 6 do artigo 26.º do CE) adoptado pelos peritos do tribunal.

36.ª / E assim será cumprido o designo constitucional previsto no artigo 62.º n.º 2 da CRP, fixando o valor da justa indemnização pela ablação do direito de propriedade da parcela expropriada a pagar ao titular do direito de propriedade.

34.º/ Pois na avaliação, seja pela aplicação do critério do valor da aquisição, seja do critério do custo da construção, não pode resultar um valor a pagar pela privação da parcela expropriada que se traduza num valor obtido à custa da especulação imobiliária e, por isso, muito superior a 91,92 % ao valor real e corrente de mercado.

35.ª / O tribunal recorrido ao ter fixado o valor real e corrente de mercado na quantia de 119.209,00 € fê-lo com recurso à especulação imobiliária e com incorreta aplicação da lei e do direito violando o artigo 62.º n.º 2 da CRP e artigos 23.º e 26.º do CE.

TERMOS EM QUE deve proceder o presente recurso de apelação e a final ser proferido acórdão que fixe o valor da justa indemnização a atribuir à expropriada pela ablação do direito de propriedade sobre a parcela expropriada de 1600 m2 na quantia de 37.835,20 €.

JUSTIÇA»

                                                           *

           Por sua vez, a Entidade Expropriada apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«1. A entidade expropriante centra, em grande medida, a discordância da decisão arbitral no erro do critério utilizado para fixação da justa indemnização pela parcela expropriada, entendendo que o critério a seguir deva ser o do valor da aquisição em detrimento do critério do custo da construção.

2. O artigo 23º do Código das Expropriações estabelece, como critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização, o critério do “valor de mercado”.

3. Tal normativo preceitua que a definição dos critérios a que deve obedecer a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor de mercado e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração da utilidade pública.

4. O valor de mercado e corrente é aquele que o expropriado em livre troca e numa situação de normal funcionamento do mercado obteria pelo bem expropriado.

5. E essa indemnização tenderá a coincidir com o valor de mercado em situação de normalidade como aquele que um comprador médio, sem razões especiais para aquisição do bem, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública, está disposto a pagar pelo bem para efectuar o seu aproveitamento económico normal, permitido pela lei e regulamentos em vigor.

6. Em suma, o conceito constitucional de justa indemnização leva implicado três ideias: (i) a proibição de uma indemnização irrisória ou simbólica; (ii) o respeito pelo princípio de igualdade de encargos; e (iii) a consideração do interesse público da expropriação.

7. Para se obter o “valor real e corrente do bem expropriado”, o Código das Expropriações define um conjunto de critérios referenciais ou factores de cálculo, os quais variam conforme a natureza do solo.

8. Com vista a encontrar-se o pretendido valor de mercado os artigos 26º a 32º daquele código estipulam diversos critérios referenciais, não vinculativos, por serem instrumentais do critério geral.

9. Quanto à natureza do solo da parcela expropriada no que a sua classificação concerne, dúvidas não restam tratar-se de solo apto para a construção, facto que não merece controvérsia entre entidade expropriante e expropriada.

10. Pretende a entidade expropriante que o critério a ser utilizado para fixação da indemnização seja o do valor da aquisição da parcela expropriada por banda da expropriada.

11. Para o efeito, promove a junção aos presentes autos de título de compra e venda do prédio rústico objecto de expropriação parcial, onde se insere a parcela de terreno expropriada, da qual consta que a expropriada adquiriu a totalidade do prédio pelo valor de € 50.000,00.

12. Tal como se fez já notar, o artigo 23º nº 1 refere que a justa indemnização correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade.

13. Tal valor deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, como se refere no nº 5 do mesmo normativo.

14. Estabelecido este quadro essencial no que respeita à indemnização, o sistema consagra procedimentos (artigos 26º e ss) tendentes à fixação do valor indemnizatório.

15. Dispõe o artigo 26º, nº 4 do CE que o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo de construção, em condições normais de mercado nos termos dos números seguintes.

16. O sistema consagrado visou evitar a pulverização dos critérios utilizados para apuramento do valor indemnizatório, implicando por vezes, que a discussão se atenha na verificação formal da integração do solo em “conceitos cristalizados” (apto para construção ou apto para outros fins), olvidando-se que o objectivo do processo é a fixação da justa indemnização.

17. O nº 4 do artigo 26 do CE, visando evitar a pulverização/subjectivação de critérios, ao invés de partir para a fixação do valor corrente de mercado por recurso a métodos perícias normais – por avaliadores com os necessários experiência e conhecimentos sobre o mercado na zona da parcela -, consagrando procedimentos tendo em vista controlar o resultado assim obtido, o normativo consagra critérios administrativamente fixados tendo em vista a determinação do valor por meios indirectos, controlando depois o resultado assim obtido pela sua comparação com o valor real e corrente dos mesmos numa situação normal de mercado (a apurar por critérios perícias normais, seja por via direta comparativa, seja por outras vias adequadas).

18. Que este controlo comparativo deve fazer-se resulta da parte final do nº 5 do artigo 23, que dispõe que se o valor resultante da aplicação de tais critérios não corresponder ao valor real dos bens numa situação normal de mercado, podem a requerimento dos interessados ou por decisão oficiosa, ser atendidos outros critérios.

