Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
974/24.6T8LMG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ASSISTÊNCIA EM VIAGEM
TRANSPORTE CONTRATADO COM TERCEIRO
DANOS PROVOCADOS NO VEÍCULO DURANTE O TRANSPORTE
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – LAMEGO – JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º, 33.º E 34.º, 311.º E 316.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1- A intervenção principal pressupõe que o interveniente seja titular de uma relação litisconsorcial assente na causa de pedir descrita na petição – artigo 316.º do CPC.

2 - Sendo a causa de pedir invocada na petição constituída por um contrato de seguro, no qual estava prevista assistência em viagem, e danos produzidos no veículo transportado, durante a execução da prestação contratual relativa à assistência em viagem, não pode intervir na causa como interveniente principal a empresa terceira contratada para efetuar o transporte.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


*

Juiz relator……………..Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………..José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto………...Luís Filipe Dias Cravo


*

*


Recorrente ……………A..., S. A.

Recorrida………………B..., Unipessoal, Lda.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do despacho que a seguir se transcreve:

«- requerimentos de 31-01-2025 e 11-02-2025:

Afigura-se assistir razão à Ré, na parte em que suscita a não existência de decisão quanto à intervenção principal provocada de C..., S. A., tendo sido decidida primeiramente a questão subsidiária de intervenção acessória daquela mesma entidade.

Cumpre, pois, proferir a decisão em falta.

Com a contestação, a Ré veio deduzir incidente de intervenção principal provocada de C..., S. A., ao abrigo dos artigos 316.º e ss. do Código de Processo Civil.

Alegou, para tal e em suma, que a entidade D..., S.A. – Sucursal em Portugal é resseguradora da Ré para efeitos das obrigações decorrentes da cobertura de Assistência em Viagem e Protecção Jurídica respeitante aos contratos de seguros celebrados pela Ré com os seus segurados; e que a referida D..., S.A. tem um protocolo com a chamada para a execução dos serviços de reboque no âmbito de tal cobertura. Mais alegou que os factos descritos pela Autora se verificaram durante e por causa do serviço de reboque efetuado pela chamada, em execução da cobertura de assistência em viagem da apólice vigente entre a Autora e a Ré; e que, por isso, deve a chamada ser responsabilizada pelos danos provenientes de tal sinistro, aclamando que qualquer direito de indemnização pelos factos em discussão nestes autos devem ser assacado à chamada.

A Autora pronunciou-se quanto a tal incidente, concluindo pela improcedência do mesmo, uma vez que não foram invocados factos demonstrativos de qualquer relação jurídica estabelecida diretamente entre a Ré e a chamada. Conclui, por isso, que não foi alegada factualidade que justifique o direito de regresso sobre a chamada.

Mais uma vez neste ponto se considera assistir razão à Autora.

O art. 260.° do CPC consagra o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, depois de citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

As modificações subjetivas da instância são permitidas em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros - art. 262.°, alin. b), do CPC.

Dispõe, então, o art. 316.°, n. ° 1, do CPC, que qualquer das partes, correndo preterição de litisconsórcio necessário, pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

Nos casos de litisconsórcio voluntário, o autor pode provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º (cfr. n.º 2 do art. 316.º), podendo ainda o chamamento ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

O apuramento da legitimidade processual faz-se de acordo com a causa de pedir nos termos em que é configurada pelo Autor – art. 30.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

As relações de litisconsórcio voluntário e necessário encontram-se previstas nos artigos 32.º e 33.º do Código de Processo Civil, respetivamente.

Dispõe o referido artigo 32.º:

« 1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.

2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade».

Mais dispõe o artigo 33.º:

«1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados

na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.

2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado».

Volvendo ao caso dos autos, da causa de pedir, nos termos em que foi configurada pela Autora, não resulta qualquer facto que revele a existência de uma relação jurídica com a chamada.

De facto, a Autora contextualiza os factos  nos termos gizados na petição inicial no domínio de uma relação contratual estabelecida diretamente com a Autora. Como tal, o plano factual corresponde, tão-só e apenas, ao incumprimento contratual quanto à cobertura do seguro contratado entre Autora e Ré, sendo a Autora alheia a qualquer relação contratual celebrada entre a Ré e terceiros, para efeitos da execução do contrato incumprido.

Não existe, pois, qualquer relação direta entre a Autora e a chamada, porquanto o que está em causa é um incumprimento contratual da Ré (que, no caso, se socorreu de terceiros para executar o contrato vigente com a Autora).

Consequentemente, não existe qualquer fundamento de preterição do litisconsórcio necessário nem voluntário nos presentes autos, nos termos em que a ação foi gizada pela Autora.

