Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
325/06.1TBTBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
REQUISITOS
RESPONSABILIDADE CIVIL IN CONTRAENDO
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 227º, 410º E 414º DO CIVIL.
Sumário: I – Dos acordos preparatórios, dada a sua evidente natureza não contratual, emergem apenas deveres pré-contratuais de negociação, de procedimento e de diligência no contexto do iter negocial ou de conclusão do contrato negociado e, portanto, qualquer patologia no processo do seu cumprimento remete, naturalmente, para os quadros da culpa in contraendo, da responsabilidade pré-contratual (artº 227º do Código Civil).

II - Diferentemente, os acordos contratuais – i.e., os instrumentos jurídicos de natureza contratual destinados a preparar ou a coadjuvar um contrato – situam-se, não no plano da negociação, mas já no da formação daquele contrato e – mais do que isso – representam em si mesmos contratos autónomos, perfeitamente vinculativos e definitivos entre as partes.

III - É nesta categoria que se inserem os contratos preliminares ou preparatórios, i.e., os contratos que são concluídos justamente tendo em vista a ulterior celebração de um contrato principal ou definitivo. São deles exemplo, os pactos de preferência, os contratos de opção, os contratos condicionais e, muito exacta e evidentemente – o contrato promessa (artºs 270º, 410º e 414º do Código Civil).

IV - Contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obrigado a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410º, nº 1 do Código Civil).

V - Distinção relevante é a que separa o contrato promessa monovinculante e o contrato promessa bivinculante: no primeiro apenas uma das partes se encontra adstrita à obrigação de celebrar o contrato definitivo; no segundo essa obrigação vincula ambos os contraentes (artº 411º do Código Civil).

VI - Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido.

VII - De harmonia com o princípio da equiparação, o regime do contrato promessa é o do contrato definitivo. Com duas excepções: no tocante á forma; relativamente às disposições que, por sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas ao contrato promessa (artº 410º, nº 1 do Código Civil).

VIII - Em princípio, o contrato promessa origina prestações de facto jurídico – a celebração do contrato definitivo; são-lhe, por isso, inaplicáveis, todas as proposições que regulamentem, a nível do contrato definitivo, prestações de facto material ou prestações de coisa.

IX - Como do contrato promessa emergem simples direitos a prestações, ele não tem, nunca, a virtualidade de alterar a titularidade da coisa objecto mediato do contrato definitivo prometido. A falta de legitimidade – substantiva – para a celebração do contrato definitivo prometido, não é, portanto, de per se, causa de invalidade da promessa.

X - Maneira que o contrato promessa de venda de bem alheio é perfeitamente válido: o contrato fica sujeito ao regime da venda de bens futuros, com o consequente afastamento da nulidade resultante do carácter alheio da coisa (artºs 892º e 893º do Código Civil).

XI - A apontada excepção ao princípio da equiparação explica também que o contrato promessa celebrado por um dos cônjuges, na posição de promitente vendedor, sem o consentimento do outro, mesmo nos regimes de comunhão de bens, seja inteiramente válido (artº 1682º-A do Código Civil).

XII - O contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes (artº 410º, nº 2 do Código Civil).

XIII - Trata-se de uma formalidade ad substantiam: a sua violação gera, nos termos gerais, a nulidade do contrato promessa (artº 220º do Código Civil).

XIV - Declarada a nulidade, estabelece-se entre as partes, por força do carácter retroactivo dessa declaração, uma relação de liquidação, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, caso a restituição em espécie não seja possível, o valor correspondente (artº 289º, nº 1 do Código Civil).

XV - A responsabilidade in contraendo obriga a indemnizar (artº 227º, nº 1 do Código Civil).

XVI - Discute-se, porém, se essa responsabilidade tem natureza aquiliana ou antes obrigacional. A maioria da doutrina – com apoio de alguma jurisprudência – inclina-se para a sua qualificação como responsabilidade obrigacional, com fundamento na existência de um prévio dever de prestar, constituído, por influxo da lei, com o início dos contactos negociais, sendo francamente minoritária a doutrina que a concebe como responsabilidade ex-delicto ou mesmo que a situe, reconhecendo-lhe uma autonomia institucional, num meio-termo entre aquela e esta espécie de responsabilidade.

XVII - Daqui vem que a interrupção das negociações para a formação de um contrato é, em princípio, lícita. Só não o será se, tendo sido criada por uma das partes, durante o diálogo contratual, a expectativa justificada da conclusão, prorrogação ou renovação de um contrato, a outra parte frustrar essa expectativa em circunstâncias que devam ser consideradas desleais.

XVIII - Deslealdade que será evidente se a ruptura contratual envolver a violação de algum acordo pré-contratual final – como sucederá, decerto, no caso de um acordo sobre o texto final escrito – em que, portanto, só falta para a conclusão do contrato, a sua subscrição pelos contraentes, que consiste na aposição, no final documento, de assinatura ou de outro meio de autenticidade equivalente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

J… e P… pediram ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Tábua contra A… e cônjuge M…:

a) A condenação dos réus a ressarci-los na quantia global de € 43 850,63, atendendo a que não agiram nos preliminares e formação do negócio com a boa fé e lisura negocial que seriam exigíveis, ou, subsidiariamente,

b) Atenta a nulidade do contrato promessa verbal de compra e venda, por falta de forma, a condenação dos réus a devolver-lhes a quantia que lhes foi entregue na execução do contrato promessa, no valor de € 34 000,00;

c) Por via do comportamento reprovável, uma vez que os réus não agiram nos preliminares e formação do negócio com a boa fé e lisura negocial que seriam exigíveis, a condenação dos réus a ressarci-los na quantia de € 9 850,63, ou, subsidiariamente;

d) Por via do enriquecimento sem causa, a condenação dos réus devolver-lhes a quantia de € 34 000,00 que receberam na execução do contrato promessa frustrados;

e) A condenação dos réus a pagar-lhes juros à taxa legal sobre as quantias peticionados, contados desde a data da citação até integral pagamento.

