Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DECLARAÇÕES DE PARTE ASSUNÇÃO DA CULPA PELO CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURO VINCULAÇÃO DA SEGURADORA A TAL DECLARAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 607.º, 3 A 5 E 662.º, 1, DO CPC ARTIGOS 342.º, 1 E 483.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. - Sabida a falibilidade da prova pessoal, designadamente por declarações de parte, mas também testemunhal, importa conjugá-la e testá-la, criticamente, perante as demais provas – mormente as de pendor objetivo, como o são as fotografias dos danos, produzidos por impactos, existentes em veículos automóveis –, devendo considerar-se descredibilizadas as declarações de parte, mesmo que corroboradas por depoimento testemunhal, que afirmam a existência de colisão frontal entre dois veículos automóveis, provocando danos, cuja indemnização se pretende à luz do seguro obrigatório automóvel, se os concretos danos em presença, num e noutro veículo, não se compatibilizam como decorrentes dessa colisão (nos termos em que descrita), atendendo à sua extensão e profundidade e às áreas/zonas danificadas, caso em que devem prevalecer as regras da lógica, da física e da experiência comum.
2. - Em ação indemnizatória por acidente de viação, provando-se a existência de danos em veículo automóvel, decorrentes de impacto na sua parte frontal, mas não se provando que tenham sido causados por colisão com o veículo seguro na ré/seguradora de acidentes de viação, resta absolver tal ré do pedido, por não se verificar qualquer dos pressupostos do dever de indemnizar. 3. - O facto de o condutor do veículo seguro na ré – que nem era o tomador do seguro – ter declarado assumir a responsabilidade «pela ocorrência» em nada vincula a dita seguradora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra “C..., S. A.” – posteriormente, “G..., S. A.” ([1]) –, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: a) A título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 10.000,00, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a citação e até integral e efetivo pagamento; b) Como indemnização pela privação do uso do seu veículo, o montante de € 20,00 por dia, a contar da data do acidente e até efetiva e integral reparação – a liquidar, computando-se, à data da propositura da presente ação, em € 3.860,00. Para tanto, alegou, em síntese: - a existência de um acidente de viação, em que foram intervenientes um veículo automóvel propriedade do A. e por si conduzido (de marca «Mercedes Benz») e outro veículo automóvel, segurado na R. (de marca «Rover»), cujo condutor foi o responsável culposo exclusivo pelo sinistro, de que resultaram danos – os descritos na petição aperfeiçoada – para o demandante, que importa ressarcir integralmente, cabendo o dever indemnizatório à mesma R., por via de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ao tempo válido e em vigor. Na sua contestação, a R., impugnando, no que ora importa, os factos alegados quanto à existência – e ao desenrolar – do acidente, bem como quanto aos danos invocados, concluiu pela improcedência da ação. O A., na sequência, pronunciou-se pela improcedência da matéria de contestação. A convite do Tribunal – no intuito de concretização fáctica quanto ao acidente e aos danos –, o A. juntou petição aperfeiçoada, a que a R. respondeu, mantendo tudo quanto alegado na contestação. Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador ([2]), com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença ([3]), com o seguinte dispositivo: «(…) julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré, “Tranquilidade, S. A.” a pagar ao Autor, (…) a título de danos patrimoniais, o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento.». Inconformada, recorre a R., apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([4]): «1. O presente recurso visa, essencialmente, discutir a matéria de facto e de direito relativa à decisão proferida acerca da dinâmica do alegado “acidente” dos autos, com a qual a aqui recorrente não se conforma. 2. A recorrente não se conforma com a apreciação do conjunto da prova produzida nos autos levada a cabo pela Meritíssima Juiz de primeira instância, no que tange a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 14 e 15 dos factos provados, bem como na alínea I) dos factos não provados, visando este recurso a impugnação da decisão proferida sobre essas matérias de facto. 3. Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil extracontratual emergente de evento rodoviário imputado pelo autor ao condutor do veículo RQ, pelo que, impunha-se-lhe a demonstração dos factos por si alegados, também no que tange a dinâmica do acidente. 4. Ora, compulsada a matéria de facto julgada provada, logo se conclui que, na generalidade, o tribunal de primeira instância julgou demonstrada a versão dos factos alegados no articulado inicial. 5. Todavia, os factos julgados provados atinentes à dinâmica do acidente, são incongruentes e inconciliáveis com as leis da física e das regras da experiência de vida, tendo resultado provados à margem das evidências resultantes da prova documental e testemunhal constante dos autos, conjugadas com as sobreditas regras. 6. Compulsadas as imagens dos veículos após o suposto embate por elas protagonizado, é notório que os danos ostentados por ambos os veículos, nas respectivas frentes laterais esquerdas, são manifestamente insusceptíveis de terem decorrido do embate que foi julgado provado pelo tribunal recorrido! 7. A mera visualização das fotografias do veículo do autor (o OAL) e do veículo seguro na recorrente (o RQ), conjugada com as regras da física e da experiência de vida, é suficiente para concluir pela total desconformidade dos danos que supostamente decorreram para ambas as viaturas, em consequência do embate julgado provado entre as suas frentes esquerdas (cfr. fls. 35 a 52v e 212 e ss, através da visualização do relatório de investigação final). 8. De acordo com as fotografias do veículo seguro verifica-se que o embate julgado provado entre as frentes esquerdas de ambas as viaturas, provocou, exclusivamente, uma fractura no pára-choques do RQ, situada na zona frontal esquerda do veículo, sem que esta peça perdesse substância, bem como, provocou marcas de transferência de uma cor ... sobre o pára-choques e sobre as ópticas frontais esquerdas, aparentemente proveniente de deposição de borracha ou de algo similar. 9. Constata-se também que o alegado acidente não provocou qualquer fractura nos vidros das ópticas frontais do lado esquerdo do RQ, nem tão-pouco deformou a chaparia envolvente a essas peças da frente esquerda do veículo. 10. Já as fotografias do OAL constantes dos autos, nomeadamente as constantes do relatório de investigação final constante de fls. 212 e ss dos autos, verifica-se que o embate que a mesma sofreu na sua frente esquerda provocou fractura e perda da totalidade da óptica frontal esquerda, provocando, bem assim, a fractura e perda do pára-choques frontal esquerdo e a deformação do respectivo suporte em metal. 