Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2091/23.7T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PER
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO
VALOR EXORBITANTE
REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
Data do Acordão: 09/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 23.º, N.ºS 4, AL.ª A), 5 E 8, DO CIRE
Sumário: Se, pela aplicação da al. a) do nº 4, e do nº 5, do art. 23º, do EAJ, nas suas várias interpretações possíveis, forem alcançados resultados exorbitantes e desajustados às funções exercidas pelo AJ, haverá que, por interpretação extensiva, aplicar a faculdade de redução da remuneração até ao montante de 50.000,00 €, prevista no nº 8, aos casos de homologação de um plano de recuperação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Helena Gomes Melo

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização, respeitantes a A..., S.A., o Sr. Administrador Judicial Provisório, AA, veio apresentar proposta de remuneração variável a fixar nos presentes autos, no valor de 160.000,00€, acrescido de IVA (num total de 196.800,00€), referindo que a remuneração variável no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) pode corresponder, de acordo com as interpretações possíveis dos critérios legais que presidem à fixação da remuneração do AJP:

i) 10% dos créditos perdoados ao abrigo do plano, ou seja, da variação da situação líquida 30 dias após homologação do plano, mais de 5% do montante total que será pago aos credores, ou por outra forma satisfeitos, ponderado com o grau de satisfação dos mesmos – caso em que lhe seria devido o montante total de 1.662.897,74€ + IVA ou a

ii) 10% dos capitais próprios, ou seja, da situação líquida do devedor, 30 dias após a homologação do plano, mais de 5% do montante total que será pago aos credores, ou por outra forma satisfeitos, também ponderado com grau de satisfação dos mesmos – caso em que lhe seria devido o montante de €1.636.845,44 + IVA.

Considerando tais valores manifestamente exagerados e desproporcionados, tendo em conta a complexidade e a dimensão do processo em causa, o cálculo de remuneração mínimo a que chegou (1.636.845,44€) e a possibilidade de poder dispor de parte da remuneração que lhe é devida, reputa o AJP como adequada a fixação da quantia de 160,000,00€, correspondente a menos de 10% do valor a que refere ter direito, acrescido do respetivo IVA:



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Notificada nos termos do disposto no artigo 221.º do CPC, a devedora não se pronunciou sobre o teor do requerido.

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Pelo Juiz a quo foi proferido despacho que, considerando não haver, no caso, lugar à majoração prevista no artigo 23º, nº7, da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, e que, apesar da redução efetuada AJP, o peticionado valor de 160.000,00 € é manifestamente excessivo face ao trabalho por si desempenhado, veio a fixar a remuneração variável no montante de 50.000,00 €, acrescido de IVA, ao abrigo do disposto no nº8 do citado artigo 23º do EAJ.

