Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE SEGURO DE VIDA MÚTUO BANCÁRIO DIREITO AO CAPITAL SEGURO DESOBRIGAÇÃO DO PAGAMENTO DO PRÉMIO REPETIÇÃO DO INDEVIDO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS INVOCAÇÃO DA FALTA DE COMUNICAÇÃO APENAS NAS ALEGAÇÕES DE RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 236.º E 476.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 552.º, N.º 1, AL. D), 635.º, N.º 4, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 11.º N.º 2, 76º E 77º, 81.º E 198.º DO DL N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL – REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO. ARTIGO 10º DO DL Nº. 446/85, DE 25 DE OUTUBRO – CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS | ||
| Sumário: | I – No contrato de seguro de vida associado a um mútuo, exigido pelo banco mutuante, este é o único beneficiário do capital garantido necessário para a satisfação do seu crédito, ingressando tal capital, direta e automaticamente na sua esfera jurídico-patrimonial, sem que o segurado e seus herdeiros a ele tenham qualquer direito.
II - Se, cumprido o pagamento do montante devido pela seguradora ao banco, o capital garantido exceder o capital satisfeito, o valor excedente apenas pode ser reclamado pelo segurado se se provar que ele era beneficiário do seguro por tal valor excedente. III – Se o seguro foi efetivado por exigência do banco, se no contrato fica a constar, no lugar do beneficiário, apenas o banco, e nele se plasma que, em caso de morte ou de invalidez permanente, este é beneficiário irrevogável, tem de concluir-se que ele é o único beneficiário do contrato – art. 236º do CCivil - mesmo para aquele valor excedente, não sendo caso de aplicação do princípio ambiguitas contra stipolatum do art. 11º nº2 do DL n.º 72/2008, de 16.04. IV – O segurado fica desobrigado do pagamento do prémio do seguro a partir da data da ocorrência do facto que despoleta a sua efetivação e acarreta a responsabilização da seguradora, pelo que, pagando aquele, tem direito à repetição do indevido. V – A invocação da falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais tem de ser efetivada pelo autor aderente em sede de petição inicial - artº 552º nº1 al. d) do CPC. - mostrando-se extemporânea e inatendível se plasmada apenas das alegações, ademais apenas no seu corpo e não nas conclusões - artº 635º nº 4 do CPC (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Luís Cravo Vítor Amaral * ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA, demandou instaurou contra A... Companhia Portuguesa de Seguros de Vida S.A. - tendo sido admitida a intervenção principal provocada do lado passivo da A... Companhia de Seguros S.A. atualmente designada de B... Companhia de Seguros S.A. - ação declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediu: Se declarem nulas determinadas cláusulas do contrato de seguro de vida: (cláusula do artigo 1º alínea d) condições especiais); cláusula do artigo 3.1. alínea c) das condições especiais), e a R. condenada a pagar ao A. o valor de € 16.290,50 relativo ao seguro de vida e € 30.000,00 em relação ao seguro de acidentes pessoais, acrescido de juros. Alegou para tanto que: No âmbito de um crédito que contraiu junto do Banco 1... S.A. foi-lhe exigido que celebrasse um contrato de seguro de vida, o que o mesmo fez, tendo ainda celebrado igualmente um contrato de seguro de acidentes pessoais, o que o mesmo fez através da R. No dia 12 de Maio de 2018, o A. deu entrada no Hospital ... com súbita perda de força de membro inferido, sendo que três dias antes disso tinha tido subitamente perda de força também em Barcelona tendo sido consultado em hospital dessa cidade. Foi diagnosticado ao A. AVC e esteve internado em ... até ser transferido para o Hospital .... Em 06 de Agosto de 2018 foi reformado por invalidez absoluta. A R. não aceitou acionar as garantias que os seguros de vida e acidentes pessoais deviam caucionar, apesar de o A. ter remetido à R. toda a documentação pertinente e estar incapacitado definitivamente para o trabalho. As cláusulas do contrato de seguro de vida que impõe limitações aos casos de incapacidade são nulas.
A ré contestou. Disse: Em relação ao seguro de vida liquidou junto da entidade bancária o montante que o A. devia à data em que foi declarado incapaz definitivamente. Relativamente ao seguro de acidentes pessoais não foi negociado com a R. mas com outra entidade.