11. Tal embate provocou também a perda total do guarda-lamas frontal esquerdo do veículo, que foi literalmente obliterada/rasgada pelos seus pontos de suporte, restando apenas uma pequena porção dessa peça junto a esses pontos de suporte. 12. É, pois, notória a desproporção de danos evidenciada nas frentes esquerdas de ambas as viaturas, podendo dizer-se, sem margem para dúvidas, que à luz das regras da física e da experiência de vida, os danos existentes na frente esquerda do RQ não decorreram do embate que provocou os danos constatados na frente esquerda do OAL. 13. O embate da frente esquerda do RQ na frente do OAL, nos termos descritos no facto provado n.º 8, teria provocado deformações na chaparia do RQ, que não se verificaram, teria de ter fracturado as respectivas ópticas frontais esquerdas, o que tão-pouco sucedeu, do mesmo modo que a frente esquerda do RQ teria de apresentar uma transferência de cor ..., proveniente da cor do OAL, e não uma cor ..., própria do contacto de uma superfície escura, do tipo pneumático. 14. Tais circunstâncias, por si sós, permite formar um juízo de censura sobre o julgamento acerca da matéria de facto provada no ponto 8 da sentença, na medida em que, ao julgar provado que o veículo seguro colidiu com a frente esquerda (do RQ), na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário, pela respectiva hemifaixa de rodagem, o Tribunal recorrido ofendeu notoriamente as mais elementares regras da física e da experiência de vida. 15. Decorre dos factos instrumentais apreensíveis pela mera observação das fotografias de ambos os veículos, constantes do processo e obtidas após o alegado embate entre elas, que os danos apresentados pelas frentes esquerdas de ambas as viaturas não resultaram do embate descrito no ponto 8 dos factos provados. 16. O que se torna ainda mais evidente se se tomar em consideração que resultou provado que ambas as viaturas circulavam, no local, a uma velocidade situada entre os 50 km/h e os 70 km/h, não havendo notícia ou alegação de que qualquer dos respectivos condutores travou ou diminuiu a sua velocidade. 17. A ser verdade que os danos patenteados pelo RQ emergiram de um embate entre ambas as citadas viaturas, isso implica a afirmação de tais danos tiveram origem num embate que envolveu forças opostas, correspondentes à soma da velocidade a que cada uma das viaturas vinha animada, o que manifestamente não sucedeu. 18. Por outro lado, as fotografias constantes dos autos, obtidas pelo serviço de assistência em viagem que se deslocou ao local aquando do alegado acidente, exibem uma total ausência de vestígios do despiste do RQ, julgado provado, o que não foi considerado pelo julgador e contraria a factualidade julgada provada. 19. Não obstante as evidências acabadas de referir, o Tribunal a quo deu como provada a dinâmica do sinistro, tal como emerge dos factos provados 1 (excepto o contrato de seguro), 2, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 14 (apenas na parte em que refere “provocados pelo sinistro em questão” e 15 da sentença. 20. Além dos factos instrumentais apreensíveis pela mera análise das fotografias acima referidas, o processo contém ainda outros elementos de prova que impõem decisão diversa da proferida, pelo menos no que tange a dinâmica do acidente, mormente quanto ao embate relatado no ponto 8 dos factos provados. 21. Os depoimentos do autor e do condutor do veículo seguro na aqui apelante, no que tange a dinâmica do acidente foram julgados credíveis pelo Tribunal recorrido, o que não se aceita. 22. Tais depoimentos, conjugados com os demais elementos probatórios constantes dos autos, bem como com as regras da física e da experiência de vida, não merecem a credibilidade que o tribunal recorrido lhes emprestou, com vista a julgar provada a dinâmica do acidente. 23. Para além dos sobreditos elementos probatórios, existem outros elementos no processo que permitem colocar em irresolúvel dúvida a ocorrência do despiste do veículo seguro para a berma da via, o seu retorno à faixa de rodagem e o subsequente embate entre a sua frente esquerda e a frente esquerda do OAL, o que impõe decisão diversa da proferida. 24. No caso, premente se torna convocar a reapreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB, CC e DD, ou seja, dos averiguadores destacados pela recorrida para averiguarem os factos que lhe foram participados. 25. Emerge do depoimento prestado por um dos averiguadores destacados pela ré para investigar a dinâmica deste acidente (BB), que não existia qualquer vestígio de derrapagem no asfalto da estrada, que fosse compatível com a perda de controlo do veículo seguro, a sua saída de estrada e regresso à via para ir embater no veículo do autor. 26. Segundo esta testemunha, não é possível que o veículo seguro tivesse adoptado o comportamento desgovernado relatado pelo condutor do veículo RQ, que veio a ser julgado provado, sem ter deixado marcas no pavimento da via, sobretudo pelo facto de este ser muito recente, bem como na berma da via, por ser constituída em terra, a qual regista marcas de um despiste com facilidade e por muito tempo. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 08.07.2022, pelas 10:28, entre o minuto 00:21:59.05 e o minuto 00:23:00]. 27. A testemunha CC, outro dos averiguadores designado pela ré para investigação da ocorrência do acidente em mérito constatou exactamente o mesmo, tendo relatado em sede de audiência de julgamento que uma manobra de recurso, como a descrita pelo condutor do veículo seguro, a qual veio a fundamentar a decisão recorrida, teria de deixar marcas no pavimento asfáltico presente no local – por ser um asfalto fresco e recente, o que não sucedeu, pois não as viu na deslocação que fez ao local. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 15.07.2022, pelas 10:14, entre o minuto 00:20:02 e o minuto 00:22:30]. 28. No seu depoimento, esta testemunha sinaliza que os danos evidenciados pela frente esquerda do veículo RQ não são compatíveis com os danos evidenciados pela frente esquerda do OAL, pois o veículo seguro ostenta danos na frente esquerda em sentido vertical, sendo evidente uma transferência de cor ..., proveniente de um pneumático ou de borracha. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 17.07.2022, pelas 10:28, entre o minuto 00:43:00 e o minuto 00:45:00]. 29. Já quanto ao veículo do autor, a testemunha refere que a sua frente esquerda evidencia um dano muito mais acentuado, com notória perda de material (nomeadamente a óptica frontal esquerda, de que não restou sequer o respectivo suporte), e muito mais extenso, com destruição e perda total do pára-choques frontal, envolvendo também um dano muito acentuado no canto da frente direita do OAL, sem qualquer compatibilidade com o acidente dos autos, especialmente com os danos constatados na frente esquerda do RQ. 30. Esta testemunha descreveu que o veículo do autor ostentava um dano no guarda-lamas frontal esquerdo (patenteado nas fotografias do veículo existentes nos autos), o qual foi arrancado/rasgado, dano esse sem qualquer correspondência ou explicação à luz do embate descrito pelos intervenientes e, de resto, julgado provado pelo Tribunal recorrido. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 17.07.2022, pelas 10:28, entre o minuto 00:45:32 e o minuto 00:55:24]. 31. Questionado a respeito da compatibilidade entre os danos verificados na frente do RQ e na frente do OAL, a testemunha foi peremptória em negar qualquer enquadramento entre os referidos danos, salientando que o guarda-lamas frontal esquerdo do OAL, que resultou rasgado e destruído pelos respectivos apoios, tinha forçosamente de ter rasgado/danificado a chaparia da frente esquerda do RQ, o que não sucedeu e é constatável pela observação das fotografias dos veículos obtidas após o alegado embate dos autos. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 17.07.2022, pelas 10:28, entre o minuto 00:55:32 e o minuto 00:58:00] 32. Um terceiro averiguador destacado pela ré para acompanhar a investigação ao sinistro em mérito, de seu nome DD, reportou-se à manifesta incompatibilidade existente entre os danos da frente esquerda do RQ e toda a frente do OAL, com especial incidência nas respectivas laterais esquerdas, bem como a parte central do OAL, totalmente incompatível com a dinâmica do acidente julgada provada. 33. Reportando-se à evidente dissipação de energia resultante dos embates ocorridos nas respectivas frentes esquerdas, a testemunha DD sublinhou, oportunamente, que a dissipação de energia, por deformação, constatada em ambas as viaturas, é inexplicavelmente muito maior na frente esquerda do veículo OAL do que na frente esquerda do RQ. Conforme depoimento prestado na sessão de julgamento de 17.07.2022, pelas 11:48, entre o minuto 00:08:00 e o minuto 00:11:00] 34. Em face dos elementos de prova acima descritos, não restam quaisquer dúvidas de que o embate entre a frente esquerda do RQ e frente esquerda do OAL não resultou minimamente demonstrado nos autos, antes pelo contrário. Em face do exposto, não restam dúvidas de que mal andou o Tribunal recorrido em ter julgado provado os factos 6), 7) e 8) da sentença, pelo que, tal decisão deve ser revogada por Vossas Excelências e substituída por outra que os julgue não provados. 35. Do mesmo modo, e com os mesmos fundamentos, deve ser também revogada a decisão que julgou não provado o facto vertido na al. I) dos factos não provados, e em sua substituição deve ser proferida decisão que julgue provado que: o veículo RQ não interveio nesta ocorrência. 36. Por uma questão de necessária coerência interna e externa da versão dos factos trazida aos autos pelo autor, importa reconhecer não podem subsistir como julgados provados todos os factos que dependem da prova do embate entre as frentes esquerdas dos veículos OAL e RQ. 37. Assim, no que tange a decisão que julgou demonstrados os factos vertidos nos pontos 1, 2, 5, 9, 14 e 15 da sentença, importa reconhecer que mal andou o tribunal recorrido ao tê-los julgado provados, pelo que, tal decisão deve ser revogada por Vossas Excelências e, em sua substituição, deve ser proferida decisão que os julgue nos seguintes termos: 1. À data de 22 de Agosto de 2020, o proprietário do veículo de matrícula ..-..-RQ, marca havia transferido a responsabilidade civil adveniente de acidente de viação daquela viatura para a ré, através da apólice n.º ...83. 2. O veículo de matrícula OAL (doravante OAL), conduzido pelo Autor, circulava no sentido ... - ... e o veículo de matrícula ..-..-RQ (doravante RQ), propriedade de EE, e conduzido por FF, assegurado pela aqui Ré, circulava no sentido oposto. 5. Não provado; 6. Não provado; 10. A via, trata-se de uma Estrada Municipal, com piso de alcatrão recentemente colocado face à data do sinistro, com bermas ainda por finalizar (à data), sem separador central nem marcação do pavimento (que agora já existe), bem como sem rails laterais. 11.O condutor do veículo Rover ..-..-RQ assumiu inteira responsabilidade pela ocorrência. 12. À data de 22.08.2020, o veículo OAL ostentava os seguintes danos: (conforme consta da sentença) 13.Valor a que terá de acrescer o custo de pintura e mão de obra, nunca inferior, no seu conjunto a €1.000,00 (mil euros). 14. Os danos ostentados pelo OAL em 22.08.2020 ascendem a €10.971,06, sendo que, o Autor juntamente com o Perito da Ré, acordaram fixar o valor em €10.000,00 (dez mil euros). 15. À data de 22.08.2020, o veículo OAL apresentava danos que o impossibilitavam de circular. 38. O que se requer. 39. Dito isto, importa concluir que se impunha ao autor/recorrido, provar a ocorrência do concreto sinistro que alegou e em que funda a causa de pedir, o que não sucedeu, na medida em que, para além de não se ter demonstrado a alegada ocorrência do embate entre ambas as frentes esquerdas dos veículos, resultou demonstrado que o veículo RQ não teve intervenção na ocorrência em mérito. 39. Como tal, não se mostra devida qualquer indemnização ao autor em consequência dos danos causados pelo veículo seguro. 40. A decisão recorrida deve, pois, ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante de todos os pedidos formulados nos autos pelo apelado. 41. A decisão ora em apreço viola os artigos 483º e seguintes do Código Civil. Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso se fará inteira JUSTIÇA.». O A. não apresentou contra-alegação. *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados. Cumpridos os vistos legais e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([5]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa decidir, em matéria de facto e de direito, no essencial, sobre o seguinte ([6]): a) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto: admissibilidade e procedibilidade; b) Inexistência de embate entre os dois veículos automóveis aludidos, afastando a responsabilidade do condutor do veículo seguro na R. e a obrigação indemnizatória desta. *** III – Fundamentação A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Admissibilidade e procedibilidade da impugnação Como visto, começa a R./Apelante por se insurgir contra o quadro fáctico da sentença, o dado como provado (factos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 14 e 15) e, bem assim, a al.ª I) dos factos julgados não provados (conclusão 2.ª). Pugna, então, pela existência de erro de julgamento de facto, a dever ser corrigido pela Relação nos seguintes termos: - os factos 6, 7 e 8 devem ser julgados como não provados (conclusão 34.ª); - aos demais factos impugnados deve responder-se assim (conclusão 37.ª): 1. À data de 22 de Agosto de 2020, o proprietário do veículo de matrícula ..-..-RQ, marca havia transferido a responsabilidade civil adveniente de acidente de viação daquela viatura para a ré, através da apólice n.º ...83. 2. O veículo de matrícula OAL (doravante OAL), conduzido pelo Autor, circulava no sentido ... - ... e o veículo de matrícula ..-..-RQ (doravante RQ), propriedade de EE, e conduzido por FF, assegurado pela aqui Ré, circulava no sentido oposto. 