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Inconformado com tal decisão, o Administrador Judicial Provisório dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a decisão recorrida apresenta um erro de cálculo respeitante ao montante global dos créditos perdoados no plano e, em caso afirmativo, se tal erro afeta o valor da remuneração variável a fixar nos termos do artigo 23º, nº4, al. a) do EAJ.
2. Inaplicabilidade da redução prevista no 8º, do artigo 23º do EAJ;
3. Aplicação da majoração prevista no nº7 do artigo 23º do EAJ.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
 1. Se a decisão recorrida apresenta um erro de cálculo respeitante ao montante global dos créditos perdoados no plano e, em caso afirmativo, se tal erro afeta o valor da remuneração variável a fixar nos termos do artigo 23º, nº4, al. a) do EAJ.
A decisão recorrida veio a fixar a remuneração variável devida ao AJP no montante de 50.000,00 €, com base na seguinte fundamentação:
considerando aplicável o critério previsto no artigo 23º, nº4, a al. a) e nº5, da Lei nº 22/2103, de 26 de fevereiro, na redação da Lei nº 9/22, de 11 de janeiro, fez equivaler o “resultado da recuperação” e de “situação líquida”, ao montante global de créditos perdoados no plano de revitalização, créditos estes que calcula no montante total de 4.007.566,23 €;
aplicando a percentagem de 10% a que se reporta a al. a) do nº4 do art. 23º EAJ, ao valor dos créditos perdoados, atingir-se-ia a quantia de 400.756,65 € a título de remuneração variável;
reconhece que, na letra da lei, a possibilidade de redução da remuneração, quando o seu valor seja superior a 50.000 €, apenas se encontra prevista, no nº8 do artigo 23º, para os “processos em que haja liquidação da massa insolvente”;
contudo, e citando doutrina e um acórdão do TRC de 23-04-2024, relatado pela aqui relatora, assume o entendimento de que é de aplicar ao PER a clausula de salvaguarda prevista no citado nº8 do artigo 23º, e fazendo uma avaliação das funções exercidas pelo AJP no presente caso, reduz a remuneração variável para o montante de 50.000,00 €;
considera não ser aplicável a majoração prevista no artigo 23º, nº7 do EAJ.
Insurge-se o Apelante contra o decidido, formulando as seguintes críticas:
1. a decisão recorrida padece de um erro de cálculo, porquanto, o valor dos créditos perdoados totaliza o montante de 14.360.501,00 €, em vez dos 4.007.566,23 € – do ponto 8.4 do Plano de Reestruturação apresentado pelo AJP resulta o valor de 24.462.536,06 €, a título de total a restruturar e o valor de 10.102.035,01 € a título de dívida reestruturada, pelo que o valor dos créditos perdoados é calculado pela diferença dos referidos valores.
2. a possibilidade de redução da remuneração prevista nº8 do artigo 23º do EAJ não é aplicável aos casos de recuperação.
3. a majoração é aplicável tanto aos de liquidação do ativo tanto no caso de recuperação do devedor (nº5), como nos casos de liquidação do ativo (nº6).
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Aceitando-se a existência de um erro de cálculo relativamente ao montante global dos créditos perdoados pelo plano de revitalização, a relevância de tal erro, ou mesmo da aplicabilidade da majoração de 5% prevista no nº 7, do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, para a determinação do montante a fixar a título de remuneração variável ao AJP, vai depender da resposta a dar à questão da aplicabilidade ao caso da possibilidade de redução prevista no nº8 do artigo 23º do EAJ.
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2. Aplicabilidade da redução prevista no nº8 do artigo 23º do EAJ, quando o seu valor seja superior a 50.000,00 €
A decisão recorrida, calculando o montante global dos créditos perdoados na quantia de 4.007.566,23 €, e aplicando sobre tal montante a percentagem de 10% a que se reporta a al. a) do nº4 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, concluiu que seria devida a quantia ao AJP a quantia de 400.756,65 €, a título de remuneração variável, veio a reduzir a remuneração variável para o montante de 50.000,00 €, invocando o disposto no nº8 do artigo 23º.
Insurge-se o Apelante contra o decidido, sustentando que o tribunal não podia recorrer à equidade para aplicação reduzir a remuneração variável do administrador judicial, invocando para tal interpretação, os elementos literal, histórico e racional do nº8 do artigo 23º do EAJ:
da redação do preceito legal em apreço resulta expressamente que a intervenção casuística do julgador aí prevista apenas tem lugar quando exista “liquidação da massa insolvente”;
na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, de 11.01., a intervenção do juiz na determinação da remuneração variável, encontrava-se prevista a possibilidade de redução com base na equidade, quer para a situação de recuperação, quer para a situação de liquidação da massa insolvente;