Fundamentaram estas pretensões no facto de pretenderem construir uma vivenda com mais de 1.200 m2, com uma grande área de jardim para instalar estufas de flores e uma zona verde de lazer, para criar cavalos, de os réus os terem convencido que eram proprietários do prédio rústico sito em Carvalhal Mindo, Midões, Tábua, matricialmente inscrito sob o artigo 3…, com a área de 4.400 m2 e que estavam em condições de adquirir todos os outros prédios confinantes, de modo a vender-lhes a área prometida de 15 hectares, comprometendo-se a, uma vez adquiridos, aglomerá-los numa só inscrição matricial e numa só descrição predial; de em Junho de 2004 terem, verbalmente, prometido comprar e os réus prometido vender, por € 185.000,00, a pagar no acto de escritura, a realizar até finais de Novembro de 2004, um prédio rústico com 15 hectares, sito em Carvalhal Mindo, com uma descrição predial e uma inscrição matricial única, de terem aceite o negócio por os réus os convenceram que estavam em condições de transmitir o prédio com a área de 15 hectares, o que era do conhecimento dos réus, de haverem entregue aos réus a quantia de € 30.000,00 que estes pediram adiantado, por conta do preço final, para agilizar a compra dos diversos prédios, tendo, em 6 de Maio de 2005, outorgado, como garantia relativa ao adiantamento do dinheiro, a escritura de compra e venda de cinco prédios rústicos e um urbano, com a área de 18.696 m2, insuficiente para a obtenção da licença de construção, de haverem entregue aos réus, a título de sinal e pagamento do preço de mais quatro artigos rústicos, a quantia de € 4 000,00, de os réus se terem negado a fazer a escritura destes prédios, exigindo-lhes, além do valor acordado, mais € 55 000,00, o que não aceitaram, e de terem descoberto que o prédio matricialmente inscrito sob o artigo 3…, situado no coração da unidade predial que se propunham adquirir, nunca fora dos réus, com falsa e repetidamente afirmaram, tendo acabado por comprá-lo, por € 6 000,00 aos seus donos, tendo perdido, por o negócio efectuado com os réus se não ter concluído, o sinal de € 5.000,00. que entregaram ao empreiteiro, devendo os réus ressarci-los dos custos que suportaram com a escritura, registos e IMT no valor de € 2.350,63 e dos danos com deslocações, representação legal e estadia, no valor de € 2.500,00.

Os réus defenderam-se alegando, designadamente, que G… e E… lhe propuseram que adquirissem os terrenos envolventes da Quinta do Vale da M…, matricialmente inscrita sob os artigos 3…, …, para posteriormente serem vendidos aos autores; que após o réu ter adquirido estes prédios, G… lhe solicitou, por os autores necessitarem de um prédio com 40.000 m2, a aquisição de outros por € 45.000,00, tendo-lhe entregue a quantia de € 5.000,00 para essa aquisição, e, no total, perante a aquisição pelos réus de outros prédios, a de € 30.000,00; que o réu adquiriu os prédios matricialmente inscritos sob os artigos 3…, tendo outorgado no dia 8 de Maio de 2005 a escritura dos prédios matricialmente inscrito sob os artigos 3…, cujo preço total ascendia a € 75.000,00, tendo aceite outorgá-la com a garantia de que iriam receber a parte do preço excedente a € 30.000,00, que encontrando-se prontos para vender os prédios inscritos sob os artigos 3…, pelo preço de € 7.817,60, haverem declarado que só assinavam a escritura se recebessem a totalidade do preço dos prédios que já haviam vendido e dos que nela venderiam, o que os autores recusaram, que não houve qualquer negociação de terrenos sitos na Freguesia de M… e que o réu apenas se comprometeu a vender os seus prédios na Quinta da M… e a adquirir os confinantes, até atingir € 40.000,00, pelo preço de € 120.000,00, que seria pago no acto da escritura, para qual não foi acordada qualquer data.