5. Não provado; 6. Não provado; 10. A via, trata-se de uma Estrada Municipal, com piso de alcatrão recentemente colocado face à data do sinistro, com bermas ainda por finalizar (à data), sem separador central nem marcação do pavimento (que agora já existe), bem como sem rails laterais. 11.O condutor do veículo Rover ..-..-RQ assumiu inteira responsabilidade pela ocorrência. 12. À data de 22.08.2020, o veículo OAL ostentava os seguintes danos: (conforme consta da sentença) 13.Valor a que terá de acrescer o custo de pintura e mão de obra, nunca inferior, no seu conjunto a €1.000,00 (mil euros). 14. Os danos ostentados pelo OAL em 22.08.2020 ascendem a €10.971,06, sendo que, o Autor juntamente com o Perito da Ré, acordaram fixar o valor em €10.000,00 (dez mil euros). 15. À data de 22.08.2020, o veículo OAL apresentava danos que o impossibilitavam de circular; - à al.ª I) do quadro dado como não provado, deve julgar-se provado, ao invés, que «o veículo RQ não interveio nesta ocorrência» (conclusão 35.ª). A Recorrente baseia-se em prova documental e pessoal, que identifica, indicando, quanto a esta última, as passagens da respetiva gravação em que se funda, pelo que se mostra observado o disposto, quanto a ónus legais a cargo do impugnante da decisão de facto, no art.º 640.º do NCPCiv., termos em que nada obsta ao conhecimento desta vertente da impugnação recursiva, que é, por isso, admissível. Vejamos, então, se deve proceder. Da justificação da convicção exarada na sentença em crise pode retirar-se, de mais significativo, a seguinte linha de argumentação: «Ouvido o Autor em sede de depoimento e declarações de parte, o mesmo respondeu a tudo quanto lhe foi perguntado, sem subterfúgios, apresentando um discurso lógico e coerente e que, na verdade, não foi posto em causa por nenhuma prova directa que tenha sido apresentada pela Ré. Destarte, desde logo, realizado o julgamento e analisando o processo, no seu todo, conclui-se que a Ré pretendeu, na defesa apresentada, descredibilizar o Autor por todos os meios possíveis e ainda, que as suas suspeitas se baseiam em preconceitos tanto sobre a pessoa de FF (condutor do veículo segurado) como sobre o próprio Autor, enquanto proprietário de uma oficina de automóveis. (…) Da prova testemunhal apresentada pela mesma, designadamente, os peritos averiguadores e consultores, foi ainda patente que as suspeitas da Ré iniciaram-se apenas pelo facto do veículo segurado não ser da propriedade do tomador de seguro, mas sim de FF, condutor do veículo segurado no momento do acidente, acrescido deste ser conotado – no local onde vive – como uma pessoa com problemas com a justiça (referindo-se mesmo no relatório de investigação final que este já terá sido declarado contumaz). Juntando as participações de seguro efectuadas por este FF, no passado, com as informações que o perito averiguador recolheu na comunidade daquela Testemunha, surgiram logo as suspeitas que existiria um conluio entre Autor e FF, não tendo o veículo segurado participado no sinistro aqui em causa. (…) Nesta senda de desconfiança, apresenta a Ré três peritos que, directa ou indirectamente, trabalham ao seu serviço há mais de dez anos e que concluem que não houve sinistro ou que o mesmo não ocorreu nos termos descritos, com base em prova indirecta. (…) É ainda de referir que não se consegue deixar de sublinhar que a análise deste caso, realizado por estas Testemunhas, foi efectuado à luz de fotografias fornecidas pela assistência em viagem, de uma deslocação ao local após duas a três semanas após o acidente e por inspecção aos veículos que já se encontravam deslocados e estacionados (na oficina do Autor ou junto à residência de FF) há vários dias.». E, concretizando a formação da convicção face às provas, refere o Tribunal recorrido: «GG, Testemunha já acima referida e que trabalha ao serviço da Ré, foi chamado ao local no dia e hora indicado para rebocar o veículo conduzido por FF, atestando que, até aquela data, não o conhecia, nem tão pouco o Autor. Questionado se o veículo de FF poderia circular, respondeu que não o poderia fazer em segurança. Sendo obrigatório tirar fotografias dos veículos acidentados, mencionou a Testemunha que o Autor não gostou que tivesse tirado essas fotografias sem o seu consentimento. (…) Voltando ao depoimento de BB, pelo mesmo foi ainda referido que concluiu que os danos do veículo do Autor (Mercedes) eram desproporcionais face aos do veículo conduzido por FF (Rover), não estando explicados os danos no centro do Mercedes. Ora, nas suas declarações de parte, referiu o Autor que ao retirar o veículo do local para o estacionar no caminho de terra onde se encontrava quando os reboques chegaram, o pára-choques enterrou-se na terra e os plásticos arrastaram-se por debaixo do carro, tendo sido necessário retirá-lo, arrancando o resto das componentes. Mais explicou que o capot ficou naquele estado por terem sido accionados os sensores de projecção do mesmo. (…) Alega BB que a árvore contra a qual o Mercedes embateu apresentava danos não compatíveis com os danos do veículo e teria tombado com o impacto. Nessa parte, se por um lado nunca foi alegado que os danos visíveis nas fotografias da árvore, juntas aos autos, tenham sido provocadas naquele acidente, podendo ter sido realizadas por qualquer outra máquina, não será certamente após duas a três semanas após os factos que se poderia retirar qualquer conclusão irrefutável quanto a este elemento. Mais, ainda que de pequeno porte, a árvore em causa será um carvalho, sólido e que apenas um impacto a velocidade superior a 50km/h poderia derrubar. Conduzindo a essa velocidade (ou ainda que ligeiramente superior), embatendo num primeiro veículo – o que reduz necessariamente a velocidade – e travando antes de embater na árvore, em piso seco e de terra, não teria o Autor derrubado aquela árvore com o seu carro. Assim, salvo melhor opinião, as regras da experiência comum refutam a teoria desta Testemunha. (…) Dito isto e analisando ponto por ponto, o descrito em 1) resulta das declarações de parte do Autor, confirmadas pelos depoimentos de FF, HH e GG (…)». Todavia, sabido que «o descrito em 1)» ([7]) contempla a narração do acidente, como fruto da interveniência entre os dois aludidos veículos [com colisão entre si, como descrito em 8) ([8])], é certo que, quanto a tais testemunhas HH e GG – os «condutores dos reboques» –, estas não assistiram ao acidente, não tendo visto a aludida colisão. Apenas – como é pacífico – chegaram ao local, por terem sido chamadas para isso, após o invocado acidente e para rebocar os veículos acidentados, tendo podido, assim, depor sobre o que viram e fizeram quando ali acorreram. Em suma, tais duas testemunhas nada viram quanto ao acidente, em si: existência de colisão entre aqueles dois veículos e modo como a mesma ocorreu. Pelo que restam as duas únicas pessoas que presenciaram o que ocorreu, os dois condutores – o A. (enquanto declarante de parte, afirmando a sua versão dos factos, tal como por si articulada) e a testemunha FF, que conduzia o veículo de marca Rover, seguro na R., embora fosse outro o respetivo proprietário e tomador do seguro [o referido EE, como também expressamente descrito em 1) dos factos dados como provados]. Ora, como exarado na justificação da convicção supra transcrita, aquela testemunha FF confirmou/corroborou as declarações de parte do A., o que nem a R./Recorrente infirma no recurso interposto. O que esta defende é que tais provas (por declarações de parte e testemunhal, das duas únicas pessoas que assistiram ao que se passou) não merecem credibilidade (cfr. conclusão 22.