Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2481/23.5T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: PROVA PERICIAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 341.º; 342.º; 346.º E 388.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 3.º; 4.º; 7.º, 4; 130.º; 388.º; 410.º; 411.º; 414.º; 475.º; 476.º; 478.º, 1 E 492.º, DO CPC
ARTIGO 20.º, DA CRP
Sumário: I. A prova pericial «é impertinente» se «não respeitar aos factos da causa», sendo, por outro lado, «dilatória» se, «não obstante respeitar aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe».
II. Pretendendo a A., CP, ser ressarcida dos danos, de que segundo ela foi vitima, em virtude do acidente, inerentes à paralisação de material circulante, descrevendo os mesmos e o respectivo valor nos articulados, para conhecer dos mesmos, e responder a tal matéria não é necessário conhecimento específicos, científicos, ou especiais, que o julgador não possua, sendo, por isso, desnecessária a realização de prova pericial.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.      

  Proc.º n.º 2481/23.5T8LRA-A.C1

                                                         1.- Relatório

1.1. - CP – COMBOIOS DE PORTUGAL E.P.E., NIPC ...01, com sede na Calçada ..., ..., em ... ..., intentou a presente ação sw condenação com processo comum contra A... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. com sede no Largo ..., ..., em ... ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 290.943,62 € (154.644,14 € reparação + 131.510,40 € + 4.789,08 € custos com táxis, danos supressão/atrasos de comboios e pessoal) com juros de mora, à taxa legal, a contar da citação com custas e demais encargos legais, invocando para tanto factos que em seu entender fazem procede a sua pretensão.

                                                           ***

1.2.- Citada contestou a R. por exceção, onde invoca a ilegitimidade da A., por impugnação, onde invoca factos, que segundo a mesma, fazem improceder a pretensão da A., por isso, pede que a ação seja julgada improcedente por não provada, devendo, por isso, ser absolvida dos pedidos formulados pela A. CP e tudo sob as legais consequências.

Junta prova, onde entre o mais, e para o que importa, pede prova pericial colegial à contabilidade da A., para prova dos factos alegados nos artigos 63º, 64º, 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 76º, 77º, 78º, 81º, 82º, 83º, 90 e 91º da contestação e infirmação dos alegados nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 34º, 35º, todos da PI, indicando, desde logo, o seu perito Sr. Dr. AA.

                                                           ***

1.3. – Em 20/3/2024, foi proferido saneador, onde para o que importa, foi proferido despacho a indeferir a prova pericial, requerida pela R., do seguinte teor:

c) Prova pericial à contabilidade da autora, requerida pela ré:

Analisada a matéria para a qual a ré requer prova pericial, não se vislumbra, de que modo esta concreta perícia pode esclarecer a factualidade em questão, sempre se dizendo que o ónus da prova sobre a mesma incumbe à autora e não à ré.

Deste modo, indefere-se a mesma”.

                                                           ***

1.4. – Inconformada com tal decisão dela recorreu a R.- A... COMPANHIA DE SEGUROS SA -, terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem:

1.ª- Qual o período de imobilização da UTD danificada no acidente e a carecer de reparação e os prejuízos de privação de uso, são questões inseridas nos temas de prova e a carecerem de prova e contraprova.

2.ª O A. na petição deve expor/alegar os factos essenciais que constituem acausa de pedir (artigo 552.º/1 d) do CPC) apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (artigo 552.º/6 do CPC).

3.ª- De outro lado, o Réu, na contestação deve expor/alegar as razões de facto por que se opõe à pretensão do A. (artigo 572.º b) do CPC), apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (artigo 572.º d) do CPC), e tomar posição definida perante os factos que constituam a causa de pedir invocada pelo A.

4.ª- O douto despacho que rejeitou a prova pericial requerida pela Ré, tem por fundamento i) o facto de não se vislumbrar como é que a perícia pode esclarecer a factualidade para que foi convocada ii) e para além disso, nos termos do artigo 342.º/1 do CC sustenta que o ónus de prova quanto aos alegados prejuízos da A. decorrentes da privação de uso da UTD, compete a esta última e não àquela.

5.ª - O artigo 346.º do CC consagra o direito à contraprova da prova que fôr produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, podendo a parte contrária opor assim contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, tentando, se o conseguir, que a questão seja decidida contra a parte onerada com a prova.