19. Ou seja, em vez de se determinar o valor de mercado por recurso a meios periciais normais, controlando-se o resultado com o recurso a procedimentos

legalmente fixados, tendo em vista aquilatar da justeza do resultado, consagra a lei que o valor é o que resultar do recurso a critérios indirectos legalmente fixados, permitindo sejam eles amalgamados com outros critérios, a requerimento ou por iniciativa oficiosa do tribunal, caso o valor encontrado não seja conforme ao valor de mercado.

20. Em última análise o que importa apurar o valor da justa indemnização, aferida em pelo valor real e corrente numa situação normal de mercado, será talvez mais útil manter o foco no critério geral consagrado no artigo 23, nº 1 do CE, encarando os critérios consagrados nos artigos 26 ss como meras referências (de acordo aliás com o comando do nº 5 do artigo 23) para atingir o valor da justa indemnização, não os cristalizando e estancando.

21. Só assim se respeita o princípio da igualdade e da proporcionalidade.

22. A realização do princípio da igualdade, quer no âmbito da relação interna (o princípio obriga a que o legislador estabeleça critérios uniformes de cálculo de forma a evitar tratamento desigual entre os sujeitos a expropriação), quer no âmbito da relação externa (obriga à consagração de critérios que evitem tratamento desigual entre expropriados e os não expropriados), não é violentado com aquele entendimento, garantindo desta feita igualmente a proporcionalidade na contribuição para as necessidades coletivas.

23. O princípio da igualdade proíbe o arbítrio legislativo, implicando tratamento igual de situações iguais e tratamento diferente de situações diferentes (obrigação de diferenciação).

24. A verificação da conformidade da lei ao princípio da igualdade não pode ater-se a uma comparação meramente formal (igualdade formal), devendo verificar-se da substancial identidade entre as situações em comparação.

25. Quanto às relações externas, pretendendo-se que o valor apurado corresponda ao valor de mercado, pressuposto é então que no mercado normal e para solos em idêntica situação, haja quem esteja disposto a adquirir por aqueles valores.

26. Deve atender-se ao valor numa situação normal de mercado, atendendo-se a um comprador medianamente conhecedor e prudente, como se refere na decisão recorrida.

27. O critério pretendido não é pois o consagrado na lei, devendo antes proceder-se ao apuramento como se procederia para qualquer outro expropriado.

28. O predito constitui a discordância de direito quanto à aplicação do critério de valor de aquisição pretendido adoptar pela entidade expropriante na fixação da justa indemnização pela parcela expropriada.

29. Mas existe uma outra discordância, de facto, para a adopção de tal critério.

30. Na verdade, o título de compra e venda do prédio rústico objecto da expropriação parcial não traduz, nem de longe, nem de perto, o valor de mercado do mesmo, não traduzindo uma real e verdadeira transmissão do prédio.

31. Como bem sabe a entidade expropriante, a expropriada constitui uma sociedade comercial por quotas, que tem por sócios BB e CC, únicos filhos dos vendedores DD e mulher EE, como resulta da certidão permanente com o código de acesso ...07 e os assentos de nascimento juntos. Aliás, até 2016, aquele DD era sócio e gerente dessa mesma sociedade.

32. Tanto significa que a transmissão do imóvel em causa não configurou uma verdadeira alienação de um bem pelo valor de mercado, antes uma transferência de um imóvel para uma sociedade que tem como desiderato social, além do mais, “a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esse fim”. Daí que a “transmissão” do imóvel em causa nunca implicou uma perda efectiva da disponibilidade do mesmo prédio.

33. Aliás, a discrepância gritante entre o valor declarado no título de transmissão e o seu efectivo e real valor de mercado resulta do facto de a expropriada publicitar a venda do mesmo, no seu site oficial, pelo preço de € 500.000,00, cf. doc. 4 já junto aos autos.

34. Daí que, a adopção do critério de valor de aquisição como pretende a expropriante é descabida, pois não reflecte o valor real e efectivo de mercado do imóvel e da parcela que dele expropriaram, não se atingindo, através dele, a pretendida justa indemnização e a realização do princípio da igualdade.

35. Não merece, pois, qualquer reparo ou censura a adopção do critério do custo de construção para a fixação da justa indemnização, tal como fizeram os Exmos. Árbitros, por unanimidade, na decisão ora sindicada.

36. E, de resto, essa mesma decisão não merece os restantes reparos e censuras que lhe apontam a entidade expropriante.

37. Muito menos se verifica a apontada inconstitucionalidade.

38. No laudo de peritagem, os Exmos. Peritos nomeados pelo Tribunal indicaram como valor indemnizatório da parcela de terreno expropriada o montante de € 119.209,00, ponderando os seguintes fatores:

- valor do índice fundiário: 17,50% (9,50% + 8%):

- nº 6 do artigo 26.º: 9,50%

- nº 7 do artigo 26.º: 8%, sendo:

a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela: 1,5%;

c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela: 1%;

d) Rede de saneamento, com coletor em serviço junto da parcela - 1,5%.

39. Pese embora se mantenha o entendimento de que se verificou a depreciação da parte restante, desvalorização essa que deveria ser incluída no valor indemnizatório, mas que a Recorrida aceita, atentos os argumentos expendidos na douta sentença, somos forçados a concluir que a decisão não merece a censura que lhe é apontada pelo Recorrente.