Os réus pediram, em reconvenção, a condenação dos autores a cumprirem na íntegra o contrato promessa de compra e venda verbalmente celebrado entre estes, no qual os réus prometeram vender e os autores prometeram comprar prédios rústicos, confinantes entre si, sitos no Vale da M…, com a área total de 40.000 m2, pelo preço de € 120.000,00, e, em consequência, a condenação dos autores:

a) A pagarem-lhes a parte por liquidar do preço acordado pela venda prédios objecto da escritura pública celebrada em 6 de Maio de 2005;

b) A pagarem-lhes o preço dos restantes prédios adquiridos para venda aos autores, no valor de € 86.000,00;

c) A adquirirem dos réus o direito de propriedade dos restantes prédios já adquiridos para venda aos autores;

d) A pagarem-lhes a quantia de € 1.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação dolosa dos autores, no total de € 87.000,00, acrescida de juros de mora á taxa legal até integral pagamento, ou, subsidiariamente;

a) Ser declarado o incumprimento pelos autores do contrato promessa de compra e venda e, em consequência, ser declarado:

b) O direito dos réus a fazerem seu o montante do sinal recebido - € 34 000,00 - e, bem assim,

c) Serem os autores condenados ainda a restituírem-lhes o direito de propriedade sobre os prédios objecto da escritura pública celebrada em 6 de Maio de 2005, ou, subsidiariamente serem os autores condenados a pagar-lhes a quantia de € 61.890,00, a título de pagamento do preço dos prédios objecto da escritura pública e dos prédios cuja propriedade foi adquirida no interesse dos autores.

Oferecidos os articulados de réplica e de tréplica, seleccionada e julgada a matéria de facto, a sentença final da causa – depois de observar que as declarações negociais das partes não têm a virtualidade de se converterem num contrato promessa bilateral de compra e venda, que ainda que se entenda possível consubstanciar a existência de contrato promessa, este atenta a nulidade por vício de forma, nunca teria chegado a nascer, que inexistem factos provados que permitam imputar a qualquer uma das partes uma conduta merecedora de censura, em termos de consubstanciar a violação dos ditames da boa fé, que inexistia falta de causa justificativa para a entrega da quantia de € 30.000,00 mas que quanto à de € 4.000,00 se afigurava ter pertinência o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa – julgou a reconvenção improcedente e a acção parcialmente procedente, e condenou os réus a restituírem aos autores a quantia de € 4.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

É esta sentença que os autores impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem a condenação dos recorridos a devolver-lhes a quantia de € 34.000 recebidos a título de preço, bem como as despesas em que incorreram no valor de € 2.350, acrescido dos legais juros entretanto vencidos.

Os recorrentes condensaram a sua alegação nestas conclusões:

Não foi oferecida resposta.

2. Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:

3.

4. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

A sentença impugnada foi terminante em concluir, de um aspecto, que as declarações negociais das partes não assumem a virtualidade de se converterem num contrato promessa bilateral de compra e venda verbal, relativamente ao qual se verifica a inexistência de um conteúdo mínimo que de algum modo possa concretizar as obrigações de cada um dos contraentes e, de outro, pela inexistência de factos provados que permita imputar, a qualquer uma das partes, um conduta merecedora de censura, em termos de consubstanciar a violação dos invocados ditamos de boa fé.

Os recorrentes discordam, insistindo, por um lado, na conclusão entre as partes de um contrato promessa de compra e venda de coisa futura, ferido com o vício da nulidade, por inobservância da forma escrita legalmente exigível e, por outro, na constituição dos apelados num dever de indemnizar com fundamento numa responsabilidade pré-contratual.

Portanto, de todas as causas petendi alegadas e apreciadas na instância recorrida, os recorrentes selecionaram apenas aquelas duas como fundamento do recurso. Como consequência da vinculação desta Relação à impugnação dos recorrentes, caso se deva concluir que qualquer daqueles fundamentos da impugnação não é exacto, a improcedência do recurso é meramente consequencial.

Nestas condições, tendo em conta os parâmetros de cognição desta Relação definidos pelo conteúdo da sentença impugnada e da alegação dos recorrentes, a questão concreta que importa resolver é a de saber se a sentença apelada deve ser revogada e substituída por outra que, com fundamento na nulidade, por vício de forma, do contrato promessa de compra e venda concluído entre os apelantes e os apelados, ou na culpa in contraendo, condene os últimos a restituir aos primeiros as quantias de € 34.000,00 e de € 2.350,00, respectivamente, acrescidas da indemnização moratória correspondentes aos juros legais.

A resolução destes problemas vincula, naturalmente, por um lado, ao exame dos requisitos do contrato promessa e ao seu contraste com figuras que surgem ao longo da formação dos contratos e, por outro, à aferição dos pressupostos da responsabilidade pré-contratual.

3.2. Requisitos do contrato promessa.

De harmonia com o modelo clássico, o contrato é encarado como o produto do encontro de vontades de dois ou mais sujeitos jurídicos, numa pressuposta situação de igualdade. O iter contractus apenas se inicia com as declarações negociais das partes – proposta e aceitação – remetendo-se para segundo plano toda a fase preliminar ou preparatória que conduz à emissão daquelas declarações negociais.

Todavia, a verdade é que a observação sociológica mostra, irrecusavelmente, que os contratos são muitas vezes precedidos de um período, mais ou menos longo, de preparação, discussão e negociação entre as partes, realidade dinâmica que pode ser caracterizada como contrato in intinere.

Esta fase prévia ou preliminar, frequentemente designada pré-contratual, assume um relevo prático cada vez maior, e é, além disso, extraordinariamente rica, compreendendo uma constelação de actos preparatórios tanto de natureza material - reuniões, estudos, orçamentos, etc. - como de natureza jurídica – minutas, actas de reuniões, etc.

A conclusão do contrato é, por isso, muitas vezes precedida de acordos pré-contratuais de carácter preliminar ou instrumental relativamente àquele contrato.