ª). Isto é, trata-se, na sua ótica – oposta à do Julgador em 1.ª instância –, de elementos de prova que, criticamente analisados, não são dotados de valor probatório, não podendo servir para fundar a convicção judicial. E aqui, entrando no acervo conclusivo da Recorrente, verifica-se que esta não se deixa mover – agora, no recurso, pelo menos – por meras suspeitas preconceituosas, antes procurando, na defesa dos seus interesses, como lhe é legítimo, fundar a sua convicção (e a que pretende ver adotada no âmbito decisório) em provas concretas ([9]), no intuito de mostrar – ou, pelo menos, colocar seriamente em dúvida a tese do demandante – que o veículo seguro não foi interveniente em acidente de viação mediante colisão com o veículo pertença do A., pelo que não lhe causou os danos que o mesmo apresenta. Vejamos, então, tais provas concretas, na sua conjugação com as regras da lógica, da física e do normal acontecer ou da experiência comum. Começa a Recorrente pelas imagens/fotos de ambos os veículos, tal como disponíveis nos autos, afirmando que os danos em cada um deles, nas respetivas partes frontais (mais precisamente, «frentes laterais esquerdas»), são «manifestamente insusceptíveis de terem decorrido do embate que foi julgado provado» (cfr. conclusão 6.ª), havendo «total desconformidade dos danos» (cfr. conclusão 7.ª, convocando também o relatório de investigação final da seguradora), para o que chama a atenção para as fotos de fls. 35 a 52 v.º e 217 e segs. do processo físico. Partindo, então, da perspetivada colisão frontal mencionada – «com a frente esquerda do RQ, na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário» –, entre um veículo ligeiro (tipo “carrinha”/W/«Station»), de marca «Mercedes Benz», e um veículo ligeiro, necessariamente mais antigo (pelo que as fotos juntas aos autos claramente denunciam, evidenciando matrícula de 2001), de marca «Rover», vemos que são substancialmente mais importantes os danos no veículo «Mercedes» do que no «Rover». Com efeito, das fotos de fls. 35 v.º a 41, 47 v.º a 48 v.º, 51 v.º a 52, 103, 105 v.º, 106 do processo físico resulta que toda a parte frontal (de lado a lado) do «Mercedes» sofreu danos, inclusive com perda do para-choques frontal e da ótica frontal esquerda, com exposição de estrutura e componentes internos abaixo do «capot», até uma altura de cerca de 80 cm, bem como com atingimento/fratura do para-brisas [cfr. fotos de fls. 106 v.º, 107, 244 e lista de peças do facto 12), de acordo com o documento de fls. 102 e v.º, onde se inclui um «para-brisas»]. Por seu lado, das fotos de fls. 50, 50 v.º, 228 v.º, 231 v.º a 232, 235 v.º a 238, todas do processo físico, constata-se a parte frontal do veículo «Rover» apenas apresenta danos sobre o lado esquerdo (até uma altura de aproximadamente 73 cm), na zona da ótica desse lado e, abaixo, no respetivo para-choques, o qual se encontra verticalmente fraturado («partido»), sob aquela ótica, sendo que a parte central e a parte direita da respetiva frente não apresentam dano algum visível. Em suma, diversamente do «Mercedes», que apresenta danos por toda a parte frontal (de lado a lado), inclusive com fratura do para-brisas, denunciadores de embate ou colisão violento ([10]), o veículo «Rover», apesar de mais antigo (e de qualidade de construção inferior), apresenta danos muito menos significativos (em muito menor extensão, com localização apenas na zona da ótica esquerda e fratura vertical do para-choques nesse local, mantendo preservada toda a restante área frontal e sem quebra do pára-brisas). Ademais, retira-se de tais fotos, em consonância com aquele dano de fratura vertical do pára-choques, que não se vislumbra amolgadela, com afundamento, como é comum em caso de embate ou colisão violento, seja em tal pára-choques, seja no respetivo «capot». Daqui se retira, salvo sempre o devido respeito por diversa análise, que os danos de pequena monta no veículo «Rover» não são compatíveis com os danos de muito maior monta no veículo «Mercedes», posto que, em caso de colisão frontal entre ambos, os danos haveriam de ser tendencialmente equiparáveis, pela violência que atingiria ambos os veículos, seguindo em sentido contrário de circulação (ambos em progressão e movimento oposto), afetando ambos em semelhante grau de destruição. E não se diga – como refere o A. no seu depoimento/declarações de parte, cuja gravação foi ouvida por esta Relação ([11]) – que houve outros danos, logo depois, na frente do «Mercedes» (veículo este do ano de 2016, classe C ..0, como também esclarecido pelo demandante), quando este, após a colisão, foi embater, desgovernado, no tronco da árvore ([12]) que existe no local e se visualiza nas fotos de fls. 43 a 44, 223 a 228, posto que, se tal embate tivesse ocorrido – em termos de provocar tais danos na frente do veículo –, o tronco embatido teria, necessariamente, de refletir a violência desse embate, com danos correspondentes ([13]). Ora, das fotos aludidas não resultam tais danos (nem sequer a «casca»/revestimento do tronco se mostra danificada no lado correspondente à aproximação do «Mercedes»). Isso mesmo é salientado no «Relatório de Investigação Final» de fls. 212 e segs., elaborado por BB («perito ao serviço da Ré»), que viria a ser ouvido como testemunha nos autos e a que a sentença recorrida alude, como tendo testemunhado que «a árvore contra a qual o Mercedes embateu apresentava danos não compatíveis com os danos do veículo e teria tombado com o impacto.». E prossegue a decisão em crise: «(…) nunca foi alegado que os danos visíveis nas fotografias da árvore, juntas aos autos, tenham sido provocadas naquele acidente, podendo ter sido realizadas por qualquer outra máquina (…)». Mas – dir-se-á –, o ponto decisivo é mesmo esse. Se a árvore não apresenta danos decorrentes do embate do «Mercedes» ([14]), então, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum (e das leis da «física», como refere a Recorrente), também não os causou ao veículo. Dito de outro modo, se um embate de um veículo automóvel contra o tronco de uma jovem árvore (tronco «da grossura do braço» de um homem) não causa danos nesse tronco embatido, nem sequer deixando marca visível na respetiva casca – o que poderia resultar de um impacto a muitíssimo baixa velocidade –, então também tem de concluir-se que não foi causado dano, por esse modo, no veículo que ali embateu, muito menos em termos de lhe