Admitida a intervenção principal provocada foi chamada a juízo a A... Companhia de Seguros S.A.. Esta contestou. Referindo que o seguro de acidentes pessoais visa garantir o segurado em caso de acidente, e não sendo o AVC uma doença, declina qualquer responsabilidade.
2. Prosseguiu o processo os seus termos, rendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «a) Por inutilidade, não conheço do pedido formulado pelo A. AA de declaração de nulidade de cláusulas insertas em contrato de seguro celebrado entre o referido A. e a R. A... Companhia Portuguesa de Seguros de Vida S.A. b) Absolvo a R. A... Companhia Portuguesa de Seguros de Vida S.A. e a Interveniente B... Companhia de Seguros S.A. dos demais pedidos formulados pelo A. Custas a cargo do A. sem embargo do apoio judiciário com que litiga.»
3. Inconformado recorreu o autor. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1º- O Tribunal a quo proferiu agora sentença a não conhecer do pedido formulado pelo Recorrente quanto à declaração de nulidade das clausulas insertas no contrato de seguro bem como a absolver a Ré e a interveniente dos pedidos feitos pelo Recorrente. 2º- Sentença esta, com a qual o Recorrente não pode de forma alguma concordar nos termos que infra exporá. 3º- O Tribunal a quo julgou a ação improcedente, sendo que para o efeito considerou que Beneficiário do Seguro era o Banco 1..., não há qualquer remanescente a entregar ao Recorrente pelo simples facto de que com o pagamento se exauriu o fundamento para o seguro. 3º- Para alem disso considerou quanto ao seguro de acidentes pessoais o AVC não pode ser considerado um acidente e que o AVC é um invento interno ao organismo sem interferência de uma causa externa. 4º- No entender da Recorrente, o Tribunal a quo não ponderou devidamente a situação concreta nomeadamente toda a prova testemunhal produzida em julgamento bem como incorreu num erro de julgamento. 5º- No entender do Recorrente em face do depoimento da testemunha BB devem ser aditados aos factos dados como provados os factos seguintes: 1. Houve um agravamento do seguro por causa da profissão do A. que era pescador. 2. O prémio referente ao seguro de acidentes pessoais era de 894,36€. 3. O capital seguro era fixo e constante. 4. A Ré numa 1ª fase recusou assumir o sinistro. 5. As Seguradoras fazem o reembolso ao sinistrado do valor pago entre a data do sinistro e a regularização do mesmo. 6. O A. antes do sinistro não apresentava sinais de doença. 6º- O Tribunal a quo interpretou erradamente a apólice ao considerar que o seguro apenas cobria a amortização do empréstimo bancário, desconsiderando o direito do Recorrente ao capital remanescente. 7º- O Recorrente é o legítimo beneficiário do capital remanescente, uma vez que não consta na apólice que o Banco seja o único beneficiário. 8º- O entendimento do Tribunal viola o princípio da boa-fé e o regime das cláusulas contratuais gerais, prejudicando o Recorrente. 9º- O Recorrente deve ser reembolsado pelo prémio pago entre a data do sinistro e a sua regularização. 10º- Por outro lado, o Tribunal errou ao excluir o AVC do conceito de acidente. 11º- O conceito de acidente previsto na apólice inclui eventos súbitos e anormais, o que é compatível com um AVC. 12º- A jurisprudência reconhece que acidentes podem incluir eventos internos ao organismo, desde que súbitos e não intencionais, o que foi o caso. 13º- Pelo que, o sinistro sofrido pelo Recorrente está abrangido pela apólice de acidentes pessoais. 14º- Termos em que requer a V. Exa. que seja dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e condenação da Recorrida ao pagamento dos montantes devidos ao Recorrente, ou seja, o valor do capital seguro por invalidez absoluta referente à diferença entre o capital e o valor liquidado ao Banco e do seguro de acidentes pessoais no montante de 30.000,00€