Uma dicotomia de claro valor explicativo é o que separa os acordos pré-contratuais em acordos não contratuais - também denominados, por vezes, de acordos intermédios - e acordos contratuais[1].

Constituem modalidades fundamentais dos acordos não contratuais - i.e. os instrumentos jurídicos, sem natureza contratual, auxiliares da negociação de um determinado contrato, que têm por fundamento final determinar a forma como as negociações das partes contratantes de processarão ou para documentar o estado dessas negociações num momento determinado – os acordos de princípio ou cartas de intenção ou protocolos de acordo, e os acordos de base.

Os acordos de princípio são simples ou puros acordos de negociação, através dos quais as partes se vinculam apenas a desenvolver os melhores esforços para concluir as negociações, deixando intacta, por inteiro, a sua liberdade de celebrar ou não o contrato; os acordos de base, que comportam uma miríade infindável de tonalidades, cristalizam o consenso dos contraentes sobre os essentialia negotii, vinculando-se as partes a prosseguir as negociações de modo a obter esse mesmo consenso sobre os pontos secundários ou complementares ainda em aberto. Tanto uns como outros são acordos pré-contratuais intermédios, tendo apenas por efeito a criação de deveres pré-contratuais de iniciar ou de prosseguir nas negociações. Esta circunstância permite distingui-los dos acordos pré-contratuais finais, que surgem no termo final das negociações, e têm este efeito característico: a constituição do dever, ainda de clara natureza pré-contratual, de contratar.

Destes acordos preparatórios, dada a sua evidente natureza não contratual, emergem apenas deveres pré-contratuais de negociação, de procedimento e de diligência no contexto do iter negocial ou de conclusão do contrato negociado e, portanto, qualquer patologia no processo do seu cumprimento remete, naturalmente, para os quadros da culpa in contraendo, da responsabilidade pré-contratual (artº 227 do Código Civil)[2].

Diferentemente, os acordos contratuais – i.e., os instrumentos jurídicos de natureza contratual destinados a preparar ou a coadjuvar um contrato – situam-se, não no plano da negociação, mas já no da formação daquele contrato e – mais do que isso – representam em si mesmos contratos autónomos, perfeitamente vinculativos e definitivos entre as partes.

É nesta categoria que se inserem os contratos preliminares ou preparatórios, i.e., os contratos que são concluídos justamente tendo em vista a ulterior celebração de um contrato principal ou definitivo. São deles exemplo, os pactos de preferência, os contratos de opção, os contratos condicionais e, muito exacta e evidentemente – o contrato promessa (artºs 270, 410 e 414 do Código Civil).

Contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obrigado a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410 nº 1 do Código Civil)[3].

Distinção relevante é a que separa o contrato promessa monovinculante e o contrato promessa bivinculante: no primeiro apenas uma das partes se encontra adstrita à obrigação de celebrar o contrato definitivo; no segundo essa obrigação vincula ambos os contraentes (artº 411 do Código Civil).

Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido.

De harmonia com o princípio da equiparação, o regime do contrato promessa é o do contrato definitivo. Com duas excepções: no tocante á forma; relativamente às disposições que, por sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas ao contrato promessa (artº 410 nº 1 do Código Civil).

Em princípio, o contrato promessa origina prestações de facto jurídico – a celebração do contrato definitivo; são-lhe, por isso, inaplicáveis, todas as proposições que regulamentem, a nível do contrato definitivo, prestações de facto material ou prestações de coisa.

Como do contrato promessa emergem simples direitos a prestações, ele não tem, nunca, a virtualidade de alterar a titularidade da coisa objecto mediato do contrato definitivo prometido. A falta de legitimidade – substantiva – para a celebração do contrato definitivo prometido, não é, portanto, de per se, causa de invalidade da promessa. Maneira que o contrato promessa de venda de bem alheio é perfeitamente válido: o contrato fica sujeito ao regime da venda de bens futuros, com o consequente afastamento da nulidade resultante do carácter alheio da coisa (artºs 892 e 893 do Código Civil)[4]. A apontada excepção ao princípio da equiparação explica também que o contrato promessa celebrado por um dos cônjuges, na posição de promitente vendedor, sem o consentimento do outro, mesmo nos regimes de comunhão de bens, seja inteiramente válido (artº 1682-A do Código Civil)[5].

O contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes (artº 410 nº 2 do Código Civil). Trata-se de uma formalidade ad substantiam: a sua violação gera, nos termos gerais, a nulidade do contrato promessa (artº 220 do Código Civil). Declarada a nulidade, estabelece-se entre as partes, por força do carácter retroactivo dessa declaração, uma relação de liquidação, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, caso a restituição em espécie não seja possível, o valor correspondente (artº 289 nº 1 do Código Civil).

A linearidade das definições dos acordos que se podem surpreender no iter negocial, não deve, porém, fazer esquecer as inevitáveis dificuldades da sua qualificação e da consequente determinação do regime jurídico aplicável em cada caso concreto, problema que deve ser resolvido, em última extremidade, no domínio da interpretação, à luz das regras e cânones hermenêuticos que a lei disponibiliza ao intérprete e ao aplicador (artº 236 do Código Civil). É evidente que o nome adoptado pelas partes, sendo embora um indício relevante, nem sempre decide da natureza jurídica destes convénios, desde logo, porque, por vezes, a ambiguidade serve como solução possível para resolver ou adiar divergências de intenções das partes.