na origem das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, está a intenção de valorizar o trabalho do administrador judicial em caso de recuperação, criando incentivos, que se refletem, desde logo, no facto de se prever uma taxa de incidência superior em caso de recuperação (uma percentagem de 10%, enquanto que no caso de liquidação, a percentagem é de 5%).
Cumpre, assim, apreciar da aplicabilidade, da redução prevista no nº8, ao montante da remuneração variável nos casos em que haja sido aprovado um plano de recuperação.
Em comparação com os regimes anteriores, é de salientar que, no anterior Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei nº 32/2004, de 22/07, a remuneração variável apenas se encontrava prevista para as situações de liquidação da massa (artigo 20º, ns. 2 a 5). No caso de aprovação de um plano de insolvência, o administrador de insolvência apenas tinha direito à remuneração fixa e, eventualmente, ainda à remuneração pela elaboração do plano ou pela gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, se tais funções lhe fossem cometidas (artigos 22º e 23º).
No EAJ atual – que veio alargar a atribuição da remuneração variável aos casos de aprovação de um plano recuperação –, até às alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 não se encontrava previsto qualquer teto ou limite legal máximo para o valor da remuneração variável, fosse na situação de recuperação, fosse de liquidação da massa insolvente, prevendo-se, tão só, no nº6 do artigo 23º, a possibilidade de uma redução com base na equidade:
6 – Se, por aplicação do disposto nos termos anteriores, a remuneração exceder o montante de 50.000 € por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
Não se distinguia, então, entre a remuneração variável a atribuir em caso de recuperação ou de liquidação da massa, podendo o juiz, em qualquer das situações, reduzir tal remuneração até ao montante de 50.000 €, quando da aplicação dos critérios legais resultasse um valor desproporcionado.
Com a redação atualmente em vigor, não há duvidas de que a possibilidade de redução da remuneração, a que se reportava o anterior no nº6, apenas se encontra prevista para os casos de liquidação da massa insolvente, criando-se um teto no valor 100.00,00 € (nº10, do artigo 23º), mas, também neste caso, unicamente para os casos de liquidação da massa:
“8. Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que aja liquidação da massa insolvente, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligencia empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
10. A remuneração calculada nos termos da al. b) do nº4 não pode ser superior a 100.000,00 €.
Questionando-nos sobre as razões que poderão estar na base da previsão destas clausulas de salvaguarda, com vista a evitar a fixação de remunerações desproporcionais e excessivas, unicamente para as situações de liquidação da massa – para além de lapso do legislador – , a única que nos ocorre é a de que, nessa hipótese, a remuneração do administrador é suportada pela massa insolvente (artigo 29º, nº1), sendo paga com valores que, saindo precípuos da massa, diminuem o montante a distribuir pelos credores. Já no caso de aprovação de um plano de recuperação, a remuneração será suportada pela empresa/ devedor (art. 17º-C, 6, quanto ao PER, e 222º-C, nº6, quanto ao PEAP), não implicando uma direta diminuição do montante a pagar aos credores, cujos créditos serão satisfeitos nas condições previstas no plano.
Contudo, se pela aplicação dos critérios previstos para o cálculo da remuneração variável em caso de homologação de um plano, na al. a) do nº, 4 e nº5, do artigo 23º, nas suas várias interpretações possíveis, alcançaríamos resultados perfeitamente exorbitantes e desajustados – pelas contas efetuadas pela Apelante, atingiríamos valores de remuneração variável de 1.662 897,74 € ou de 1.636 845,44 € (valores que, com IVA ultrapassariam os dois milhões de euros), de tal modo que, o administrador de insolvência, por iniciativa própria, reduziu a remuneração variável por si peticionada peara o montante de 160.000, 00 € –, tal significa que podemos estar perante uma lacuna relativamente à determinação legal dos seus limites[1].
Não desconhecemos que, na origem das alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022, esteve a intenção de valorizar o trabalho do administrador judicial em caso de recuperação, criando incentivos, que se refletem, desde logo, no facto de se prever uma taxa de incidência superior em caso de recuperação (uma prct. 10%, enquanto que no caso de liquidação, a prct. é de 5%).
Quer no anterior Estatuto do Administrador de Insolvência, quer no Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei nº 22/2013, que vem alargar a atribuição da recuperação variável aos casos de recuperação, a remuneração variável era calculada através da aplicação de uma taxa de incidência variável em função do valor da liquidação da massa (quanto maior o valor fosse o valor da liquidação, menor a percentagem a aplicar), precisamente para evitar a obtenção de valores excessivos e desajustados ao trabalho exercido pelo AI.