A ré contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª - Procedência da ação.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 in dgsi.pt. como os infra cits. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 23-04-2009 p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1; Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. Pois que a lei - artº 640º do CPC - exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua (do recorrente), subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1. Acresce que considerados para prova apenas podem ser os factos que tenham interesse para a decisão, atento o objeto do processo tal como delineado pelas partes, rectius o autor, E, bem assim, num processo de cariz privado em que se dilucidam interesses patrimoniais, como o presente, e por virtude dos princípios da substanciação, do dispositivo e da auto responsabilidade das partes, apenas podem ser considerados os factos por estas alegados nos articulados. 5.1.2. Pretende o autor a prova dos seguintes factos: 1. Houve um agravamento do seguro por causa da profissão do A. que era pescador. 2. O prémio referente ao seguro de acidentes pessoais era de 894,36€. 3. O capital seguro era fixo e constante. 4. A Ré numa 1ª fase recusou assumir o sinistro. 5. As Seguradoras fazem o reembolso ao sinistrado do valor pago entre a data do sinistro e a regularização do mesmo. 6. O A. antes do sinistro não apresentava sinais de doença. Para tanto invoca o depoimento da testemunha BB. Foi apreciada a prova. Tais factos não podem ser dados como provados por vários motivos. Os factos 1, 2, 3, 5 e 6, não se mostram, adrede, alegados na pi. O 3 é aludido pelo autor, mas apenas na réplica, o que se mostra extemporâneo – artº 552º nº1 al. d) do CPC. E, mesmo que assim não fosse, nem sequer foi confirmado pela testemunha indicada. Quanto aos pontos 1 e 2 acresce ainda que a sua consideração autónoma mostra-se inócua para a decisão, pois que, independentemente de os valores constantes do contrato – rectius o prémio do seguro – terem ou não terem resultado de um agravamento em função da profissão de pescador, o que releva são tais valores em si mesmos, independentemente da causa que lhes subjaz. Ademais, o facto 2 consta do contrato rectius da sua apólice, sendo que ele, bem como as condições relevantes do contrato, devem, ipso facto, serem considerados e relevar, em sede de subsunção e exegese jurídica. Já no atinente ao facto 4 mostra-se inócuo para a decisão, atento o pedido formulado pelo autor o qual se atém, essencialmente, ao valor remanescente decorrente do pagado pela ré ao Banco 1... e do valor segurado Aliás, bem vistas as coisas, o autor nem sequer justifica a necessidade da prova de tais factos, o que apenas ocorreria se deles se pudessem retirar efeitos jurídicos relevantes para o deferimento da sua pretensão, o que ele deveria, adrede, invocar e elucidar, nesta sede de impugnação factual, o que não faz. 5.1.3. Decorrentemente, e na improcedência desta pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber: 1- A fim de garantir um empréstimo, contratado pelo A. com o Banco 1... S.A. com data de Setembro de 2013, o A. celebrou com a R. A... Companhia de Seguros de Vida S.A. um acordo com o seguinte conteúdo: 2- Entre as cláusulas gerais relativas a tal acordo que aqui se reproduzem, e especiais também aqui reproduzidas, deixou-se escrito quanto a estas últimas:
2.1. O A. assinou um documento que consistia na proposta de seguro que veio a dar lugar à apólice acima referida, e onde entre o mais aqui reproduzido se deixou escrito: “1. São exactas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo- lhe(s) sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, de que tomou/tomaram conhecimento e tendo-lhe(s) sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis com as quais concorda(m).” 2.2. A proposta de acordo que deu lugar à apólice acima aludida foi transmitida e assinada em agência do Banco 1... S.A. 3- Em 12 de Maio de 2018, o A. deu entrada no Centro Hospital de ... onde esteve internado até 01 de Junho de 2018. 4- O motivo do internamento referido em 3 foi sequência de Acidente Vascular Cerebral Isquémico sofrido pelo A. 5- O A. entrou no Hospital ..., tendo referido o que consta de relatório hospitalar que aqui se reproduz: 6- O A. realizou vários exames, desde ressonâncias magnéticas, análises ecocardiogramas, holter, e foi observado várias vezes por diversas especialidades médicas. 7- Foi transferido em 01 de Junho de 2018 para o Hospital ... com o seguinte diagnóstico: 9- O A. foi reformado por invalidez com início em 06 de Agosto de 2018. 10- Em 07 de Junho de 2019 foi emitido o seguinte documento:
11- Em 04 de Julho de 2019 foi apresentado pelo A. à R. um relatório médico com o conteúdo seguinte:
12- Em 02 de Setembro de 2019 é apresentado à R. o seguinte documento:
13- Em 12 de Setembro de 2019, o A. devia ao Banco 1... S.A. no âmbito do crédito indicado em 1, a quantia de € 6.962,62 valor este que a R. regularizou por conta da apólice nº ...22. 14- Em data não concretizada entre o A. e a Interveniente foi celebrado e reduzido a escrito o pelas partes designado “acidentes pessoais – proteção pessoal individual” o qual consistia num seguro em que era tomador do mesmo o A., tendo do mesmo sido mediador o Banco 1... S.A., com a apólice o nº ...65 a duração de um ano e seguintes tendo a apólice iniciado a sua vigência em 12 de Setembro de 2013 e estando em vigor no período entre 12 de Setembro de 2018 e 12 de Setembro de 2019. 15- O prémio anual do seguro acima indicado era de € 75,31. 16- O objecto do seguro era o seguinte:
17- O contrato acima aludido estava sujeito a condições gerais e especiais, as quais aqui se reproduzem, com menção especial para as seguintes condições gerais:
18- Em 28 de Agosto de 2018 o A. participou à Interveniente o acontecimento relatado em 4 e 5. 19- A interveniente declinou a responsabilidade
5.2. Segunda questão. 5.2.1. O julgador decidiu nos seguintes termos: Da matéria de facto dada por provada resulta que o A. contratou com a R. e com a Interveniente, dois seguros, um de vida associado a empréstimo bancário, e outro de acidentes pessoais. Temos, portanto, que relativamente ao contrato celebrado com a R. o mesmo visava garantir ao mutuante em caso de morte ou invalidez o reembolso dos montantes emprestados ao mutuário. E no que tange ao contrato celebrado com a Interveniente, sendo o mesmo de acidentes pessoais, visava abonar o pagamento de determinada quantia ao A. caso se verificassem os pressupostos para fazer desencadear a garantia. Pois bem, estando-se perante contratos de seguro, podem qualificar-se os mesmos como aqueles pelos quais uma pessoa (seguradora) se obriga, mediante remuneração (prémio), a realizar a favor de outra pessoa (segurado ou outra pessoa beneficiária), no caso de um evento futuro e remoto (risco), uma prestação que pode consistir numa indemnização pelos danos sofridos em consequência de um sinistro ou, no caso de evento relativo à pessoa humana, num capital ou rendas. E ao regime de tais contratos, aplica-se o decreto/lei nº 72/2008 de 16 de Abril, bem assim o clausulado entre as partes. Aos segurados, portanto, é exigido o cumprimento da obrigação de, atempadamente, pagarem o prémio de seguro nos termos definidos pela respectiva apólice e à seguradora incumbe a obrigação de satisfazer os compromissos tipificados no contrato, caso tal seja seu dever. Descendo ao caso dos autos analisemos os seguros um a um. Seguro celebrado com a R. É claro dos factos provados que o beneficiário do seguro era o banco Banco 1... S.A. Provado está que na sequência da doença de que o A. foi vítima, a R. após aceitar o evento como assegurado pelo contrato, pagou ao mutuante a quantia em dívida na data em que se propôs liquidar esse valor. Diga-se que o A. pede na petição inicial o valor total que o seguro garantia, mas depois em resposta à contestação já admite que a R. tenha liquidado parte desse valor ao banco. O A. não tem direito a receber qualquer montante do seguro celebrado com a R. pelo seguinte: - o seguro tinha como única finalidade garantir um empréstimo sendo beneficiário do mesmo o banco; - o empréstimo foi pago pela R. no montante em dívida à data em que aceitou o sinistro; - não há qualquer remanescente a entregar ao A. pelo simples facto de que com o pagamento se exauriu o fundamento para o seguro. Ou seja, não pode o A. querer ficar com o empréstimo pago na totalidade como se não tivesse existido seguro e como se não tivesse existido um evento que desencadeou a intervenção da R. Em tese, o A. poderia receber a totalidade do valor que o seguro garantia, mas para tanto tal teria que ter sido acordado entre as partes, o que não sucedeu.