No limite é mesmo possível concluir, após o adequado esforço interpretativo, que certos acordos com as designações, por exemplo, de cartas de intenção ou de protocolos de acordo, são verdadeiros contratos promessa ou até mesmo acabados contratos definitivos.

Para o universo das nossas preocupações releva, naturalmente, a distinção entre os acordos pré-contratuais e o contrato promessa. Recorde-se que a sentença impugnada foi terminante em negar ao acordo invocado como causa petendi pelos recorrentes a qualidade de contrato promessa.

O critério essencial de distinção entre acordos pré-contratuais intermédios e o contrato promessa decorre do princípio da equiparação entre este último contrato e o contrato para cuja conclusão se mostra funcionalmente dirigido: o contrato definitivo prometido (artº 410 nº 1 do Código Civil). De harmonia com este critério, para que haja contrato é indispensável que o acordo esteja completo em todos os elementos considerados necessários por qualquer das partes: a relativa rigidez do contrato promessa supõe, designadamente, que o objecto contratual do contrato definitivo já se mostre individualizado no contrato promessa ou, ao menos, que seja individualizável através dele (artº 232 do Código Civil)[6].

A completude ou a determinabilidade do contrato definitivo pode ser aferida através de dois testes[7]: um teste material, segundo o qual há contrato promessa se, estando determinados ou forem determináveis por interpretação os elementos essenciais do contrato prometido, não faltar um elemento que não possa ser suprido pelos critérios de integração de lacunas (artº 239 do Código Civil); um teste prático, segundo o qual, a distinção entre negociação e conclusão de um contrato, seja este um contrato promessa ou o contrato definitivo, consiste em averiguar se, no caso concreto, há ou não necessidade de prosseguir nas negociações para obter o acordo final[8].

Já é outro, porém, o critério de distinção entre acordo pré-contratual final, i.e., aquele que emerge no terminus final das negociações e que tem por efeito típico a constituição de um dever pré-contratual de contratar, e contrato promessa, dado que ambos têm em comum as características da determinabilidade e da completude. Neste caso, a distinção deve assentar na suficiência formal do contrato promessa, por comparação com a insuficiência documental do acordo pré-contratual final, a que falta a forma solene ou assinatura das partes, ou de representantes com poderes bastantes.

3.3. Pressupostos do dever de indemnizar por responsabilidade pré-contratual.

A responsabilidade in contraendo obriga a indemnizar (artº 227 nº 1 do Código Civil). Discute-se, porém, se essa responsabilidade tem natureza aquiliana ou antes obrigacional. A maioria da doutrina – com apoio de alguma jurisprudência – inclina-se para a sua qualificação como responsabilidade obrigacional, com fundamento na existência de um prévio dever de prestar, constituído, por influxo da lei, com o início dos contactos negociais, sendo francamente minoritária a doutrina que a concebe como responsabilidade ex-delicto ou mesmo que a situe, reconhecendo-lhe uma autonomia institucional, num meio-termo entre aquela e esta espécie de responsabilidade[9].

Em qualquer caso, constitui conclusão indisputada que o facto de as partes manterem entre si contactos negociais não vincula, necessariamente, à celebração do contrato para cuja conclusão as negociações se mostram finalisticamente orientadas. Dado que as negociações visam, justamente, a obtenção de um acordo, as partes devem sempre contar com a possibilidade de esse acordo não ser alcançado e de a contraparte romper as negociações.

O princípio da liberdade contratual tem como dimensão positiva a liberdade de contratar – freedom to contract. Mas comporta, igualmente, uma dimensão negativa, a liberdade de não contratar – freedom from contract.

Daqui vem que a interrupção das negociações para a formação de um contrato é, em princípio, lícita. Só não o será se, tendo sido criada por uma das partes, durante o diálogo contratual, a expectativa justificada da conclusão, prorrogação ou renovação de um contrato, a outra parte frustrar essa expectativa em circunstâncias que devam ser consideradas desleais. Deslealdade que será evidente se a ruptura contratual envolver a violação de algum acordo pré-contratual final – como sucederá, decerto, no caso de um acordo sobre o texto final escrito – em que, portanto, só falta para a conclusão do contrato, a sua subscrição pelos contraentes, que consiste na aposição, no final documento, de assinatura ou de outro meio de autenticidade equivalente.

O dever de indemnizar não decorre, portanto, em regra, da infracção do dever de celebrar o contrato em negociação – mas da ofensa do dever de actuar segundo a boa fé, de que derivam, como deveres pré-negociais, segundo a enumeração mais comum, três tipos de deveres: de protecção; de informação e de lealdade[10]. Não deve, porém, excluir-se, de todo, a possibilidade de, da boa fé, emergir um dever de celebração do contrato, dever relevante, não no sentido de conferir ao lesado um direito ao cumprimento ou à execução específica da obrigação, mas de tornar indiscutível, segundo certo entendimento do problema, a constituição do lesante no dever de indemnizar não apenas o interesse negativo – mas o interesse positivo[11].

