Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/10.5T2SVV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10
Sumário: I – O contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”.

II - Em situações em que as cláusulas aparecem de antemão estabelecidas de modo geral e abstracto para uma série de contratos, e que acabam por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos, estamos perante as chamadas cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contraparte do utilizador, que se regem pelo DL 446/85, de 25.10 (art.1º/1).

III - A real integração dessas cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte. Em decorrência do estatuído no art.5º/1 e 2 desse diploma, torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência.

IV - A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.

V - Porém, tendo o autor remetido o contrato e restante documentação à firma vendedora «P…» respeitando o que fora acordado entre esta e o réu, para que tudo fosse assinado pelo R., e uma vez que os documentos vinham totalmente impressos e preenchidos, e assinados pelo representante da A., o que quer dizer que vinham dotados de todo o seu clausulado, e não se tendo falado em prazo para a conclusão do negócio, o R. teve tempo para ler e analisar atentamente o conteúdo do contrato, e se tivesse dúvidas, pedir os pertinentes esclarecimentos. Este seria comportamento de um contraente diligente – ler as condições contratuais, tirar dúvidas, e só depois de esclarecido vincular-se ao texto do contrato.

VI – Para se considerar que foi violado o dever de informação seria necessário demonstrar que os RR tivessem solicitado a prestação de esclarecimentos à autora, o que não se verificou, nem tão pouco foi alegado, sendo que neste caso o ónus da prova recaía sobre os RR. aderentes.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            I- RELATÓRIO

            I.1- Banco …, SA intentou em 13.8.2010 acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra M…, Ldª e H…, pedindo a sua condenação a restituir o veículo de matricula …, no valor de 18.500,00 € e a pagar à A. a quantia de 2.550,78 € acrescida de 95,60 € de juros de mora vencidos, acrescidos dos que se vencerem, bem assim 700,22 € por cada mês que para além de 5/09/2010 demorar a entrega e restituição do veiculo, e ainda uma quantia a titulo de sanção pecuniária compulsória após o trânsito em julgado da sentença, devidos no âmbito de um contrato de aluguer de veículo firmado com a ré e afiançado pelo R..

Os RR. contestaram por excepção e impugnação, invocando a nulidade do

contrato por erro nos seus pressupostos e vício na formação da vontade, a inexistência ou nulidade da fiança do R., o carácter usurário do contrato, pedindo a condenação da A. por litigância de má fé.

A A. respondeu.

Saneou-se a lide, relegando-se para final o conhecimento das excepções, e dispensou-se a selecção da matéria de facto.

Por fim, teve lugar o julgamento, consignaram-se os factos provados, após o que se proferiu sentença datada de 31.5.11, com o seguinte dispositivo:

julgo totalmente procedente a presente acção que o Banco …, SA. intentou contra M…, Ldª e H… e, consequentemente, condeno os RR. a restituir à A. a viatura automóvel de matricula … e a pagar à A. a quantia de 2.550,78 € acrescida de 95,60 € de juros de mora vencidos, acrescidos dos que se vencerem, bem assim 700,22 €  por cada mês que para além de 5/09/2010 demorar a entrega e restituição do veiculo.

No mais absolvem-se os RR do pedido.

Absolve-se o A. do pedido de condenação por litigância de má fe contra si deduzido pelos RR..”.

I.2- Dessa sentença apelaram os RR..

Nas conclusões das alegações, disseram:

...

I.3- Contra-alegou a A. em defesa do julgado.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            II - FUNDAMENTOS

            II.1 - de facto

            A factualidade considerada provada na sentença é a seguinte:

...

II.2 - de direito

Os recorrentes centram a questão decidenda no incumprimento dos deveres de comunicação e de informação das condições específicas e gerais constantes do contrato ajuizado.

Alegam que se está perante um contrato de adesão, padronizado, com recurso à inserção de cláusulas contratuais, e que a recorrida não cumpriu o dever de comunicação relativamente à existência e conteúdo do clausulado no contrato.

