Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/25.2T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
OMISSÃO DE MENTOS RELATIVOS AO NÚMERO DE IDENTIFICAÇÃO CIVIL PROFISSÕES E LOCAIS DE TRABALHO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – MANGUALDE – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 6.º, 7.º, 157.º, 207.º, 552.º, 559.º, 590.º, N.ºS 2, ALÍNEA B), 3 E 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Omitindo-se na petição inicial elementos relativos a n.º de identificação civil, profissões e locais de trabalho e se a secretaria (ou o sistema informático) não tiver recusado tal peça processual e a remeteu à distribuição nos termos do art.º 207º do CPC, cabe ao juiz convidar o autor a suprir tal irregularidade, de acordo com o disposto no art.º 590º, n.ºs 2, alínea b) e 3, do CPC, fixando prazo para o efeito.

2. Tendo o juiz o poder/dever de convidar a parte a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (art.º 590º, n.º 4 do CPC) - a parte tem a garantia de que, alegando a factualidade essencial estritamente necessária à identificação da causa de pedir ou da defesa apresentadas, a sua pretensão não naufragará por qualquer insuficiência de articulação -, por maioria de razão se justifica que falhas ou omissões de ordem externa ou formal possam também ser devida e (ainda) oportunamente supridas.

3. Assim, não se poderá/deverá rejeitar uma p. i. quando já existe uma ação judicial com os articulados admissíveis (p. i., contestação/reconvenção e réplica), exceto se, proferido adequado despacho a convidar ao suprimento das irregularidades/faltas (sanáveis) porventura existentes, o autor não completar ou corrigir o articulado inicialmente produzido.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:   Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
Fernando Monteiro
 *

       

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

           I. Em 07.01.2025, AA e marido BB propuseram a presente ação declarativa comum contra CC e mulher DD, pedindo, além do mais, que seja declarada a nulidade da escritura de justificação celebrada em 26.9.2024, melhor identificada no art.º 5º da petição inicial (p. i.).

           Citados, os réus contestaram e deduziram reconvenção, em 14.02.2025.

            Em 25.02.2025, os AA. responderam à reconvenção.

            Após, foi proferida a seguinte sentença (em 04.4.2025):

           «Compulsados os autos resulta que o requerimento inicial/PI não cumpre todos os requisitos obrigatórios elencados no art.º 552º, n.º 1, al. a) do CPC (aplicável por força do art.º 549º, n.º 1 do CPC), de acordo com o DL N.º 87/2024, de 07 de NOVEMBRO, nomeadamente os Autores não indicam o seu n.º de identificação civil, profissões e locais de trabalho[1].

            Quanto aos Réus não se indica os seus n.ºs de identificação civil, profissões e locais de trabalho, nem se fez a menção do art.º 552º, n.º 3 do CPC.

            Destarte, ao abrigo do art.º 558º, n.º 1, al. b) é fundamento de rejeição da Petição Inicial o que se decide, recusando a petição.

            Registo e Notifique.

            Custas do incidente a carga dos AA., fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – art.º 7º e tabela II do RCP.           

            Após proceda à competente baixa na estatística.»

           Dizendo-se inconformados, os AA. apelaram formulando as seguintes conclusões:

           1ª - In casu, a secretaria, nos termos do artigo 558º al. b) do Código de Processo Civil (CPC), não recusou o recebimento da p. i., antes admitiu a mesma à distribuição nos termos do artigo 207º do CPC.

           Aliás, caso se tivesse operado essa recusa, devidamente fundamentada, a parte poderia ter reclamado para o Tribunal a quo nos termos do artigo 559º, n.º 1 do CPC assim como, caso se viesse a confirmar por parte desse Tribunal o não recebimento da p. i., caberia sempre recurso para a Relação.

           No caso vertente, a parte não pôde beneficiar destas possibilidades em virtude de a secretaria não ter recusado, como devia, a petição, existindo, assim, patente omissão da secretaria.

            2ª - Antes o processo prosseguiu os seus termos sendo que, tal recusa apenas existiu por sentença proferida pelo tribunal a quo e, somente após o recebimento pela secretaria da p. i., distribuição da mesma, concretização das citações, apresentação de contestação / reconvenção e de resposta à reconvenção.

            Já se encontravam, assim, findos os articulados.

           3ª - Não foi ordenada a notificação dos recorrentes para suprirem as irregularidades / lapsos apontados na sentença a quo, a saber, n.ºs de identificação civil, profissões e locais de trabalho dos autores e réus ou, quanto a estes, a menção do artigo 552º, n.º 3 do CPC.

           4ª - Isto é, não houve qualquer despacho de convite ao aperfeiçoamento notificado aos recorrentes para suprirem os lapsos verificados na p. i..

            5ª - Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, cabia antes ao mesmo proferir despacho a notificar expressamente os recorrentes no sentido de aperfeiçoarem a p. i., de acordo com o que vem prescrito no citado artigo 590º n.ºs 2 al. b) e 3 do CPC e, em obediência ao dever de gestão processual previsto no artigo 6º do CPC, ao princípio da cooperação previsto no artigo 7º do CPC e ao princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC.

           6ª - E isto, porque a parte não pode sofrer consequências prejudiciais por uma omissão da secretaria[2].

           7ª - Face ao disposto no artigo 6º, cabe ao juiz, além do mais, diligenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção.

            O legislador de 1995 quis reduzir drasticamente os obstáculos de ordem formal à apreciação do mérito dos autos, dando amplas possibilidades ao julgador de colmatar os escolhos de ordem adjetiva.

           Neste sentido legislou no sentido de suprimento de exceções dilatórias e de convite ao aperfeiçoamento dos articulados.

           8ª - Em obediência ao supra indicado, o Tribunal a quo, tendo verificado a deficiência da p. i., ao invés de rejeitar / recusar a mesma (proferindo uma patente decisão formal), deveria ter ordenado aos recorrentes que corrigissem as omissões apontadas (colmatando os pequenos lapsos cometidos), concedendo prazo para esse efeito.

            9ª - Devendo, assim, contrariamente ao decidido na sentença “a quo” de que se recorre, serem os recorrentes expressamente notificados para aperfeiçoarem a p. i., de acordo com o que vem prescrito no citado artigo 590º n.ºs 2 al. b) e 3 do CPC.

           10ª - Ao decidir-se pela forma constante da decisão “a quo” violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 6º, 7º, 547º e 590 n.ºs 2 al. b) e 3 do CPC.

            Rematam pedindo a revogação da sentença recorrida.

            Não houve resposta.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, questiona-se a legalidade da decisão recorrida - se, ao invés do decidido, importava convidar os AA. a suprir as mencionadas deficiências.


*

           II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do antecedente relatório e ainda:

            1) Refere-se no princípio da p. i.:

           «AA e marido BB, residentes em ..., ... ... – ..., Belgique, contribuintes n.ºs ...26 e ...55.

            Vêm propor AÇÃO COM PROCESSO COMUM contra:

           CC e mulher DD, residentes na rua ..., ..., ... ..., contribuintes n.ºs ...44 e ...34».

           2) A secretaria não recusou o recebimento da aludida p. i., admitindo a mesma à distribuição.

           2. Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (art.º 6º, n.º 1 do CPC[3] - sob a epígrafe “dever de gestão processual”). O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (n.º 2).

           Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art.º 7º, n.º 1 - sob a epígrafe “princípio da cooperação”). Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo (n.º 4).

            As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente (art.º 157º, n.º 1). Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente (n.º 5). Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes (n.º 6).

           Nenhum ato processual é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei (art.º 207º, n.º 1, sob a epígrafe “condições necessárias para a distribuição”). A verificação do disposto no número anterior é efetuada através de meios eletrónicos, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132º (n.º 2).

           O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (art.º 574º).

           Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: a) Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes, número de identificação fiscal ou número de identificação de pessoa coletiva e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil, profissões e locais de trabalho[4]; b) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial; c) Indicar a forma do processo; d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; e) Formular o pedido; f) Declarar o valor da causa; g) Designar o agente de execução incumbido de efetuar a citação ou o mandatário judicial responsável pela sua promoção (art.º 552º, n.º 1). Para o efeito da identificação das partes que sejam pessoa coletiva nos termos da alínea a) do número anterior, o mandatário judicial constituído pelo autor que apresente a petição por via eletrónica indica o respetivo número de identificação de pessoa coletiva ou, relativamente às entidades não abrangidas pelo regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o seu número de identificação fiscal, ficando esta identificação sujeita a confirmação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, o qual devolve, para validação, os dados constantes das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, consoante os casos (n.º 2). Para efeito do disposto no número anterior, e visando garantir a identificação unívoca da parte, a secretaria, nos casos em que o autor tenha indicado não lhe ser possível obter essa informação, pode efetuar, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, pesquisas nas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira (n.º 3) Sendo a identificação da parte efetuada nos termos dos n.ºs 2 e 3, a informação prevista na alínea a) do n.º 1 é transmitida ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais pelas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, podendo a mesma ser atualizada, de forma automática, durante o processo, sempre que ocorrer alteração nas referidas bases de dados (n.º 4).

            São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos: a) Não tenha endereço ou esteja endereçada a outro tribunal, juízo do mesmo tribunal ou autoridade; b) Omita a identificação das partes e dos elementos a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 552º que dela devam obrigatoriamente constar; c) Não indique o domicílio profissional do mandatário judicial; d) Não indique a forma do processo; e) Omita a indicação do valor da causa; f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552º; g) Não esteja assinada; h) Não esteja redigida em língua portuguesa; i) O papel utilizado não obedeça aos requisitos regulamentares (art.º 558º, n.º 1). A verificação dos fundamentos de rejeição elencados no número anterior é efetuada pelo sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, ou, quando tal não seja tecnicamente possível, pela secretaria, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132º (n.º 2). Sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144º, compete à secretaria recusar o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição (n.º 3).

            Do ato de recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz (art.º 559º, n.º 1). Do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso até à Relação, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 629º e no n.º 7 do artigo 641º (n.º 2).

            Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º (art.º 590º, n.º 1 - sob a epígrafe gestão inicial do processo”). Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6º; b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (n.º 2). O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (n.º 3). Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (n.º 4). Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados (n.º 7).

            3. Cumpre apreciar e decidir.

           Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que o descrito quadro normativo, os ensinamentos da Doutrina e a Jurisprudência (com especial destaque para a invocada na alegação de recurso) dão suficiente e adequado suporte à posição dos AA./recorrentes.

           4. Na situação em análise, tratando-se de pessoas singulares, não se deu integral cumprimento ao preceituado no art.º 552º, n.º 1, alínea a), porquanto faltou indicar “n.º de identificação civil, profissões e locais de trabalho”.

           A secretaria e o sistema informático não detetaram a falta (recusando a p. i.), pelo que a ação foi distribuída e prosseguiu até findarem os articulados da ação.

           Verificada a dita falta/omissão, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo recusou a p. i., com as inerentes consequências, quando podia/devia ordenar a notificação dos AA. para suprir a mencionada (e simples) irregularidade.

            Na verdade, não se aplicando ao caso o n.º 3 do art.º 552º (nos n.ºs 2 a 4 prevê-se um regime específico em relação à identificação de pessoas coletivas)[5] e tendo sido coartados os meios de reação especialmente previstos no art.º 559º, dúvidas não restam de que não houve despacho de convite de aperfeiçoamento notificado aos AA./recorrentes para suprirem a falta de tais elementos de identificação das partes, pessoas singulares, verificada na p. i., e a recusa da p. i. ocorreu, tão-somente, por despacho da Mm.ª Juíza do Tribunal a quo depois de apresentados os articulados da ação (p. i., contestação e réplica).

            Tendo em conta o dever de gestão processual (art.º 6º, n.º 2), os princípios da cooperação (art.º 7º) e da adequação formal (art.º 547º), e bem assim o preceituado no art.º 590º, n.ºs 2 al. b) e 3, caberia à Mm.ª Juíza proferir despacho notificando os AA. no sentido de aperfeiçoarem a petição inicial, com a indicação dos ditos elementos em falta.[6]

           5. E assim, ainda que prevista a obrigatoriedade na indicação dos elementos em falta (números de identificação civil, profissões e locais de trabalho) no que respeita ao autor, sendo diferente a exigência relativamente ao Réu (têm que ser indicados sempre que possível) - art.º 552º, n.º 1, alínea a), na sua redação atual, conferida pelo DL n.º 87/2024, de 07.11 - e dispondo a alínea b) do n.º 1 do art.º 558º que é fundamento de rejeição da p. i. o facto de ela omitir a identificação das partes e os elementos a que alude a alínea a) do n.º 1 do art.º 552º que dela devam obrigatoriamente constar, pelo que a Secretaria ou o Sistema Informático podiam recusar a petição no tempo e na forma que a lei prevê, o que, como vimos, não sucedeu.

           6. A legislação processual civil, mormente no domínio de aplicação dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961, não afastava a possibilidade de suprimento ou correção de irregularidades formais ou externas da petição inicial, mediante despacho/despacho-convite do juiz, realidade evidenciada pela Doutrina.[7]

           E se o controlo formal externo (sobre alguns elementos da forma externa) da p. i. tem sido atribuído, em primeira linha, à secretaria, cabendo necessariamente ao juiz a verificação/deteção dos vícios de conteúdo dos articulados, verificou-se igualmente, ao longo de décadas, o propósito da lei de evitar que as partes vejam o seu direito substancial inutilizado e perdido por uma irregularidade ou vício meramente formal, pretendendo-se, assim, que o fundo prevaleça sobre a forma.[8]

           A reforma processual civil de 1995/96 deu novo impulso à garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais ativa das partes no processo de formação da decisão (cf. preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12).

           7. Na situação em análise, é evidente que a ação ficou definitivamente proposta[9] e que, atentos aqueles princípios e as faculdades/possibilidades contidas no art.º 590º, n.ºs 2 e 3, nada justifica que se dê por findo um processo que terá todas as condições para prosseguir, logo que completados os elementos em falta integradores dos requisitos externos/formais do articulado inicial.

           Ademais, se o legislador atribuiu ao juiz o dever de convidar a parte a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (art.º 590º, n.º 4) - a parte tem a garantia de que, alegando a factualidade essencial estritamente necessária à identificação da causa de pedir ou da defesa apresentadas, a sua pretensão não naufragará por qualquer insuficiência de articulação[10] -, por maioria de razão se justifica que falhas ou omissões de ordem externa ou formal possam também ser devida e (ainda) oportunamente supridas.

            8. Justifica-se, assim, a prolação de despacho-convite, conforme se indicou em II. 4, in fine[11].

            9. Conclui-se que não se poderá/deverá rejeitar uma p. i. quando já existe uma ação judicial com os articulados admissíveis (p. i., contestação/reconvenção e réplica), exceto se, proferido adequado despacho a convidar ao suprimento das irregularidades/faltas (sanáveis) porventura existentes, o A. não completar ou corrigir o articulado inicialmente produzido.

           10. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, procedendo a apelação, revoga-se a sentença recorrida, com a consequência assinalada em II. 8., supra.

            Sem custas.


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28.10.2025



[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto (sem qualquer menção).
[2] Os sublinhados das “conclusões” foram apostos pelos AA./recorrentes.
[3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[4] A redação atual é a conferida pelo DL n.º 87/2024, de 07.11.

  A redação dada à mesma alínea pelo DL n.º 97/2019, de 26.7, era a seguinte: «Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;».

   A redação original do CPC 2013: «Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, número de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;».

[5] Cf. neste sentido, por exemplo, acórdão da RC de 08.7.2025-processo 239/25.6T8CVL.C1, publicado no “site” da dgsi.

[6] Cf. acórdãos da RP de 18.02.2019-processo 4714/18.0T8VNG.P1 [com o sumário: «Quando não se tenha identificado um dos AA. da petição inicial e a secretaria não tenha recusado tal peça processual, remetendo-a à distribuição nos termos do art.º 207º do CPC, cabe ao Mmº Juiz a quo, convidar a parte a suprir tal irregularidade, no sentido de aperfeiçoar tal peça processual, de acordo com o que vem prescrito no citado art.º 590º nºs 2 al. b) e 3 do CPC, fixando-lhe prazo para o efeito, tendo em conta o dever de gestão processual, ínsito no art.º 6º, o principio da cooperação a que alude o art.º 7º bem como o principio da adequação formal (art.º 547º) todos do CPC.»] e da RC de 27.02.2007-processo 1762/06.7TBLRA.C [com idêntica resposta, no domínio de aplicação dos art.ºs 474º, alínea a) e 508º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPC de 1961, considerando, além do mais, que o legislador de 1995 quis reduzir drasticamente os obstáculos de ordem formal à apreciação do mérito dos autos, dando amplas possibilidades ao julgador de colmatar os escolhos de ordem adjetiva], publicados no “site” da dgsi.
[7] Vide, nomeadamente, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 238 e seguintes.
[8] Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 247 e J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 52 e 58.
[9] Vide J. Alberto dos Reis, ob. e vol. cit., pág. 54.

[10] Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo CPC, 2014, 2ª edição, Vol. I, Almedina, pág. 473.
[11] Perspetiva que, como vimos, é acolhida pela jurisprudência indicada na “nota 6”, supra.
   Com diferente entendimento (que, com o devido respeito, não sufragamos), numa situação com alguma similitude, mas equacionando-se, ainda, a aplicação do art.º 560º do CPC (na redação conferida pelo DL n.º 97/2019, de 26.7), cf. acórdão da RG de 02.12.2021-processo 4269/21.9T8BRG.G1, publicado no “site” da dgsi.
   Sobre esta problemática, cf. ainda, de entre vários, acórdão da RL de 09.4.2024-processo 3444/23.6T8LRS-B.L1-7, publicado no mesmo “site”.