Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
527/14.7TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA
MODIFICAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TRIBUNAL DA EXECUÇÃO DAS PENAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 118.º A 122.º, E 216.º E SS. DO CEPMPL
Sumário: I - Transitada em julgado a sentença condenatória, não é legalmente possível a modificação, pelo tribunal que determinou a condenação, da execução da pena, nos termos do disposto no artigo 122.º do CEPMPL.

II - A modificação da execução da pena, ao abrigo da previsão normativa dos artigos 118.º a 121.º, e 216.º e ss. do CEPMPL, há-de ser determinada, pelo TEP, após o início da dita execução.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

1. 1. No âmbito do processo n.º527/14.7TXCBR-A do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, A..., condenado na pena de 4 anos de prisão, por decisão transitada em julgado, requereu a modificação da execução da pena de prisão efectiva pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e, para o efeito, fosse de imediato ordenada a suspensão da execução da pena de prisão, até à decisão do pedido de modificação da execução da pena.

1.2. Pedido que, por decisão de 27-11-2014, foi indeferido.

1.3. Inconformado com o assim decidido recorreu A... , extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da douta decisão do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, que considerou extemporâneo o pedido de modificação de execução de pena de prisão efectuado pelo Recorrente ao abrigo do disposto nos artigos 118.° a 122.° e 216.° a 222.° do CEPMPL.

B) O Recorrente encontra-se, por sentença transitada em julgado, condenado a cumprir a pena de prisão efectiva de 4 anos, tendo apresentado pedido de modificação da execução da pena de prisão após o trânsito em julgado da decisão que o condenou, mas ainda antes da emissão do mandado de detenção e, portanto, da efectiva execução da pena.

C) O arguido, enquanto corre o prazo para o trânsito em julgado da sentença condenatória, e antes da sua efectiva detenção, pode passar a enquadrar-se em situação subsumível à constante do artigo 118.° do CEPMPL.

D) Acontece, porém, que esta situação, não existindo no momento da prolação da sentença/acórdão condenatório, não foi, nem poderia ser, nessa instância, objecto de ponderação.

E) Não faz qualquer sentido que o arguido tenha de ser detido e de dar entrada no estabelecimento prisional enquanto é apreciado o pedido de modificação que dirigiu ao tribunal materialmente competente para do mesmo conhecer.

F)  In casu, entre a prolação da sentença e o trânsito em julgado da mesma quanto à parte criminal mediaram mais de 4 anos. E mais de 5 anos entre aquela data e o início da respectiva execução.

G) O Recorrente reunia, no momento em que efectuou o pedido junto do Tribunal a quo, todos os requisitos para ver apreciado, e deferido, o pedido de modificação da execução da pena de prisão efectiva pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

H) Uma solução como a preconizada na douta decisão recorrida não é, nem pode ser, aceitável num Estado de Direito, violando clamorosamente os princípios da dignidade da pessoa humana, da privação da liberdade como ultima ratio da política criminal, da necessidade da pena e da proporcionalidade.

I)  Além de atentar, igualmente, contra o próprio direito à vida e o direito à saúde.

J) O regime legal aplicável ao pedido de modificação de execução de pena de prisão é, pois, omisso em relação a situações como a dos presentes autos, pois o legislador não previu uma solução legal para aqueles casos em que o condenado, antes mesmo de dar início ao cumprimento da pena de prisão determinada por decisão transitada em julgado, reúne já todos os pressupostos para ver modificada a respectiva execução.

K) Tratando-se de uma lacuna involuntária, a mesma carece de ser devidamente integrada, só assim se evitando a consumação de uma situação aberrante e destituída de qualquer sentido ou razão: a detenção do Recorrente e a sua condução a estabelecimento prisional para cumprimento de uma pena cuja execução, nos termos definidos há mais de 5 anos, não mais se justifica.

L) A integração desta lacuna do nosso sistema só pode ser feita, nos termos previstos no art. 4.º do CPP, determinando-se a suspensão da execução imediata da pena de prisão até decisão, pelo Tribunal materialmente competente, do pedido de modificação da execução da pena de prisão de condenado portador de doença grave e de idade avançada.