40. Nesta medida, o valor da parcela expropriada é de 119.209,00 EUR, o que deverá manter-se inalterado.

41. No que concerne ao valor das BENFEITORIAS, a posição da entidade expropriante não é menos ridícula, pois juntaram um orçamento encomendado e feito à medida, com o qual pretende impugnar um relatório elaborado por peritos de reconhecida competência e imparcialidade, que decidiram unanimemente na fixação do valor das benfeitorias em 6.818,00 EUR, sendo 2.250,00 EUR para o furo artesiano e 4.568,00 EUR.

42. A argumentação expendida na douta sentença sindicada acha-se suportada no laudo de peritagem, que, na avaliação das mesmas benfeitorias, seguiram o entendimento da jurisprudência firmada, apropriadamente citada na douta sentença sindicada, considerando quer o muro quer o furo artesiano benfeitorias úteis e, como tais, indemnizáveis.

43. Quanto ao furo, importa atender ao valor intrínseco do mesmo, tendo sido avaliado unicamente pelo valor que tinha, o valor da sua realização.

44. Nesta conformidade, deverá o valor das benfeitorias manter-se inalterado no indicado valor global de 6.818,00 EUR.

               Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se inalterada a douta decisão de 1ª Instância, com o que se fará

JUSTIÇA.»

                                                                       *

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- incorreto julgamento da matéria de facto, pois que, «Deve ser levado à matéria de facto provado um ponto com o seguinte teor: “Para abertura do furo artesiano, sem utilização, referido no ponto 7. dos factos provados não foi emitida pela APA qualquer licença para a sua abertura e nem emitido qualquer título de utilização”»?;

- desacerto no apuramento do valor indemnizatório fixado, quer ao solo da parcela [nomeadamente por ter desatendido o critério de valor de aquisição (cf. nº2 do art. 26º do C.E.) e adotado o critério do custo de construção (cf. nº4 do art. 26º do C.E.), o que resultou num valor “especulativo”, sendo nessa medida uma interpretação “inconstitucional” dos normativos legais, e bem assim por ter errado na ponderação dos fatores previstos no nº6 do art. 26º do C.E.], quer às benfeitorias [furo artesiano e muro]?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 - Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso deduzido também tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

«1. A parcela a expropriar, com o n.º 1, com uma área total de 1.600,00 m2, corresponde à parcela do prédio rústico, situado no local de ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho de Resende, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...95.º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob nº ...7, pertença da expropriada, com a que confronta a norte com AA, a sul e poente com caminho e nascente com estrada, com a área total de 3.712 m2 [certidão predial e matricial].

2. Por acordo designado de Título de Compra e Venda, celebrado em 09/05/2018, do qual constam como primeiro – parte vendedora, DD e EE, e segundo – parte compradora, B..., Lda., representada por BB, os primeiros, vendem à representada do segundo, os prédios ali descritos, incluindo o prédio aludido em 1., com valor atribuído de € 50.000,00, tudo pelo preço global de € 320.000,00, correspondendo o preço de cada um ao valor acima atribuído [título de compra e venda junto aos autos a 26/05/2021].

3. Por despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local de 17/08/2020, publicado na II Série do Diário da República, n.º 182, de 17 de setembro de 2020, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela aludida em 1.

4. A expropriante tomou posse administrativa da parcela de terreno em 12/11/2020 [auto de posse administrativa].

5. A parcela aludida em 1. encontra-se localizada, segundo o P.D.M. de Resende, em solo urbano, em espaço predominantemente habitacional de nível II, em espaço de expansão predominantemente habitacional de nível II e em zona intermédia da área de proteção das águas termais de Caldas de Aregos [decisão arbitral, nesta parte não impugnada, vistoria ad perpetuam rei memoriam].

6. A parcela aludida em 1. tem declive ligeiro, orografia plana, sem pedras visíveis, exposição solar a nascente, abandonada e com vestígios de pouca utilização, com índice de pouca fertilidade e pouca profundidade [decisão arbitral, nesta parte não impugnada, vistoria ad perpetuam rei memoriam].

7. Na parcela existe um furo artesiano, sem utilização, com 90 metros de profundidade, 90 videiras encostadas ao muro de vedação, degradadas e em estado de abandono, um limoeiro, um pessegueiro e duas oliveiras de médio porte; uma casa degradada de um só piso de rés-do-chão, coberta a telha assente em estrutura de madeira com duas águas, com 12 metros de comprimento por 4 metros de largura e 2 metros de altura [decisão arbitral, nesta parte não impugnada, vistoria ad perpetuam rei memoriam].

8. A parcela a expropriar está vedada dos lados sul e poente, na confrontação com o caminho, por um muro de pedra acamada e encostada, numa extensão de 105 metros e uma altura variável de 1 metro a 1,90 metros [decisão arbitral, nesta parte não impugnada, vistoria ad perpetuam rei memoriam].

9. A parcela está dotada de acesso rodoviário pavimentado, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de saneamento, rede de abastecimento de água e rede telefónica [decisão arbitral, vistoria ad perpetuam rei memoriam].

10. A localidade de Caldas de Aregos está dotada de uma ETAR [decisão arbitral].

11. A parcela a expropriar localiza-se a 3,8km da Vila de Resende, onde além da Câmara Municipal existem os seguintes serviços públicos: loja do cidadão, tribunal, repartição de finanças, conservatórias, notário, farmácias, posto de saúde, igreja matriz, restaurantes, cafés, confeitarias, padarias, estação de táxis, quartel de bombeiros, quartel da guarda republicana, estações de serviço, oficinas auto, escola secundária e básica, piscinas municipais cobertas e descobertas, auditório municipal e hipermercados.