provocar importantes estragos, nas zonas central e direita da frente desse veículo, incluindo até o pára-brisas. Quer dizer, se a colisão entre os dois veículos foi entre as respetivas frentes esquerdas (ou «vértices esquerdos», como dito pela testemunha BB), causando danos nessa zona (zona de impacto, apenas), e se do (posterior) embate na árvore não podiam resultar danos para o «Mercedes», muito menos com o grau de destruição que apresenta a sua parte central e direita da frente, então forçoso é concluir que os danos em tais zonas frontais (central e direita) não podiam ter sido produzidos no descrito acidente. Mais. Não podia, numa tal situação de colisão entre veículos, o «Mercedes» sofrer o grau de destruição – em toda zona frontal, com aquela profundidade que se surpreende nas fotografias juntas e com quebra até do pára-brisas ([15]) – que sofreu e o «Rover», por seu lado, apenas sofrer pequenos danos localizados do pára-choques (fratura na zona da frente esquerda) e ótica desse lado, atingindo levemente o «capot» acima desta ótica, deixando intocado tudo o mais (toda a restante frente e o pára-brisas). E o próprio dano neste pára-choques, caraterizado por visível fratura vertical, se poderia, eventualmente, compreender-se em situação de embate (por exemplo, em superfície fina, como uma esquina ou um poste), já não parece compaginável, salvo o devido respeito, com a dita colisão frontal (entre dois corpos volumosos em movimento oposto), que sempre deixaria marcas de amolgamento/afundamento (o «amarrotar para trás», aludido no relatório de fls. 212 e segs., mormente fls. 216, do processo físico). Perante o exposto, vista a dita incompatibilidade entre os danos evidenciados pelos dois veículos, esta Relação, formando a sua própria convicção sobre as provas – e sem necessidade de mais aprofundada apreciação –, não se convence da existência da colisão descrita na factualidade dada como provada na sentença, nem, por consequência, que tenha sido o veículo seguro na R. a provocar os danos que o veículo «Mercedes» apresenta ([16]) ([17]). Daí que, de acordo com a pretensão recursiva da Recorrente, verificado erro de julgamento de facto do Tribunal a quo (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), haja de ser alterado o quadro da factualidade dada como provada e não provada na sentença sob impugnação, passando os pontos fácticos impugnados a ser objeto da seguinte decisão: 1. Provado que no dia 22/08/2020, a responsabilidade civil adveniente de acidentes de viação causados pelo veículo de matrícula «..-..-RQ», marca «Rover», encontrava-se transferido para a R., através da apólice n.º ...83; 2. Provado que o veículo de matrícula OAL (doravante OAL), de marca «Mercedes Benz», conduzido pelo Autor, circulava no sentido ... - ... e o veículo de matrícula ..-..-RQ (doravante RQ), propriedade de EE, e conduzido por FF, segurado na R., circulava no sentido oposto; 5. Provado [por inexistir prova em contrário]; 6. Não provado; 7. Não provado; 8. Não provado; 9. Não provado; 10. Provado que a via, trata-se de uma estrada municipal, com piso de alcatrão que tinha sido recentemente colocado, com bermas ainda por finalizar (à data), sem separador central nem marcação do pavimento (que agora já existe), bem como sem rails laterais; 11. Provado; 12. Provado que à data de 22/08/2020, o veículo OAL apresentava os seguintes danos: (conforme consta da sentença). 14. Provado que os danos no OAL em 22/08/2020 ascendiam a € 10.971,06, sendo que, o Autor juntamente com o Perito da Ré, acordaram fixar o valor em €10.000,00 (dez mil euros); 15. Provado que à data de 22/08/2020, o veículo OAL apresentava danos que o impossibilitavam de circular. Quanto, por sua vez, à al.ª I) do quadro dado como não provado, pretendendo o Recorrente que deve julgar-se provado, ao invés, que «o veículo RQ não interveio nesta ocorrência» (conclusão 35.ª), deve dizer-se que esse enunciado se afigura, in casu, de feição conclusiva, seja na sua colocação nos factos provados, fosse nos não provados, pelo que apenas haverá de ser suprimido/eliminado (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv., de onde se retira que apenas os factos, e não as conclusões/valorações com relevo para a sorte dos autos, devem ter assento na parte fáctica da sentença ou do acórdão). Com efeito, resultando não provados os pontos 6 a 9, o mais é conclusivo quanto à dita «não intervenção nesta ocorrência», pelo que se trata de conclusão/valoração a ponderar em sede de decisão de direito. *** B) Matéria de facto 1. - Apreciada a impugnação recursiva da decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade provada a considerar para decisão do recurso: «1) No dia 22/08/2020, a responsabilidade civil adveniente de acidentes de viação causados pelo veículo de matrícula «..-..-RQ», marca «Rover», encontrava-se transferido para a R., através da apólice n.º ...83 [ALTERADO]. 2) O veículo de matrícula OAL (doravante OAL), de marca «Mercedes Benz», conduzido pelo Autor, circulava no sentido ... - ... e o veículo de matrícula ..-..-RQ (doravante RQ), propriedade de EE, e conduzido por FF, segurado na R., circulava no sentido oposto [ALTERADO]. «3) A faixa de rodagem tem 5,05metros de largura. 4) Os veículos seguiam a uma velocidade entre os 50km/h e os 70km/h. 5) O Autor, na hora e local acima indicados, dirigia-se para a cidade ..., em condução no seu sentido de marcha, pela respetiva hemifaixa de rodagem.». 6) a 9) [NÃO PROVADOS] 10. A via, trata-se de uma estrada municipal, com piso de alcatrão que tinha sido recentemente colocado, com bermas ainda por finalizar (à data), sem separador central nem marcação do pavimento (que agora já existe), bem como sem rails laterais [ALTERADO]. «11) O condutor do veículo Rover ..-..-RQ assumiu inteira responsabilidade pela ocorrência.». 12) À data de 22/08/2020, o veículo OAL apresentava os seguintes danos: ([18]). [mostra-se digitalizada parte de um documento, a fls. 273 v.º do processo físico, em modo fotográfico, impedindo o uso em modo de tratamento de texto Desse documento consta: «LISTA DE PEÇAS», com discriminação de peças e valores, ascendendo ao montante total de «9971.06 €»] ([19]) - [ALTERADO]. «13) Valor a que terá de acrescer o custo de pintura e mão de obra, nunca inferior, no seu conjunto a €1.000,00 (mil euros).». 14) os danos no OAL em 22/08/2020 ascendiam a € 10.971,06, sendo que, o Autor juntamente com o Perito da Ré, acordaram fixar o valor em €10.000,00 (dez mil euros) [ALTERADO]. 15) À data de 22/08/2020, o veículo OAL apresentava danos que o impossibilitavam de circular [ALTERADO]. «16) Tal veículo destinava-se a comercialização, tendo o Autor ido buscar o mesmo à ..., custeando a sua compra e a sua legalização, por forma a posteriormente o poder vender. 17) À data do sinistro, o Autor era proprietário dos seguintes veículos: i) ... – matrícula ..-..-SF; ii) ... – matrícula ..-UX-..; iii) ... ..., matrícula ..-BR-..; iv) II – matrícula ..-CQ-..; v) ... – matrícula ..-BD-..; vi) ... – matrícula TS-..