Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE DEPENDÊNCIA DA ACÇÃO PRINCIPAL CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA IDENTIDADE ENTRE O DIREITO ACAUTELADO E O DEFINITIVO | ||
Data do Acordão: | 05/16/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PORTO DE MÓS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 364.º E 373.º, 1, A), DO CPC ARTIGO 1083.º, 2, C), DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I – As providências cautelares estão dependentes de uma ação pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respetiva ação principal.
II – Os efeitos de qualquer providência cautelar estão dependentes do resultado que for ou vier a ser conseguido na ação definitiva e caducam se essa ação não for instaurada, se a mesma for julgada improcedente ou, ainda, se o direito que se pretende tutelar se extinguir [art. 373º do n.C.P.Civil]. III – A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal, embora se não pressuponha uma total identidade dos direitos a tutelar. | ||
Decisão Texto Integral: | Apelações em processo comum e especial (2013)
* Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO HERANÇA ABERTA E INDIVISA de AA, NIF ..., representada pela Cabeça de Casal BB, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., intentou, ao abrigo do disposto nos arts. 377º e segs. do n.C.P.Civil, procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra CC, NIF ..., residente na Estrada Nacional ...56, nº 17, ... ... e DD, NIF ..., residente na Estrada Nacional ...56, nº 17, ... ... Peticionando «Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer a V. Exa. que, inquiridas as testemunhas que se arrolam e sem audiência prévia do requerido (art.º 378º do CPC), se digne julgar procedente o presente procedimento e em consequência, ordenar a restituição provisória da posse à requerente, ordenando que o requerido retire todos os seus bens da garagem do prédio identificado em 1.» Alega, em suma, que arrendou aos Requeridos em 1 de Janeiro de 2020, o 1º andar de um prédio urbano de que é dona e legítima possuidora, sucedendo que os Requeridos se apropriaram ilegitimamente da chave da cave/garagem desse prédio e desde então vêm ocupando a mesma, recusando-se a restituir a chave e esse espaço, acrescendo que após a Requerente ter trocado a fechadura, no dia 29 de Agosto de 2020, o Requerido arrobou a porta da cave e trocou a fechadura, não tendo desde essa data e até hoje permitido que a senhoria tivesse acesso à garagem e aos seus bens pessoais, mais transformando a referida garagem/cave numa “oficina” improvisada de veículos automóveis, pelo que, verificam-se abusos de ocupação de espaço, que não foram arrendados aos Requeridos, sendo que a Requerente foi esbulhada da sua posse, e de forma violenta, à qual pretende, com o presente procedimento, ser restituída, se necessário com a arrobamento da porta da garagem e substituição da fechadura. * Foi proferido despacho liminar, designando-se data para inquirição de testemunhas, que ocorreu com observância do legal formalismo. * Após, por sentença de 27.7.2021, foi o procedimento cautelar julgado procedente, mais concretamente traduzindo-se no seguinte dispositivo: «Decisão:--- Atento o exposto, julgando-se procedente o presente procedimento cautelar, decide-se:--- I – Determinar a imediata restituição pelos requeridos, a favor da requerente, da posse sobre a cave/garagem integrante do prédio urbano (denominada “moradia”) sito na Estrada Nacional ...56, n.º 17, em ..., inscrito no Serviço de Finanças ... sob artigo 613 dessa freguesia (visível nas fotografias juntas com o req.º inicial – “ficheiros de imagem”: ref.ª citius n.º 7881671), bem como ordenar aos requeridos a imediata retirada do interior dessa cave/garagem de todos os bens que lhes pertençam e que se encontram depositados no seu interior (automóveis, peças, ferramentas auto e demais objectos).--- II – Condenar a requerente no pagamento das custas.--- III - Fixar o valor em €5.000,01.--- IV – Notifique (sendo os requeridos pessoalmente, através da entidade policial, e com a advertência de que incorrerão na pena do crime de desobediência qualificada caso infrinjam as providências acima decretadas nos termos dos art.ºs 375º do CPC e 348º do C. Penal) e, oportunamente, cumpra-se o disposto nos art.ºs 366º-6 e 372º-1.--- V - Registe.--- VI - Oportunamente notifique a requerente – cf. CPC, art.º 373º». * Efetivada a decisão e notificados da decisão, os Requeridos deduziram oposição pedindo o levantamento da providência, com a consequente devolução do dito espaço, invocando, nomeadamente, a caducidade do alegado direito da requerente (por haver decorrido o prazo de um ano sobre o início do pretenso esbulho/art.