Termos em que se INDEFERE o incidente de intervenção principal de C..., S. A., por falta de fundamento legal.

Custas do incidente englobadas na decisão já proferida pelo despacho de 29-01-2025.

Notifique.»

b) É, pois, deste despacho que a Ré A... interpõe recurso, cujas conclusões são as seguintes:

«I – Não pode o Apelante concordar com o despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal A Quo, que indeferiu o incidente de intervenção principal de C..., S.A.

II – A intervenção principal tem por objecto permitir, em demanda pendente, o litisconsórcio ou a coligação de um terceiro com alguma das partes da mesma demanda, sendo que o Interveniente, faz valer um direito próprio e assume portanto a posição de parte principal, na causa em que intervém, sendo que o seu direito há-de ser paralelo ao de alguma das partes da causa em que a intervenção se verifica.

III – De acordo com a alínea a) do n.º 2 do art.º 316º do CPC: O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida.

IV – Ao contrário do defendido pela Autora, e secundado pelo Tribunal, aquilo que verdadeiramente tem que ser apreciado é se existe um interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários.

V – A relação material controvertida no caso dos presentes autos não é simples, não se limitando à alegação pela Autora de um simples incumprimento da garantia de Assistência em Viagem, que ocorreria por exemplo se accionada esta garantia a Ré se tivesse recusado a prestar a referida assistência.

VI – A Autora alega que a Ré cumpriu a sua obrigação de prestar a assistência em viagem, mas que, no decurso de tal cumprimento, terão sido provocados danos no bem seguro, por terceiros (a C...) e que a falta de reparação desses danos e respectiva demora na gestão do processo trouxeram ainda outros danos para a sua esfera jurídica.

VII – Ora, a verdade é que a Autora apenas comunicou à Ré por intermédio do seu mandatário o suposto sinistro e suas consequências, em 16/11/2022, interpelando-a para o pagamento de danos que há muito se teriam consumado e que a Ré não teve a oportunidade de avaliar.

VIII – Foi a C... quem verificou a avaria no veículo com a matrícula RS-..-.. e quem efectivamente realizou o reboque em discussão nos presentes autos, sem a oposição da Autora.

IX – Apenas a C... está em posição de esclarecer o sucedido relativamente aos factos alegados pela Autora, em especial os danos causados ao veículo e suas consequências.

X – Apenas a C... pode esclarecer a forma como o reboque foi feito e os danos que o veículo rebocado apresentava antes e depois do reboque.

XI – Foi a C... que realizou a peritagem aos danos do veículo seguro na sequência do sinistro de 20/06/2022, com a concordância da Autora.

XII – Foi com a E... que a Autora negociou uma eventual indemnização e única entidade a quem, logo após a ocorrência do sinistro de 20/06/2022, supostamente terá reclamado os danos decorrentes do sucedido.

XIII – Todos os factos alegados pelo Autor e que podem (ou não) eventualmente determinar uma obrigação de indemnização redundam na actuação da Autora e da C..., não na actuação da Ré.

XIV – A C... tem relação directa e essencial com a relação material controvertida e a Ré tem interesse atendível em chamar a C..., interesse esse que tem o seu corolário na descoberta da verdade material, e que deveria ser também a motivação primeira e última do Tribunal A Quo.

XV – Os princípios orientadores da actuação do Tribunal devem ser a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.

XVI – Pelo que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e o despacho proferido deve ser alterado por outro em que se determine o deferimento do incidente de intervenção principal de C..., S.A..

XVII – Face ao exposto, decidindo como decidiu, no despacho proferido, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 316º do CPC.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e o despacho proferido ser alterado por outro em que se determine o deferimento do incidente de intervenção principal de C..., S.A.»

c) Não foram produzidas contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca apenas da questão de saber se é admissível a intervenção principal provocada passiva da empresa C....

III. Fundamentação

a)  Factualidade processual relevante.

1 - Da petição da autora - B..., S.A.

1º Entre a autora, como tomadora de seguro, e a ré, como seguradora, esteve em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados por veículos, titulado pela apólice nº ...26, que tinha por denominação “Produto-frotas”. (doc. 1)

(…)

3º Para além das coberturas que, por lei são obrigatórias, o contrato consagrava outras coberturas, nomeadamente a cobertura de assistência em viagem.

(…)

9º Em 14 junho de 2022, a referida viatura encontra-se ao serviço da autora na área de Lisboa e avariou.

(…)

17º  No dia 20 de junho de 2022, uma empresa de reboques contratada pela ré e ao serviço desta procedeu ao carregamento da viatura propriedade da autora.