-..; vii) JJ– matrícula PH-..-... 18) O Autor, até pela actividade profissional que exerce, ainda que ocasionalmente, como vendedor de automóveis, já teve muitos veículos em seu nome, não sendo todos, todavia, para seu uso pessoal. 19) Na sequência da participação do ocorrido, a Ré ordenou a realização de uma peritagem, com vista ao apuro do valor dos danos sofridos pelo veículo OAL, a qual decorreu na oficina A..., Lda., no dia 26/08/2020, naturalmente indicada pelo autor, por ser seu responsável. 20) O período necessário à reparação ascendia a 04 (quatro) dias. 21) De acordo com a estimativa de reparação desta viatura, efectuada pelo avaliador nomeado pela Ré, em conjunto com o Autor, responsável técnico da sobredita oficina, foi possível efectuar uma acta de avaliação de prejuízos, a título condicional, onde ficou consignado por ambas as partes, e no dia 10/09/2020, que, por todos os prejuízos ocasionados pelo presente, se cifrariam em €10.000,00 (dez mil euros).». 2. - E resulta julgado como não provado: «A) Até à sua venda, o Autor pretendia circular com o OAL. B) O ... serve de carro de cortesia para Clientes da Oficina quando da reparação/revisão dos seus veículos. C) O ... é conduzido pela sua filha, que reside em .... D) O ... ... é conduzido pela esposa. E) A II é utilizada para serviço de oficina. F) O ... serve para trabalhos agrícolas. G) O ... serve para trabalhos agrícolas. H) O JJ é um trator agrícola.». I) [ELIMINADO]. «J) Após o acidente, era pacífico e consensual que o veículo RQ poderia circular. K) Chamar o reboque para o veículo RQ foi com o único propósito de conceder credibilidade ao sinistro participado. L) Junto ao ..., foi dito por populares que o condutor do veículo “seguro” disse que os danos produzidos para os lados de ..., numa lomba, por causa de um outro veículo que vinha em sentido contrário e em contramão e que a responsabilidade nem lhe poderia ser atribuída. M) O início da reparação ficou marcada para o dia 31/08/2020.». N) Imediatamente antes do sinistro, o condutor do RQ, ao fazer uma curva à direita (sentido que trazia), permitiu que a viatura que tripulava saísse da estrada e entrasse na berma direita (sentido que trazia), berma essa ainda em piso térreo, visto que o pavimento em alcatrão tinha sido recentemente colocado e a berma ainda não estava ao nível ao alcatrão. O) E permitiu que, logo a seguir, ao tentar retomar a via, o RQ atravessasse a hemifaixa direita (sentido que trazia) e passasse a circular pela hemifaixa esquerda – destinada ao trânsito em sentido contrário. P) Dessa forma indo colidir, com a frente esquerda do RQ, na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário, pela respectiva hemifaixa de rodagem. Q) Nessa sequência, o veículo OAL foi embater com a frente-direita numa árvore que se encontrava ao longo da via, do seu lado direito.
C) Matéria de direito Da (in)existência do acidente e decorrentes danos, fundamento da obrigação indemnizatória Importa agora, na lógica do recurso, referir que este assentava na procedência da impugnação da decisão de facto, de molde a afastar a existência/verificação do próprio acidente e decorrentes danos, o que, no essencial, foi conseguido pela Apelante. Assim, enquanto na sentença condenatória em crise se deu como provada a existência daquele acidente e decorrentes danos, ademais, imputados a conduta culposa do condutor do veículo seguro, o qual até se responsabilizou pelo evento – embora soubesse que a responsabilidade indemnizatória estava transferida para outrem, a R., por força de contrato de seguro obrigatório automóvel, com outro tomador –, o certo é que, ante a procedência da dita impugnação da decisão de facto, resulta não apurada a existência/ocorrência do acidente de viação com intervenção do veículo seguro («Rover»). E é sabido que, na ação indemnizatória por acidente de viação culposo (responsabilidade por facto ilícito), o ónus da prova dos factos tendentes a demonstrar os pressupostos legais da obrigação de indemnizar cabe ao respetivo autor (cfr. art.ºs 483.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, ambos do CCiv.). Assim sendo – como forçosamente é –, encontra-se agora julgado como não provado que: - o condutor do veículo seguro, ao fazer uma curva à direita (sentido que trazia), permitiu que a viatura que tripulava saísse da estrada e entrasse na berma direita (sentido que trazia); - permitindo que, logo a seguir, ao tentar retomar a via, o veículo seguro atravessasse a hemifaixa direita (sentido que trazia) e passasse a circular pela hemifaixa esquerda – destinada ao trânsito em sentido contrário; - dessa forma indo colidir, com a frente esquerda do veículo seguro, na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário, pela respetiva hemifaixa de rodagem; - nessa sequência, o veículo OAL foi embater com a frente-direita numa árvore que se encontrava ao longo da via, do seu lado direito. Termos em que, nem o alegado acidente, nem os danos que a viatura do A. efetivamente apresenta(va), são suscetíveis de imputação, neste âmbito litigioso, ao condutor do veículo seguro – apesar da assunção declarada de responsabilidade por este, mas que nem é parte na causa, nem vincula, obviamente, a R./Recorrente ([20]) –, o que afasta qualquer obrigação indemnizatória pela seguradora aqui demandada. Em suma, não verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, importa revogar a sentença recorrida e absolver a R./Apelante do pedido. Procede, pois, a apelação. IV – Decisão Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação, revoga-se, em consequência, a decisão recorrida, assim se absolvendo a R./Apelante, na improcedência da ação, do contra si peticionado. Custas da ação e da apelação pelo A./Recorrido, vencido em ambas as instâncias (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
*** Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Coimbra, 27/06/2023 Vítor Amaral (relator)
Fernando Monteiro
Fonte Ramos ([1]) “Seguradoras Unidas, S. A.”, segundo a peça recursiva, apresentada em 01/02/2023. ([2]) Onde foi julgada improcedente a exceção deduzida de invalidade do contrato de seguro. ([3]) Datada de 02/12/2022. ([4]) Cujo teor se deixa transcrito (com destaques retirados). ([5]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado. ([6]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes. ([7]) Com o seguinte teor: «1) No dia 22 de Agosto de 2020, pelas 8:00 horas, na Estrada Municipal n.º ...46, na localidade de ..., concelho e distrito ..., ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo, marca Mercedes, com a chapa de matrícula OAL, propriedade do aqui Autor, e naquele momento conduzido por si, e o veículo com a chapa de matrícula ..-..-RQ, marca ROVER, propriedade de EE, assegurado pela aqui Ré e para quem este transferiu a sua responsabilidade civil adveniente de acidente de viação através da apólice n.