Seguro contratado com a Interveniente É um seguro de vida que garante acidentes e não doenças. O A. teve um AVC o qual está excluído expressamente da garantia (veja-se o facto provado 17º - artigo 11º nº1 alínea g -), não estando demonstrada a existência de um qualquer acidente. E diga-se que mesmo que não estivesse expressamente excluído o AVC, tal se teria por excluído por não constituir um acidente, mas sim uma doença, mais propriamente um acidente vascular cerebral isquémico no caso concreto, ou seja, um evento interno ao organismo sem interferência de uma causa externa. Por outra banda, não é alegado pela A. a nulidade desta cláusula nem se vê que ela o seja, já que uma coisa é um seguro de acidentes pessoais, e outra diferente um seguro de vida com garantias adicionais de incapacidades advenientes de doenças. Improcede também o pedido de condenação da Interveniente a pagar a quantia de € 30.000,00 acrescida de juros. 5.2.2. Perscrutemos. 5.2.2.1. Do contrato de seguro com a ré. Estamos perante um seguro de grupo contributivo, ou seja, aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar e no qual os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro – artºs 76º e 77º DL do REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril. O seguro de grupo assume uma estrutura tripartida na qual relevam as posições do tomador do seguro, do segurado e do terceiro beneficiário. Jurídico teleologicamente assume-se como um contrato a favor de terceiro – artº 443º do CCivil. Efetivamente: «A arquitectura do seguro de grupo revela uma estrutura triangular: o tomador celebra um contrato com o segurador, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo, tornando-se então segurados.» - Ac. do STJ de 5/03/2013 proc. 517/09.1TBVFR-A, in in CJ. STJ, Ano XXI – Tomo I, pág. 136. Na verdade, todo o contrato de seguro tem um beneficiário. Normalmente o beneficiário é o próprio segurado ou o tomador do seguro. Mas, como se viu, tal pode não se verificar, antes o contrato sendo do interesse de um terceiro que está fora da relação jurídica estabelecida pelo contrato de seguro - a qual se fixa apenas entre tomador/segurado e seguradora -, e apenas com ele beneficiando. A designação do beneficiário é efetivada pelo segurado ou pelo tomador do seguro, normalmente aquando da celebração do contrato, e devendo constar na própria apólice; sendo que também pode ser feita posteriormente, por declaração escrita, ou até em testamento – artºs 81º e 198º do aludido Regime Jurídico. E qual é o status jurídico, os direitos do beneficiário, vis a vis os do tomador e do segurado? Pois bem, a doutrina e a jurisprudência, têm entendido, pelo menos maioritariamente, que o beneficiário assume um direito de crédito sobre o capital seguro próprio, autónomo e independente face ao tomador e ao segurado. Mais. Tal direito surge, ex vi do contrato, diretamente no seu património nunca chegando a integrar o património do tomador ou do segurado, e consequentemente, dos herdeiros destes em caso de morte. Assim o entende a doutrina: «No direito comparado, a lei considera que uma terceira pessoa, beneficiária de uma apólice de seguro efetuada por qualquer pessoa sobre a sua própria vida, tem direito ao produto desse seguro contra os credores e representantes da pessoa cuja vida foi segurada. Caso exista insolvência do tomador do seguro, os seus credores não podem afetar o direito do beneficiário ao benefício, isto porque este direito foi concedido ao beneficiário antes do segurado se encontrar nesse estado. Também este direito não pode ser afetado quando já tiver sido exercido pelo beneficiário, pois já se integrou no seu património como crédito ou capital. Fica, assim, claro que o capital segurado nunca fez parte do património do tomador, pelo que, de modo algum, poderá responder pelo cumprimento das suas obrigações. O beneficiário do seguro é titular de um direito ao montante do capital segurado, mesmo sem ser parte na relação contratual do seguro. Esta complexidade é mais visível quando a figura do tomador não coincide com a do segurado. Sendo declarada a irrevogabilidade da designação pelo tomador do seguro, o beneficiário converte-se no autêntico titular do direito a ele deferido.» - Leonor Padilha de Melo in A Designação do Beneficiário nos Seguros do Ramo Vida, 2016 file:///C:/Users/Mj01096/Downloads/content%20(4).pdf. (sublinhado nosso, como o infra aposto) Bem como a jurisprudência: «I - No contrato de seguro de vida em caso de morte previsto nos arts. 183.