6.º - Assim, a instrução tem por objeto os temas de prova enunciados no saneador, o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, (artigo 413.º do CPC) garantindo ao longo de todo o processo o princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC).

7.º- Qualquer meio de prova (desde que não impertinente ou dilatório) pode ser usado por quem tem o ónus de prova quanto a determinado facto ou factos, como por quem pretenda infirmar a prova desses mesmos factos contrariando-os e ou no limite como se disse, tornando-os duvidosos.

8.ª- A Ré, tem o direito a utilizar em seu benefício todo e qualquer meio de prova que tenha por apto a contraditar os meios de prova utilizados pela A., sua adversária.

9.ª- A Autora quanto aos alegados prejuízos de privação de uso da UTD, optou por apresentar apenas prova testemunhal, ao passo que a Ré no exercício do seu direito à contraprova, pretende fazer uso de prova pericial por entender tratar-se de mecanismo processual instrutório e mais apto a contraditar os factos no âmbito desta questão do alegado prejuízo de privação de uso.

10.ª- A prova pericial, no plano substantivo, tem como objeto e finalidade, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ... (artigo 388.ª do CC) e no plano adjetivo efetiva-se procedendo os peritos à inspeção e averiguações necessárias à elaboração de relatório (artigo 480.º/1 do CPC), socorrendo-se, sendo necessário, de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função (artigo 481.º do CPC).

11.ª- No caso a Autora, na sua douta petição, argumentou que a UTD 592060 é propriedade da RENF e foi por ela tomada de aluguer (artigo 22.º) que esteve privada da UTD desde Agosto/2020 a Dez/2020, período de 3.648 horas, em que esteve a ser reparada (artigo 23.º) paga preço de aluguer de 25.955,40€/mês equivalente a 865,18€/dia e 36,05€/hora (artigo 24o) e a privação de uso da UTD durou 3.648 horas, causando-lhe prejuízo de 131.510,00€.

12.ª- No caso a Ré contra-argumentou na sua contestação, aqui em súmula, que na perspetiva da A. a composição ferroviária laboraria 24/24 horas (artigo 63.º), no período de privação teve prejuízo diário de 36.05€/hora (artigo 64.º), calculado com base no custo de aluguer de veículo, custos fixos e variáveis, quebra de receitas por privação de uso, e ainda nas tabelas de reintegrações e amortizações contabilísticas internas referentes aos custos de circulação (artigo 65.º) e que a Autora em vez de calcular os prejuízos de privação com base nos pressupostos que indica, podia e devia elucidar a rentabilidade média do veículo ferroviário danificado com base nas viagens médias diárias, número habitual de passageiros, receita bilhética, a par de inerentes despesas e custos dos percursos (artigo 68.º) e que a Autora no prejuízo diário que reclama não teve em conta o reflexo negativo do confinamento pandémico (artigo 70.º), com restrições na mobilidade de passageiros (artigo 70.º), e nem teve em conta que na linha do Oeste circulam locomotivas antiquadas (como é o caso da que ficou danificada) e sempre com enorme escassez de passageiros (artigo 71.º), que o transporte ferroviário de passageiros na anuidade de 2020 registou TVH de -39,9% relativamente ao período homólogo antecedente (artigos 72.º, 73.º, 74.º, 76.º e 77.º), o equipamento ainda que circulasse só acumularia prejuízos no período intercorrente de Agosto/2020 a Dezembro/2020 (artigo 78.º), importa saber se a Autora registou perdas de receitas de exploração no período em que a composição esteve em reparação (artigo 81.º), isto é, se deixou de operar os transportes ferroviários de passageiros e ou mercadorias dentro dos horários e circuitos previstos, sem prejuízo do impacto negativo da pandemia (artigo 82.º) e existindo perdas de exploração no período de reparação da composição, quais as causas, isto é, se por causa do tempo de conserto ou se devidas às restrições pandémicas (artigo 83o), comparando trajetos e receitas do período entre Agosto/2020 a Dezembro/2020 e trajetos e receitas dos períodos homólogos das antecedentes anuidades de 2018 e 2019 (artigo 83.º).