º 1282º do Código Civil/CC) e que a mencionada garagem integrou o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, não correspondendo à verdade o demais alegado na p. i.. Inquiridas as testemunhas arroladas pelos requeridos, por sentença de 03.01.2022, o Mm.º Juiz de 1ª instância julgou «improcedente, por não provada, a oposição apresentada pelos requeridos» pelo que manteve «a decisão proferida a 27.7.2021, que determinou a restituição provisória à requerente (...) sobre a cave/garagem integrante do prédio urbano (denominada “moradia”) sito na Estrada Nacional ...56, n.º 17, em ..., inscrito no Serviço de Finanças ... sob artigo 613 dessa freguesia» e ordenou (aos requeridos) «a imediata retirada do interior dessa cave/garagem de todos os bens que lhes pertençam e que se encontram depositados no seu interior (automóveis, peças, ferramentas auto e demais objetos).» Esta decisão foi objeto de recurso de apelação, mas o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 26.4.2022, julgou-a improcedente, confirmando a decisão recorrida. * Na sequência oportuna, a Requerente, na posição de Autora, interpôs ação declarativa contra os ditos Requeridos, sublinhando que apenas arrendou aos mesmos o 1º andar da moradia em causa, e peticionado a resolução do referenciado contrato de arrendamento por violação grave e reiterada dos deveres dos arrendatários – ali réus, aqui requeridos – alegando designadamente, e relativamente à temática “Quanto à Ocupação da Garagem”, entre o mais, que «Na sequência do cumprimento da sentença e da retirada do veículo automóvel, ferramentas e demais objetos que se encontravam dentro da cave garagem – em cumprimento da ordem judicial (…) O réu CC continuou a atividade de oficina improvisada no jardim da moradia», sendo que «Verificam-se abusos de ocupação de espaço, e a sua utilização para atividade comercial, para as quais e locado e ou as partes comuns, não foi arrendado aos Réus». Concluiu com o seguinte petitório: «F – Pedido Nestes termos e demais de direito, deve V. Exa. dignar-se a aceitar e julgar procedente por provada, a presente ação e consequentemente: a) Ser resolvido do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora, na qualidade de cabeça de casal com os Réus, em 1 de Janeiro de 2020; b) Ser decretado o despejo imediato dos Réus do locado, correspondente ao 1.º andar do prédio da moradia sita na Estrada Nacional ...56, nº 17 em ..., ..., com a sua entrega livre de pessoas e bens, com fundamento em incumprimento grave dos deveres dos arrendatários; c) Assim, como serem os RR condenados a retirarem todos os veículos que se encontram estacionados no jardim da moradia (partes comuns), e todos os bens aí colocados, como peças auto, ferramentas e outros bens e utensílios; d) Serem os RR condenado a pagar à Autora a quantia de € 2.172,50, correspondentes a metade das faturas de eletricidade, água e gás.» * Os RR. apresentaram oportunamente articulado de contestação/reconvenção a esta ação, impugnando, no global, a factualidade alegada pela A., alegando especificadamente, para o que aqui diretamente releva, que o arrendamento, para além do 1º andar do imóvel da A., incluiu a “cave/garagem” do mesmo (melhor, a “metade da garagem do prédio”). * Por requerimento apresentado aos autos de procedimento cautelar em 31-11-2022, com a referência 43942482, os Requeridos vieram requerer a declaração de extinção do procedimento cautelar e a caducidade da providência no mesmo proferida, na medida em que «(…) não tendo a Requerente intentado a acção de que a providência depende, no prazo legal, a mesma caducou, pelo que requer que a mesma seja levantada ( art.º 373º/1/3, do CPC ).» * Este requerimento foi objeto de indeferimento pela Exma. Juíza de 1ª instância, a qual argumentou para tanto, entre o mais, com o seguinte: «(…) Ora, é certo que a causa de pedir de ambos os processos não é idêntica e que na ação principal proposta não é literalmente pedida a reivindicação da garagem. Todavia, não poderá deixar de se considerar que a causa de pedir do presente procedimento está contida na causa de pedir da ação principal, encabeçando os fundamentos da declaração de resolução do contrato de arrendamento. Por outro lado, também o pedido de entrega definitiva da garagem está mediatamente contido no pedido de despejo na medida em que, dependendo o uso da garagem do contrato de arrendamento celebrado, peticionando-se a sua resolução e o consequente despejo de todo o locado, tal pedido, a proceder, englobaria naturalmente também a cave/garagem. (…)» * Inconformados com essa decisão, apresentaram os Requeridos recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1ª- Por despacho de 05-12-2022, com a referência 102155512, foi decidido manter a validade da providência decretada “ considerando-se que a requerente cumpriu o ónus de propositura da ação principal nos termos do disposto nos artigo 364.