º e segs. do DL n.º 72/2008, de 16-04, o valor da prestação a que a promitente/seguradora está vinculada ingressa, directa e automaticamente, na esfera jurídico-patrimonial do terceiro/beneficiário designado, não podendo ficcionar-se o respectivo “trânsito” pela esfera jurídico-patrimonial do promissário/tomador do seguro. II - Tal valor não se encontra abarcado pelas disposições relativas à colação, à imputação, redução de liberalidades e impugnação pauliana, cuja aplicabilidade, no caso, se mostra limitada às quantias prestadas pelo tomador do seguro ao segurador.» - Ac. STJ de 17.06.2014, p. 930/11.4T2AVR.C1.S1 in dgsi.pt, como os infra cits. «I. O contrato de seguro de grupo, na modalidade de seguro de vida, quando coligado com um contrato de mútuo (empréstimo à habitação), destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelos mutuários (pessoas seguras), junto do Banco (tomador/beneficiário), intervindo a Seguradora como obrigada a pagar a este o capital mutuado, no caso do mutuário segurado falecer. II – Esse direito de crédito eventualmente existente sobre a Seguradora, nunca chega a integrar o património da pessoa segura (nem dos seus herdeiros), cabendo a sua titularidade ao Banco, enquanto beneficiário do contrato de seguro celebrado.» - Ac. TRG de 16.02.2017, p. 396/14.7T8PRT.G1. «I - O contrato de seguro de vida, quando coligado com o contrato de crédito ao consumo, destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário, junto da financiadora, intervindo a entidade seguradora como obrigada a pagar a esta o capital mutuado, no caso do mutuário segurado falecer antes de determinada data, isto é, antes do termo do contrato de crédito. II - A prestação prometida pela seguradora …na hipótese de morte da pessoa …não se destina a esta, mas antes à tomadora do seguro (a financiadora, ora exequente/embargada), que é também, simultaneamente, sua beneficiária.» - STJ de 3/02/2009 (proc. nº. 08A3947. « (N)O contrato de seguro de grupo do ramo vida, quando associado a um contrato de mútuo …aquando da morte da pessoa segura, por efeito da designação beneficiária surge directamente no património do Banco mutuante, enquanto beneficiário do contrato de seguro celebrado, um direito de crédito sobre o capital seguro…o qual nunca chega a integrar o património da pessoa segura, nem dos seus herdeiros.» - Ac. TRG de 10.02.2022, p. 827/20.7T8BRG.G1. Outra sub questão nesta matéria - e que constitui o cerne do presente recurso -, consiste em saber se, cumprindo a seguradora o pagamento, ex vi da ocorrência do facto previsto no contrato – vg. morte ou invalidez acidental permanente –, mas não esgotando tal cumprimento a totalidade do capital segurado, o tomador ou o segurado tem direito ao capital remanescente. Em função do que vem de ser exposto relativamente direito do beneficiário, o qual é um direito próprio, autónomo e exclusivo, a resposta é, liminar e tendencialmente, negativa. E dizemos tendencialmente porque, no limite, tal poderá depender, em última análise, do que for estipulado pelas partes aquando da celebração do contrato, relativamente a quem beneficia do seguro e do respetivo capital segurado. Ou seja, se o banco beneficia em exclusividade, ou não, pois que nada impede que exista mais do que um beneficiário. Assim, e p. ex., se for anuído no contrato que o beneficiário do capital segurado que porventura exceda o valor do mútuo pago pela seguradora em caso de sinistro é o tomador/segurado, naturalmente que este ao remanescente terá direito. Se for estipulado, ou resultar do contrato, que o banco é o único beneficiário a seguradora está apenas obrigada a pagar à instituição bancária o valor do empréstimo em dívida à data do sinistro, não estando adstrita a satisfazer o remanescente ao segurado. Nos termos do artº 10º do DL nº. 446/85, de 25/10: «(Princípio geral) As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. E estatui o artº 11ª: «(Cláusulas ambíguas) 1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.» Assim sendo, a interpretação dos contratos de adesão é efetivada, liminarmente, de acordo com as regras gerais do artº 236º do CCivil. O qual prescreve: (Sentido normal da declaração) 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Como se vê, a regra na exegese jurídica é a de que o sentido da norma ou cláusula interpretanda deve advir do que se deve ter por percetível por um declaratário normal enquanto tomador médio do seguro, desprovido de particulares conhecimentos jurídicos, mas dotado de