º ...83.» (itálico aditado). ([8]) Por sua vez, com a seguinte redação: «8) Dessa forma indo colidir, com a frente esquerda do RQ, na frente esquerda do OAL, que circulava em sentido contrário, pela respectiva hemifaixa de rodagem.». ([9]) Invoca «prova documental e testemunhal», conjugadas com «as leis da física» e as «regras da experiência de vida» (conclusão 5.ª). ([10]) A afirmação do A. no sentido de que, «ao retirar o veículo do local para o estacionar no caminho de terra onde se encontrava quando os reboques chegaram, o pára-choques enterrou-se na terra e os plásticos arrastaram-se por debaixo do carro, tendo sido necessário retirá-lo, arrancando o resto das componentes», mostra, de per si, a importância dos danos que já, então, apresentava. Por outro lado, se o veículo não se podia deslocar pelos próprios meios, tendo sido chamado o reboque para o transportar, e se encontrava imobilizado contra a árvore (fora da faixa de rodagem), não se vislumbram motivos para ser levado/retirado, antes de o reboque chegar, para outro local. A este propósito, refere o A./declarante que não queria que toda a gente passasse ali e visse o carro assim. Porém, para além de ser um sábado de manhã e a via não aparentar ser muito movimentada, não é comum retirar um veículo acidentado do local para o esconder de quem passava, mais ainda quando se transmite a ideia de que parte substancial dos danos na frente do «Mercedes» ocorreu ao retirar o veículo do local do acidente. ([11]) Referiu que é proprietário de uma oficina e que adquire veículos automóveis, como o «Mercedes» em causa, que depois usa até os conseguir vender, indo buscar veículos ao estrangeiro, como no caso. ([12]) Uma árvore jovem – diga-se – de tronco (manifestamente) fino, como resulta, de forma clara, do conjunto das fotografias juntas (as alusivas ao local e que representam tal árvore). ([13]) O A. referiu mesmo que o seu veículo ficou imobilizado contra a árvore, após ter nela embatido com a sua frente direita, sendo, todavia, que o farol esquerdo foi o mais danificado. ([14]) A testemunha BB (perito averiguador, cuja empresa, de que é sócio-gerente, presta serviços à R.) – com depoimento gravado também ouvido nesta Relação – reportou-se ao seu relatório junto aos autos, salientando os «danos avultadíssimos no veículo terceiro», enquanto os danos no veículo seguro «eram pequeninos, eram poucos». Quando fotografou o veículo seguro, foi-lhe dito que o mesmo poderia circular. O outro veículo era importado, sem seguro que garantisse danos próprios, tendo-o o depoente visto na oficina do A.. O depoente fez análise ao local e aos veículos aludidos (e respetivos danos), concluindo pela desproporcionalidade entre danos num e noutro. A árvore em causa, por outro lado, era «um pequenino carvalho, da grossura do braço do depoente» e «estava bem verdinho» (quando o depoente foi ao local). Quanto ao embate contra a árvore, os danos no carvalho eram «na lateral» (do tronco), por referência à trajetória do «Mercedes» (não em face da posição de frente deste). As marcas «na lateral» do carvalho aparentavam ter sido produzidas por machado (sinais de corte, na parte superior). Um embate com a frente do «Mercedes» teria de ser noutra parte do tronco do carvalho, em termos de lado e de altimetria deste (conclusão a que chegou com o uso de régua, como consta fotografado nos autos). A árvore, em caso de embate sem travagem, teria de ficar «tombada» ou «muito descascada», o que não ocorreu. Não é normal cortar os airbags de um veículo sinistrado enquanto está em processo de averiguação. Para existir abertura de airbag tem de haver um embate frontal. ([15]) O próprio custo das peças necessárias para reparação, em valor de aproximadamente € 10.000,00, denuncia a magnitude dos danos existentes. ([16]) É certo que foi produzida prova pessoal no sentido afirmativo da tese fáctica do A., maxime, as declarações de parte deste e o depoimento da testemunha FF. Porém, não é por a parte vir reafirmar o que alegou em sede de articulados e uma testemunha corroborar essa versão que o Tribunal terá de acreditar no assim relatado, mormente se ilógico ou inverosímil, por contrário às regras da lógica, da física e da experiência comum ou do normal acontecer, sendo bem conhecida a falibilidade de tal prova pessoal (não é por alguém dizer que um facto aconteceu que necessariamente esse facto aconteceu e teve lugar nos precisos termos afirmados, cabendo ao Tribunal valorar as provas, conjugando-as e analisando-as de forma crítica, para discernir se o facto efetivamente ocorreu ou se a realidade – as leis por que se rege o mundo real – impede que se conclua desse modo). ([17]) Quanto à testemunha FF, referiu esta – ouvida a gravação do seu depoimento nesta Relação – que o embate se concretizou entre as frentes esquerdas dos dois veículos (após o que o depoente parou logo à frente), sendo que o veículo do A. ainda foi embater contra uma árvore («o carro estava enfeixado na árvore») e ninguém mais presenciou o acidente. Referiu que o depoente poderia vir a circular a 40/50 kms/hora, tendo deixado descair o carro para a berma, por distração, após o que, ao retomar a via, o carro lhe fugiu para a mão contrária, dando-se a colisão. Esta traduziu-se num impacto «esquina com esquina» e «fez mola». O veículo «Rover», já com muitos anos, não circulou mais na via, «foi para a sucata», posteriormente (não o mandou reparar, pois passou a circular com um carro do seu pai). ([18]) Cabe dizer que a digitalização e colagem de documentos (em modo fotográfico), ou de partes de documentos, no elenco dos factos provados, para além de não fazer a necessária destrinça adequada entre factos e documentos, não corresponde ao imperativo de discriminação fáctica a que alude o art.º 607.º, n.º 3, do NCPCiv., recorrendo/incorrendo, em nova versão, na difundida confusão de pretérito entre factos e documentos, quando, em adoção de prática não adequada, se dava simplesmente por reproduzido na parte fáctica da sentença o teor de determinados documentos, muito embora bem se soubesse que uma coisa são os factos e outra os documentos, que são apenas (estes) elementos de prova, servindo, pois, para prova dos factos, uns (os factos) a terem assento na parte fáctica da sentença e outros (os documentos) a serem, enquanto elementos/meios de prova, atendidos/valorados na justificação da convicção probatória do Tribunal (cfr. n.ºs 4 e 5 do mesmo art.º), e não mais. Bem se entende, assim, o exarado no Ac. TRC de 08/03/2022, Proc. 586/16.8T8PBL-C.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: «A Mm.ª Juíza a quo não elaborou a sentença segundo o disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC. // Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude em (…), supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar, expressamente, os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor. // Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz selecionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa (…)» (itálico aditado). ([19]) V. documento junto a fls. 102 e v.º do processo físico. ([20]) Com a qual nem sequer mantém relação contratual, por não ser o tomador do seguro. |