E, quer face ao EAI, quer ao EAJ, na sua versão original, existia ainda a possibilidade de, caso por aplicação dos critérios legais a remuneração excedesse o montante de 50.000,00 €, o juiz determinar que a remuneração devida para além desse montante fosse objeto de redução, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligencia empregue no exercício das funções.
Com o regime atual, nenhuma das soluções que vêm sendo ensaiadas através das varias hipóteses de interpretação do n. 4, al. a), conjugado com o nº5, do artigo 23º – i) aplicação da taxa de 10% ao montante dos créditos perdoados; ii) aplicação da percentagem de 10% à situação liquida da empresa após a homologação do plano –, leva a resultados satisfatórios quanto ao valor da remuneração variável em caso de elaboração de um plano de recuperação.
Tais dificuldades mais se agravam quando a lei atual apenas prevê como fatores corretivos, a possibilidade de redução da remuneração prevista no nº8, quer do limite máximo previsto no nº10, apenas nos casos de liquidação da massa.
David Sequeira Dinis e Tiago Lopes da Veiga, defendem uma interpretação extensiva, ou por recurso à analogia, que permita abranger pelo mecanismo do nº8, também os casos de homologação de um plano de recuperação – precisamente, por entenderem que, “em ambas as situações existem motivos e circunstâncias que podem justificar a redução da remuneração. Aliás, tal redução pode até ser mais justificada em caso de recuperação, pois, para além da remuneração fixa e variável, o administrador judicial poderá ter direito a uma remuneração adicional pela elaboração do plano e, porventura, pela gestão do estabelecimento[2]”.
Tais autores vão ainda mais longe ao afirmar que, não permitir que o tribunal reduza a remuneração do administrador em casos de recuperação, equivale a pagar-lhes à cabeça 10% do total dos créditos perdoados, significando que o perdão da dívida teria sempre associado um custo de 10%, o que representaria um desincentivo fortíssimo ao recurso a esta medida.
Concluem, assim, que “não admitir que o tribunal reduza a remuneração do administrador judicial em casos de recuperação seria uma solução manifestamente inconstitucional, quer por representar uma restrição desadequada e desproporcional da garantia do acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa”.
Regressando ao caso concreto, é de questionar como é que numa situação em que é aprovado um plano de revitalização que prevê um perdão de 80% do valor dos créditos para a generalidade dos credores comuns, cheguemos, pela aplicação dos critérios legais, a valores de remuneração variável completamente exorbitantes – pelas contas da Apelante, consoante recorrêssemos ao critério do valor dos créditos perdoados ao abrigo do plano ou da situação liquida da devedora,  atingiríamos valores de remuneração variável respetivamente de 1.662 897,74 € e de 1.636 845,44 € (valores que, com IVA ultrapassariam os dois milhões de euros), sem que nos possamos socorrer de uma cláusula de limitação que a reduza a valores adequados?
Como tal, entende-se ser de aplicar, por interpretação extensiva, aos casos de recuperação, a possibilidade de determinar que, quando a remuneração variável exceder o montante de 50.000,00 € por processo, a remuneração devida para além desses montantes seja inferior à resultante dos critérios legais (nº8 do artigo 23º).
No caso em apreço, o próprio administrador de insolvência, reconhecendo o desajuste dos valores a que se chegaria pelo recurso aos critérios legais (rondando um milhão e seiscentos mil euros, sem IVA), vem pedir a fixação da remuneração variável no montante de 160.000,00 €, mais IVA (num total de 196.800,00 €).
A decisão recorrida considerando, ainda assim, tal quantia excessiva, veio a fixar o montante da remuneração variável no valor de 50.000 €, decisão que motivou pela seguinte forma:
“Com efeito, no presente caso, estamos perante um processo especial de revitalização, no âmbito do qual o Administrador Judicial Provisório foi nomeado por despacho judicial em 15-05-2023 e no qual foi proferida sentença de homologação do plano de recuperação em 10-12-2023, pelo que exerceu as suas funções durante um período de apenas 7 meses.
A intervenção do Senhor AJP traduziu-se na prática dos seguintes atos com interesse para a decisão em causa:
- Elaboração da lista provisória de credores, da qual constam 128 credores.
- Análise de impugnações deduzidas contra a lista provisória.
- Elaboração do acordo de prorrogação do prazo para as negociações;
- Recolha dos votos, cálculo e elaboração de documento contendo o resultado da votação do plano de recuperação, que foi aprovado e posteriormente homologado.
Estamos, assim, perante processo especial de revitalização simples, no qual o Senhor AJP exerceu as suas funções por um curto período de tempo, e em que as mesmas se limitaram às diligências instrumentais e formais que lhe são exigidas, sem particular complexidade, sendo que no presente caso o plano de recuperação foi elaborado pela devedora, não resultando do processo que o AJP tenha procedido a negociações de relevo com os credores.