M) A douta sentença recorrida violou, ao indeferir liminarmente o pedido do Recorrente, o disposto nos artigos 4.° do CPP, 118.º e seguintes e 217.º e seguintes do CEPMPL e 1.º, 2.º, 27.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 30.º, n.º 5, 24.º e 64.º da CRP.

Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”

*

2.O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo, por despacho proferido a 5-01-2015.

2.1. Na resposta o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:

“1. O tribunal de execução das penas é competente para decidir os casos que justifiquem a modificação da execução da pena de prisão - artigo 118.° do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade.

2.  Inexiste disposição legal que expressamente preveja/regule a aplicação desse regime em fase anterior ao início do cumprimento da pena.

3.  O caso em apreço não é já subsumível na previsão do artigo 122.° do citado diploma, pois que se encontra transitada em julgado a condenação em pena de prisão com cumprimento efectivo (sem que, ao que parece, tenha sido atempadamente suscitada no tribunal da condenação a possibilidade de modificação da execução da pena por razões de saúde).

4. O regime estabelecido no artigo 44° do código penal - regime de permanência na habitação - é uma verdadeira pena de substituição e não uma forma de execução de pena, pelo que competiria ao tribunal de julgamento ordenar a substituição da prisão por esse regime, se verificados os necessários pressupostos e se assim tivesse entendido.

5.  O tribunal de execução das penas não tem competência para alterar a pena imposta pelo tribunal da condenação nem para equacionar a sua substituição; apenas lhe compete decidir a modificação da execução da pena de prisão, verificados que estejam os requisitos legais, pedido que, no caso, também foi feito e relativamente ao qual foi determinada a respectiva tramitação. E nesta sede, sim, poderá decidir a modificação da execução da pena em reclusão pelo regime de permanência na habitação (artigo 120° do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade).

6.  O regime da execução das penas e das medidas privativas da liberdade garante a protecção do direito à saúde dos cidadãos em cumprimento efectivo de pena de prisão - v.g. a garantia de tratamento em estabelecimento prisional, mediante o acesso a cuidados médicos e clínicos, de internamento hospitalar em unidade de saúde exterior, se necessário, em condições de qualidade e de continuidade idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos - cf. artigos 7.°, 32.° e 34.° do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade

7.  A pretensão do recorrente não tem cabimento legal.

8.  O indeferimento foi acertado e está devidamente fundamentado.

9.  Não houve violação de lei;

10.O recurso deve ser julgado improcedente.

*

2.2. Neste Tribunal da Relação de Coimbra, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto exarou parecer no qual acompanha a posição da Exma. Magistrada do M P °, no T.E.P., e, assim, também no sentido da improcedência do recurso do arguido.

2.3. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, reagiu o recorrente, o qual, retomando, embora, a argumentação expendida na petição recursiva, aduz, agora,

«1.O recurso dos presentes autos versa sobre a rejeição liminar do pedido de modificação da execução da pena de prisão apresentado pelo Recorrente após o trânsito em julgado da decisão que o condenou a cumprir a pena de prisão efectiva de 4 anos e antes da emissão do mandado de detenção e, portanto, da efectiva execução da pena.

2.  Entende o Recorrente que o regime legal aplicável, designadamente, o disposto nos artigos 118.° a 122.° e 216.° a 222.° do CEPMPL, é omisso quanto a situações como a dos presentes autos, pois na lei nada é dito, nem previsto, para aqueles casos - como sucede com o Recorrente - em que o condenado, antes mesmo de dar início ao cumprimento da pena de prisão determinada por decisão transitada em julgado, reúne já todos os pressupostos para ver modificada a respectiva execução.

3.  Existe, pois, no modesto entendimento do Recorrente, uma lacuna que, como tal, carece de ser devidamente integrada nos termos previstos no art.° 4.° do CPP, através da determinação da suspensão da execução imediata da pena de prisão até decisão, pelo Tribunal materialmente competente, do pedido de modificação da execução da pena de prisão de condenado portador de doença grave e de idade avançada.

4.  O Ministério Público, porém, no parecer a que ora se responde, entendeu que a posição do Recorrente não merece acolhimento, não tendo curado de acrescentar qualquer argumentação adicional relativamente à resposta ao presente recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra e à decisão recorrida.