18º Os serviços de tal empresa foram determinados e solicitados pela Ré para quer viesse a cumprir uma obrigação que era sua. (artº 800, nº 1 do CC).

(…)

26º Ao passar no pórtico da portagem de Alverca, desse dia 20 de junho, a viatura da autora que era transportada no reboque embateu num dos seus pórticos.

27º Do embate resultou a sua queda para a rodovia e sua completa destruição.

(…)

Nestes termos e melhores de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e em consequência, condenar a Ré a pagar à autora, a quantia global de €. 45.694,50, a título de danos patrimoniais que lhe foram causados na sequência do acidente que resultou na destruição e inutilização da viatura, de que era proprietária, com a matrícula RS-..-.., quando era transportada por sua conta no cumprimento de uma obrigação que a si competia, bem como nos juros vencidos, calculados à taxa legal de 4%, no montante de €. 3.029,60, e nos que se vencerem até integral pagamento, calculados à mesma taxa legal e sobre a mesma quantia.»

2-  Da contestação

« II – INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA DE C...

, S.A.

(…) 47º Ora, na presente acção o que se discuta é a actuação e a responsabilidade da C..., S. A., pelo que é manifesto o interesse desta em intervir na presente acção, já que só esta está em posição de esclarecer o sucedido relativamente aos factos alegados pela Autora, em especial os danos causados ao veículo e suas consequências.

48º A única intervenção da Ré (através da D...) no processo de reboque foi solicitar os serviços da C..., S. A., desconhecendo todas as ocorrências posteriores, nomeadamente a forma como o reboque foi feito e os danos que o veículo rebocado apresentava antes e depois do reboque, uma vez que inclusive foi esta que realizou a peritagem aos danos do veículo seguro com a concordância da Autora e que com esta negociou uma indemnização.

49º A intervenção da C..., S. A. nos presentes autos constitui, no entender da Ré, pressuposto da apreciação material da pretensão da Autora.

50º Consequentemente, atento o supra exposto, requer-se que a C..., S. A. seja chamada a intervir na presente acção, enquanto interveniente principal, nos termos do art.º 316º do CPC, uma vez que esta tem um interesse igual ao da Ré, ou até superior.

51º  Sem prescindir, ainda que assim se não entenda, sempre deverá ser admitido o chamamento da C..., S. A., por via do art.º 321º do CPC.

52º Uma vez que por força do protocolo celebrado entre a C..., S. A. e a D... (para cumprimento das obrigações assumidas por esta junto da Ré), aquela assumiu a obrigação de indemnizar a D... (e por consequência a Ré), quando se comprove a existência de uma reclamação como a dos presentes autos, ocorrida por força do alegado incumprimento da prestação devida ou por qualquer acção negligente por parte da C..., S. A..

53º Assim, se à Ré vier a ser atribuída qualquer responsabilidade na ocorrência alegada, por incumprimento dos deveres inerentes à prestação do serviço de assistência de viagem, tal decorrerá da consideração de qua a C..., S. A. contribuiu para aquela ocorrência.

54º O que, por via do contrato celebrado entre a Ré e a D... e por via do Protocolo celebrado entre esta e a C..., S. A., faz nascer na esfera jurídica da Ré o direito de ser indemnizada pela C..., S. A., no montante em que vier a ser condenada.

55º Encontrando-se, assim, justificada e fundamentada a intervenção da C..., S. A., a qual desde já se requer, por via dos art.ºs 321º e ss. do CPC, por ser justificado o interesse da Ré, viável a sua pretensão e evidente a ligação entre as duas situações, sem, com isto, ser perturbado o normal andamento dos presentes autos.

Termos em que deve a acção ser julgada totalmente improcedente e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido.

Mais, deve ser admitida a requerida intervenção da C..., S. A., contribuinte n.º ...79, com sede em Rua ..., ... ... e ser citada para contestar, querendo, no prazo e sob a cominação legais, seguindo-se os ulteriores termos processuais.»

3 - A intervenção provocada acessória foi indeferida por despacho de 29 de janeiro de 2025.

b) Apreciação da questão objeto do recurso

A situação factual e sua repercussão processual é, resumidamente, a seguinte:

1 – A autora acionou os serviços de assistência em viagem para obter o transporte do seu veículo do local onde havia avariado para as suas instalações em ....

Estes serviços estavam contratualmente previstos no contrato de seguro que a Autora havia celebrado com a aqui Ré A....

No que respeita à assistência em viagem, a ré A... tinha celebrado um contrato de resseguro com a empresa D..., através do qual transmitiu todas as obrigações e responsabilidade assumidas por si junto dos seus segurados.