comum diligência, que contrata com mediana atenção as condições particulares plasmadas e aprecia nas mesmas circunstâncias as condições gerais que lhe são apresentadas. E apenas quando existir uma dúvida vincada e insanável quanto ao sentido do contratado se devendo adotar o sentido mais favorável ao aderente em obediência ao princípio ambiguitas contra stipolatum – artº 11º nº2. No caso vertente. Devidamente interpretado o contrato, segundo as regras gerais, tem de entender-se e concluir-se que o banco foi o único beneficiário do contrato, e, logo, quanto a todo o capital por ele segurado, inexistindo dúvida, ao menos com força e dignidade bastantes, para fazer despoletar a previsão do artº 11º nº2. Tal resulta desde logo, da própria alegação do recorrente na pi, ao invocar que o banco «exigiu» a celebração do contrato de seguro de vida – artº 1º. Ora se assim foi, isso demonstra que ele próprio não tinha interesse na sua celebração e que apenas anuiu à mesma por exigência do banco, naturalmente pelo valor apenas necessário ao pagamento do mútuo, e, assim, lógica e razoavelmente, no exclusivo interesse deste. Depois, do teor da apólice não resulta qualquer aspeto adrede plasmado que prove, ou sequer indicie suficientemente, que beneficiário do seguro não era apenas o banco como também era o autor enquanto segurado. Antes, pelo contrário, de tal teor dimana que era a o banco o único beneficiário. No contrato consignou-se que ele era o tomador do seguro. Mas nele também está expressado que o segurado e o pagador do seguro era o autor, o que, em termos jurídicos estritos, atribui a este a qualidade de tomador. Assim sendo, tal qualidade de tomador do banco está vertida em termos amplos e impróprios, antes com ela se querendo significar, aliás como decorre de todo o processo, que ele era o beneficiário. Depois, e mais vincadamente, tal exclusividade dimana de na apólice ter ficado a constar que em caso de morte ou no caso da verificação das restantes coberturas complementares, como seja, in casu, a invalidez total permanente do segurado, o banco era beneficiário irrevogável. Ora já se viu supra que «Sendo declarada a irrevogabilidade da designação pelo tomador do seguro, o beneficiário converte-se no autêntico titular do direito a ele deferido.» O que tudo demonstra e convence que o banco era, ab initio e desde a celebração do contrato, o único beneficiário do mesmo. Nesta conformidade ao autor não assiste jus ao remanescente do capital do mesmo. Na verdade: «Num contrato de seguro de vida associado a um crédito hipotecário, em que consta como único beneficiário do capital seguro a instituição bancária que concedeu o crédito…, e não os mutuários/pessoas seguras, nem os seus herdeiros no caso de falecimento de algum deles, inexiste fundamento legal ou convencional para a Seguradora pagar àqueles o remanescente do capital seguro, após pagamento do valor do empréstimo em dívida ao Banco mutuante/beneficiário, por não serem beneficiários desse valor nos termos contratualmente estabelecidos.» - Ac. TRG de 10.02.2022, p. 827/20.7T8BRG.G1. Nem se antolha que se possa considerar que esta interpretação contende com a boa fé na celebração do contrato, pois que, como se viu, dele dimana que o banco é o único beneficiário, e o autor não alegou -ao menos atempadamente -, e não provou, que tal teor fosse plasmado contra a sua vontade ou desconhecimento, vg. por não ter interiorizado o constante na apólice e não lhe terem sido comunicadas e informadas as respetivas cláusulas das condições gerais e especiais. 5.2.2.2. Não obstante. O autor inicialmente pretendeu ver-se integrado pelo valor da diferença entre o pago pela seguradora ao banco e o capital segurado. Porém, posteriormente, em sede de resposta à contestação, ampliou tal pedido, impetrando o pagamento do prémio de seguro devido entre a data do acidente e a data do pagamento ao banco, ou seja, durante seis meses. Tal pretensão está plasmada na conclusão 9ª. E esta pretensão tem de ser atendível. Pois que ela configura-se como uma ampliação que deve ser considerada desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e, assim, admissível até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – artº 265º nº2 do CPC. Na verdade, deve considerar-se que esta pretensão estava virtualmente contida no âmbito do pedido primeiramente deduzido na pi, consubstanciando um acrescento/desenvolvimento do pedido inicial e com ele mantendo total conexão – cfr. Ac. TRG de 10.07.2023, p. 3055/19.0T8BCL-A.G1. A assim ser, há que dizer que o cumprimento do contrato de seguro por parte da seguradora, mediante a satisfação do capital em dívida ao banco, beneficiário do seguro, tem como efeito desobrigar o segurado de continuar a proceder ao pagamento das respetivas prestações bem como do prémio de seguro. Pois que a partir desse momento, o contrato cumpriu-se e extinguiu-se. Pelo que o prémio do seguro pago pelo autor à ré seguradora após a data em que ocorreu o sinistro, não é devido. Do que decorre, nos termos do artigo 476.º, n.º 1 do C.Civil, que o que for prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação. No caso vertente, provou-se que em maio de 2018 o autor sofreu um Acidente Vascular Cerebral Isquémico. Mais se provou, por confissão da ré, perante o alegado pelo autor, que não foi por ela impugnado, que este continuou a pagar o seguro durante mais seis meses por reporte a maio de 2018, facto este que aqui se dá como assente, nos termos do artº 662º nº1 do CPC. Provou-se ainda que 13- Em 12 de Setembro de 2019, o A. devia ao Banco 1... S.A. no âmbito do crédito indicado em 1, a quantia de € 6.962,62 valor este que a R. regularizou por conta da apólice nº ...22. Tal pagamento, e independentemente de eventual não assunção de responsabilidade inicial por banda da ré, implica a sua posterior assunção, ao menos tácita, que deve ter-se por reportada à aludida data de maio de 2018. O prémio anual do seguro era de 894,06 euros – apólice do facto provado 1. Resultando um prémio diário de 2,44931 euros, ao autor assiste jus ao reembolso da quantia de 440,88 euros – 180 x 2,44931 - à qual acrescem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento. 5.2.2.3. No atinente ao contrato com a interveniente. Aqui a questão é mais nítida no sentido da sem razão do recorrente. Certo é que dissentimos da posição do Julgador quando entendeu que o AVC não constitui um acidente, mas sim uma doença, mais propriamente um acidente vascular cerebral isquémico no caso concreto, ou seja, um evento interno ao organismo sem interferência de uma causa externa. Sdr não é assim. Nas condições especiais define-se o conceito de acidente como «todo o acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido à ação de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais». Ora tendo-se provado, sem mais, que o autor sofreu um Acidente Vascular Cerebral Isquémico, a conclusão a retirar, ao menos por presunção, que não foi ilidida, é que tal falha na saúde/lesão corporal, se mostrou fortuita, súbita e anormal. A própria terminologia - «acidente» - usada para tal lesão inculca que ela assume aquelas caraterísticas, e, como tal, este conceito. Se a ré assim o não entendesse e considerasse que o AVC resultou de um precedente/historial de doença do autor que descambou no mesmo e diretamente o provocou, teria de alegar e provar tal, porque facto impeditivo ou extintivo – artº 342º nº 2 do CCivil. Porém, independentemente da razão ou sem razão do julgador neste particular, certo é que ele, aliás, liminarmente e como primeiro fundamento, desatendeu esta pretensão do autor com a argumentação de que o AVC estava excluído nas condições gerais e particulares da apólice. E assim é, constando tal exclusão do artº 11º al. g) de tais condições – cfr. facto provado 17. Quanto a esta causa de indeferimento o recorrente alegou que tal cláusula não lhe foi comunicada pelo que deve ser considerada nula. Porém, esta alegação é extemporânea, pois que apenas é vertida em sede de alegações de recurso, quando deveria tê-lo sido na petição inicial – artº 552º nº1 al. d) do CPC. Ademais apenas é plasmada no corpo das alegações, e não constando em sede de conclusões das mesmas. Pelo que, como se viu, e porque estas definem o objeto do recurso – podendo restringi-lo, expressa ou tacitamente, por reporte ao antes alegado: artº 635º nº 4 do CPC -, esta alegação não pode ser considerada e relevar. Do que decorre que a decisão absolutória, no que à interveniente tange, transitou em julgado, já que este fundamento tornou-se assente e definitivo.
Procede, parcialmente e nos termos plasmados em 5.2.2.2., o recurso.
6. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, agora, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 440,88 euros euros, à qual acrescem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento. No mais se mantendo a sentença.
Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.
Coimbra, 2025.10.28.
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