Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
| Descritores: | PARTE ACESSÓRIA ASSISTENTE ESTATUTO PROCESSUAL | ||
| Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 321.º, 323.º, 328.º, N.º 2, E 332.º, AL.ª A), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | I – Tendo sido chamado, a requerimento dos réus, como parte acessória, com a finalidade de auxiliar a sua defesa, a intervenção da CGC ao longo do processo encontrar-se-á sempre limitada pela atuação dos réus, sendo que o estatuto processual de assistente não lhe permite assumir nos autos posição contrária à dos réus, posição esta que, a ser admitida, aproveitaria ao autor.
II – Não sendo admitida a alegação do interveniente e a prova por si apresentada, para não ficar vinculado ao caso julgado da sentença que vier a ser proferida na presente ação, bastar-lhe-á invocar, na futura ação de regresso, o disposto no artigo 332º, al. a), ou seja, que, relativamente à matéria das alegadas irregularidades da sua atuação, a posição assumida pelos réus nos seus articulados o impediu de fazer uso de alegações ou de meios de prova que poderiam influir na decisão final. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Helena Gomes Melo 2º Adjunto: Catarina Gonçalves
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO AA e mulher, BB, intentam a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1. A..., Lda., 2. CC, e 3. DD, Alegando, em síntese, e entre outros fundamentos: o autor, então na qualidade de sócio gerente da 1ª, Ré, e a autora, deram de penhor determinados valores mobiliários para garantia de um empréstimo, no valor de 400.000,00 €, concedido pela CGD à sociedade Ré, bem como do cumprimento integral de outros contratos entre estas celebrados; esta garantia foi concedida no interesse da sociedade Ré e dos dois réus, seus gerentes, pois sem esta garantia, a CGD não teria concedido à Ré o mencionado empréstimo; a sociedade Ré deixou de cumprir este e outros contratos celebrados com a CGD, pelo que, a CGD deu como antecipadamente vencida toda a dívida e procedeu à venda extrajudicial dos bens mobiliários objeto de penhor; os réus não se interessaram, nem diligenciaram, por uma negociação com a CGD, para um eventual acordo de pagamento, pois sabiam e preferiam que a CGD se pagaria através do penhor dos Autores, para assim saldarem, à custa dos Autores, a dívida da Ré sociedade e assim poderem continuar a dispor dos seus fundos financeiros para outros fins à sua escolha e conveniência pessoal; a CGD, S. A. procedeu, em 20/07/2017, à venda dos valores mobiliários dos autores dados em garantia, por 400.000,00€ e aplicou o produto da venda no pagamento da dívida contratual da Ré A..., Lda. em 20/07/2017, que, na altura, ascendia ao montante de 403.598,06€ (quatrocentos e três mil, quinhentos e noventa e oito euros e seis cêntimos), tendo esta, dessa forma, ficado com esta dívida saldada perante a CGD; em consequência, deve, portanto, a Ré aos ora Autores, a quantia de 400.000,00€, que estes têm direito a dela haver, acrescida dos juros legais à taxa de 4%, desde 20/07/2017 até efetivo e integral pagamento, juros esses que, na presente data, importam em 41.333,00€; caso assim se não venha a entender, o pagamento pelos Autores à CGD da quantia de 400.000,00€, consubstancia um enriquecimento, sem qualquer causa, da Ré à custa dos Autores (sem causa justificativa), que ficaram empobrecidos em igual montante, locupletando-se a Ré injustamente com aquela quantia, que é obrigada a restituir; além do mais, 2º e 3ª réus retiraram dos cofres da ré quantias que ascendem a 36.000, 00 €. Concluem, pedindo: - a condenação solidária dos réus a pagar aos Autores a quantia global de 441.333,00€, acrescida dos juros à taxa legal, atualmente de 4%, a contar da citação até efetivo e integral pagamento, custas e demais encargos legais. - a condenação solidaria dos Réus a pagar aos Autores a quantia de 36.000,00€, acrescida de juros à taxa legal, atualmente de 4%, a contar da citação até efetivo e integral pagamento, custas e demais