Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
583/20.9T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INVENTÁRIO
MAPA DA PARTILHA
PASSIVO
FALTA DE ACORDO
OPERAÇÕES DA PARTILHA
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2068.º E 2097.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. - Em processo de inventário judicial, havendo diversos bens a partilhar, tal como passivo determinado, e não tendo os interessados acordado no sentido de esse passivo ser suportado apenas por algum ou alguns deles, deve a decisão determinativa da partilha – e o mapa dela decorrente – mostrar como distribuir, não apenas o ativo, mas também aquele passivo, com o pagamento a constar relativamente a cada um dos interessados responsáveis.
2. - O mapa da partilha materializa a divisão, sujeita a homologação na sentença dos autos de inventário, contendo enunciação do ativo e do passivo, da quota de cada interessado e do preenchimento do respetivo quinhão com bens (ou lotes de bens), e sendo a peça processual que concretiza os direitos de cada interessado, quanto aos bens que lhe serão atribuídos e a tornas a prestar/receber.

3. - No âmbito das operações da partilha, a inicial subtração do passivo ao ativo, com vista à determinação da massa ativa líquida, a ser objeto de divisão pelos quinhões/quotas, não impede a (subsequente) partilha/distribuição do passivo, não constituindo, por isso, a derradeira divisão deste entre os herdeiros uma duplicação na dedução do passivo.

4. - Na falta de acordo em contrário, o passivo, tal como o ativo, deve ser partilhado segundo um princípio igualitário, tendo em conta os direitos/posições hereditários em concurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Em autos de inventário judicial ([1]) para partilha do património hereditário, a que se procede por óbito de AA e de BB – óbito esse ocorrido em ../../2015 e ../../2018, respetivamente –, ambos com os sinais dos autos,

sendo Cabeça de casal CC e interessados, para além deste, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, e MM, todos com os sinais dos autos,

uma vez tramitado o processo, foi proferido, em 06/05/2023, despacho determinativo da forma da partilha – seguido da designação de data para conferência de interessados –, o qual tem o seguinte teor:

«A herança do inventariado AA (falecido a ../../2015, no estado de casado com BB, também inventariada, sem descendentes, nem ascendentes vivos, não deixando testamento ou qualquer outra disposição de última vontade) é integralmente atribuída ao seu cônjuge – artigos 2131.º, 2132.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), 2134.º, 2135.º, 2136.º e 2139.º, n.º 1, 2141.º e 2144.º, todos do Código Civil.

A herança da inventariada BB (falecida a ../../2018, no estado de viúva do inventariado, sem descendentes, nem ascendentes vivos, portanto, sem herdeiros legitimários – artigo 2157.º do Código Civil – não deixando testamento ou qualquer outra disposição de última vontade), divide-se em 3 partes iguais, por tantos serem os seus irmãos germanos – artigos 2131.º, 2133.º, n.º 1, alínea c), 2134.º, 2136.º, 2145.º e 2146.º, todos do Código Civil.

A parte que caberia a cada um dos seus 3 pré-falecidos irmãos é atribuída aos descendentes destes, por direito de representação, cabendo a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respectivo, procedendo-se do mesmo modo para o efeito da subdivisão, quando a estirpe compreenda vários ramos – artigos 2145.º, 2039.º, 2040.º, 2042.º, 2044.º e 2045.º do Código Civil.

A parte que caberia à sobrinha FF, falecida posteriormente, à data do óbito de sua tia casada sob o regime da comunhão de adquiridos, divorciada à data do seu decesso, é atribuída ao herdeiro desta, o seu filho, por direito de transmissão – artigos 2058.º, 2133.º, n.º 1, alínea a) e 2139.º, n.º 2 do Código Civil.

A sobrinha-neta MM, que atingiu a maioridade no ano de 2022, deixa de ser representada pela sua mãe, porquanto é agora detentora de plena capacidade jurídica e judiciária, passando a estar, por si, em juízo – artigos 129.º e 130.º do Código Civil e 15.º do Código do Processo Civil.» (destaques retirados).