Na verdade, o contrato em causa integra um contrato de adesão, entendido como sendo “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”.[1]

Ressalta do documento em que se consubstancia, apodado de “contrato de locação operacional – Aluguer de veículo nº…”, que as condições particulares nele insertas são impressas, pré-ordenadas com espaços em branco que foram preenchidos.

Trata-se de um modelo ou impresso elaborado não pelo utilizador mas por terceiro, para uma pluralidade de contratos de locação de veículo, com condições pré-formuladas dirigidas a uma generalidade de pessoas, antes da conclusão do contrato, sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos. São frequentemente redigidas por grandes empresas, tais como bancos - como é o caso -, tendo do outro lado o cidadão consumidor de bens ou serviços. A circunstância de os formulários serem preenchidos na altura da conclusão do contrato não retira ás cláusulas em jogo o seu carácter de estandardizado.[2]

Assim, em situações em que as cláusulas aparecem de antemão estabelecidas de modo geral e abstracto para uma série de contratos, e que acabam por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos, estamos perante as chamadas cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contraparte do utilizador, que se regem pelo DL 446/85, de 25.10 (art.1º/1).

            A real integração dessas cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte. Em decorrência do estatuído no art.5º/1 e 2 desse diploma, torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência.

            O dever de comunicação constante desse art.5º acontece na fase de negociação ou pré-contratual e existe para “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente”.[3]

            A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.[4]

            No nº3 do art.5º estabelece-se que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas recai sobre o ofertante.

            Vejamos então se a A. satisfez ou não o aludido dever.

Está nuclearmente provado que:

- Na «P…» foi sugerida a aquisição com recurso ao crédito, e o pagamento processava-se em 60 prestações mensais e sucessivas de capital e juros;

- O R. em representação da sociedade subscreveu os documentos que o

representante da «P…» lhe exibiu, já impressos, cujo conteúdo não foi explicado aos RR.;

- Os RR. nunca tiveram qualquer contacto directo e pessoal com o A. ou qualquer seu representante legal;

- Os documentos já vinham totalmente impressos e preenchidos, limitando-se o R. a subscrevê-los, documentos que lhe foram exibidos e que lhes pediram que subscrevessem;

- O A. elaborou o contrato de locação operacional bem como a restante

documentação, no que respeitou inteiramente o acordado entre Ré e a «P…, Lda», e enviou-a a esta última para que tudo fosse assinado pelo R, encontrando-se o contrato assinado pelo representante do A., através de assinatura digitalizada;

- A sociedade Ré havia já celebrado com o A. dois outros contratos, também afiançados pelo R..

Face a estes factos, na sentença sob recurso teve-se por não violado o dever de comunicação, invocando-se que, inexistindo prazo para a conclusão do contrato, e estando este a ser tratado através da «P…», se a ré tinha qualquer dúvida ou pretendia algum esclarecimento acerca de algum concreto termo do concreto, tinha tido tempo para isso.

Não divergimos deste entendimento.

Na verdade, a autora remeteu o contrato e restante documentação à firma vendedora «P…» respeitando o que fora acordado entre esta e a ré, para que tudo fosse assinado pelo R.. Os documentos vinham totalmente impressos e preenchidos, e assinados pelo representante da A., o que quer dizer que vinham dotados de todo o seu clausulado.

Não se falou em prazo para a conclusão do negócio.

Logo, o R. teve tempo para ler e analisar atentamente o conteúdo do contrato, e se tivesse dúvidas, pedir os pertinentes esclarecimentos. Este seria comportamento de um contraente diligente – ler as condições contratuais, tirar dúvidas, e só depois de esclarecido vincular-se ao texto do contrato.

Conforme atrás salientado, o dever de comunicação visa possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo. Isto pelo aderente que, como diz a lei (parte final do nº2 do art.5º), use de comum diligência.