º e 373.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil “. 2ª – Para o efeito, entende o tribunal recorrido que “ a causa de pedir do presente procedimento está contida na causa de pedir da ação principal, encabeçando os fundamentos da declaração de resolução do contrato de arrendamento “. 3ª – Ora, esta decisão viola claramente o art.º 373º/1/a do CPC. 4ª – A Requerente intentou efectivamente acção de processo comum dentro dos 30 dias que tinha para o fazer, só que não há a menor identidade e coincidência com o procedimento, os factos que serviram de base á concessão da tutela cautelar não são alegados, não integram a causa de pedir da acção principal. 5ª - E também os pedidos da acção não se adequam ao pedido no procedimento, pois que, enquanto que nesta se requer “ ordenar a restituição provisória da posse “ da cave/garagem, o que foi concedido, e, salvo melhor opinião, determinaria que acção principal fosse de reivindicação, ou pelo menos que declarasse que a cave/garagem não integra o contrato de arrendamento, 6ª - Na acção de processo comum que entretanto a Requerente intentou contra os Requeridos ( processo 412/22.... ), que é uma vulgar acção de despejo, os pedidos são totalmente diversos “ a) Ser resolvido do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora, na qualidade de cabeça de casal com os Réus, em 1 de Janeiro de 2020; b) Ser decretado o despejo imediato dos Réus do locado, correspondente ao1.º andar do prédio da moradia sita na Estrada Nacional ...56, nº 17 em ..., ..., com a sua entrega livre de pessoas e bens, com fundamento em incumprimento grave dos deveres dos arrendatários; c) Assim, como serem os RR condenados a retirarem todos os veículos que se encontram estacionados no jardim da moradia (partes comuns), e todos os bens aí colocados, como peças auto, ferramentas e outros bens e utensílios; d) Serem os RR condenado a pagar à Autora a quantia de € 2.172,50, correspondentes a metade das faturas de eletricidade, água e gás. “ 7ª – Mais, não existe na petição inicial qualquer facto que se refira à cave/garagem e/ou á ocupação da cave/garagem, bem como se a cave/garagem está ou não incluída no contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e os Requeridos. 8ª - Nem esses factos foram levados pela M.ma Juiz recorrida ao Objecto do Litígio e aos Temas da Prova, como se pode verificar: “ OBJETO DO LITÍGIO E TEMAS DA PROVA - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 596.º do Código de Processo Civil consigna-se que o objeto do litígio consiste em saber se se verificam os pressupostos da resolução do contrato de arrendamento. Mais constitui objeto do presente litígio apurar da eventual responsabilidade civil da autora por verificação de assédio no arrendamento. Tendo presentes as posições já assumidas pelas partes, o teor dos documentos juntos e as regras da distribuição do ónus da prova, são os seguintes os temas da prova: 1) saber em que data e por que forma foi celebrado o contrato de arrendamento quer teve por objeto o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial; 2) saber a quem está arrendado o rés do chão do referido imóvel; 3) saber se, aquando da celebração do contrato de arrendamento, foi acordado entre autora e réus que as despesas de água, eletricidade e gás seriam custeados a meias pelos arrendatários dos vários pisos, ou se, ao invés, tais despesas estavam incluídas na renda acordada; 4) saber se o réu utiliza a zona exterior do referido imóvel para a reparação de automóveis; 5) saber se os réus têm violado as regras de sossego e boa vizinhança em relação aos demais arrendatários do imóvel, designadamente, provocando desacatos, agredindo-os, injuriando-os, deixando a sua cadela importunar e assustar os vizinhos ou provocando barulho durante a noite; 6) saber se os réus injuriaram a autora; 7) saber se e quais as quantias relativas a despesas com consumos dos réus de eletricidade, gás e água se encontram por liquidar à autora 8) saber se há mais de dois anos a autora tem vindo a perturbar os réus tendo em vista o abandono do locado e como; 9) saber se e quais os danos sofridos pelos réus por causa da conduta da autora “. 9ª - Afirmar como se faz no despacho recorrido que “ o pedido de entrega definitiva da garagem está mediatamente contido no pedido de despejo na medida em que, dependendo o uso da garagem do contrato de arrendamento celebrado, peticionando-se a sua resolução e o consequente despejo de todo o locado, tal pedido, a proceder, englobaria naturalmente também a cave/garagem “, além de parecer anunciar um determinado resultado, é argumento sem lógica, e é redutor, como se todas as questões ficassem encerradas com a eventual resolução do contrato de arrendamento. 