encargos legais. Os Réus apresentam Contestação, alegando, em síntese: os Autores não podem considerar-se como estranhos à própria sociedade, pois o autor marido é detentor de uma quota de 40% do capital social, sendo que, o penhor constituído pelos aqui Autores, não foi efetuado a pedido dos Réus marido e mulher, mas antes uma exigência da CGD, S.A., que o Autor aceitou, tendo em vista a concessão do referido empréstimo; pressuposto essencial aos pedidos formulados na presente ação seria a demonstração inequívoca de que a CGD, S.A., beneficiária da garantia em causa (penhor), tivesse procedido, pela forma exatamente acordada, à venda daqueles títulos, para se poder pagar da dívida da Ré A..., Lda. e que se encontrava suportada em tal garantia real. através de comunicação datada de 19/07/2017, foi a Ré A..., Lda. notificada que se considerava antecipadamente vencida toda a dívida e que, em função disso, se solicitava o provisionamento da sua conta D.O. pelo referido montante de €403.788,37, aprovisionamento a efetuar no prazo de 8 dias, a contar dessa data, sob pena de o crédito ser exigido judicialmente; surge, assim, como impercetível – para além de ilegal e ilegítimo – que, no próprio dia em que a devedora A..., Lda. foi notificada pela CGD de que dispunha do prazo de 8 dias para regularizar a dívida, tenha a mesma entidade credora, nesse mesmo dia, ou seja, no dia 19/07/2019, comunicado ao aqui Autor, garante da obrigação, que “decidiu proceder à venda dos valores mobiliários empenhados”; a CGD, S.A. encontrava-se, assim impedida de executar aquele penhor antes de decorridos os referidos oito dias; a operação de venda dos bens e respetivo débito ocorreu no dia seguinte, ou seja, em 20/07/2017, numa altura em que a devedora, e aqui 1.ª Ré, estava mais do que em devido tempo para cumprir o serviço da dívida junto da credora CGD, S.A o alegado crédito dos aqui Autores sobre a sociedade Ré tem por base uma conduta ilegal e abusiva por parte da credora CGD, S.A., credor pignoratício, sobre os garantes, em manifesto abuso de direito, já que por aquela via se compensou indevidamente de valores que se encontravam à sua guarda, não tendo os aqui AA reagido à indevida compensação que lhes foi efetuada; deste modo, e caso a Ré A..., Lda. viesse a ser condenada no pedido formulado pelos Autores, sempre poderia, no futuro, demandar, em ação própria e autónoma, a beneficiária do penhor e credora, CGD, S.A., pois que se fez pagar indevidamente, através de um penhor que, ao tempo, não poderia executar; não o tendo feito, substituíram-se indevidamente à empresa, que, aliás, ainda dentro do prazo concedido, comunicou à CGD, S.A. a sua intenção de reestruturar a dívida, aliás como havia feito em relação a outros credores, como oportunamente se demonstrará, impugnando-se assim o alegado nos arts. 51.º, 52.º e 53.º, 54.º; o alegado crédito dos aqui Autores sobre a sociedade Ré tem por base uma conduta ilegal e abusiva por parte da credora CGD, S.A., credor pignoratício, sobre os garantes, em manifesto abuso de direito, já que por aquela via se compensou indevidamente de valores que se encontravam à sua guarda, não tendo os aqui AA reagido à indevida compensação que lhes foi efetuada. deste modo, e caso a Ré A..., Lda. viesse a ser condenada no pedido formulado pelos autores, sempre poderia, no futuro, demandar, em ação própria e autónoma, a beneficiária do penhor e credora, CGD, S.A., pois que se fez pagar indevidamente, através de um penhor que, ao tempo, não poderia executar. só seria legítimo aos Autores demandar a Ré, ou até todos os Réus, com base no enriquecimento sem causa, caso não pudessem por qualquer forma ter reagido junto da CGD, S.A., caso aso os Réus viessem a ser condenados em qualquer dos pedidos formulados, sempre poderiam estes, em futura ação de regresso, demandar a CGD, S.A.; na verdade, a causa de pedir da presente ação tem na sua génese um ato praticado pela CGD, S.A . em manifesto abuso de direito; a eventual responsabilidade da Ré ou dos Réus pelas quantias aqui peticionadas