E o que se verificou foi falta de diligência do R. que se limitou a subscrever os documentos, sem ponderar sobre o seu conteúdo e alcance, pelo que só de si se pode queixar.

E não se argumente que por o conteúdo dos documentos não ter sido explicado aos RR., a autora violou o dever de informação. Para tal, seria necessário demonstrar que os RR tivessem solicitado a prestação de esclarecimentos à autora, o que não se verificou, nem tão pouco foi alegado, sendo que neste caso o ónus da prova recaía sobre os RR. aderentes.

Também a afirmação da falta de explicação do conteúdo contratual não é, só por si, suficiente para se poder concluir que a autora violou o dever de comunicação. A comunicação ao aderente terá de ser integral e conducente a um conhecimento completo e efectivo (nº2 do art.5º), o que se basta com a remessa do contrato com todo o seu clausulado, e não com a informação do significado de cada uma das cláusulas pela contraente ofertante. Esta prestação pressupõe, como é lógico, uma iniciativa do contraente aderente, e insere-se no dever de informação a que a ofertante está vinculada (art.6º).

Certo é que a autora provou, como lhe cabia, ter cumprido o dever de comunicação. Ao remeter todo o clausulado e documentação, possibilitou ao R., no momento da conclusão do contrato, tomar conhecimento, de forma completa, das condições particulares e gerais do contrato de locação – aluguer de veículo, se a conduta deste tivesse sido diligente, que não foi.

Os recorrentes não têm, portanto, razão, com o que improcede nesta parte o recurso.

Divergem ainda os RR. da sentença por os ter condenado ao pagamento do dobro de cada aluguer até à entrega do veículo. Sustentam que a aplicação da norma constante do nº2 do art.1045º/C.C. que prevê o pagamento do montante da renda em dobro devido à mora, tem sido afastada nos casos dos contratos de aluguer nos quais as partes prevêem a compra e venda após o pagamento das prestações convencionadas.

Tal como fora peticionado, o tribunal condenou os RR. a pagarem ao A. a quantia de 700,22 € (dobro do valor do aluguer) por cada mês que para além de 5.9.2010 demorar a entrega e restituição do veículo.

Ora, na contestação os RR. não tomaram posição sobre o reclamado pagamento em dobro do aluguer nos termos em que agora o fazem. Ou seja, a pretendida revogação da sentença nesta parte surge em sede de recurso com outro fundamento, qual seja, o da inaplicabilidade da indemnização prevista no nº2 do art.1045º ao contrato de aluguer de veículo automóvel.

É bom de ver que a questão ora colocada pelos RR. é uma questão nova, não suscitada perante a 1ª instância, que dela, assim, não tratou, por não ter sido por eles vertida na respectiva peça processual, devendo tê-lo sido.

Os recursos, como é sabido, são meios de reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais inferiores e já não instrumentos com vista à apreciação das questões colocadas ex novo.

Ao apreciar a questão da renda em dobro, teria este tribunal de proferir uma decisão sobre matéria nova, porque formulada e colocada à luz de uma perspectiva que não foi considerada na 1ª instância, o que, como dito, o regime de recursos não permite.

Daí que, e também porque a questão não é susceptível de apreciação oficiosa, não seja possível à Relação apreciá-la aqui e agora.

Improcede, desta forma, este fundamento do recurso.

III – DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se na íntegra a sentença apelada.

Custas pelos apelantes.

Regina Rosa (Relatora)

Artur Dias

Jaime Ferreira


[1]   A. Varela, «Das obrigações em geral”, 7ª ed., pág.262.
[2]   Almeno de Sá, «Cláusulas contratuais gerais», pág.216.
[3]   Cfr. Ac.STJ de 2.11.04, CJstj/III-104. Ainda, Acs. STJ de 18.4.06 (proc.06A818) e de 20.1.10, CJstj/I-35
[4]  Cfr. Almeno de Sá, «Cláusulas contratuais», 2ª ed., pág.233 e 240