Em 04/07/2023, teve lugar a conferência de interessados, tendo ali sido acordado:

- “(…) por unanimidade, que a totalidade dos bens relacionados – Verbas 1 e 2 do activo (apartamento e respectiva garagem) da relação de bens junta a fls. 63 – seja atribuída ao interessado HH, pelo valor global de €56.250,00, sendo o relativo à verba 1 (garagem) de €4.250,00 e o relativo à verba 2 (apartamento) de €52.000,00. Este interessado assumirá a dívida ao condomínio relativa a estas fracções que, em 01/06/2023, era no valor de €4.558,12.”;

- “Foi aprovado por unanimidade o passivo relacionado pelo interessado DD na relação a fls. 64 (Verba 1, pelo valor de €3.809,25, incluindo o IVA sobre o valor de €500,00 das despesas de avaliação; Verba 2, pelo valor de €3.694,25).

Foi também aprovado por unanimidade o seguinte passivo adicional:

Apresentado no acto pelo cabeça-de-casal:

- IMI de 2021, 2.ª prestação, paga em Novembro de 2022, €52,87;

- IMI de 2022, 1.ª prestação, paga em Maio 2023, €52,87.

Apresentado no acto pelo interessado DD:

- IMI de 2018, 2.ª prestação, paga em Novembro de 2019, €59,92;

- IMI de 2019, 1.ª prestação, paga em Maio de 2020, €56,40;

- IMI de 2019, 2.ª prestação, paga em Novembro de 2020, €56,40;

- IMI de 2020, 1.ª prestação, paga em Maio de 2021, €52,88;

- IMI de 2020, 2.ª prestação, paga em Novembro de 2021, €52,87;

- Devolução à Segurança Social Alemã do valor de €454,49, referente a prestação recebida indevidamente pela inventariada BB, paga pelo interessado DD;

No valor total de €732,96, conforme documentos 1 a 10 que se juntam.

Apresentado no acto pelo interessado GG:

- IMI de 2021, 1.ª prestação, paga em Maio de 2022, €52,88.” (destaques retirados).

Elaborado o mapa da partilha, com data de 11/09/2023 (cfr. ref. 104739504 e fls. 249 a 253 do processo físico), vieram os interessados DD e EE reclamar daquele mapa, pedindo, em conformidade, que ao interessado DD seja atribuído o valor total de € 20.493,85, correspondendo € 15.951,64 a título de tornas e € 4.542,21 a título de crédito sob[re] a herança, e à interessada EE o valor de € 15.951,64.

Não tendo sido deduzida oposição, sobre tal reclamação recaiu decisão de total indeferimento, datada de 15/12/2023, espelhando a respetiva fundamentação jurídica, para além do mais, a seguinte argumentação conclusiva:

«Em concreto quanto aos interessados reclamantes, o interessado HH terá de pagar € 15.951,64 a título de tornas ao interessado DD, sendo que o remanescente (até perfazer os € 17.695,49) será suportado pelos demais interessados, a título de pagamento do passivo. Por sua vez, o interessado HH terá de pagar € 13.153,28 a título de tornas à interessada EE, por ter o valor do passivo a ser suportado pelo quinhão desta (€ 2.798,36) sido compensado em conformidade.

Destarte, compulsado o mapa da partilha elaborado, constata-se que o mesmo não padece dos lapsos invocados na reclamação apresentada pelos interessados DD e EE. Com efeito, com as operações realizadas, não ficará pendente, para momento posterior, qualquer compensação de créditos – ou eventual confusão, nos termos do artigo 868.º do Código Civil – ficando a partilha resolvida no âmbito dos presentes autos, com transparência nos valores a haver e a pagar, relativamente a cada um dos interessados e em respeito pelo respectivo quinhão, pelos créditos havidos sobre a herança e pela responsabilidade, de cada quinhão e na respectiva quota, por conta do passivo apurado.».

Após o que, de seguida, foi proferida sentença homologatória da partilha, incidente sobre o dito mapa da partilha e nos moldes do mesmo constantes.