fica a dever-se a uma atuação ilegal da CGD, S.A., pois que a Ré A..., Lda. podia ter pago ou reestruturado, em devido tempo, as suas responsabilidades perante a CGD, S.A., assim se evitando os custos inerentes à presente ação e todas as responsabilidades a ela inerentes, incluindo os montantes liquidados a título de juros pelos aqui Autores e que sempre serão da responsabilidade da Requerida interveniente. Concluem, pugnando pela improcedência da presente ação, requerendo a intervenção Acessória da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos constantes do artigo 321º do CPC, e a sua citação para os efeitos do art. 323º e ss. Proferido despacho a admitir a intervenção da Caixa Geral de Depósitos e uma vez citada, veio esta, a 15-012-2020, apresentar articulado de contestação, alegando, em síntese: a carta datada de 19.07.2017, não atribuiu um prazo suplementar de 8 dias para que a devedora regularizasse a situação, destinando-se, tão só, a pressionar a devedora para obter o pagamento da dívida, sem necessidade de recorrer à via judicial; a dívida há muito se encontrava vencida, sendo que, nesta fase, em 19 julho de 2017, a CGD já não estava interessada noutra coisa que não fosse receber integralmente o que lhe era devido, no mais curto intervalo de tempo possível, e preferencialmente sem ter de recorrer aos Tribunais; E, não se tendo os AA. oposto a que o pagamento se processasse através do “acionamento” da garantia prestada através da constituição do penhor sobre 8.000 “Obrigações Subordinadas CGD 2008/2018” de sua propriedade foi acionada esta garantia nos termos constantes da missiva junta sob doc. 9 com a p.i. nada impedia a CGD de promover o “acionamento” da garantia prestada pelo A., atendendo a que a A... Lda. se encontrava em situação de incumprimento desde a entrada do PER em março/2017; sendo um facto indesmentível que a aqui R. A... Lda. nem sequer alega na sua contestação que ia proceder ao pagamento efetivo da quantia de 403.788,37 €, acrescida dos juros entretanto vencidos após 19.07.2017, nesse alegado período de 8 dias constante da carta de 19.07.2017; após a execução do Penhor, a dívida respeitante a este contrato ficou reduzida a 3.846,42 €, conforme carta enviada em 20/jul.2017, junta com a p.i. sendo certo que nem este montante residual a A... Lda. pagou, nem nesse prazo de 8 dias nem após. * Após audição das partes quanto a tal questão, cerca de três anos e meio depois, pelo juiz a quo é proferido o seguinte Despacho, de que agora se recorre: Pelo exposto, decido: Julgar a atitude tida pela ora interveniente acessória CGD, S.A. na sua contestação, em oposição com a defesa vertida pelos réus na sua contestação, de inválida e ineficaz, e em consequência disso, considero não escrita a matéria invocada pelo ora interveniente acessório nos arts. 2º a 51º da sua contestação, e ao mesmo tempo, determino o desentranhamento dos documentos juntos com a contestação destinados a servir de complemento e/ou de prova a tal factualidade, após o trânsito em julgado do presente despacho. * Não se conformando com tal sentença, a interveniente CGD dela interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1) Dúvidas não existem de que a interveniente acessória e aqui recorrente CGD na posição/defesa que assumiu nesta ação se encontra em oposição, com posição/defesa tida pelos réus na sua contestação, atenta a posição expressa pelos AA. na respetiva petição inicial; 2) Na posição defendida no douto despacho recorrido o Tribunal entendeu que a posição da interveniente CGD é a de mera auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se consequentemente a coberto de ulterior e eventual ação de regresso, não lhe sendo admitido assumir processualmente posição que colida com a dos RR. que a chamaram; 3) No cotejo das normas aplicáveis temos, assim, que se por um lado a norma do art. 323º nº 1 do CPC estabelece que relativamente ao interveniente acessório o mesmo passa “a beneficiar do estatuto de assistente”, após citação processada na sequência de despacho judicial irrecorrível de admissão da intervenção, não menos certo é que, por outro lado, essa mesma norma (art. 323º nº 1) estabelece que o regime jurídico disposto nos artigos 328.