13.ª- Quer as afirmações levadas pela A. à sua douta PI, quer as afirmações que   Ré incluiu na contestação e atrás elencadas em correspondências com os respetivos articulados, constituem realidades empíricas e como tal suscetíveis de poderem ser percecionadas mediante o auxílio de técnicos de contabilidade, quando confrontados com a da A. que espelhará, decerto, todos os factos ocorridos no seu património e registará todas as vicissitudes/fenómenos patrimoniais e respetivas variações e mensurações e volumetrias, quer ativas, quer passivas.

14.ª - Através de perícia colegial os técnicos avalizados, analisando a contabilidade oficial da A. e todo o seu acervo documental, encontrarão por certo indícios do período de tempo em que a UTD esteve para conserto em oficina, das alegadas quebras de receita por privação de uso, da rentabilidade média mensal ou anual da UTD danificada neste acidente, porventura da rentabilidade média mensal ou anual do conjunto de todas as UTD’s na disponibilidade da A., viagens média diárias da acidentada e ou do conjunto de todas as UTD’s, número médio de passageiros no percurso que a URD fazia, receita média bilhética daquele percurso, e ou anual do conjunto de todas as UTD’s, e o mesmo se diga dos custos e despesas dos percursos.

15.ª- A contabilidade da A. por certo espelhará o reflexo negativo do confinamento próprio da pandemia e a inerente quebra de receitas entre Agosto/2020 e Dezembro/2020, comparando o exercício do ano económico de 2020 com os anteriores exercícios de 2018 e 2019 e ainda se os percursos que eram levados a cabo pela UTD deixaram de ser feitos ou não, e neste caso se a Autora dispõe de veículos alternativos em regime de suplência para acudir a vicissitudes desta natureza (acidentes) e ou avarias e se a UTD não tivesse ficado acidentada e restasse em normal funcionamento, se as perdas de exploração não se verificariam de igual modo, por causa da pandemia.

16.ª - Salvo o devido respeito, o despacho de rejeição e não admissibilidade do meio de prova requerido pela Ré, no caso a prova pericial “stricto sensu”, tal qual prevista no artigo 388.º do CC e disciplina, na sua efetivação nos termos dos artigos 480.º e seguintes do CPC, contende com o direito à contraprova relativamente aos factos alegados pela A, coartando-o, e impossibilitando a Ré de poder vir a obter respostas técnico científicas às questões suscitadas e facultadas por peritos portadores de aptidões científicas próprias, sendo que esta tem direito a ver deferida a realização da prova pericial requerida e que foi objeto de rejeição.

17.ª- A decisão de rejeição e inadmissibilidade da prova pericial suscitada pela Ré, é suscetível de acarretar prejuízo processual e também decisório para esta e afetar assim com a justa decisão da causa.

18.ª - O artigo 644.º/1 alínea d) do CPC faculta à Ré apelação autónoma quanto à referida decisão/despacho de indeferimento.

LEGISLAÇÃO INFRINGIDA

19.ª - O douto despacho/decisão que foi proferido e que é objeto do presente recurso, fez incorreta aplicação e interpretação do que vem disposto nos artigos 410.º do CPC, 413.º do CPC, 3.º do CPC, 5.º do CPC, 552.º/1 d) do CPC, 552.º/6 do CPC, 572.º b) do CPC, 572.º d) do CPC, 342.º/1 do CC, 346.º do CC, 388.º do CC, 480.º/1 do CPC, 481.º do CPC, 480.º e seguintes do CPC, e ao invés, a correta interpretação e aplicação destes mesmos normativos impõe que venha a ser proferida outra decisão oposta à que foi tomada, e que admita o requerimento de prova pericial tudo conforme foi requerido pela Ré, e em consonância assim com o conteúdo do pedido que se deixa infra formulado.

      PEDIDO

Deve o presente recurso de Apelação vir a ser julgado procedente e provado, dando-se-lhe inteiro provimento, revogando-se consequentemente o despacho recorrido, substituindo-o por decisão colegial, mediante Acórdão que determine o deferimento do pedido de perícia colegial tal qual foi formulado pela Ré, ora recorrente e tudo sempre sob as legais consequências.

Só assim decidindo se fará Justiça.

                                                           ***

1.5. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., não houve resposta.

                                                            ***

1.6. Foi proferido despacho admitir o recurso do seguinte teor:

Admito o recurso tempestivamente interposto por quem tem legitimidade, o qual é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (638º nº 1, 631º nº 1, 644º nº 2 al. d), 645º nº 2 e 647º nº 1 do CPC).