12. A área sobrante, considerando o exposto em 1., é de 1056 m2.»

                                                           *

            3.2 - Questão do incorreto julgamento da matéria de facto, pois que, «Deve ser levado à matéria de facto provado um ponto com o seguinte teor: “Para abertura do furo artesiano, sem utilização, referido no ponto 7. dos factos provados não foi emitida pela APA qualquer licença para a sua abertura e nem emitido qualquer título de utilização”»:

            Mais concretamente sustenta a Expropriante/recorrente essa sua pretensão na circunstância de que «[A] sentença recorrida não valorou a informação prestada nos autos pela APA que informou que para o prédio objeto de expropriação não existia qualquer licença ou autorização para a abertura do furo artesiano (licença de prospeção) e para o uso da água (licença de exploração)», e que «Também a expropriada, notificada para juntar aos autos, cópia daquelas licenças ou autorizações, não o fez».

Será assim?

Não de desconhece que a utilização dos recursos hídricos carece de licença a ser atualmente concedida pela Associação Portuguesa do Ambiente (“APA”) [cfr. artigo 8.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro], e que a utilização dos recursos hídricos sem o respetivo título constitui uma contraordenação muito grave [cf. alínea a) do número 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio].

Sucede que, salvo o devido respeito, ficou por provar que se estava no caso perante um furo artesiano sem título.

Desde logo, porque competindo tal prova à Expropriante/recorrente (que o alegou), não se pode considerar essa prova feita face à concreta informação prestada pela APA que invoca – é que essa informação reporta-se à entidade Expropriada, quando é mais verosímil que o furo tenho sido promovido pelos anteproprietários [DD e EE, os quais haviam vendido à entidade Expropriada o prédio pouco mais de 2 anos antes da DUP – cf. factos “provados” sob “2.” e “3.”], e relativamente a estes últimos nenhuma informação foi solicitada, nem prestada, pela APA.

E nem se argumente que ocorreu a inversão do ónus de prova por a entidade Expropriada não ter juntado quaisquer títulos, apesar de notificada para fazê-lo: desde logo porque a Expropriante/recorrente não alegou, nem se evidencia, que daí resultou a impossibilidade para a mesma de fazer uma tal prova ou que se encontrava esgotada a possibilidade para a mesma de produzir a respetiva prova; depois, porque a notificação feita à entidade Expropriada, para ter o significado/resultado em referência (inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº 2, do C.Civil), carecia de ter sido acompanhada da  advertência prévia da eventualidade daquela inversão do ónus da prova, de forma a que a parte notificada pudesse gerir o esforço probatório que lhe é exigível e a evitar uma decisão-surpresa (como decorre do disposto no art. 3º, nº 3, do n.C.P.Civil)[3], o que não sucedeu in casu.

Acresce ainda que nem verdadeiramente se alcança a relevância da factualidade que a Expropriante/recorrente pretende ver aditada.

Na verdade, no facto “provado” sob “7.”, consta expressa e literalmente que «Na parcela existe um furo artesiano, sem utilização, com 90 metros de profundidade, (…)» [com sublinhado nosso], tendo sido precisamente essa situação – a única que se podia considerar como consistente e concludentemente apurada! – que na sentença recorrida se cuidou de valorizar como “benfeitoria”, pelo que, a discordância da Expropriante/recorrente se reconduz afinal e verdadeiramente ao que igualmente alegou nessa sede e para a qual se relega a demais apreciação e decisão.

Improcede assim, e sem necessidade de maiores considerações, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Trata-se aqui de apreciar e decidir a questão do alegado desacerto no apuramento do valor indemnizatório fixado, quer ao solo da parcela [nomeadamente por ter desatendido o critério de valor de aquisição (cf. nº2 do art. 26º do C.E.) e adotado o critério do custo de construção (cf. nº4 do art. 26º do C.E.), o que resultou num valor “especulativo”, sendo nessa medida uma interpretação “inconstitucional” dos normativos legais, e bem assim por ter errado na ponderação dos fatores previstos no nº6 do art. 26º do C.E.], quer às benfeitorias [furo artesiano e muro].

Consabidamente na fixação da indemnização, deve o tribunal atender a critérios legais e a critérios de razoabilidade, baseados nos elementos constantes dos autos e que se fundamentam nos factos que resultaram provados e nas regras de experiência comum.

A fixação da quantia indemnizatória cabe exclusivamente ao juiz, que deverá apreciar criticamente todos os elementos coligidos nos autos, de forma a chegar ao montante que se afigura justo, de entre estes elementos destacando-se, com maior acuidade, o resultado da avaliação realizada pelos senhores peritos, já que, embora não tenha qualquer valor abstratamente pré-definido ou que se possa, por qualquer motivo, considerar prevalecente sobre os demais meios probatórios possíveis, é sabido que, atenta a natureza deste litígio, a diligência fundamental reside na avaliação pericial.

Ora, apreciando criticamente todo o manancial factual e probatório, julga-se que a análise pericial de fls. 253 vº a 275 (complementada pelos esclarecimentos solicitados) é aquela que melhor se adequava ao caso concreto, no que respeita à determinação do quantum a atribuir à entidade Expropriada como justa indemnização.

Desde logo se mostrando correta a adoção do critério do custo de construção (cf. nº4 do art. 26º do C.E.) quanto ao solo da parcela.