º e seguintes do CPC é aplicável, mas “com as necessárias adaptações”, e ainda que, nos termos do art. 321º nº 2 do CPC “a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento”, ou seja, a interveniente – reconhece-o expressamente o CPC – há de poder discutir na causa as questões que tenham repercussão na ação de regresso; 4) Na tese defendida pelo Tribunal a quo caso a CGD assumisse posição consentânea com a defesa dos RR. estaria ipso facto a admitir que o acionamento da garantia pessoal prestada pelos AA. foi mal efetivado com as consequências daí advenientes, ou seja estaria desde já a confessar o futuro pedido em exercício da ação de regresso, isto obviamente caso os RR. fossem condenados na presente ação; 5) A posição da CGD não podia estar em maior dissonância com aquela que é defendida pelos RR. pelo que a sua intervenção nestes autos, nos moldes preconizados no douto despacho ora recorrido consubstancia na prática uma impossibilidade teórica e prática, não podendo portanto ser este o sentido interpretativo a conferir à aplicação do estatuto de assistente à(ao) interveniente acessório; 6) Caso a interveniente/recorrente não vinque nos autos o seu particular enfoque dos factos ocorridos, e “assista” aos aqui RR., verá virar-se contra si o caso julgado que vier a ser declarado nestes autos, para o qual não pôde sequer (na perspetiva defendida pelo Tribunal) contribuir com a sustentação da sua particular posição e visão/versão dos factos; 7) Com todo o respeito, não pode ser assim, sob pena de a CGD ser, por definição/interpretação legal, impossibilitada de apresentar a sua versão dos factos, e, portanto, impossibilitada de se defender por si própria já nesta ação quanto à matéria do eventual direito de regresso que contra ela pode vir a ser exercitado pelos RR. (caso estes percam a demanda) e de na prática passar a ter nestes autos uma posição totalmente inócua e desprovida de qualquer relevância, não se vislumbrando como coadunar a posição do Tribunal com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artº 20º da Constituição da República Portuguesa, no qual se insere o direito ao processo equitativo; 8) A única forma aceitável de conjugar o art. 321º nº 2, 323º nº 1 e 328.º e seguintes todos do CPC é a de interpretar que as “necessárias adaptações” a que alude aquela norma outras não poderão ser senão as de que à CGD assiste o direito de apresentar e pugnar pela defesa da sua posição específica quer face à matéria alegada quer face ao direito, quer face aos factos; 9) A interpretação assumida no douto despacho recorrido impede a CGD de futuramente se defender em sede de eventual ação de regresso alegando que “a atitude da parte principal a impediu de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final” desta ação (cfr. art. 332º alínea a) do CPC), desde logo porque tal interpretação coloca a interveniente e futura ré – caso a ação proceda – numa situação jurídica de ter sobre si logo à cabeça o ónus de demonstrar que foi impedida de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final, isto para poder esgrimir os seus argumentos, sendo certo que as RR. não estão a impedir a interveniente de alegar o que alegou, nem tão pouco estão a impedi-la de usar meios de prova porquanto quem está a fazê-lo é o próprio Tribunal, e não as RR. e, por outro lado, tão pouco o momento processual em que assumiu a sua intervenção a impediu de apresentar expeditamente a sua defesa e de requerer os respetivos meios de prova; 10) O estatuto de assistente, aplicável por via remissória, não pode contender nem por em causa o núcleo enformador do estatuto do interveniente acessório, e que é definido no art. 321º nº 2 do CPC, ou seja o de poder trazer à discussão as questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, sendo que este estatuto é aplicável ao do interveniente nos termos definidos no art. 323º nº 1 do CPC, isto é “com as necessárias adaptações”; 11) A interpretação e decisão avançada no douto despacho saneador contende com o art. 20º da CRP, na sua vertente do princípio do processo equitativo, direito à defesa, direito ao contraditório e direito à igualdade de posições no processo, bem como nas normas do CPC constantes dos artigos 321º nº 2, 323º nº 1 e 332.