5.  Terminando com uma reticente afirmação quando se refere tanto à promoção de fls. 256 e 257, como à resposta de fls. 306 a 312: «(...) sendo o entendimento que parece ter cobertura legal, de acordo com as normas legais vigentes», (destaque nosso)

6.  Ora, salvo o devido respeito, o Recorrente discorda, e não pode aceitar, tal posição do Ministério Público.

7.  Na verdade, a situação dos presentes autos emerge de uma clara omissão legal, que, de resto, é reconhecida pelo próprio Tribunal a quo1

1Cf. página 4 da sentença;

8.  O Recorrente demonstrou, de resto, no seu recurso por que razão se deverá olhar para além dos preceitos legais existentes e integrar a óbvia lacuna legal, uma vez que a possibilidade de modificação da pena de prisão aquando da prolação da sentença condenatória ou após a detenção do arguido não são suficientes para regular todas as situações abstractamente configuráveis.

9.  É que, começando pela possibilidade de modificação da pena de prisão aquando da prolacão da sentença condenatória, haverá, desde logo, que referir que poderá o arguido, nesse exacto momento, não reunir as condições para tal modificação, sendo que, no decurso do tempo que corre até ao trânsito em julgado da mesma, poderá passar a reunir tais condições,

10.E, como é consabido, não raras vezes o tempo que medeia entre a sentença condenatória e o trânsito em julgado da mesma é considerável, sendo que, nesse lapso de tempo, muito pode suceder ao arguido (desde logo, com o inevitável avanço da idade).

11.Isto é, enquanto corre o prazo de trânsito em julgado da sentença condenatória e antes da sua efectiva detenção, pode o arguido passar a encontrar-se em situação subsumível à constante do artigo 118.° da CEPMPL.

12.Sendo certo que o Tribunal da condenação não poderá, nesse momento, levar a cabo a modificação da pena de prisão, por já se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional.

13.Neste cenário, não faz qualquer sentido que o arguido tenha de ser detido e dar entrada no estabelecimento prisional enquanto é apreciado o pedido de modificação que dirigiu ao tribunal materialmente competente para do mesmo conhecer.

14.Até porque esta solução, para além de descabida, viola clamorosamente os princípios da dignidade da pessoa humana, da privação da liberdade como ultima ratio da política criminal, da necessidade da pena e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.°, 2.°, 27.°, n.º 1, 18.°, n.º 2 e 30.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP),

15.Além de atentar, igualmente, contra o próprio direito à vida e o direito à saúde, também eles com assento constitucional (artigos 24.° e 64.º da CRP).

16.Tanto mais que a privação da liberdade é a ultima ratio da política criminal, o que também é assumido, em matéria de execução de penas, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 427/20092.

2    Disponível para consulta em http://www.tribunalcom

17.Pelo que vem de se expor - e demais argumentação explanada nas alegações de recurso, para as quais se remete na íntegra - resulta claro que a integração da lacuna existente apenas poderá ser feita através da suspensão da execução imediata da pena de prisão até decisão, pelo Tribunal materialmente competente, do pedido de modificação da execução da pena de prisão de condenado, sob pena de violação dos acima citados preceitos legais.

18.O recurso deverá, por conseguinte, contrariamente ao sustentado no douto parecer do Ministério Público, proceder.».

3. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso é demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412º, nº 1 do CPP),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim, incumbe a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre as seguintes questões:

- eventual lacuna - por força da verificação dos pressupostos da modificação da execução da pena de prisão, entre a prolação da sentença de condenação e o respectivo trânsito em julgado;

- suspensão da execução imediata da pena de prisão até decisão, pelo Tribunal materialmente competente, do pedido de modificação da execução da pena de prisão de condenado portador de doença grave e de idade avançada.