É que não obstante o enfaticamente alegado pela Expropriante/recorrente, não podia in casu ter sido adotado o critério de valor de aquisição (cf. nº2 do art. 26º do C.E.).

Senão vejamos.

Temos presente que para o cálculo do valor do solo, o art. 26º do C.E. estabelece (como critérios instrumentais) prioritariamente o critério fiscal ou comparativo (nº 2) e subsidiariamente o critério do “custo da construção” (nº 4).

Para tornar exequível o funcionamento da regra dita prioritária, o nº 2 da norma impõe aos serviços competentes do Ministério das Finanças que, mediante solicitação da entidade expropriante, enviem a lista das transações e, bem assim, das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na zona e os respetivos valores.

Logo prevenindo a hipótese de, por falta de elementos, não ser possível a aplicação daquele critério erigido como principal, o legislador fez constar no nº 3 do preceito, que, nessa hipótese, o cálculo se faria tendo em consideração o rendimento efetivo ou possível do prédio no estado em que se encontrava à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influenciar o respetivo cálculo.

E a falta de elementos comparativos que, nos termos da lei, poderá obstar à aplicação do critério preferencial – que vem sendo denominado como comparativo ou fiscal –, tanto pode resultar da sua inexistência pura e simples, como consistir na sua insuficiência em termos de não permitirem estabelecer uma qualquer relação de identidade entre os prédios que serviriam de comparação e o prédio a comparar - o expropriado.

À primeira das hipóteses figuradas reconduz-se a omissão, verificada nos autos, quanto aos elementos fiscais atinentes aos prédios transacionados na freguesia do prédio expropriado.

Tal foi devidamente sublinhado e explicitado na decisão recorrida, particularmente nos seguintes segmentos:

«(…)

Com efeito, resulta quer desta decisão, quer do laudo dos Srs. Peritos indicados pelo Tribunal, quer do laudo dos demais peritos da expropriante e expropriada, que inexistem elementos que permitam utilizar aquele primeiro critério, pelo que o apuramento do valor tem que ser realizado com base no critério subsidiário.

Alega a recorrente expropriante, nos termos já referidos, que o prédio onde se encontra a parcela expropriada foi vendido à expropriada em 09/05/2018, por compra e venda, pelo valor global de € 50.000,00 e que, portanto, existem elementos para a utilização do critério do valor da aquisição, sob pena de a expropriada ver o prédio ser-lhe valorizado em 513,5%, referindo, além do mais, que a assim não ser estará a fixar-se o valor com recurso a mera especulação.

(…)

Ora, pressupõe a aplicação daquele critério que se comparem bens semelhantes e inexiste, nem é alegada a existência de outros terrenos na área desprovidos de construção, suscetíveis de serem vendidos para fins de construção urbana para servirem aqui de termo de comparação.

Ademais, como referem e bem os Srs. Peritos nos esclarecimentos prestados ao expropriante: «a análise estatística de valores de mercado tendo por base uma amostra única, em que se desconhecem os pressupostos, propósitos e condições de negociação entre as partes, resultará sempre num resultado enviesado, sem qualquer sustentação técnica».

Do que se conclui que, de facto, inexistem elementos suficientes para lançar mão do critério apontado, nem a escritura de compra e venda e termos em que a mesma foi realizada é idónea a, por si só, permitir que se apure o valor daquele prédio.

(…)»

Aliás, referindo-se ao funcionamento da dita regra prioritária, e antevendo as dificuldades que na prática vieram a verificar-se, já foi doutamente sublinhado que «(…) de cálculo só pode funcionar adequadamente se os árbitros e os peritos tiverem acesso aos referidos elementos fiscais, se estes forem completos, incluindo a área, o volume da construção e o valor unitário do solo, e se as avaliações fiscais forem idóneas à correção das declarações de preço das transacções.

(…)

Conforme decorre do exposto, este critério de avaliação é susceptível de não poder funcionar em determinados casos concretos, por virtude da falta de elementos de facto para o efeito, caso em que importa aplicar o critério subsidiário enunciado no nº 4 deste artigo.»[4]

Também por outro autor foi oportunamente referido ter-se confirmado a sua previsão de que raras vezes seriam aplicadas as regras dos arts. 26º, nos 2 e 3 e 27º, nos 1 e 2[5].

E, na mesma linha, que «(…) o legislador introduziu os nºs 2 e 3 quase como uma ironia, pois, tanto quanto sabemos, até hoje, estes dois parágrafos do art. 26º pouco mais foram que letra morta!

(…) o legislador apesar de ter dado aparentemente grande importância às avaliações fiscais, quase presumindo que se encontravam actualizadas, quanto muito carecendo de 10% de correcção, logo a seguir dá a solução caso esse elemento esteja em falta, sugerindo um procedimento alternativo para a avaliação».[6]

Conclui-se, pois, que, por insuficiência dos elementos aludidos no nº 2 do art. 26º, não era possível aplicar o critério fiscal, sendo caso de recorrer ao critério subsidiário estabelecido no nº 3 do mesmo, como é, aliás, imposição deste.

Aliás, salvo o devido respeito, essa omissão é imputável à Expropriante/recorrente.

Na verdade, competia à mesma diligenciar pela obtenção da referida lista de transações e avaliações, cujo incumprimento inviabilizou a adoção do critério fiscal.[7]

Sendo certo que os Srs. Peritos explicitaram, quer no Relatório (cf. fls. 256 vº), quer em esclarecimento adicional (cf. fls. 290), haverem aplicado o critério do “custo de construção” (art. 26º nº4) por impossibilidade da adoção do critério fiscal, dada a inexistência dos respetivos elementos.