°, n.º 1 todos do CPC, devendo portanto ser mantida na íntegra a contestação apresentada pela interveniente bem como os documentos e demais prova por ela apresentada nesse articulado. Termos em que deverá ser ordenada a revogação do douto despacho recorrido, com as legais consequências, devendo ser ordenada a admissão da contestação da interveniente e dos respetivos meios de prova que apresentou. * Não foram apresentadas contra-alegações. Dispensados os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. * Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. Se o tribunal errou ao considerar como não escrita toda a matéria artolada pela Interveniente no seu articulado, por contrária à posição assumida pelos réus na sua contestação, rejeitando a prova indicada por aquele indicada. * III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Assunção por parte da interveniente acessória de posição contrária à dos réus, por quem fora chamada a auxiliar em sua defesa, ao abrigo dos arts. 321º e ss CPC Na parte em que releva para apreciação da questão sob recurso, os Autores intentam a presente ação alegando, em síntese, que, tendo dado em penhor determinados valores mobiliários para garantia de cumprimento de um empréstimo (bem assim como de outros contratos) concedido pela Caixa Geral de Depósitos (CGC) à sociedade Ré, a CGD acionou tal garantia, pagando-se dos valores em dívida pelo produto de tais bens, no valor de 400 000.00, €, do qual os autores ficaram desapossados. Em consequência, pedem a condenação da sociedade ré no reembolso de tal quantia ou, assim não se entendendo, com base em enriquecimento sem causa. Os réus contestam, imputando a responsabilidade à CGD, que acionou a garantia antes de decorrido o prazo de oito dias, que lhe havia sido concedido para pagamento, procedendo de imediato à venda dos bens, sem dar à sociedade Ré a oportunidade de reestruturar a dívida. Na sequência desta defesa, e ao mesmo tempo que concluem pela improcedência da ação, requerem a intervenção espontânea da CGD, invocando um direito de regresso contra esta, ao abrigo do artigo 321º CPC. Proferida decisão a admitir a requerida intervenção acessória da Caixa Geral de Depósitos, esta, como seria de esperar, apresenta "contestação", respondendo, não à petição inicial, mas à defesa apresentada pelos réus na sua contestação, alegando que a dívida estava há muito vencida e que acionou devidamente a garantia. A seguir, o juiz dá como não escrita toda a materialidade alegada pela CGD, bem como a documentação por esta junta, com a alegação de que o interveniente espontâneo, sendo um auxiliar na defesa do réu, não pode assumir posição contrária à do réu: enquanto assistente da parte principal, aqui réus, não podia na sua contestação assumir uma posição em manifesta oposição com a dos assistidos (aqui réus), e em contrapartida, claramente favorável à pretensão ora deduzida pelos autores, como se “in casu” fosse o “assistente”/”auxiliar” destes. Reconhecendo encontrar-se a sua posição/defesa assumida nesta ação, em manifesta oposição com a posição/defesa assumida pelos réus na sua contestação, insurge-se a Interveniente/Apelante, CGD, contra o decidido, com os seguintes fundamentos: se a CGD assumisse posição consentânea com a defesa dos réus estaria ipso facto a admitir que o acionamento da garantia pessoal prestada pelos AA. foi mal ativada, ou seja, estaria já a confessar o futuro pedido em exercício da ação de regresso, caso os réus viessem a ser condenados na presente ação; a posição da CGD não podia estar em maior dissonância com aquela que é defendida pelos RR. pelo que a sua intervenção nestes autos, nos moldes preconizados no douto despacho