Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | REGINA ROSA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DEVER DE INFORMAR | ||
Data do Acordão: | 03/06/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE SEVER DO VOUGA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10 | ||
Sumário: | I – O contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”. II - Em situações em que as cláusulas aparecem de antemão estabelecidas de modo geral e abstracto para uma série de contratos, e que acabam por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos, estamos perante as chamadas cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contraparte do utilizador, que se regem pelo DL 446/85, de 25.10 (art.1º/1). III - A real integração dessas cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte. Em decorrência do estatuído no art.5º/1 e 2 desse diploma, torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência. IV - A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado. V - Porém, tendo o autor remetido o contrato e restante documentação à firma vendedora «P…» respeitando o que fora acordado entre esta e o réu, para que tudo fosse assinado pelo R., e uma vez que os documentos vinham totalmente impressos e preenchidos, e assinados pelo representante da A., o que quer dizer que vinham dotados de todo o seu clausulado, e não se tendo falado em prazo para a conclusão do negócio, o R. teve tempo para ler e analisar atentamente o conteúdo do contrato, e se tivesse dúvidas, pedir os pertinentes esclarecimentos. Este seria comportamento de um contraente diligente – ler as condições contratuais, tirar dúvidas, e só depois de esclarecido vincular-se ao texto do contrato. VI – Para se considerar que foi violado o dever de informação seria necessário demonstrar que os RR tivessem solicitado a prestação de esclarecimentos à autora, o que não se verificou, nem tão pouco foi alegado, sendo que neste caso o ónus da prova recaía sobre os RR. aderentes. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
I- RELATÓRIO I.1- Banco …, SA intentou em 13.8.2010 acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra M…, Ldª e H…, pedindo a sua condenação a restituir o veículo de matricula …, no valor de 18.500,00 € e a pagar à A. a quantia de 2.550,78 € acrescida de 95,60 € de juros de mora vencidos, acrescidos dos que se vencerem, bem assim 700,22 € por cada mês que para além de 5/09/2010 demorar a entrega e restituição do veiculo, e ainda uma quantia a titulo de sanção pecuniária compulsória após o trânsito em julgado da sentença, devidos no âmbito de um contrato de aluguer de veículo firmado com a ré e afiançado pelo R.. Os RR. contestaram por excepção e impugnação, invocando a nulidade do contrato por erro nos seus pressupostos e vício na formação da vontade, a inexistência ou nulidade da fiança do R., o carácter usurário do contrato, pedindo a condenação da A. por litigância de má fé. A A. respondeu. Saneou-se a lide, relegando-se para final o conhecimento das excepções, e dispensou-se a selecção da matéria de facto. Por fim, teve lugar o julgamento, consignaram-se os factos provados, após o que se proferiu sentença datada de 31.5.11, com o seguinte dispositivo: “julgo totalmente procedente a presente acção que o Banco …, SA. intentou contra M…, Ldª e H… e, consequentemente, condeno os RR. a restituir à A. a viatura automóvel de matricula … e a pagar à A. a quantia de 2.550,78 € acrescida de 95,60 € de juros de mora vencidos, acrescidos dos que se vencerem, bem assim 700,22 € por cada mês que para além de 5/09/2010 demorar a entrega e restituição do veiculo. No mais absolvem-se os RR do pedido. Absolve-se o A. do pedido de condenação por litigância de má fe contra si deduzido pelos RR..”. I.2- Dessa sentença apelaram os RR.. Nas conclusões das alegações, disseram: ... I.3- Contra-alegou a A. em defesa do julgado. Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS II.1 - de facto A factualidade considerada provada na sentença é a seguinte: ... II.2 - de direito Os recorrentes centram a questão decidenda no incumprimento dos deveres de comunicação e de informação das condições específicas e gerais constantes do contrato ajuizado. Alegam que se está perante um contrato de adesão, padronizado, com recurso à inserção de cláusulas contratuais, e que a recorrida não cumpriu o dever de comunicação relativamente à existência e conteúdo do clausulado no contrato. Na verdade, o contrato em causa integra um contrato de adesão, entendido como sendo “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”.[1] Ressalta do documento em que se consubstancia, apodado de “contrato de locação operacional – Aluguer de veículo nº…”, que as condições particulares nele insertas são impressas, pré-ordenadas com espaços em branco que foram preenchidos. Trata-se de um modelo ou impresso elaborado não pelo utilizador mas por terceiro, para uma pluralidade de contratos de locação de veículo, com condições pré-formuladas dirigidas a uma generalidade de pessoas, antes da conclusão do contrato, sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos. São frequentemente redigidas por grandes empresas, tais como bancos - como é o caso -, tendo do outro lado o cidadão consumidor de bens ou serviços. A circunstância de os formulários serem preenchidos na altura da conclusão do contrato não retira ás cláusulas em jogo o seu carácter de estandardizado.[2] Assim, em situações em que as cláusulas aparecem de antemão estabelecidas de modo geral e abstracto para uma série de contratos, e que acabam por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos, estamos perante as chamadas cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contraparte do utilizador, que se regem pelo DL 446/85, de 25.10 (art.1º/1). A real integração dessas cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte. Em decorrência do estatuído no art.5º/1 e 2 desse diploma, torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência. O dever de comunicação constante desse art.5º acontece na fase de negociação ou pré-contratual e existe para “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente”.