10ª – Aliás, no caso de procedência da acção, se esta tivesse sido intentada como deveria, sempre teriam os Requeridos efectivo interesse em ver discutido e decidido pelo Tribunal, de forma definitiva, não apenas num procedimento cautelar, se a cave/garagem integrava ou não o contrato de arrendamento referente ao imóvel em apreço nos autos. 11ª – Inexiste a necessária relação de instrumentalidade entre o presente procedimento cautelar e a acção de processo comum intentada pela Requerente, de que aquele dependia, quer atendendo aos pedidos formulados em um e outra e aos factos que constituem a causa de pedir, no procedimento e na acção, aliás, a dessintonia é evidente e insanável. 12ª - A Requerente não intentou no prazo devido a acção declarativa de que o procedimento cautelar dependia, pelo que, revogando-se o despacho recorrido, deve ser declarada a extinção do procedimento cautelar e a caducidade da providência ( art.º 373º/1/a, do CPC ). 13ª- O despacho recorrido viola o disposto no art.º 373º/1/a, do CPC. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, nos termos expostos, proferindo-se douto acórdão que revogue a decisão recorrida, assim fazendo V. Ex.cias a costumada JUSTIÇA.» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído. Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas pelos Requeridos/recorrentes e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são: - desacerto da decisão que considerou que a Requerente havia cumprido o ónus de propositura da ação principal nos termos do disposto nos artigo 364º e 373º, nº 1, al.a) do n.C.P.Civil, assim declarando improcedente o pedido de caducidade da providência que havia sido decretada [e indeferindo o pedido de que esta fosse levantada]. * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é essencialmente a que consta do relatório que antecede. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Desacerto da decisão que considerou que a Requerente havia cumprido o ónus de propositura da ação principal nos termos do disposto nos artigo 364º e 373º, nº 1, al.a) do n.C.P.Civil, assim declarando improcedente o pedido de caducidade da providência que havia sido decretada [e indeferindo o pedido de que esta fosse levantada]: Será que efetivamente não existe a menor identidade e coincidência entre a ação de processo comum intentada e o procedimento cautelar que havia sido decretado? Esta interrogativa prende-se com os requisitos da instrumentalidade e dependência dos procedimentos cautelares, isto é, com a circunstância de as providências cautelares estarem necessariamente dependentes de uma ação pendente ou a instaurar posteriormente [acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva], na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal. Decorrentemente, o objeto da providência há-de ser conjugado com o objeto da causa principal, o que se traduz na necessidade duma correlativa “correspondência funcional”. Assim, já foi sublinhado que «Os pedidos formulados no processo cautelar devem ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na ação principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal - consiste nisto o requisito da instrumentalidade das providências cautelares.»[2] «Destinando-se elas a servir a tutela de um direito a determinar num determinado processo, necessariamente encontram-se dependentes desse processo, podendo dizer-se que, nesse aspecto, não gozam de autonomia, O seu nascimento, a sua vida e a sua morte estão dependentes do processo do qual são dependentes, porque é nele que encontram a sua razão de existência, reflectindo-se nelas as vicissitudes da tutela a encontrar no processo-mãe. Também como consequência da sua função instrumental, as providências cautelares são meramente provisórias, tendo uma duração, apesar de incerta, limitada no tempo (dies certus an, incertus quando). São providências a termo incerto. Tendo elas como única finalidade obviar ao perigo da demora de um determinado processo, o não nascimento deste ou a sua extinção provocam o seu fim.»[3] Nesta medida, está legalmente preceituado que os efeitos de qualquer providência estão dependentes do resultado que for conseguido na ação definitiva, e caducam se a ação não for instaurada, se esta for julgada improcedente ou se o direito tutelado se extinguir [cf. art. 373º do n.C.P.Civil]. De referir que se o objeto da providência tem de ser conjugado com o objeto da causa principal, tal dependência não impõe perfeita identidade. Não obstante, a identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal, embora se não pressuponha uma total identidade dos direitos a tutelar[4]. Revertendo estes ensinamentos ao caso vertente, entendemos que é caso de se afirmar que essa identidade parcial entre a providência cautelar e a subsequente ação existe precisamente pela via da integração do “cave/garagem” no “objeto” do contrato de arrendamento. Senão