ora recorrido consubstancia na prática uma impossibilidade teórica e prática; não pode a apelante ser impedida de apresentar a sua versão dos factos, quando verá virar-se contra si o caso julgado que vier a ser declarado nos autos; a interpretação e decisão avançada no saneador contende com o artigo 20º da CRP, na sua vertente de um processo equitativo, direito à defesa, direito ao contraditório e direito à igualdade das partes no processo. * Cumpre, assim, apreciar a questão de determinar se é de revogar a decisão recorrida que considerou como não escrita a materialidade alegada pela Interveniente acessória CGD, por oposta à assumida pelos Réus na sua contestação, não admitindo os meios de prova por si apresentados. A intervenção acessória provocada encontra o seu regime, antes demais, nas seguintes normas do Código de Processo Civil: Artigo 321º 1 – O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal. 2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento. Artigo 323º 1 – O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 328 e ss. (…) 4 – A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização. Submetido o interveniente acessório ao estatuto de assistente previsto no artigo 328º do CPC, assume no processo uma posição de auxiliar de uma das partes principais, gozando dos mesmos direitos e deveres destas, exercendo uma atividade própria, mas sempre subordinada à desenvolvida pela parte principal que está a auxiliar. Embora lhe seja admitido complementar a atividade do assistido, não pode assumir atitude contrária à daquele, sendo que, qualquer divergência entre a conduta do assistente e a do assistido é resolvida em função da vontade da parte assistida (artigo 328º, nº2, CPC). Tendo o chamado o estatuto de auxiliar de uma das partes, a sua posição encontra-se subordinada à atividade da parte principal, podendo a posição ser completada pelo assistente, mas não suprida, não podendo praticar atos que estejam em oposição com os do assistido (artigo 328º do CPC), não podendo assumir posição divergente[1]. A atuação do interveniente acessório, assistente do réu, quer quanto ao âmbito da sua intervenção, quanto à sua alegação, apresentação de prova e possibilidade de interposição de recurso, terá de se conter necessariamente dentro das balizas impostas pelo nº2 do artigo 321º, 328º, 330º e 331º, do CPC. A intervenção acessória provocada consiste num incidente suscitado pelo réu que pretende trazer ao processo o titular de passivo de uma relação jurídica conexa com a relação material controvertida – e que tem como conteúdo o direito de regresso dele réu, contra o terceiro – chamado pelos danos decorrentes da sucumbência da lide. “Na estrutura do incidente há, portanto, a considerar duas relações jurídicas distintas: a relação material controvertida na lide, de que é sujeito ativo o autor e passivo o réu; e a relação jurídica de regresso ou de indemnização, invocada como fundamento do chamamento, que tem como titular activo o réu da causa principal e passivo o terceiro por aquele chamado à autoria[2]”. A dedução deste incidente não acarreta o alargamento do objeto processual. O thema decidendum continua a ser apenas a relação jurídica controvertida entre autor e réu, litigando sobre tal matéria o réu e o terceiro chamado, conjuntamente. A utilidade do incidente está na extensão ao chamado da eficácia do caso julgado da sentença a proferir na ação, obtendo o réu, no confronto do terceiro, a declaração com força vinculativa da relação material controvertida – vista agora como um elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização[3]. A dedução de tal incidente, que surge como facultativa, dispensa o réu de provar, na ulterior ação de regresso que venha a intentar, que na demanda empregou todos os esforços para evitar a condenação. No caso em apreço, peticionando os AA o direito ao reembolso do valor dos bens dados em penhor, acionados pela CGD para pagamento de um empréstimo concedido à Sociedade Ré, ou, subsidiariamente, com fundamento em enriquecimento sem