Inconformado, vem o interessado DD interpor recurso da sentença – por ela conter, a seu ver, “erro de cálculo quanto ao valor do quinhão hereditário” –, afirmando, assim, fazê-lo “da douta decisão (…) que indeferiu a reclamação aí apresentada pelo ora recorrente DD e interessada EE contra o Mapa de Partilhas e que homologou por sentença a partilha, a qual (…) enferma de lapso no cálculo quanto ao valor do quinhão que cabe ao recorrente e demais interessados, por o valor do passivo ter aí sido deduzido em duplicado ao activo» (destaques retirados).

É do seguinte teor o seu acervo conclusivo ([2]):

«1 - O presente recurso, vem interposto da douta decisão do Tribunal Recorrido datado de 15/12/2023 com a referência 105666825, que indeferiu a reclamação aí apresentada pelo ora recorrente DD e interessada EE contra o Mapa de Partilhas e que homologou a partilha por sentença, o qual salvo melhor opinião, enferma de lapso no cálculo do valor do quinhão que cabe ao recorrente e demais interessados, por o valor do passivo ter sido deduzido em duplicado ao activo.

2 - Conforme consta da relação de bens, do mapa de partilha e do douto despacho recorrido, a herança a partilhar é composta por duas únicas verbas.

3 - As duas únicas verbas da herança, foram na conferência de interessados realizada a 4/7/2023, por acordo, atribuídas ao interessado HH pelo valor global de € 56.250,00, tendo a verba 1 sido atribuído por € 4.250,00 e, a verba 2 por € 52.000,00.

4 - Na mesma conferência de interessados, foi ainda aprovado o passivo da herança no valor total de € 8.395,08, dos quais € 4.524,21 (€ 3.809,25 + € 732,96) são devidos ao interessado ora Recorrente DD, € 3.694,25 ao Interessado HH, € 105,74 ao Cabeça de Casal CC e € 52,88 ao Interessado GG.

5 - O activo da herança é do montante de € 56.250,00 e, o passivo do valor de € 8.395,08.

6 - Deduzido o valor do passivo ao activo, apura-se o valor liquido de € 47,854,92 (€ 56.250,00 - € 8.395,08 = € 47.854,92).

7 - O Recorrente DD tem direito a 1/3 da herança, a interessada EE tem direito a igual 1/3 da mesma, pertencendo o restante 1/3 aos demais herdeiros, o que confere o direito a cada uma destas partes, a receber na herança o valor correspondente a € 15.951,64 liquidos.

8 - Segundo consta do mapa de partilhas, e do douto despacho que o confirmou, ao recorrente apenas lhe foi atribuído na partilha o valor de € 13.153,28, tal como à interessada EE, e demais herdeiros no seu conjunto, tendo desta forma sido deduzido em duplicado o valor do passivo ao activo.

9 - Salvo melhor opinião, nos termos do artigo 2068 do C. Civil, a herança é responsável pelo pagamento do passivo, devendo o apuramento da parte de cada um dos herdeiros ser efectuado da seguinte forma:

Soma-se o valor total dos bens que compõem o activo, cujo o valor das duas verbas perfaz o montante total de € 56.250,00 e, apurado tal valor, deduz-se o passivo no montante de € 8.395,08, do que se apura um valor liquido de € 47.854,92.

Do valor liquido apurado de € 47.854,92, caberá ao interessado e recorrente DD o valor de € 15.951,64 correspondente a 1/3 da herança liquida e, à interessada EE igual valor de € 15.951,64 por ter igualmente direito a 1/3 do total da herança, cabendo igual valor aos demais interessados, sendo que em relação ao interessado DD sempre acrescerá o valor de € 4.542,21 referente ao passivo da herança por si pago.

10 - Pelo que, salvo melhor opinião, o douto despacho recorrido ao deduzir a quantia de € 2.798,36 aos € 15.951,64 a que o recorrente tem direito na herança, bem como igual montante à interessada EE e aos demais herdeiros no seu conjunto, efectuou uma duplicação da dedução do passivo ao activo.

11 - Pois o recorrente tem direito na herança a receber o valor liquido de € 15.951,64 acrescido do crédito que tem sob a herança de € 4.542,21, no valor total de € 20.493,21 e não de apenas € 17.695,49 como consta do douto despacho recorrido.

12 - Igualmente a interessada EE tem direito ao quinhão no valor de € 15.951,64 e os restantes herdeiros em igual montante no seu conjunto.