II.2. Com interesse para a decisão, deverão ser tidos em conta os seguintes elementos:

2.a - O Tribunal Judicial de Viseu condenou, por acórdão de 7 de Agosto de 2009 proferido no âmbito do processo n.º 3/00.5TELSB.C1, o ora Recorrente e os demais arguidos pela prática, sob a forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36.°, número 1,     alíneas a), b) e c), número 2, número 5, alínea a) e número 8 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, a saber:

a)         na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva o arguido B...;

b)        na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva o arguido A... ;

c)         na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva o arguido C...;

d)        na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de muita, à taxa diária de €1.000, a arguida D..., o que perfaz a multa de €240.000 e por cujo pagamento se condenam solidariamente os arguidos C... , A... e B... ;

e)         na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €400, a arguida E..., o que perfaz a multa de € 36.000 e por cujo pagamento se condenam solidariamente os arguidos C... , A... e B... (...)"

Mais determinou o Tribunal Judicial de Viseu:

f) Condenar os arguidos B... , A... e C... , bem assim a sociedade arguida D... , nos termos do art.39.° do cit. DL n.º 28/84 e art.483°, n.º 1, do C. Civil, a pagarem solidariamente ao assistente F... , actual FF... , em consequência do crime e a título de indemnização civil, a quantia de 10.182.740,17 €, acrescida de juros de mora, à referida taxa legal, sobre o total de cada restituição, desde a data do seu recebimento até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo nos termos sobreditos das amortizações realizadas.

g) Condenar os arguidos B... , A... e C... , bem assim a sociedade arguida E... , nos termos do art.39.º do cit. DL n.º 28/84 e art.483.º, n.º l, do C. Civil, a pagarem solidariamente ao assistente F... , actual FF... , em consequência do crime e a título de indemnização civil, a quantia de 100.175,49€, acrescida de juros de mora, à sobredita taxa legal, sobre o total de cada restituição, desde a data do seu recebimento até efectivo e integral pagamento.

2.b -Inconformado com o teor do decidido, o Recorrente interpôs o competente recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso que veio a ser julgado improcedente por acórdãos de 29 de Junho de 2011 e de 30 de Maio de 2012.

2.c - Inconformado com o decidido pela Relação de Coimbra, o recorrente interpôs recurso dos aludidos acórdãos para o Tribunal Constitucional, o qual veio a ser julgado igualmente improcedente por acórdão n.º 406/13, de 15 de Julho de 2013.

2.d -Por acórdão de 10 de Outubro de 2013, o Tribunal Constitucional considerou transitado em julgado o acórdão n.º 406/13.

*

3 -O Recorrente encontra-se condenado a cumprir a pena de prisão efectiva de 4 anos por sentença transitada em julgado.

*

III Decisão recorrida
1. Para fundamentar a pretensão indeferida pelo despacho recorrido o arguido invocou o seu estado de saúde e a sua idade, e o consequente risco de vida.
2. Em 26-07-2012, foi proferido o despacho judicial recorrido, com o seguinte teor (transcrição):

“ A... , alegando ter sido condenado a cumprir uma pena de prisão efectiva de 4 anos por decisão já transitada em julgado, vem requerer a modificação da sobredita pena pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pedindo previamente a suspensão imediata da execução da pena em que foi condenado.

Para o efeito, começa por referir a falta de previsão legal para uma situação como a que expõe, acrescentando que os arts. 217° e 218° do CEP apenas disciplinam a modificação da execução da pena quando se alteram as condições no decurso do cumprimento da mesma.

No entanto, defende que tal solução não se compagina com os princípios do Estado de Direito, da dignidade da pessoa humana, da necessidade da pena, da prisão como ultima ratio do sistema sancionatório e da proporcionalidade, todos constitucionalmente consagrados.

Acrescenta, ainda, que a aludida solução legal colide com os direitos à vida e à saúde, também com arrimo na Constituição da República Portuguesa.

Ora, nessa confluência, defende o requerente que uma das formas de adequar a procedimentalidade atinente à modificação da pena de prisão efectiva terá de passar pela possibilidade de, previamente à reclusão, poder suscitar-se a tipologia de requerimento em análise, mesmo que seja necessário suspender a execução da prisão efectiva decretada por decisão emitida pelos tribunais competentes e transitada em julgado.

De seguida, alega a idade do arguido, 70 anos de idade, a respectiva história clínica caracterizável por diversas patologias emocionais, para concluir que a execução da prisão poderá fazê-lo mergulhar em depressão exponenciadora de ideação suicida que já apresenta, pondo em causa os seus direitos à saúde e à vida. Nesse conspecto, defende a suspensão imediata da execução da prisão e, subsequentemente, a modificação da pena nos termos já mencionados.