causa, se os réus se defendem negando a sua responsabilidade, atribuindo-a à própria CGD – que acionou indevidamente tal garantia, procedendo à venda dos mesmos, quando não o podia fazer, não dando oportunidade à Sociedade/Ré devedora de reestruturar a dívida – é expetável que este terceiro tenha, relativamente a tal questão uma posição e interesse opostos aos dos réus, sendo de questionar o interesse por parte dos ro seu chamamento à ação para os “auxiliarem na sua defesa”. De qualquer modo, admitido o incidente e encontrando-se a CGD constituída como parte acessória (o despacho que admite o incidente de intervenção de terceiros não admite recurso), coloca-se a questão de saber em que posição esta fica e que direitos processuais lhe é dado exercer. Como já se referiu, não envolvendo o chamamento do interveniente um alargamento do objeto da ação, a factualidade atinente ao direito de regresso é, em regra, alegada pelo réu unicamente como fundamento da dedução do chamamento à ação do terceiro, não fazendo parte do objeto do processo (não comportando o incidente uma fase autónoma de produção de prova destinada a convencer o tribunal da existência desse direito). A especificidade do presente caso reside em que o fundamento em que os réus fazem assentar o direito de regresso sobre a interveniente, coincide com o principal fundamento invocado pelos réus em sua defesa – os réus nada teriam a reembolsar ou restituir aos autores, porque a CGD agiu indevidamente ao fazer-se pagar pelos bens objeto de penhor. A materialidade respeitante à conduta alegadamente irregular da CGD irá ser necessariamente discutida na presente ação – aliás, foi incluída pelo tribunal nos temas de prova – pelo que: - ou se admite a participação da CGD na discussão de tal matéria, com vista a influenciar na decisão a proferir sobre a mesma (mediante a alegação da sua versão e a indicção de meios de prova), ao abrigo do disposto no nº2 do art. 321º, CPC, por se tratar de uma questão com repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento; - ou, a entender-se que, enquanto auxiliar na defesa, não lhe sendo permitido assumir posição divergente, não pode fazer valer a sua posição nos autos, então, a decisão proferida relativamente a tal questão nunca poderá constituir caso julgado relativamente ao chamado, esvaziando, na prática a intervenção da CGC nos presentes autos. Tendo sido chamado, a requerimento dos réus, como parte acessória, com a finalidade de auxiliar a sua defesa, a intervenção da CGC ao longo do processo encontrar-se-á sempre limitada pela atuação dos réus. O estatuto processual de assistente não lhe permite assumir nos autos uma posição contrária à dos réus, posição esta que, a ser admitida, aproveitaria ao autor. De qualquer modo, o facto de lhe ser vedado apresentar, e fazer valer nos autos, a sua versão dos factos alegados pelos réus em sua defesa, por oposta à dos réus, não o pode prejudicar, encontrando-se tal situação acautelada pela previsão do artigo 332º, al. a) do CPC: “A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, exceto, se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou de meios de prova que poderiam influir na decisão final.
Não sendo admitida a alegação do interveniente e a prova por si apresentada, para não ficar vinculado ao caso julgado da sentença que vier a ser proferida na presente ação, bastar-lhe-á invocar, na futura ação de regresso, o disposto no artigo 332º, al. a), ou seja, que, relativamente à matéria das alegadas irregularidades da sua atuação, a posição assumida pelos réus nos seus articulados o impediram de fazer uso de alegações ou de meios de prova que poderiam influir na decisão final. Deste modo, o seu direito à defesa não ficará prejudicado, não havendo qualquer violação do artigo 20º da Constituição da Republica Portuguesa. A Apelação do Interveniente é, assim, de julgar improcedente. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas a suportar pela Apelante. Coimbra, 11 de dezembro de 2024
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