Tudo ponderado, considerando o número dos créditos reclamados, o montante dos créditos a satisfazer, o tempo despendido e o trabalho desenvolvido pelo AJP, fazendo-se uso da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 29.º, n.º 8, do EAJ, entende-se que a remuneração variável devida deve ser fixada no valor máximo 50.000,00€ (cinquenta mil euros), acrescido do correspondente IVA à taxa legal em vigor, o qual se têm como justo para a remuneração dos seus serviços, a pagar pela devedora.”
O Apelante insurge-se contra tal valor, com os seguintes fundamentos:
- a remuneração variável por si proposta corresponde a menos de 10% do valor a que teria direito por aplicação da formula de cálculo, acrescido do respetivo IVA;
- o valor do perdão dos créditos em muito se deveu à eficiente atuação do administrador judicial, auxiliando e participando ativamente nas reuniões de negociação com os credores, auxiliando e participando nas reuniões de negociação com os credores;
- sem a sua atuação, o plano nem sequer tinha sido aprovado, pois foi assente nas suas explicações e fundamentações económicas, que um dos credores mais relevantes do processo (CEMG) alterou o seu sentido de voto e permitiu a sua aprovação, que resultou aprovado com 52,72 % de votos favoráveis.
Tendo-se assentado em que, também nestes casos, é admissível a redução da remuneração que resultaria da aplicação dos critérios legais, quando a remuneração exceder os 50.000,00 € por processo, por aplicação do nº8 do artigo 23º, para a fixação da remuneração o legislador manda ter em conta, designadamente, “os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.”
Temos assim que o legislador, a par da fixação de determinados critérios (aritméticos) de cálculo da remuneração variável a fixar ao administrador judicial (e independentemente da sua aplicabilidade ao caso em apreço), estabeleceu outros dois critérios que levam ou podem levar o juiz a afastar-se do valor a que se chegaria pela simples aplicação automática dos tais cálculos aritméticos:
- se de tais cálculos resultar um valor superior a 50.000 €, é atribuído ao juiz um poder de ponderação, no sentido de apreciação sobre se efetivamente se justifica a atribuição de um valor que ultrapasse os tais 50.000 €;
- e, para o caso de liquidação dos bens da massa, nunca a remuneração poderá ser fixada em valor superior a 100.000 € (nº10, do art. 23º).
Ora, independentemente da questão da aplicabilidade, ou não de tais restrições, também no caso de aprovação de um plano de recuperação, tais normas sempre constituirão auxiliares para a determinação do que, para o legislador pode ser considerado como uma remuneração “excessiva”.
Assim como, nos leva a considerar que deverá ser fixada uma remuneração superior a 50.000 €, se a complexidade do processo, o período durante se estendeu a sua atividade, e o concreto papel exercido pelo administrador, o justificar.
No caso em apreço, podemos afirmar que temos um típico processo de revitalização, que durou sete meses, sem especial complexidade e em que o AJP, executou as tarefas necessárias e taxativamente previstas nesse tipo de processo, elaborando a lista provisória de credores, participando nas negociações (o plano não foi por si elaborado), recolhendo os votos, etc.
Acompanhando o entendimento da 1ª instância, temos que o valor por si proposto para a remuneração variável, no valor de 160.000 € (mais IVA), a dividir pelos sete meses durante os quais se prolongou a sua intervenção nos autos, daria uma remuneração mensal de 22.857,14 €, valor que nos parece verdadeiramente desadequado às funções por si exercidas e à influência que a sua atuação pode ter tido na aprovação do plano.
Por outro lado, consideramos tal valor desproporcionado ao sacrifício imposto aos credores, constituindo um encargo brutal para a própria empresa insolvente – a pagar em duas tranches nos termos do artigo 29º –, e envolvendo o pagamento imediato da quantia de 98.400,00 €, será de molde a afetar a liquidez da devedora, podendo colocar em causa a viabilidade do cumprimento do plano aprovado.
Concluindo ser ajustada a redução efetuada pela 1ª instância do valor da remuneração variável para o montante de 50.000,00 €, acrescido de IVA, torna-se irrelevante a discussão sobre se, neste caso, segundo os critérios legais, haveria lugar à majoração prevista no nº7 do artigo 23º.

A Apelação é de improceder.

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IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo administrador de insolvência. 

                                                                            Coimbra, 10 de setembro de 2024


 V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] Maria de Fátima Ribeiro, “A Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz”, in VI Congresso de Direito da Insolvência”, Almedina, p. 395-396.
[2] “Remuneração do administrador judicial – algumas questões”, in Revista e Direito da Insolvência, nº7, 2023, pp. 44-45.