A empresa D..., por sua vez, tinha em vigor um protocolo com a empresa C..., S. A., para realizar os serviços de assistência em viagem.

A ré A... (segundo alegado no artigo 48.º da sua contestação), através da D..., solicitou os serviços, para reboque do veículo da Autora, à C..., S. A.

No decurso do transporte do veículo da Autora para ..., realizado pela empresa F..., ao passar debaixo de um viaduto, com altura insuficiente, o veículo embateu no viaduto, caiu do reboque e sofreu os danos cuja indemnização a Autora pretende obter da Ré.

2 – Coloca-se a questão de saber se face a estes factos a empresa C... pode ser chamada a intervir como parte principal ao lado da Ré.

Desde já se adianta, face à causa de pedir descrita na petição inicial, que a resposta é negativa.

Vejamos então.

Como resulta do disposto no artigo 311.º do CPC, «Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º».

Sublinha-se: «…em relação ao seu objeto…».

Assim, nos termos do n.º 1, do artigo 316.º do CPC, a intervenção principal pode dar-se «Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário…»; ou, então, nos termos do n.º 2, do artigo 316.º do CPC, «Nos casos de litisconsórcio voluntário...».

Como referiram os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora, «No litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida; na coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes» - Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, págs. 160-161.

No caso dos autos, a Autora demanda a Ré com base no contrato de seguro de assistência em viagem, isto é, a Ré A... obrigou-se perante a Autora a efetuar a assistência em viagem de que esta viesse a carecer.

Tendo ocorrido uma situação de assistência em viagem com um veículo seu, a autora solicitou a prestação inerente ao contrato, no caso, o reboque do veículo, claro está, sem lhe causar danos, sob pena de, causando-os, ser responsável pela respetiva indemnização.

Para cumprimento desta obrigação contratual, a Ré serviu-se de terceiros que, atuando por incumbência da ré A..., terão produzido os danos peticionados nos autos.

A Ré invoca um contrato de resseguro, mas, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril, «Salvo previsão legal ou estipulação no contrato de resseguro, deste contrato não decorrem quaisquer relações entre os tomadores do seguro e o ressegurador».

Por conseguinte, a Autora demanda a ré A... porque foi com esta que celebrou o contrato de seguro onde se inclui o serviço de assistência em viagem e foi no decurso do cumprimento deste serviço de assistência em viagem que os danos foram produzidos.

[Os serviços de assistência em viagem integrar-se-ão no seguro de assistência previsto no artigo 173.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, onde se diz que «No seguro de assistência o segurador compromete-se, nos termos estipulados, a prestar ou proporcionar auxílio ao segurado no caso de este se encontrar em dificuldades em consequência de um evento aleatório.» Ver acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.02.2009 no processo 510/06.6TBSEI.C1 (Jorge Arcanjo) e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.12.2022, no processo 325/21.1T8MAC.G1 (Fernanda Proença Fernandes)]

Ou seja, a causa de pedir invocada na presente ação consiste na existência deste contrato de seguro e danos provocados no decurso da execução da prestação contratual devida.

Resulta da factualidade supra descrita que a ré A... se serviu de terceiros para desempenhar e cumprir a obrigação contratual, pelo que os atos desse terceiro são-lhe diretamente imputados, como se tivessem sido praticados por si mesma, nos termos previstos no artigo 800.º do Código Civil, onde se dispõe, no seu n.º 1, que «O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor».

Quer isto dizer, que a atuação da empresa C..., face à casa de pedir invocada na ação pela Autora, que se funda no contrato de seguro e assistência em viagem, não mostra a existência de uma qualquer relação litisconsorcial entre a empresa C... e a Ré A..., por um lado, e a Autora, por outro.

A responsabilidade da empresa C... perante a Autora, como causadora de danos, assumirá natureza extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, por eventual violação do direito de propriedade da Autora, isto é, por danos causados no veículo da Autora.

Mas como a causa de pedir invocada na ação é o contrato de seguro onde está prevista a assistência em viagem, do qual a empresa C... não é parte, tal causa de pedir inviabiliza a intervenção da empresa C... a título principal, dado que não é viável a sua condenação nos autos com base na causa de pedir invocada, o mencionado contrato relativo à assistência em viagem.

Por outras palavras, como na intervenção principal passiva o interveniente é condenado, no caso, a ré C... só poderia ser condenada a título de responsabilidade extracontratual, mas não é essa a causa de pedir invocada na ação.

3 - Cumpre, pelo exposto, julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente.


*

Coimbra, …