E nem se argumente – como o faz a Expropriante ora recorrente nas suas alegações! – que o valor obtido pelos Srs. Peritos é “especulativo”, consubstanciando-se nessa medida uma interpretação “inconstitucional” dos normativos legais que a tal resultado conduziu.

É que sobre o problema da inconstitucionalidade desta forma arguida pela Expropriante ora recorrente, o Tribunal Constitucional tem afirmado consistentemente que a Constituição da República Portuguesa (“CRP”) (art. 62 nº2 ) não fixa um critério rígido de cálculo da indemnização.

No Ac nº 11/2012 de 12/1 (em www.dgsi.pt) decidiu-se «julgar inconstitucionais as normas dos arts.23 nº5 e 26 nº4 e 5 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99 de 18 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que a indemnização se deve fixar com base no custo da construção».

Em contraponto, no Ac. nº 381/2012 de 12/7 (disponível em www.dgsi.pt), o tribunal decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes dos arts. 26º, nº4 e nº10 do C.E..

Aí se argumentou, além do mais, que:

«O legislador entendeu que, nestes casos, o valor da indemnização a atribuir pela expropriação deste tipo de terrenos deveria consistir numa percentagem a fixar pelo julgador dentro de determinados limites e tendo em conta determinados parâmetros definidos nos números 5 e seguintes do mesmo artigo 26.º do Código das Expropriações, sobre o valor de aquisição que teria o prédio constituído por esse terreno, caso se encontrasse edificado em condições de normalidade.

Simula-se que no terreno expropriado foram erguidas as construções que nele são permitidas, atribui-se um valor a esse prédio idealizado e, finalmente, calcula-se qual a percentagem que nesse valor assume o referido terreno, sendo o resultado a quantia a pagar pela expropriação do mesmo.

É este, em suma, o critério subsidiário definido no artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações.

Ora, reconhecendo-se que é a potencialidade construtiva deste tipo de terrenos que lhe confere um especial valor no mercado, o critério analisado, apesar de se basear em juízos de probabilidade e normalidade, ao ter como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação o valor de aquisição do prédio com a construção que nele era possível efectuar num aproveitamento económico normal, valoriza precisamente essa potencialidade edificativa, pelo que a sua aplicação permite ao julgador encontrar um valor que respeite a ideia de justa indemnização exigida pelo artigo 62.º, da Constituição.

(…)

Por estas razões, não se verifica que o critério estabelecido no n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações viole qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, da Constituição.»

Também nós aderimos a este entendimento, porque sendo o cálculo do valor do solo apto para construção com base no “custo da construção” um mero critério referencial ou instrumental, o que importa é que possibilite, no caso concreto, alcançar o valor de mercado normativamente entendido do bem expropriado.

O que, s.m.j., foi efetivamente alcançado com e pelo critério eleito pelo laudo maioritário dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, e que veio a ser acolhido/perfilhado na decisão recorrida.

Assente isto, vejamos de seguida se é de dar acolhimento à argumentação da Expropriante/recorrente de que «[M]esmo adotando o critério do custo da construção, a sentença recorrida fez incorreta aplicação da lei e do direito».

Para o efeito, rememoremos, antes de mais, o normativo em causa, isto é, o art. 26º do C.E., no que ora vai relevar, a saber:

«(…)

4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.

5 - Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

6 - Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

7 - A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostrar justificada:

a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela - 1,5%;

b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela - 0,5%;

c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela - 1%;

d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5%;

e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela - 1%;

f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela - 0,5%;

g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela - 2%;

h) Rede distribuidora de gás junto da parcela - 1%;

i) Rede telefónica junto da parcela - 1%.

8 - Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.

9 - Se o aproveitamento urbanístico que serviu de b/ase à aplicação do critério fixado nos n.os 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.

10 - O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.os 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação.

11 - No cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas vias consecutivas.

12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.»

Quanto ao alegado no sentido de haver duplicação ou cumulação indevida das redes de saneamento e estação depuradora [cf. alíneas d) e g), respetivamente, do nº 7 do dito normativo], salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

Essa cumulação está prevista legalmente existir, e podia perfeita e naturalmente verificar-se no caso vertente.

Ora, o que é certo é que os factos dados como “provados” confirmam/certificam existirem as duas hipóteses – cf. factos “9.” e “10.”.

Assim, na medida em que a Expropriante/recorrente não questionou/impugnou esses pontos de facto “provados”, nada mais cumpre ou se impõe dizer quanto a este particular.

Também questiona a Expropriante/recorrente a circunstância da percentagem dos vários itens do “índice fundiário” terem uma possível escala [pois o legislador utiliza a expressão “… até ao limite máximo…”], e, não obstante isso, no laudo da avaliação optou-se pela atribuição da percentagem máxima, o que teria sido feito alegadamente sem justificação, «(…) carecendo assim a sentença recorrida de fundamentação.»

Também, quanto a nós, não lhe assiste razão neste particular.

É que se bem compulsarmos o Relatório em causa, constata-se que o Laudo de Peritagem “subscrito pelos peritos indicados pelo Tribunal”, tem consignado o seguinte em termos de fundamentação nos seus pontos “4.18.” e “4.19.”, respetivamente:

«4.18. Os parâmetros e critérios adotados são os que conduzem, no entender dos peritos signatários, ao valor da justa indemnização e são o resultado de um consenso entre os Peritos com o objetivo de que tal consenso fosse o mais alargado possível.