Porém, a responsabilidade civil pré-contratual, por violação das regras da boa fé na formação do contrato, não se restringe aos contratos não concluídos, embora seja esta a hipótese em que o instituto da culpa in contraendo tem conhecido recentemente maior desenvolvimento e mais aplicações. Para além desse caso, há dois outros conjuntos de situações típicas em que pode ocorrer uma responsabilidade daquela espécie: contratos inválidos ou ineficazes e contratos válidos e eficazes. Neste último caso, tem-se em vista, desde logo, os contratos convalidados que, por inacção do lesado, não tenham sido efectivamente anulados (artº 287 do Código Civil). Todavia, mesmo no tocante a contratos desprovidos ab initio de qualquer vício é também possível em abstracto – mas seguramente mais difícil em concreto – a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual[12]. Em qualquer caso deve exigir-se a demonstração a violação do dever pré-contratual – v.g., de informação, de lealdade ou outro – quer esse dever seja estabelecido por lei, com especial densidade, como sucede, por exemplo, nas relações de consumo ou de intermediação financeira, ou se deduza directamente da boa fé, portanto, sem amparo em qualquer preceito legai de concretização ou densificação.

Realmente, os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual são absolutamente simétricos aos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano - consistindo, neste domínio, a ilicitude na violação de algum dos deveres de boa fé pré-contratual, geralmente incluídos na tríade indicada: dever de protecção, dever de informação, dever de lealdade.

Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução do problema colocado pelos recorrentes à atenção desta Relação.

3.4. Concretização.

De harmonia com a matéria de facto apurada, dado o interesse dos recorrentes na aquisição de um prédio com pelo menos 4 hectares, o recorrido – e só ele - comprometeu-se a vender os seus prédios da Quinta da M…, matricialmente inscritos sob os artigos 3… rústico e 9… urbano, e ambos os recorridos - sabendo que os apelantes apenas estavam interessados no negócio se a área dos prédios fosse de pelo menos 4 hectares - comprometeram-se, verbalmente, a adquirir outros prédios confinantes com os seus, de modo a poderem vender aos recorrentes uma unidade predial com área não inferior a 40.000 m2, tendo os últimos prometido comprar-lhos; os recorrentes entregaram aos réus a quantia global de € 34.000,00, por conta da compra dos prédios que iriam efectuar aos recorridos; por escritura pública outorgada no dia 6 de Novembro de 2005, os apelados transferiram para os apelantes, os prédios matricialmente inscritos sob os artigos 3…-U, pelo preço de global de € 3.740,00 e 26.260,00, respectivamente, com a área total de 1,8696 hectares, tendo os recorrentes gasto com a escritura, com os registos e com IMT a quantia global de € 2 350,00; os apelados tinham prontos para vender aos apelantes os prédios matricialmente inscritos sob os artigos 3…, e preparando-se os recorrentes para outorgar a escritura de outros prédios adquiridos pelos apelados, designadamente aqueles, a escritura não foi outorgada por divergências ocorridas entre uns e outros, relativamente às quantias monetárias que estavam na base de tal negócio; no dia 29 de Outubro de 2005 os recorrentes adquiriram a … e outros, o prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo 3…, que não pertencia aos recorridos e se situava no coração da unidade predial que os recorrentes se propunham adquirir.

Segundo os recorrentes, entre eles e os recorridos foi celebrado, oralmente, um contrato promessa de compra e venda de coisa futura; diferentemente, a sentença apelada, acha que entre as partes não foi concluído um contrato promessa bilateral, por se verificar a inexistência de conteúdo mínimo que de algum modo possa concretizar as obrigações de cada um dos contraentes, designadamente – como acrescentou em nota de rodapé – a especificação da coisa prometida vender e o preço da venda que prometia efectuar.

O contrato de compra e venda de bens futuros é válido ainda que os bens alienados não estejam na disponibilidade do vendedor, por serem bens futuros, nada obstando, portanto, a que se celebre um contrato de compra e venda por parte de um vendedor que não disponha, pela razão indicada, dos bens (artº 880 nº 1 do Código Civil). No tocante aos bens futuros, há, porém, que fazer um distinguo entre os bens relativamente futuros – que existem na realidade, mas não se encontram na esfera jurídica do predisponente – e os bens absolutamente futuros – que não têm sequer existência material – in rerum natura – no momento da celebração do contrato (artº 211 do Código Civil). O primeiro caso respeita às coisas futuras que não estão em poder do predisponente no momento em que emite a declaração negocial, como sucede nos casos em que aquele que vende certa coisa ainda não é titular do direito que pretende alienar. A lei não impede, assim, que se proceda à venda, desde que essa situação – a falta de titularidade do direito – seja conhecida do comprador.

Se o comprador sabe que os bens adquiridos não estão na disponibilidade jurídica do vendedor, nada impede a celebração do contrato de compra e venda: a compra e venda de coisa alheia não se confunde com a venda de bens alheios, em que a falta de legitimidade não foi tida em conta (artº 892 do Código Civil). Como já se fez notar, o contrato promessa de venda de bem alheio é perfeitamente válido, dado que fica sujeito ao regime da venda de bens futuros.

Seria esse, justamente, no ver dos recorrentes, o caso objecto do recurso.