13 - Ao não decidir conforme supra descrito, foi salvo melhor opinião efectuada uma duplicação na dedução do activo ao passivo, violando-se desta forma o preceituado no artigo 2068 do C. Civil, devendo em consequência a douta decisão recorrida ser alterada nos termos aqui descritos e substituída por outra que ordene a rectificação do mapa de partilhas de forma a que ao ora recorrente seja reconhecido o seu quinhão no valor liquido de € 15.951,64, tal como em relação à interessada EE e aos demais herdeiros no seu conjunto, somando assim o direito que o recorrente tem a receber, o montante total de € 20.493,21.

Assim, se fará

Justiça».

Não foi oferecida contra-alegação de recurso.

Tal recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, regime assim fixado que foi mantido pelo Relator no TRC.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber, apenas, em matéria exclusivamente de direito, se, in casu, o valor do passivo foi deduzido em duplicado (com “erro de cálculo” e violação do disposto no art.º 2068.º do CCiv.) ao ativo da herança no interposto inventário judicial para partilha do património hereditário.

III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

O substrato factual e a dinâmica processual a considerar para decisão do recurso são os que constam do antecedente relatório, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

B) Aspeto jurídico do recurso

Da errada dedução em duplicado do valor do passivo ao ativo da herança

O Apelante impugna, como visto, a sentença proferida nestes autos de inventário judicial, seja na vertente em que foi indeferida a sua reclamação contra o mapa da partilha ([4]), seja na vertente da subsequente homologação da partilha.

Invocando violação do disposto no art.º 2068.º do CCiv., refere tal Recorrente ter havido erro de cálculo quanto ao valor do seu quinhão hereditário – e ao dos demais interessados, no âmbito a que todos têm direito –, por ocorrida errónea dupla dedução do valor do passivo ao ativo da herança.

Assim, esgrime que, deduzido, desde logo (à cabeça), nas tarefas de determinação, em concreto, da partilha, o valor do passivo ao do ativo total, com apuramento, por isso, do valor líquido do ativo a partilhar (montante de € 47.854,92, correspondente a € 56.250,00 - € 8.395,08), restava apenas ter em conta que cabe ao Apelante, em termos de participação na divisão do ativo, o montante de € 15.951,64, por correspondente a 1/3 da herança líquida (ativo), a que acresce o montante de € 4.542,21, referente ao passivo da herança por si pago (crédito seu sobre a herança).

E acrescenta que, do mesmo modo, também a interessada EE tem direito ao montante de € 15.951,64, e não menos.

Ou seja, nesta ótica, não devia – contrariamente ao que consta do mapa da partilha, com confirmação na decisão sob recurso – ter-se, depois da inicial dedução do passivo ao ativo, voltado a considerar esse passivo, em termos de também o partilhar, com imputação parcelar aos diversos interessados, o que determinou a diminuição do valor do quinhão do Recorrente para € 17.695,49 (em vez de € 20.493,21, a que considera ter direito) e o daquela EE para € 13.153,28 (em vez dos devidos € 15.951,64).

Por isso, entende que esta segunda imputação do passivo configura ilegal dedução em duplicado do valor desse passivo, em prejuízo do Apelante e da outra anterior reclamante.

O Tribunal recorrido, por sua vez, considerou que:

«(…) em sede de conferência de interessados, foi acordado o seguinte:

i) A atribuição da totalidade dos bens relacionados - Verbas 1 e 2 do activo da relação de bens em apreço - ao interessado HH, pelo valor global de € 56.250,00;

ii) A aprovação do seguinte passivo da herança (no valor global de € 8.395,08):

a. Crédito a favor do interessado DD, no valor de € 4.542,21;

b. Crédito a favor do interessado HH, na qualidade de herdeiro da interessada FF, no valor de € 3.694,25;

c. Crédito a favor do cabeça de casal CC, no valor de € 105,74;

d. Crédito a favor do interessado GG, no valor de € 52,88.

Do exposto resulta, assim, que a importância total do activo corresponde ao valor de € 56.250,00, sendo o passivo da herança o valor de € 8.395,08. Desta feita, o valor dos bens a partilhar, correspondente à diferença entre o activo e o passivo, traduz-se no valor de € 47.854,92.