Proceda-se à criação do respectivo apenso, e instrua o mesmo com o presente despacho, com o despacho saneador, petição inicial e contestação e após remeta o mesmo ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

                                                           ***

1.8. – Com dispensa de vistos cumpre decidir:

                                                           ***

                                               2.- Fundamentação

Os factos com interesse para a questão, são os aludidos no relatório supra, bem como:

            2.1.- Artigos da contestação aludidos pela recorrente, quanto ao pedido pericial

63º -Na perspetiva da A. a composição, laboraria incessantemente, 24 sobre 24 horas neste intervalo de tempo.

64º -O alegado prejuízo de privação de uso do veículo é calculado à razão assim de 36,05€ por hora (131.510,40€: 3.648h).

65º- Diária esta, alegadamente calculada, internamente, com base no custo de aluguer do veículo, nos custos fixos e variáveis e permanentes do tráfego ferroviário, quebra de receitas no período de privação, tabelas internas de cálculos dos custos de circulação rodoviária, e ao minuto, instrumentos de natureza financeira, isto é, tabelas de reintegrações e amortizações contabilísticas internas.

68º -A Autora em vez de recorrer a tabelas financeiras internas e valores de amortização de investimento no equipamento ferroviário em causa, tinha a possibilidade de nos elucidar quanto à rentabilidade média do veículo, alegando as viagens que também em média faz por dia, o número habitual de passageiros que paga bilhetes, o valor destes, não podendo omitir, no outro prato da balança, as despesas e custos inerentes às viagens.

69º - Como faz a Autora para quantificar alegados danos de privação do veículo ferroviário, com recurso a tabelas internas de exploração e não em prejuízos reais e concretos alicerçados na diminuição de receitas líquidas de exploração corrente, redunda em resultados injustos.

70º- Todavia, a “diária” de prejuízo que nos oferece na sua douta PI, não tem em conta que, no período em que o veículo permaneceu em reparação (Agosto/2020 a Dezembro/2020) o País vivia um período de confinamento provocado pela pandemia Covid/19.

71º- Existiam restrições na mobilidade de passageiros em todos os meios de transporte (aéreo, ferroviário, rodoviário, fluvial e em cruzeiro), e não podemos ignorar por ser facto consabido que na linha do Oeste circulam locomotivas a diesel muito antigas e sempre com enorme escassez de passageiros.

72º- O transporte ferroviário de passageiros (serviços suburbanos, nacionais e internacionais) na anuidade de 2019 registou 178,7 milhões de passageiros.

73º- Todavia, a anuidade de 2020, por efeitos de rebate do confinamento e demais restrições de mobilidade na pandemia, o movimento ficou-se pelos 107,3 milhões de passageiros.

74º - O que representa uma taxa de variação homóloga (TVH) negativa de -39,9%.

76º- Durante este período, todas as empresas dentro dos diversos ramos e meios de transporte, foram as mais penalizadas pelo impacto negativo da pandemia que foi portadora, de modo anormal, imprevisto e súbito, de uma profunda alteração de circunstâncias, indutora de um impacto muito negativo no volume de negócios de todas as empresas portuguesas sem exceção.

77º- A Autora CP na anuidade de 2020, não escapou a este impacto negativo e não pode reclamar indemnização com base numa taxa de amortização diária dos custos de privação do equipamento daquela, ou sequer de custos de aluguer, uma vez que, por efeitos da pandemia, a viabilidade de amortização estava, sem mais, comprometida e inviabilizada.

81º- Importará saber se a Autora viu diminuídas as suas receitas de exploração, no período em que a composição esteve em reparação.

82º- Nomeadamente se deixou de operar os transportes ferroviários de passageiros dentro dos horários e circuitos previstos, sem prejuízo das restrições provocadas pela pandemia.

83º - E quais as causas de eventuais perdas de receitas de exploração no período de reparação, se atinentes aos estragos causados pelo acidente ou se por efeito das restrições pandémicas, comparando trajetos e receitas do período entre Agosto/2020 a Dezembro/2020 e trajetos e receitas do período homólogo das anuidades antecedentes, isto é, a de 2018 e a de 2019.