4.19. Tais parâmetros constituem um conjunto articulado e coerente, tendente a fundamentar um valor que se considera ser o correspondente à justa indemnização no âmbito do critério referencial do art. 27º do C.E./99.»

Ora, este laudo foi o que mereceu acolhimento na decisão recorrida, particularmente pela invocação de que «[N]o confronto entre os critérios usados pelos Srs. Árbitros e, em contrapartida, pelos Srs. Peritos, afigura-se-nos que deve o tribunal ponderar com maior relevo a posição defendida pelos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal. Não apenas por tal posição traduzir a posição da maioria, mas porque os fundamentos invocados no relatório que apresentam, complementados com os esclarecimentos prestados, nos merecem maior acolhimento, designadamente quanto às percentagens a atribuir a cada um dos fatores considerados.»

Opção essa que sancionamos sem qualquer hesitação.

Com efeito, é consensual e pacífico o entendimento, a nível jurisprudencial, de que a indemnização por expropriação, em caso de recurso, deverá fundamentalmente buscar-se nos valores dados nos laudos e Relatórios dos Srs. Peritos – com especial destaque para os dos Peritos escolhidos pelo Tribunal, de entre os constantes de lista oficial, no caso de disparidade entre eles e quaisquer outros – em atenção à competência que o julgador lhes deve reconhecer e que fundamenta o laudo pericial.[8]

Na verdade, este último laudo é o que oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado.

Ademais, sempre se diga que utilizando o normativo em referência o termo verbal “dispõe”, o que releva para este efeito, a nosso ver, é a “existência” de tais infra-estruturas, desde que em condições de servir funcionalmente as parcelas em causa.

Sendo que a circunstância de uma qualquer dessas infra-estruturas se encontrar mais ou menos próxima será apenas factor de acréscimo no concreto cálculo do valor  do solo em causa, nos termos previstos nas nove alíneas do nº 7 do subsequente art. 26º do C.E., isto é, em valor de percentagem variável, com determinado limite máximo para cada uma delas.

Podendo, ainda, um eventual dispêndio necessário a tornar as infra-estruturas adequadas e/ou funcionais para uma concreta parcela, nomeadamente o seu reforço, ser factor de depreciação do valor desta, nos termos previstos no nº8 do mesmo art. 26º do C.E..

Deste modo, na interpretação que fazemos da al.a) do nº2 do art. 25º do C.E., não é pressuposto do conceito de existência, uma relação de contiguidade propriamente dita, antes esta última fica reservada, em termos de critério supletivo de avaliação, como previsto no nº7 do art. 26º do C.E..[9]

O que tudo serve para dizer que não se vislumbra ter sido incorretamente efetuado o cálculo do valor da parcela à luz do disposto no art. 26º do mesmo C.E..

Aliás, o mesmo se diga no tocante ao apuramento do valor indemnizatório relativamente às benfeitorias [furo artesiano e muro].

Senão vejamos.

Quanto ao furo artesiano, discorda a Expropriante/recorrente do valor para ele fixado na decisão recorrida, a saber, de € 2.250,00, com a alegação enfática de que «Um buraco no solo, com a profundidade de 90 metros, sem água, não tem qualquer valor económico. (…) Não tem valor intrínseco nem valor extrínseco. É uma inutilidade e até um estorvo existente no solo.»

Na decisão recorrida, a justificação quanto a este particular assentou no seguinte:

«Conforme consta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/06/2015, «na valorização do furo artesiano importa unicamente atender ao valor intrínseco do furo, isto é, ao que ele como benfeitoria existente na parcela expropriada valia por si».

Um furo que não tenha utilização, não deixa de constituir uma benfeitoria útil que, em todo o caso, foi avaliada unicamente pelo valor que tinha – o valor da sua realização.»

Impõe o art. 23º, nº 1, do C.E. – e enquanto equaciona a justa indemnização com o ressarcimento do Expropriado do prejuízo para aquele adveniente da expropriação, «correspondente ao valor real e corrente do bem (…) tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes à data» da publicação da D.U.P. – a ponderação das benfeitorias existentes nas parcelas expropriadas.

Resultando do nº 2, alínea c), do mesmo preceito, que na determinação do valor dos bens expropriados se deve tomar em consideração, e pelo menos, a mais-valia que resultar de benfeitorias úteis que não sejam posteriores à notificação – aqui não convocada – da resolução de requerer a expropriação.

No acórdão do TRC citado na decisão recorrida[10] foi Relator o aqui também Relator.

Sendo a posição aí vertida a que melhor traduz o objetivo de “justa indemnização”, que se busca e é critério no processo de expropriação, e sendo como é a indemnização a medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo proprietário, sendo certo que está em causa um furo artesiano, relativamente ao qual mais concretamente apenas resulta da matéria provada [cf. facto “provado” sob “7.”] que estava “sem utilização”.

Ora tal não determina nem implica que o mesmo não tenha qualquer valor económico.

Não foi esse – nem podia ser! – o juízo dos Srs. Peritos maioritários (e até da Expropriante).