[3] A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.[4] No nº3 do art.5º estabelece-se que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas recai sobre o ofertante. Vejamos então se a A. satisfez ou não o aludido dever. Está nuclearmente provado que: - Na «P…» foi sugerida a aquisição com recurso ao crédito, e o pagamento processava-se em 60 prestações mensais e sucessivas de capital e juros; - O R. em representação da sociedade subscreveu os documentos que o representante da «P…» lhe exibiu, já impressos, cujo conteúdo não foi explicado aos RR.; - Os RR. nunca tiveram qualquer contacto directo e pessoal com o A. ou qualquer seu representante legal; - Os documentos já vinham totalmente impressos e preenchidos, limitando-se o R. a subscrevê-los, documentos que lhe foram exibidos e que lhes pediram que subscrevessem; - O A. elaborou o contrato de locação operacional bem como a restante documentação, no que respeitou inteiramente o acordado entre Ré e a «P…, Lda», e enviou-a a esta última para que tudo fosse assinado pelo R, encontrando-se o contrato assinado pelo representante do A., através de assinatura digitalizada; - A sociedade Ré havia já celebrado com o A. dois outros contratos, também afiançados pelo R.. Face a estes factos, na sentença sob recurso teve-se por não violado o dever de comunicação, invocando-se que, inexistindo prazo para a conclusão do contrato, e estando este a ser tratado através da «P…», se a ré tinha qualquer dúvida ou pretendia algum esclarecimento acerca de algum concreto termo do concreto, tinha tido tempo para isso. Não divergimos deste entendimento. Na verdade, a autora remeteu o contrato e restante documentação à firma vendedora «P…» respeitando o que fora acordado entre esta e a ré, para que tudo fosse assinado pelo R.. Os documentos vinham totalmente impressos e preenchidos, e assinados pelo representante da A., o que quer dizer que vinham dotados de todo o seu clausulado. Não se falou em prazo para a conclusão do negócio. Logo, o R. teve tempo para ler e analisar atentamente o conteúdo do contrato, e se tivesse dúvidas, pedir os pertinentes esclarecimentos. Este seria comportamento de um contraente diligente – ler as condições contratuais, tirar dúvidas, e só depois de esclarecido vincular-se ao texto do contrato. Conforme atrás salientado, o dever de comunicação visa possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo. Isto pelo aderente que, como diz a lei (parte final do nº2 do art.5º), use de comum diligência. E o que se verificou foi falta de diligência do R. que se limitou a subscrever os documentos, sem ponderar sobre o seu conteúdo e alcance, pelo que só de si se pode queixar. E não se argumente que por o conteúdo dos documentos não ter sido explicado aos RR., a autora violou o dever de informação. Para tal, seria necessário demonstrar que os RR tivessem solicitado a prestação de esclarecimentos à autora, o que não se verificou, nem tão pouco foi alegado, sendo que neste caso o ónus da prova recaía sobre os RR. aderentes. Também a afirmação da falta de explicação do conteúdo contratual não é, só por si, suficiente para se poder concluir que a autora violou o dever de comunicação. A comunicação ao aderente terá de ser integral e conducente a um conhecimento completo e efectivo (nº2 do art.5º), o que se basta com a remessa do contrato com todo o seu clausulado, e não com a informação do significado de cada uma das cláusulas pela contraente ofertante. Esta prestação pressupõe, como é lógico, uma iniciativa do contraente aderente, e insere-se no dever de informação a que a ofertante está vinculada (art.6º). Certo é que a autora provou, como lhe cabia, ter cumprido o dever de comunicação. Ao remeter todo o clausulado e documentação, possibilitou ao R., no momento da conclusão do contrato, tomar conhecimento, de forma completa, das condições particulares e gerais do contrato de locação – aluguer de veículo, se a conduta deste tivesse sido diligente, que não foi. Os recorrentes não têm, portanto, razão, com o que improcede nesta parte o recurso. Divergem ainda os RR. da sentença por os ter condenado ao pagamento do dobro de cada aluguer até à entrega do veículo. Sustentam que a aplicação da norma constante do nº2 do art.1045º/C.C. que prevê o pagamento do montante da renda em dobro devido à mora, tem sido afastada nos casos dos contratos de aluguer nos quais as partes prevêem a compra e venda após o pagamento das prestações convencionadas. Tal como fora peticionado, o tribunal condenou os RR. a pagarem ao A. a quantia de 700,22 € (dobro do valor do aluguer) por cada mês que para além de 5.9.2010 demorar a entrega e restituição do veículo. Ora, na contestação os RR. não tomaram posição sobre o reclamado pagamento em dobro do aluguer nos termos em que agora o fazem. Ou seja, a pretendida revogação da sentença nesta parte surge em sede de recurso com outro fundamento, qual seja, o da inaplicabilidade da indemnização prevista no nº2 do art.1045º ao contrato de aluguer de veículo automóvel. É bom de ver que a questão ora colocada pelos RR. é uma questão nova, não suscitada perante a 1ª instância, que dela, assim, não tratou, por não ter sido por eles vertida na respectiva peça processual, devendo tê-lo sido. Os recursos, como é sabido, são meios de reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais inferiores e já não instrumentos com vista à apreciação das questões colocadas ex novo. Ao apreciar a questão da renda em dobro, teria este tribunal de proferir uma decisão sobre matéria nova, porque formulada e colocada à luz de uma perspectiva que não foi considerada na 1ª instância, o que, como dito, o regime de recursos não permite. Daí que, e também porque a questão não é susceptível de apreciação oficiosa, não seja possível à Relação apreciá-la aqui e agora. Improcede, desta forma, este fundamento do recurso. III – DECISÃO Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se na íntegra a sentença apelada. Custas pelos apelantes.
Regina Rosa (Relatora) Artur Dias Jaime Ferreira
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