90º - Na determinação desses alegados prejuízos (privação de uso da composição danificada e demais despesas decorrentes de atrasos de demais comboios), não pode incluir-se o valor de amortização do veículo, nem os demais valores tabelares internos, incluindo o do alegado aluguer, uma vez que são constantes, fixas e abstratas e totalmente alheias a eventuais prejuízos concretos.

91º- Tais valores apenas podem ter por função e objetivo, servirem de avaliação da própria gestão e exploração do giro interno da A. e nada mais do que isso.

            2.2. Artigos da P.I. aludidos pelo recorrente, para infirmação, pela prova pericial.

19º - A A. gastou a quantia de 1.087,63 € com o aluguer dos táxis a que se refe- rem os artigos que precedem (doc. 8).

20º - Como resultado ainda do acidente foram efectuadas duas marchas espe ciais imprevistas nº 95225 (UTD592) de Leiria para Coimbra B – 121,23 kms e 95227 (UTD592) de Coimbra B para Contumil – 80,10 Kms – que importaram em 1.087,63 € (doc. 7).

21º- A A teve que pagar trabalho extraordinário quer ao maquinista quer ao ORV que iam no comboio acidentado o que importou e 129,79 €.

22º - A UTD 592060 é propriedades da RENFE a quem foi alugada pela A. e está ao seu serviço desde 14 de Junho de 2015.

23º - A A. esteve privada de usar a UTD 592060 desde Agosto a Dezembro de 2020 período em que esteve a ser reparada em Contumil num total de 152 dias, ou seja, de 3.648 horas (docs. 5 e 6).

34º -A ocorrência de paragens anormais das composições acarreta necessariamente os prejuízos decorrentes do empolamento dos custos das circulações.

35º - Por outro lado, estando o material parado, fica impedido de realizar a sua rotação normal previamente estabelecida, baixando por esse facto o seu índice de produtividade e aumentando o respectivo custo de amortização.

***

  3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber: - Se o despacho recorrido que indeferiu a prova pericial deve ser revogado e substituído por acórdão que defira a mesma.

A recorrente para defender o seu ponto de vista, entre o mais, refere que são questões inseridas nos termas de prova, qual o período de imobilização da UTD danificada no acidente e a carecer de reparação e os prejuízos de privação de uso. Ora, o artigo 346.º do CC consagra o direito à contraprova da prova que fôr produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, podendo a parte contrária opor assim contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, tentando, se o conseguir, que a questão seja decidida contra a parte onerada com a prova. Qualquer meio de prova (desde que não impertinente ou dilatório) pode ser usado por quem tem o ónus de prova quanto a determinado facto ou factos, como por quem pretenda infirmar a prova desses mesmos factos contrariando-os e ou no limite como se disse, tornando-os duvidosos e por isso a R., tem o direito a utilizar em seu benefício todo e qualquer meio de prova que tenha por apto a contraditar os meios de prova utilizados pela A., sua adversária.

A sentença recorrida indeferiu a prova pericial pretendida pela R, por entender que não se vislumbra, de que modo esta concreta perícia pode esclarecer a factualidade em questão, sendo que o ónus da prova sobre a mesma incumbe à autora e não à ré.

Apreciando.

Antes demais, diremos algo a respeito do direito à prova.

            Lê-se no art. 342.º do CC que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).

Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do CC, e art. 414.º do CPC).

Para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207), corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP (cfr. também a este propósito, Nuno Lemos Jorge, «DIREITO À PROVA: BREVÍSSIMO ROTEIRO JURISPRUDENCIAL», Julgar, N.º 6, 2008, págs. 99 a 106.

Precisa-se, porém, que incumbe ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7.º, n.º 4 do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411.º do CPC).

O tribunal deverá, ainda, assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art. 4.º do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.

            Dito isto a respeito, do direito à prova, diremos algo, da prova pericial.

Lê-se no art.º 388.º do CC que «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam».

Deste modo, a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).

Assim, a «nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 576, com bold apócrifo).

E, compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a perceção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 294).

O perito é, assim, uma «pessoa qualificada», e exerce a sua actividade «sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial», por isso se afirmando que «o perito maneja uma experiência especializada», dando ao «juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica». A sua função é a de «mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 168, 169 e 181).

Reitera-se, deste modo, que o «traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 175 e 176, com bold apócrifo).