Na verdade, o mesmo sempre e insofismavelmente constituía uma mais-valia para a prédio, rectius, para a parcela expropriada em cujo solo se encontrava, podendo ser, obviamente, posto em funcionamento a qualquer momento, ainda que após obtenção e pagamento das licenças e títulos que para tanto sejam legalmente exigíveis.

Nem, aliás, se vislumbra porque é que a utilização/“legalização” do mesmo, em concreto, não seria possível…

Já quanto ao muro, salvo o devido respeito, a argumentação da Expropriante/recorrente mais uma vez não encontra qualquer aderência, pelo menos consistente, na factualidade efetivamente dada como “provada”.

Na verdade, argumentar-se com «Não está provado, nem foi alegado pela expropriada, a finalidade ou utilidade que é dada ao muro. Não sabemos, nem o tribunal sabe, se estamos perante um muro de suporte ou um muro de divisão. O ónus da prova da utilidade ou vantagem do muro compete à expropriada. Não sabemos se estamos perante um muro que corresponda a benfeitoria necessária e por isso não indemnizável ou por um muro que corresponda a benfeitoria útil ao prédio expropriado», desconsidera ostensivamente o efetivamente apurado na circunstância, a saber, «[A] parcela a expropriar está vedada dos lados sul e poente, na confrontação com o caminho, por um muro de pedra acamada e encostada, numa extensão de 105 metros e uma altura variável de 1 metro a 1,90 metros.» [cf. facto “provado” sob “8.”].

Assim, s.m.j., na determinação do valor real de um prédio objeto de expropriação, devem ser considerados todos os fatores, não excluídos expressamente por lei, suscetíveis de influir no seu valor corrente.

Nesta linha, vem a jurisprudência a orientar-se no sentido de erigir em critério decisivo para solucionar, caso a caso, a questão de saber se deve ou não atribuir-se indemnização por qualquer benfeitoria existente na parcela expropriada (avaliada como terreno apto para construção), a necessidade ou inevitabilidade da inutilização/destruição da mesma benfeitoria, no caso de a parcela ser aproveitada para construção.

A verificar-se aquela, «sempre a indemnização pela benfeitoria em caso de expropriação viria a corresponder a uma sobrevalorização do prédio expropriando. Na situação inversa, mantendo-se ou podendo manter-se a benfeitoria no caso de construção sobre a parcela expropriada, impõe-se a indemnização pelo valor da mesma em caso de expropriação, por ser manifesta a perda para o expropriado da sua utilidade ou valor».[11]

A esta luz, enquanto muro com uma função de “vedação”, era pelo menos uma benfeitoria útil, cuja função poderia continuar a ser cumprida no caso de construção, não se vislumbrando a necessidade ou inevitabilidade da inutilização/destruição desse dito muro.

Não nos merece assim censura e não podemos deixar de concordar com a posição que foi assumida pelos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal (e até da Expropriante!) de atribuir o valor de € 4.568,00 para o muro –, tal como igualmente acolhido na decisão recorrida.

Termos em que improcedem in totum as alegações recursivas e o recurso.

                                (…)

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se, a final, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas do recurso pela Expropriante/recorrente.

                          Coimbra, 10 de Julho de 2024


Luís Filipe Cravo

Carlos Moreira

 João Moreira do Carmo



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carlos Moreira
  2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo

[2] Constante do DL nº 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 13/2002 de 19 de Fevereiro, nº4-A/2003 de 19 de Fevereiro, nº67-A/2007 de 31 de Dezembro e nº56/2008 de 4 de Setembro.
[3] Neste sentido vide o acórdão do STJ de 24/05/2018, proferido no proc. nº 318/05.6TVPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Assim por SALVADOR DA COSTA, in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados”, Livª Almedina, 2010, a págs. 178, o qual, aliás, adiantou ir no mesmo sentido PEDRO ELIAS DA COSTA (cf. nota de rodapé nº 181 da pré-citada pág. 178).
[5] Trata-se de ALÍPIO GUEDES, in Valorização de Bens Expropriados”, 3ª edição renovada, a págs. 102.
[6] Citámos agora BERNARDO SABUGOSA PORTAL MADEIRA in “A Indemnização nas Expropriações por Utilidade Pública”, 3ª ed. revista e atualizada, a págs. 81.
[7] Neste sentido, ainda que para a norma paralela do art. 27º, nº2 do C.E., o acórdão do TRC de 07/02/2012, proferido no proc. nº 5/10.3TBGRD.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[8] cf., inter alia, o Ac. da Rel. de Évora de 06.07.1993, in B.M.J. nº 429, a pags. 910 e o Ac. da Rel. do Porto de 14.12.1989, in B.M.J. nº 392, a pags. 512, e bem assim, mais recentemente e no mesmo sentido, os acórdãos deste TRC de 29.06.2010 (proferido no proc. nº 1176/06.9TBVIS.C1), de 30.11.2010 (proferido no proc. nº 3029/08.7TBVIS.C1), e de 31.05.2011 (proferido no proc. nº 2623/06.5TBVIS.C1), estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrc.
[9] Neste sentido, SALVADOR DA COSTA, in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Livª Almedina, Coimbra, 2010, a págs. 183.
[10] Trata-se do acórdão proferido no proc. nº 25/10.8TBAMM.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[11] Assim no acórdão do TRP de 13-02-2014 (proferido no proc. nº 1380/05.7TBPNF.P2); no mesmo sentido, vide o acórdão do mesmo TRP de 14-06-2010 (proferido no proc. nº 3069/06.0TBPNF.P1); ambos os arestos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp.