Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/21.8GASBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Descritores: PRAZO DE ACTO PROCESSUAL
PATRONO
NOMEAÇÃO
NOTIFICAÇÃO EFECTUADA POR VIA ELECTRÓNICA
DILAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 31.º, N.º 1, DA LEI 34/2004, DE 29-07; ART. 113.º, N.º 12, DO CPP
Sumário: À notificação ao patrono do acto da sua nomeação, prevista no artigo 31.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29-07, na expressão escrita dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, efectuada por via electrónica, é aplicável a dilação de três dias referenciada no artigo 113.º, n.º 12, do CPP (redacção da Lei n.º 1/2018, de 29-01).
Decisão Texto Integral:

Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


1. Relatório

No processo de inquérito n.º 179/21.8GASBG, foi proferido pelo Juízo Local Criminal da Guarda – J2, Comarca da Guarda, o seguinte despacho, incidente sobre pedido de constituição de assistente (transcrição da parte relevante):

 “Veio AA requerer a sua constituição como assistente no âmbito dos presentes autos.

O Ministério Público pronunciou-se a folhas 23, promovendo o seu indeferimento, por extemporâneo, no que concerne a crime de natureza particular.

Nos autos ainda não há arguido constituído.

Cumpra apreciar e decidir:

Compulsados os autos, verifica-se que nos mesmos, se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de injúria, que assume natureza particular (art.ºs 181.º e 188.º do CP).

Nos termos do art.º 68.º n.º 2 do Cód. Proc. Penal, e quanto ao crime de injúria – crime de natureza particular, “tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do art.º 246.º”.

Assim, e no que concerne ao crime de natureza particular em investigação (crime de injúria), o ofendido dispunha de 10 dias para a sua constituição como assistente, após a notificação que lhe foi efetuada a folhas 7vs, que o mesmo assinou, na data de 6/12/2021.

Acontece que, o ofendido requereu o benefício de proteção jurídica nas modalidades de dispensa de encargos no processo, bem como, de nomeação de patrono oficioso, e juntou tal pedido aos autos, a fim de interromper o prazo (cfr. folhas 13).

Como resulta do art. 24.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29.07), quando o requerente pretende a nomeação de patrono, como é o caso, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento suprarreferido.

E, nos termos da al. a) do n.º 5 do citado preceito legal, o prazo interrompido, por aplicação do disposto no n.º 4, inicia-se a partir da notificação ao Patrono nomeado da sua designação.

Ora, no caso em apreço, a Patrona nomeada, Dra. BB, foi notificada da sua designação, no dia 04.01.2022 (cfr. ref.ª 1877119), tendo sido a partir desta data que se iniciou o novo prazo de 10 dias, pelo que, quando o ofendido veio requerer a sua constituição como assistente, em 20.01.2022 (cfr. ref.ª 1886733), tal prazo já se encontrava ultrapassado.

Assim, por força do acabado de expor, o prazo para requerer a sua constituição como assistente, quanto a crimes de natureza particular, já há muito se esgotara quando, a 20/1/2020 foi requerida a constituição de assistente.

Ora, o prazo de 10 dias referido no supra exposto preceito legal, assume natureza perentória, conforme exposto no Ac Fixação Jurisprudência do STJ 1/2011, que dispõe “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.”

Nestes termos, e dados os factos e as normas suprarreferidas, por extemporâneo que se mostra o seu requerimento, quanto ao que ao crime de injúria se refere, ou outros crimes de natureza particular, não se admite que AA assuma a qualidade de assistente.

Notifique.


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1.1.  Recurso do assistente (conclusões que se transcrevem integralmente):
I. O presente recurso tem como objeto o despacho proferido nos presentes autos, o qual não admitiu a constituição de assistente do ofendido quanto a crimes de natureza particular, por extemporaneidade, nos termos do Artigos 68º/2 do Código de Processo Penal.
II. A patrona nomeada recebeu o ofício de nomeação via correio eletrónico da Ordem dos advogados datado de 04.01.2022, conforme se pode comprovar do documento junto aos autos (refª 1877119)
III. No dia 20.01.2022, requereu-se a constituição de assistente do ofendido AA mediante requerimento junto aos autos (cf refª 1886733)
IV. O despacho recorrido, parte do pressuposto inicial de que a notificação da patrona é dia 04.01.2022, tendo sido a partir desta data que se iniciou o prazo de 10 dias para requerer a constituição de assistente;
V. No entanto, tem sido unânime na jurisprudência que, tal como decorre da lei «Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja»
VI. Neste sentido veja-se o que sumaria o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2012 ou o entendimento sufragado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2020, cuja relatora é Conceição Gomes.
VII. Este último, ao transcrever os artigos 24º e 38 º, da Lei nº 34/ 2004, de 24 de julho, o 248º do Código de Processo Civil, o 113º do Código de Processo Penal conclui que “(…) uma vez que a mandatária nomeada ao recorrente foi notificada eletronicamente, é aplicável ao recorrente o disposto no artigo 248º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi, do artigo 4º do Código de Processo Penal, pelo que se presume a notificação feita no terceiro dia posterior ao seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”(negrito e sublinhados nosso)
VIII. Assim, no caso concreto a notificação considera-se efetuada no dia 07.01.2022 e não no dia 04.01.2022.
IX. O prazo de 10 dias terminaria no dia 17.01.2022,
X. Todavia é ainda possível a prática do ato nos termos do artigo 139º 5 e 6 do CPC, aplicável ex vi A 4º do CPP, ou seja nos três dias seguintes ao término do prazo.
XI. Portanto, tendo sido notificada a ora signatária da nomeação para constituição de assistente a 07.01.2022, é tempestivo o requerimento de admissão como assistente, no dia 20.01.2022, nos termos do artigo supramencionado, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa,
XII. Consoante o disposto naquele nº 6, quando o ato é praticado “em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa (…)” , o que in casu não se verificou.
XIII. Também o artigo 107º-A do CPP explana que “(…) à prática extemporânea de atos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.”
XIV. Em contrapartida, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4 de 2020, de 18 de Maio, sumaria que “O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excecional da redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, é aplicável em processo penal.”(negrito nosso)
XV. O mesmo acórdão refere que: “o legislador pretendeu estabelecer valores inferiores para as sanções em processo penal, não faria sentido considerar que o mesmo pudesse ser insensível a situações em que, por manifesta insuficiência económica ou quando o respetivo montante se revelasse manifestamente desproporcionado, se justificasse que o juiz excecionalmente determinasse a redução ou, até mesmo, a dispensa da multa.”
XVI. O Sr. AA vive numa aldeia – ... – que dista cerca de 17 km do ..., onde a patrona nomeada tem o seu escritório.
XVII. Os transportes são parcos e os horários estão dependentes dos horários escolares;
XVIII. O que implica que as pessoas que se desloquem fiquem na sede de concelho todo o dia, pelo que, no caso do Sr. AA - que pastoreia e tem obrigações diárias com os seus animais –  se torna complicado deslocar-se até ao ..., ficando dependente da boleia de quem o possa trazer e levar.
XIX. Pelo que a instrução do processo foi feita tardiamente tendo a patrona nomeada aguardado por aquela e pelo documento comprovativo do deferimento de apoio jurídico para comprovar a devida isenção da taxa de justiça.
XX. O ofendido é uma pessoa humilde, com parcos rendimentos, o que originou a concessão de apoio jurídico na modalidade de isenção de taxas de justiça e nomeação de patrono;
XXI. É pastor, (como foi toda a vida) e tem baixa escolaridade,
XXII. Os rendimentos auferidos são parcos e dependem muito se vende algum cabrito ou não, se lhe morre algum animal, etc;
XXIII. Havendo meses que não recebe nada;
XXIV. A mulher aufere uma pensão de invalidez cujo valor é de 357,00€/mês.
XXV. Apesar da insistência da patrona para vir ao ... em determinado momento pelo facto de haver prazos a decorrer e da importância de trazer atempadamente a carta da Segurança Social, as vicissitudes decorrentes da vida quotidiana do ofendido não lhe permitiram conciliar-se com a urgência de tais prazos.
XXVI. Considerando também que a taxa de constituição de assistente devida é apenas de 102,00€, o montante estipulado no art. 107ºA do CPP c) de 2 UC’s, que se consubstancia numa quantia de 204,00€, é manifestamente desproporcionado nas circunstâncias dos presentes autos.
XXVII. Pelo exposto deve ser considerada tempestiva a prática do ato de requerimento de constituição de assistente no dia 20.01.2022 nos termos da conjugação dos artigos 24º e 38º da Lei 34/2004; Art. 248º e 139º/5 e 6 do CPC e art.4º , 107º A e 113º do CPP .
XXVIII. Mais entendemos que conforme o preceituado no art 139º/8 do CPC e no Acórdão do STJ nº 4/2020, considerando a manifesta carência económica do ofendido e a desproporcionalidade da quantia prevista, deverá haver dispensa da multa no caso concreto,
XXIX. Por mera cautela de patrocínio, caso não se admita a total dispensa de multa, deverá  no mínimo proceder-se a uma redução da mesma.
XXX. Ao não admitir a constituição de assistente quanto a crimes de natureza particular o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 24º e 38º da Lei 34/2004; Art.248º e 139º/5, 6 e 8 do CPC e art.4º , 107º A e 113º do CPP.

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1.2. Resposta do Ministério Público (conclusões que se transcrevem integralmente):
1) Recorre o ofendido AA, da douta decisão judicial, proferida nos autos em 03.02.2022, a qual decidiu não admitir aquele a intervir nos autos na qualidade de assistente, quanto a crimes de natureza particular, em virtude de o respetivo requerimento ser extemporâneo para o efeito.
2) Tal como bem entendeu a douta decisão sob recurso, o requerimento do ofendido para constituição como assistente quanto a crimes de natureza particular, mostra-se extemporâneo.
3) O ofendido foi notificado pela entidade policial, em 06.12.2021, para se constituir assistente, no prazo de 10 dias, nos termos dos arts. 68.º, n.º 2 e 246.º, n.º 4, ambos do C.P.P. (cfr. ref.ª 1861531), tendo sido junto aos autos, em 09.12.2021, documento comprovativo do requerimento de proteção jurídica (cfr. ref.ª 1864530).
4) Como resulta do art. 24.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29.07), quando o requerente pretende a nomeação de patrono, como era o caso, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento suprarreferido.
5) E, nos termos da al. a) do n.º 5 do citado preceito legal, o prazo interrompido, por aplicação do disposto no n.º 4, inicia-se a partir da notificação ao Patrono nomeado da sua designação.
6) No caso em apreço, a Patrona nomeada foi notificada da sua designação, no dia 04.01.2022 (cfr. ref.ª 1877119), tendo sido a partir desta data que se iniciou o novo prazo de 10 dias, sendo certo que está em causa uma notificação feita no âmbito do pedido de apoio judiciário, a que não é aplicável a presunção de se considerar realizada no terceiro dia útil posterior ao do seu envio.
7) Quando o ofendido veio requerer a sua constituição como assistente, em 20.01.2022 (cfr. ref.ª 1886733), tal prazo já se encontrava ultrapassado.

8) O ofendido não procedeu ao pagamento imediato de qualquer multa para prática de ato nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do disposto no art. 139.º, n.º 6 do C.P.P., nem demonstrou existir situação de manifesta carência económica a fim de ser dispensado de tal pagamento.

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1.3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo, nomeadamente:

É certo que o recorrente praticou o ato no 3º dia útil posterior ao termo do prazo para se constituir assistente, mas para que pudesse ter sido aceite esse requerimento teria de ter pago a multa correspondente, nos termos previstos nos artigos 107.º, n.º 5 do C. P. Penal, 139.º, n.º 5, alínea c), do C. P. Civil e 107.º-A, alínea c), do C. P. Penal.

O que não fez, nem sequer pediu oportunamente a dispensa de pagamento dessa multa como prevê o nº 8 do art. 139º do CPC.

Respondeu o assistente, invocando não ter sido dado cumprimento à notificação a que se refere o n.º 6 do art. 139º do Código de Processo Civil, devendo-se a falta de pagamento da multa a omissão da secretaria judicial.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. Conhecimento do recurso
Encontra-se o objeto do recurso limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente. São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso, pelo que se ficam aquém, a parte da motivação que não consta das conclusões não é considerada, e se forem além também não são consideradas, porque a motivação das mesmas é inexistente ([1]).

O objeto do presente recurso, tendo em conta as conclusões formuladas, resume-se à questão de verificar se o requerimento de constituição como assistente deverá ser considerado tempestivo.


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- Histórico processual relevante:

- a 6.12.2021 o ofendido foi notificado para se constituir assistente, no prazo de 10 dias, e da obrigatoriedade de se fazer representar por advogado, para efeitos do procedimento criminal dependente de acusação particular;
- A 10.12.2021 foi junto aos autos requerimento de proteção jurídica formulado junto da Segurança Social pelo ofendido, para efeitos de constituição de assistente, na modalidade, além do mais, de “nomeação e pagamento da compensação de patrono”;
- A 4.1.2022 a Ordem dos Advogados comunicou aos autos, por e-mail, ter sido nomeado patrono ao ofendido;
- Por carta remetida naquela mesma data de 4.1.2022 pela Segurança Social (e carimbo do mesmo serviço de dia 5.1 – fls. 20), foi o ofendido notificado do deferimento do seu requerimento de proteção jurídica
- Por e-mail remetido no dia 4.1.2022 à Exma. Patrona pela Ordem dos Advogados, foi a mesma informada da sua nomeação, para efeitos de constituição de assistente;
- O pedido de constituição de assistente do ofendido foi formulado nos autos pela Exma. Patrona nomeada a 20.1.2022.

Vejamos:
O recorrente defende que à notificação ao patrono nomeado na pendência de ação judicial, efetuada por transmissão eletrónica, é aplicável a dilação de 3 dias prevista no art. 113º, n.º 11, do Código de Processo Penal, e no art. 248º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4º do primeiro Código referido – caso em que se consideraria notificada a 7.1.2022, sendo tempestivo o requerimento apresentado a 20.1.2022.
Ora, até à entrada em vigor da alteração ao Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 1/2018, de 29.1, era a seguinte a redação daquele art. 113º, n.º 11, do Código de Processo Penal, respeitante à notificações do advogado ou defensor nomeado: “11 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia.”. Entendia então uma maioria da jurisprudência que, perante a segurança das notificações eletrónicas, a notificação efetuada por esse meio se considerava efetuada no próprio dia da sua efetivação.
No entanto, com as alterações introduzidas pela referida Lei n.º 1/2018, de 29.1, a mesma norma passou a ter a seguinte redação: “As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas por via eletrónica, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ou, quando tal não for possível, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia.”; acrescentando o n.º 12 que “Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
Ficou desta forma clara a aplicabilidade da dilação de 3 dias às notificações efetuadas por via eletrónica e, assim, ao advogado ou defensor.
Esta é a redação da norma ainda em vigor.

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No que respeita expressamente ao apoio judiciário, o art. 24º da Lei n.º 34/2004, de 29.7, estabelece o seguinte, na parte relevante:

4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Decorre desta norma que após a notificação a que se refere o n.º 5 o prazo para a prática do ato, que se havia interrompido com a junção ao processo do comprovativo de pedido de nomeação de patrono, volta a correr por inteiro.
Porém, será bastante para o início do decurso do novo prazo que a decisão seja notificada ao patrono nomeado?
Releva, neste conspecto, o que reza o art. 31º do mesmo diploma legal:

1 - A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.
2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.” (sublinhado nosso).
A razão para a exigência legal da dupla notificação é clara: é que se o prazo para a prática do ato processual se inicia apenas com a notificação do patrono nomeado, nada permite assegurar ter sido anteriormente estabelecido contacto entre o cidadão economicamente carenciado e o patrono nomeado, podendo este sofrer um encurtamento, ou inutilização, do prazo de organização e exercício da sua defesa, sem culpa sua – por não ter conhecimento da identidade do advogado que o representará.
Foi este o fundamento principal para o Tribunal Constitucional ter declarado, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação dos n.os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.” ([2])
Regressando ao caso dos autos, para além de assistir razão ao recorrente quanto à aplicação da dilação de 3 dias à notificação eletrónica efetuada ao seu patrono, nos termos do art. 113º, n.º 12, do Código de Processo Penal, resulta dos arts. 31º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, e 113º, n.º 2, do Código de Processo Penal, conjugados com o tero dos documentos de fls. 18 e 20, que a notificação terá sido efetivamente remetida ao recorrente pelo menos a 5.1.2022, considerando-se este notificado da nomeação de patrono efetuada a 10.1.2022 (segunda-feira).
Em consequência, o prazo de 10 dias para requerer a sua constituição como assistente apenas começou a correr no dia 11.1.2022, pelo que o requerimento junto a 20.1.2022 terá de ser considerado tempestivo.

Procede, pois, o recurso interposto.


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3. Decisão


Pelo exposto, concede-se total provimento ao recurso e, em consequência, determina-se a prolação de decisão que conheça da requerida constituição de assistente do recorrente para efeitos de crimes de natureza particular.

Sem tributação.


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Coimbra, 12 de julho de 2022

Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso (Relatora – processei e revi)

João Bernardo Peral Novais (Adjunto)

Alberto Mira (Presidente da 5ª Seção Criminal)




[1] v. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, págs. 335-336.
[2] Ac. do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 18.11, publicado no Diário da República n.º 225/2020, Série I de 2020-11-18, páginas 22-29; anteriormente o Tribunal Constitucional já se havia pronunciado no mesmo sentido, nos Acórdãos n.ºs 461/2016, 298/2018, 307/2018 e 567/2018.