Em suma, podemos dizer, que a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso [factos] visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os» factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita») (Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem).

Pressupostos do deferimento ou indeferimento da prova pericial.

Lê-se no art. 341.º do CC que as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos», precisando de forma conforme o art. 410.º do CPC que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» (alterando-se a redacção do art. 513.º do revogado CPC - onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova» -, mas não o seu sentido último).

Mais se lê, no art. 475.º do CPC que, ao «requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência» (n.º 1), podendo a perícia «reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária» (n.º 2).

Entende-se, assim, que o «objeto da perícia é constituído por questões de facto que sejam condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou exeção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis de direito»; e, por isso, «a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 208, pág. 539, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 325, e Ac. da RP, de 13.12.2013, Proc.º n.º 2002/11.2TBVCD.P1., relatado por José Igreja Matos), logo, não constitui fundamento de indeferimento de prova pericial a circunstância de o objecto proposto para a mesma não se sobrepor aos temas da prova, ou mesmo aos factos essenciais alegados nos articulados (Ac. da RP, de 12.06.2014, Proc n.º 91/10,6TJVNF-H.P1, relatado por Freitas Vieira). Importa, sim, que se reporte a matéria «com interesse para a solução jurídica da causa» (Ac. da RG, de 19.02.2013, proc.º n.º 3984/10.7TBBCL-C.G1, relatado por Ana Cristina Duarte.

Sendo que, se lê no art.º 476.º do CPC, que se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição» (n.º 1), e incumbindo ainda àquele, «no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade» (n.º 2).

Ou seja, retira-se, por argumento a contrario, do preceito do art.º 476.º, n.º 1, do C.P.C., que o juiz deve indeferir a diligência probatória, rejeitando o meio de prova (perícia), se entender que tal diligência é “impertinente” ou “dilatória” (cfr. Ac. desta Relação de 11/05/2021, relatado por Vítor Amaral).

E, como vem sendo entendido, a prova pericial «é impertinente» se «não respeitar aos factos da causa», sendo, por outro lado, «dilatória» se, «não obstante respeitar aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe» (cfr. Ac. TRL de 24/09/2019, Proc. 2009/17.6T8OER-C.L1-7, relatado por José Capacete), tornando tal prova desnecessária, sabido até que é proibida no processo, à luz do princípio da limitação dos atos, a prática de atos inúteis (art.º 130.º do C.P.C.).

Fora desse horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela judicial efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, tudo como consagrado no art.º 20.º da C.R.P.

Dito isto, cabe aplicar os ensinamentos expostos ao caso em apreço.

Diga-se, desde já, que temos para nós, a razão estar do lado da decisão recorrida.

Operando às peças processuais (P.I. e contestação), e, tendo presente a forma como os factos estão descritos, onde a A. pretende ser ressarcida dos danos, de que segundo ela foi vitima, em virtude do acidente, onde refere os mesmos e o valor respeitante aos mesmos. Por outro lado, lendo e relendo os artigos da P.I. e da contestação, aludidos em 2.2. e 2.1, referidos pela recorrente, quanto ao pedido da prova pericial, vemos que para conhecer dos mesmos, e responder a tal matéria não é necessário conhecimento específicos, científicos, ou especiais, que o julgador não possua.

Assim, nesta medida, a pretensão da recorrente terá de cair por “terra” (cfr. art.º 388.º, do C.P.C.).

Acresce ainda que, a prova pericial requerida será impertinente, desde logo, por o apuramento requerido não exigir, nem estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe, pelo que, por aqui também a pretensão da recorrente não pode proceder (cfr. art.º 478, n.º 1, do C.P.C.).

Assim, sendo, e pelas razões expostas, deferir a pretensão da recorrente seria praticar um ato inútil, que a lei proíbe, (cfr. art.º 130.º, do C.P.C.), desde logo, por a matéria em causa não exigir conhecimentos específicos ou científicos, por um lado e por outro, por ser impertinente.

Face ao exposto e sem mais considerandos, julgamos improcedente a pretensão da recorrente, mantendo a decisão recorrida.

                                                           **

                                                    4. Decisão

Pelo exposto, decide-se, por acórdão, julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 7/5/2024

Pires Robalo (relator)

Cristina Neves (adjunta)

Luís Manuel Carvalho Ricardo (adjunto)