Uma leitura ainda que pouco detida da matéria de facto disponível, mostra, de um aspecto, que os prédios integrantes da Quinta da M… – os prédios matricialmente inscritos sob os artigos 3… e de que os recorridos eram titulares do direito real de propriedade – apenas foram prometidos vender pelo apelado – e não também pelo seu cônjuge, a apelada – e que os recorrentes se não vincularam a adquiri-los, e, de outro, que os apelados e os apelantes se adstringiram, verbalmente, os primeiros a adquirir os prédios confinantes com os seus de modo a poderem vender aos segundos uma unidade predial com área não inferior a 4 hectares, e, os segundos a comprar-lhos.

Em vista disso, é claro, de um lado, que apenas partes dos bens prometidos vender seria futuros, ainda que só relativamente - os prédios confinantes com os dos apelados que estes se comprometeram a adquirir – ao passo que outros desses bens – os pertença dos apelados – por já encontrarem na esfera jurídica destes, ao tempo da conclusão do contrato, seriam perfeitamente actuais, e de outro, que no tocante as últimos desses imóveis, a promessa seria puramente monovinculante – visto que só uma das partes – o recorrido – se vinculou, como promitente vendedor, a emitir as declarações integrantes do contrato definitivo de compra e venda. Numa palavra: mesmo aceitando-se a qualificação dos recorrentes, o contrato promessa de compra e venda só, em parte, se referiria a coisas relativamente futuras e também só em parte seria bivinculante.

                Mas a verdade é que não estamos face a um contrato promessa.

Efectivamente, aquele acordo de vontades não contém os elementos essenciais do contrato prometido, desde logo a individualização dos bens prometido vender e o respectivo preço, lacuna que é insusceptível de ser preenchida por aplicação das regras de integração, sendo, além disso, ainda necessário prosseguir nas negociações para alcançar um acordo final.

Tendo-se por certo, como se deve, que a distinção entre acordo pré-negocial e a conclusão de um contrato promessa se põe exactamente nos mesmos termos em que se coloca para um contrato definitivo[13], tanto num caso como noutro, falta, no acordo de vontades cuja qualificação se discute, o requisito da completude: as declarações negociais das partes são suficientes quanto alguns elementos essenciais do negócio – v.g., a vontade de prometer vender e de prometer comprar – mas são nitidamente incompletas quanto a outros, como por exemplo, o preço, a individualização de algumas coisas corpóreas prometidas vender, e o prazo de pagamento do preço e, em geral, de cumprimento das prestações de facto jurídico resultantes da promessa.

 Depois, é patente a necessidade, para a obtenção de um acordo final, de prosseguir as negociações, para, por exemplo, estabelecer a data da celebração do contrato, os exactos bens objecto do contrato definitivo prometido, a forma e o prazo de pagamento do preço, etc.

Analisado à luz do grande princípio da interpretação negocial – dominado pela conhecida doutrina da impressão do destinatário – o problema distintivo ou de qualificação, só admite uma resposta: a de aquele acordo de vontades não consubstancia, realmente, um qualquer contrato promessa, referido a qualquer contrato de compra e venda.

O sentido decisivo com que a declaração há-de valer é que aquele que se obtém do ponto de vista de um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (artº 236 nº 1 do Código Civil). No caso, se tomarmos o declaratário efectivo, nas condições reais em que se encontra e presumindo que é uma pessoa razoável e normal, medianamente instruída e diligente, o sentido que objectivamente atribuiria às declarações de vontade, que será o prevalecente, é seguramente, recorrentes e recorridos não concluíram entre si, por virtude da sua incompletude, um contrato promessa e aquele acordo é ainda puramente pré-contratual.

                É exacto que as partes concluíram entre si um contrato definitivo – o contrato de compra e venda. Mas, por certo, não o fizeram através do simples cumprimento da promessa, através da mera emissão das declarações de vontade integrantes daquele contrato de troca, dado que alguns dos elementos essenciais deste tipo contratual não se mostravam pré- determinados – nem eram determináveis em face do acordo negocial já alcançado - e para a sua determinação as partes tiveram, decerto, de prosseguir nas negociações para obter aquele acordo final, designadamente quanto ao aspecto capital do preço.

                Sendo isto exacto – i.e., não consubstanciando o acordo das partes documentado pela matéria de facto um contrato promessa - é claro que não se coloca, logicamente, o problema da sua nulidade e da sua destruição retroactiva, e correspondentemente, o direito à restituição das prestações efectuadas pelas partes, fundado, justamente, nessa invalidade.

                De resto, a eventual invalidade do contrato promessa alegado pelos recorrentes em caso algum afectaria a validade do contrato definitivo prometido concluído entre as partes, no qual se convencionou, como preço, a quantia de € 30.000,00, previamente entregue pelos recorrentes aos recorridos. Portanto, ainda que se devesse declarar a nulidade do contrato promessa e proceder à liquidação das prestações realizadas pelas partes, não haveria lugar em caso algum, à restituição da quantia de € 30.000,00, uma vez que tal quantia terminou por ser prestada em execução das obrigações emergentes do contrato de compra e venda, relativamente ao qual se não põe o problema da sua invalidade.

                A conclusão a tirar é, assim, a de que por este lado, o recurso não tem bom fundamento.

                Resta, por isso, apreciar o outro fundamento da impugnação representado pela culpa in contraendo.

                Pergunta-se: a matéria de facto disponível documenta que os apelados tenham infringido um qualquer dever contratual, que, por exemplo, tenham, na relação negocial desenvolvida com os apelantes, actuado em desconformidade, com as normas e usos honestos e, em geral, com regras comportamentais injuntivas decorrentes da boa fé?