vejamos. Um dos aspetos nucleares da discórdia/conflito entre A./requerente, por um lado, e RR./requeridos, por outro lado, é assentar e definir se a “cave/garagem” do imóvel locado, integrou ou não o arrendamento celebrado entre essas partes que visou expressamente o 1º andar do mesmo. Recorde-se que a A./requerente sustenta enfaticamente que a “cave/garagem” do imóvel locado não integrou o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, enquanto os RR./requeridos defendem o inverso. O procedimento cautelar de restituição provisória de posse intentado pela Requerente visou específica e concretamente a ocupação pelos Requeridos da dita “cave/garagem”, pretensão em que obteve sucesso. Temos presente que assentando a posição da Requerente no uso intitulado (abusivo) dessa “cave/garagem” pelos Requeridos, o processualmente correto e expetável seria a interposição de uma ação declarativa (de simples apreciação e de condenação) – em regra uma ação de reivindicação ou de restituição de posse. Isto porque para dirimir uma tal questão relevaria diretamente a sua qualidade de “proprietária”, não a sua qualidade de “senhoria”.[5] Acontece que a Requerente entendeu ampliar o litígio com a contraparte, estendendo-o à situação jurídica do arrendamento no seu todo, e daí ter interposto uma ação (de despejo) destinada a fazê-lo cessar. Nesse contexto, invocou, para além de outra, a causa de resolução do contrato de arrendamento constante da al.c) do nº 2 do art.1083º do C.Civil, a saber, «O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio», à luz do que alegadamente relevará o que vem expressamente aduzido, nomeadamente quanto ao que designou por “Quanto à Ocupação da Garagem”, entre o mais, que «Na sequência do cumprimento da sentença e da retirada do veículo automóvel, ferramentas e demais objetos que se encontravam dentro da cave garagem – em cumprimento da ordem judicial (…) O réu CC continuou a atividade de oficina improvisada no jardim da moradia», sendo que «Verificam-se abusos de ocupação de espaço, e a sua utilização para atividade comercial, para as quais e locado e ou as partes comuns, não foi arrendado aos Réus». Ora se assim é, nesse particular está em causa uma ocupação do espaço da “cave/garagem” pelos Requeridos, sendo que o fazem – com ou sem fundamento/justificação – no contexto e por causa da relação de arrendamento, para o que diretamente interessa apenas e efetivamente a qualidade de “senhoria” da ora A.. E daí se ter dito que existe identidade parcial entre a providência cautelar e a subsequente ação pela via da discutida integração da “cave/garagem” no “objeto” do contrato de arrendamento. Sendo certo que a esta luz e nessa medida a ocupação/uso abusivo que serviu de fundamento ao procedimento cautelar, integra a causa de pedir da ação principal. Aliás, salvo o devido respeito, o “tema da prova”, «1) saber em que data e por que forma foi celebrado o contrato de arrendamento quer teve por objeto o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial», ainda que extensivamente interpretado, pode contemplar a já referenciada – como “discutida”! – integração da “cave/garagem” no “objeto” do contrato de arrendamento… Nesta linha de entendimento, entendemos que bem ajuizou a Exma. Juíza a quo quando na fundamentação da decisão recorrida argumentou pela seguinte forma: «(…) Ora, é certo que a causa de pedir de ambos os processos não é idêntica e que na ação principal proposta não é literalmente pedida a reivindicação da garagem. Todavia, não poderá deixar de se considerar que a causa de pedir do presente procedimento está contida na causa de pedir da ação principal, encabeçando os fundamentos da declaração de resolução do contrato de arrendamento. (…)» Assim, sem necessidade de maiores considerações e brevitatis causa, improcedem in totum os argumentos recursivos e o recurso. * (…)
* 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final, pela improcedência da apelação, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas do recurso pelos Requeridos/recorrentes. * Coimbra, 16 de Maio de 2023 Luís Filipe Cravo Fernando Monteiro Carlos Moreira [1] Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro 2º Adjunto: Des. Carlos Moreira [2] Assim no acórdão do STJ de 08.04.2021, proferido no proc. nº 7/21.4YFLSB, acessível em www.dgsi.pt/jstj. [3] Citámos agora o acórdão do TC nº 624/2009, de 2.12.2009, proferido no proc. nº 850/08, acessível em www.dgsi.pt/tc. [4] Neste sentido, ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 2.ª ed., Livª Almedina, 2000, a págs. 128. [5] Cf. sobre a questão, inter alia, o acórdão do TRL de 29.05.2012, proferido no proc. nº 1693/10.6TCLRS.L1-7, e o acórdão do TRE de 26.03.2015, proferido no proc. nº 183/11.4T2GDL.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. |