Notificado, o MP defendeu o indeferimento liminar do requerido, por extemporâneo, designadamente por entender a reclusão do requerente como pressuposto indispensável à possibilidade de apreciação do citado incidente.

De resto, acrescenta que entre os elementos que a lei elenca como pressupostos legais para apreciação de um pedido de modificação da pena de prisão, avulta a existência de parecer clínico dos serviços do EP, bem como de relatório do Director do EP alusivo ao cumprimento da pena, o que significará que o incidente só pode ter lugar durante a execução da pena de prisão.

Cumpre decidir.

Desde logo, em concordância com o requerente, deve dizer-se que se reconhece a competência quer territorial - cfr. n.º 3 do art. 137° do CEPMPL - quer material - art. 138°, 2 do citado diploma legal - para o conhecimento do pedido efectuado pelo requerente.

Por outro lado, ainda no reconhecimento do que objectivamente resulta da lei, é indiscutível que nos arts. 118° a 122° do CEP, se regula a possibilidade de a pena de prisão de reclusos portadores de doença grave ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada poderem beneficiar de uma execução de pena em local distinto de um estabelecimento prisional.

Com efeito, trata-se de mecanismo excepcional que visa proteger os reclusos cujo circunstancialismo específico torne especialmente penosa a permanência num EP, especificando a espécie de razões - de natureza humanitária - que determinam tal regime diferenciado.

E, examinados os preceitos constantes dos artigos 216° a 222° do CEPMPL assume indiscutível nitidez que o citado mecanismo legal está pensado para que ocorra no decurso da execução da pena (como salienta o parecer do Sr. Procurador da República a lei faz expressa referência a que a apreciação do aludido benefício tem de ancorar em pareceres do corpo clínico do concreto EP, bem como em relatório do respectivo Director sobre a execução da pena, o que inculca a existência de reclusão do eventual beneficiário).

Todavia, não pode deixar de se mencionar a disposição contida no art. 122° do CEPMPL; com efeito, este inciso legal confere ao Tribunal da condenação a possibilidade de, verificando-se os respectivos pressupostos materiais, eleger desde logo um dos preditos regimes diferenciados como veículo privilegiado do cumprimento da pena aplicada (e, em tal caso, tal decisão deverá ocorrer com as “necessárias adaptações”); ou seja, o legislador, aquando da definição dos fundamentos destes meios especiais de execução da pena estabeleceu a possibilidade da mesma resultar da própria sentença condenatória, em momento necessariamente anterior a qualquer intervenção do TEP, ou durante a execução da pena.

Assim, do exame das citadas disposições legais dois corolários podem ser extraídos: a modificação pode ser determinada na decisão condenatória; a modificação pode ocorrer durante a execução da pena.

Questão que se coloca é a de saber se entre ambos os referidos momentos - a decisão condenatória e depois do início da execução da pena - poderá ser suscitada a problemática nos moldes em que o requerimento examinado a submete ajuízo.

Ora, julga-se que a resposta terá de ser negativa.

Por um lado, porque ao contrário do que sustenta o requerente, não existe qualquer lacuna cuja integração se imponha, designadamente por força dos princípios e valores constitucionais convocados pela peça em análise; na verdade, há que distinguir entre lacuna - entendida como uma omissão, por imprevisão, de uma situação carente de regulação legal - e uma omissão intencional do legislador decorrente de uma valoração específica tradutora de um juízo de desnecessidade de legislar.

Ora, no presente caso considera-se que é a segunda hipótese que aqui se verifica. Efectivamente, atendendo ao facto de estar prevista a determinação da decisão de modificação do cumprimento da pena de prisão na sentença condenatória, não se vislumbra qualquer urgência/premência em que entre esse momento e outro anterior ao início da execução da pena se crie a possibilidade de se suscitarem incidentes desta índole, indubitavelmente passíveis de emergirem como dilatórios e, por isso, protelarem o cumprimento das finalidades imanentes à fixação de uma qualquer pena.

Acresce, ainda, outra espécie de argumentação fundada, exactamente, na especialíssima tramitação deste incidente tal qual vem definido nos já citados arts. 216° a 222°:

Na realidade, tal procedimento é legalmente classificado como urgente - cfr. art. 151° do CEPMPL - o que implica que o mesmo assuma natureza prioritária, nomeadamente correndo em período de férias judiciais.

Por outra banda, dos citados artigos inseridos no capítulo IX do CEPMPL decorrem indeléveis marcas de uma inequívoca pretensão de celeridade: na verdade, depois da instrução do processo, o MP dispõe de um prazo de 2 dias para emitir parecer e, após conclusão, o juiz também dispõe de idêntico, e reduzido, prazo para proferir decisão.

Ou seja, está-se na presença de um procedimento extremamente agilizado que visa responder com rapidez e eficiência à excepcionalidade da eventual situação humanitária em que o recluso se encontre. Significa isto, que qualquer estado extremado vivido por este requerente, ou por qualquer recluso em situação paralela, merecerá do TEP competente, por força de lei, uma decisão atempada que, verificando-se os pressuposto materiais de que depende o benefício solicitado, tomará o tempo de reclusão de duração tão curta que não se revelará passível de potenciar os efeitos perniciosos agora aventados pelo requerente.

Aliás, sempre se dirá, ainda, que o CEPMPL regula, com os adequados cuidados e minúcia, a forma como deve ser protegida a saúde de qualquer  recluso, regulando, de forma exaustiva e criteriosa, os cuidados sanitários a prestar (cfr. Título VII - arts. 32° e segs. do CEPMPL).

Finalmente, a pretensão primeiramente ensaiada pelo requerimento em análise - a da suspensão de efeitos de uma decisão condenatória já transitada em julgado - é insustentável do ponto de vista jurídico e constitucional.

Com efeito, não poderá nunca um qualquer TEP retirar eficácia, através de uma qualquer anómala suspensão, a uma sentença condenatória dimanada dos Tribunais da República.

Face ao exposto, indefere-se liminarmente o requerido por A... por inadmissibilidade legal.

*

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

*

Notifique.”

IV. Apreciando:

1 Conforme acima exposto – em sede de delimitação do objecto do recurso – a questão suscitada consiste fundamentalmente em saber se, não se encontrando o condenado em cumprimento de pena, sob ele impendendo, embora, mandados de detenção [emitidos pelo tribunal da condenação para cumprimento da mesma] sem que, ainda, haja dado entrada no Estabelecimento Prisional, pode o TEP apreciar o pedido de alteração da execução da pena e, bem assim, suspender a execução dos mandados de condução do arguido ao EP para início do cumprimento efectivo de pena de prisão, até que seja apreciado e decidido o referido pedido da alteração da execução da pena para o regime de permanência na habitação.

O arguido recorrente não contesta que a competência funcional para a decisão quanto ao pedido de alteração do regime de cumprimento da pena pertence ao Tribunal de Execução das Penas, por força do disposto no artigo 118.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (adiante designado apenas pelas iniciais CEPML).

Com efeito, nos termos do disposto no art 118.º do CEPML :

Pode beneficiar de modificação da execução da pena, quando a tal se não oponham fortes exigências de prevenção ou de ordem e paz social, o recluso condenado que:
a) Se encontre gravemente doente com patologia evolutiva e irreversível e já não responda às terapêuticas disponíveis;

b) Seja portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa e se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional; ou

c) Tenha idade igual ou superior a 70 anos e o seu estado de saúde, física ou psíquica, ou de autonomia se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional ou afecte a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena.

Ponderando a verificação dos respectivos pressupostos no momento da condenação, o legislador operou a extensão do regime no art 122ª permitindo ao tribunal que condena em pena de prisão decidir-se pela imediata aplicação, com as devidas adaptações, da modificação da execução da pena.

Porém, após a prolacção da sentença de condenação, e por isso esgotado o poder jurisdicional, a pena somente poderá ser alterada pelas instâncias de recurso. Transitada em julgado a sentença de condenação, ao TEP está vedado alterar a decisão, podendo contudo decidir da modificação da execução da pena, verificado que seja o condicionalismo legalmente exigido.

Revertendo aos autos, a situação já não é subsumível na previsão do artigo 122.º do CEPML pois há muito que se encontra definida a condenação em pena de prisão de cumprimento efectivo, sem que em tempo tenha sido suscitada e apreciada a possibilidade de modificação da execução da pena pelas razões de saúde.

Por outro lado, como resulta do art 118º é claro e expressoque a situação de reclusão do requerente é pressuposto indispensável para apreciação da viabilidade do pedido. Aliás, o legislador refere expressamente “o recluso condenado”

É pois manifesto que não existe disposição legal que regule expressamente o regime deste pedido na fase anterior ao início do cumprimento da pena, sendo inequívoco que a obtenção do efeito pretendido pelo recorrente envolve necessariamente a suspensão dos efeitos de uma sentença condenatória transitada em julgado.

O que se nos afigura apenas possível no caso previsto no art 457º, do CPP - autorização da revisão pelo STJ.

Ora,os princípios da celeridade e economia processuais e o objectivo da segurança jurídica impõem que o início do cumprimento efectivo da pena de prisão ocorra de imediato ao trânsito em julgado da sentença que a aplicou.

O que o legislador ponderou, sem deixar de contemplar aquelas situações de gravidade comprovada, que tornam a reclusão em estabelecimento prisional absolutamente insuportável.

De todo o modo, considerando a excepcionalidade de tal regime, cuidou que a decisão a proferir no incidente de alteração da execução da pena, seja fundamentada, além do mais, emparecer clínico dos serviços competentes do estabelecimento prisional e no          relatório do director do estabelecimento relativo ao cumprimento da pena e à situação prisional do condenado.

A elaboração dos referidos parecer e relatório, obviamente pressupõem que o condenado esteja já em cumprimento de pena.

Ao contrário pois do que o recorrente pretende não se verifica qualquer lacuna.

O regime legal aplicável ao pedido de modificação de execução de pena de prisão não é omisso em relação a situações como a dos presentes autos.

Só tem sentido operar uma modificação da execução de pena, quando a execução está em curso. Se no início do cumprimento da pena de prisão determinada por decisão transitada em julgado, o condenado reúne já todos os pressupostos para ver modificada a respectiva execução, deve instaurar o respectivo incidente, - que é urgente - e solicitar ao sistema prisional a salvaguarda dos direitos que lhe são conferidos no artigo 64.º da C.R.P. e no art 7º do CEP:

1 - A execução das penas e medidas privativas da liberdade garante ao recluso, nomeadamente, os direitos:
a) À protecção da sua vida, saúde, integridade pessoal e liberdade de consciência, não podendo ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”

Convém lembrar ainda que o sistema dispõe de hospital prisional, todos os reclusos são utentes do sistema nacional de saúde e garante que em situação emergente, são internados em unidade de saúde não prisional, sendo por essa via sempre acauteladas as suas necessidades, tal como regulamentam os arts. 32° a 37° do CEPMPL (cfr. em especial, os arts. 32° n° 2, 34° n° 3).

Considerando o caracter excepcional da modificação da execução da pena, ao contrário do alegado pelo condenado, não se vislumbra na lei qualquer lacuna que suscite a necessidade de integração, sendo claro que o legislador não acolheu a modificação da pena de prisão em momento situado entre o trânsito em julgado da decisão condenatória e antes de iniciada a respectiva execução.

Os elementos constantes do processo e os documentos apresentados - cfr fls 247 a 253 - não permitem evidenciar uma situação de doença de tal forma grave que não permita ao arguido aguardar em reclusão sob a necessária assistência médica e hospitalar, pelo tempo, necessariamente curto, que ainda mediará até à apreciação e decisão quanto ao seu requerimento.

Por outro lado, o estado de saúde do recorrente também não evidencia uma situação limite - hospitalização ou necessidade de cuidados médicos urgentes, prementes e imediatos - que sirva de causa de justificação do não cumprimento do mandado de condução.

Em conclusão, inexiste fundamento de suspensão do cumprimento do mandado de condução do arguido ao E.P. para início do cumprimento efectivo da prisão em que foi condenado.

IV - DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes na secção criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em três Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, 18 de Março de 2015

[Processado informaticamente e revisto pela relatora]

(Isabel Valongo - relatora)



 (Jorge França - adjunto)