É certo que as partes, já depois de desenvolverem todo um conjunto de diligências para a conclusão de outro contrato de compra e venda – que tinha por objecto prédios confinantes com aqueles que eram pertença dos apelados – terminaram por não o celebrar, em consequência - como se declara nos fundamentos de facto – de divergências entre as partes contratantes, relativamente às quantias monetárias que estavam na base de tal negócio. Mas também é exacto que a matéria de facto apurada não detalha, com precisão, o conteúdo das negociações travadas pelas partes, no culminar das quais foi concluído um contrato de compra e venda e frustrada a concretização de um outro da mesma espécie.

                Alegam, porém, os recorrentes que os recorridos lhes prestaram informações falsas, enganando-os deliberadamente, uma vez que nunca foram donos do prédio matricialmente inscrito sob o artigo 3…, que os apelantes se viram forçados a adquirir a terceiro.

                É verdade que os recorrentes, eles mesmos, adquiriram a terceiros tal prédio. Mas não é menos que a matéria de facto apurada não torna patente o dolo dos recorridos alegado pelos apelantes.

Quer dizer: a matéria de facto disponível não é suficiente quanto às vicissitudes ocorridas no iter negocial, e, necessária e logicamente, quanto aos factos que, avaliados à luz da boa fé, permitiriam considerar a conduta dos apelados, no contexto da processo negocial, impróprias de um comportamento honesto.

E, em face da falta de prova do facto relativo à ilicitude – que onera os recorrentes - a conclusão de que a pretensão indemnizatória deduzida pelos apelantes não pode confortar-se numa responsabilidade pré-contratual, é de todo irrecusável (artº 342 nº 1 e 346 do Código Civil e 516 do CPC).

                De resto, aos recorrentes nunca assistira o direito de exigir a condenação dos apelados no dever de lhes prestar a quantia de € 34.000,00, mas apenas, na hipótese mais benigna, a de € 30.000,00. É que a sentença apelada - que foi impugnada apenas pelos autores - condenou os recorridos na restituição da quantia de € 4 000,00, valor que se integra na quantia cuja condenação vem, de novo, pedida pelos recorrentes no recurso.

                Todas as contas feitas, a impugnação não deve proceder.

                Os recorrentes deverão suportar, porque sucumbem no recurso, as respectivas custas (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a simplicidade do tratamento processual do objecto do recurso, justifica-se que a respectiva taxa de justiça seja fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2 do RCP e 8 nº 1 da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro).

1. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça fixada na Tabela I-B, integrante do RCP.

                                                                                                             

                                                                                                              Henrique Antunes - Relator

                                                                                                              José Avelino Gonçalves

                                                                                                              Regina Rosa


[1][1] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, Conceito, Fontes, Formação, 2ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 113, E. Santos Júnior, Acordos Intermédios: Entre o Início e o Termos das Negociações para a Celebração de um Contrato, ROA, 57 (1997), págs. 565 a 604, Luís Menezes Leitão, Negociações e Responsabilidade Pré-Contratual nos Contratos Comerciais Internacionais, ROA, 60, (2000), págs. 47 a 51, Calvão da Silva, “Negociação e formação do contrato”, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, (Pareceres), Almedina, Coimbra, 1999, pág. 29 e José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Mercantis, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 95.
[2] Cfr., v.g., Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, Coimbra, 1984, págs. 49 e ss.
[3] Vaz Serra, Contrato-Promessa, BMJ nº 74, 1958, pág. 6.
[4] Acs. do STJ de 23.05.01, 20.01.05 e 06.05.08, da RP de 10.01.06 e de 18.06.01.
[5] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 328, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 350, Vaz Serra, RLJ, Ano 102, pág. 46, Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ Ano 126, pág. 302, e Acs. do STJ de 09.11.84, BMJ nº 292, pág. 368, de 21.11.85, BMJ nº 345, pág. 408, e de 07.10.93, RLJ Ano 126,, pág. 302.
[6] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra, 1997, pág. 124.
[7] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, cit., pág. 114.
[8] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, Coimbra, 2000, pág. 346, Santos Júnior, Acordos Intermédios, cit., pág. 591, e Menezes Leitão, Negociações e Responsabilidade Pré-contratual, cit., pág. 61.
[9] Como salienta Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Introdução, Da Constituição das Obrigações, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 338; Acs. do STJ de 04.07.91, BMJ nº 409, pág. 735 e da RL de 29.10.98, CJ, XVIII, IV, pág. 132.
[10] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 405 e 406; Acs. do STJ de 14.10.86, BMJ nº 360, pág. 583 e de 05.02.81, RLJ, Ano 116, pág. 81.
[11] Ana Prata, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Almedina, Coimbra, 2002 (reimpressão), pág. 74., Vaz Serra, RLJ Ano 110, pág. 275 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra, 1987, pág. 216.
[12] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, Conceito, Fontes, Formação, 2ª edição, Almedina, 2003, pág. 175 e 180, e Galvão Teles, O Direito, Ano 125 (1993), III-IV, págs. 346 e 347.
[13] João Calvão da Silva, “Negociação e formação de contratos”, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Almedina, Coimbra, 1999,  págs. 54 e 55.