Face ao valor dos bens a partilhar, alcança-se que o quinhão de cada um dos interessados DD e EE é de € 15.951,64 (1/3 de € 47.854,92), e que o quinhão do interessado HH é de € 3.190,33 (1/15 de € 47.854,92).

Tal coincide com o mapa da partilha elaborado, respeitando o preceituado no artigo 1120.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Todavia, importa, neste caso, considerar que o passivo da herança deverá ser liquidado pela própria herança, sendo os credores os próprios interessados, tal como supra exposto.

O passivo, independentemente a quem é devido, deverá ser suportado pelo quinhão de cada interessado, na respectiva quota – artigo 2068.º do Código Civil.

Deste modo, o quinhão do interessado HH deverá suportar o passivo na proporção de 1/15 de € 8.395,08, a que corresponde a € 559,67; e os quinhões dos interessados DD e EE deverão, respectivamente, suportar o passivo na proporção de 1/3 de € 8.395,08, ou seja, de € 2.798,36.

Concretizando, a parte que cabe:

i) Ao interessado HH corresponde a € 3.190,33 (de activo) e a € 559,67 (de passivo), a que corresponderia € 2.630,66 líquido;

ii) Ao interessado DD corresponde a € 15.951,64 (de activo) e a € 2.798,36 (de passivo), a que corresponderia € 13.153,28 líquido; e

iii) À interessada EE corresponde a € 15.951,64 (de activo) e a € 2.798,36 (de passivo), a que corresponderia € 13.153,28 líquido.

No entanto, no caso em apreço, e tal como já se teve a oportunidade de referir, os credores do passivo da herança são os próprios interessados. Assim, nos casos em que tal crédito (sobre a herança) é superior à quota-parte que o seu quinhão deve suportar a título de passivo, deve ser feita a respectiva compensação de créditos.

Tais operações encontram-se espelhadas no mapa da partilha elaborado.

Vejamos.

O quinhão do interessado DD corresponde a € 15.951,64. Não tendo tido quaisquer bens adjudicados, este valor deveria corresponder ao valor a receber a título de tornas. Todavia, terá de se considerar que o respectivo quinhão é responsável pelo pagamento de € 2.798,36 por conta do passivo. Mais se terá de considerar que o mesmo tem um crédito sobre a herança no valor de € 4.542,21 (que deverá compensar-se com o valor devido a título de passivo). Deste modo, e realizadas as pertinentes operações, a parte que cabe ao interessado DD corresponde a € 17.695,49 (€ 15.951,64 - € 2.798,36 + € 4.542,21).

Por sua vez, o quinhão da interessada EE corresponde a € 15.951,64. Não tendo tido quaisquer bens adjudicados, este valor deveria corresponder ao valor a receber a título de tornas. Todavia, terá de se considerar que o respectivo quinhão é responsável pelo pagamento de € 2.798,36 por conta do passivo. Deste modo, e realizadas as pertinentes operações, a parte que cabe à interessada EE corresponde a € 13.153,28 (€ 15.951,64 - € 2.798,36).

Por fim, o quinhão do interessado HH corresponde a € 3.190,33. Teve bens adjudicados no valor de € 56.250,00. Assim, deveria ter de pagar tornas aos demais interessados no valor global de € 53.059,67. Todavia, terá de se considerar que o respectivo quinhão é responsável pelo pagamento de € 559,67 por conta do passivo. Mais se terá de considerar que o mesmo tem um crédito sobre a herança no valor de € 3.694,25 (que deverá compensar-se com o valor devido a título de passivo e abatido, no remanescente, nas tornas a pagar aos demais interessados). Deste modo, e realizadas as pertinentes operações, por ser o único com bens adjudicados, será o interessado responsável por pagar as respectivas tornas, quanto aos quinhões em singelo, sendo que a responsabilidade do passivo deverá ser repartida por todos os interessados, na proporção dos respectivos quinhões, ainda que sem bens adjudicados, nos moldes expostos no mapa da partilha realizado.».

Não convencido, o Recorrente insiste na existência de uma ilegal – e prejudicial – duplicação na dedução do passivo ao ativo (dupla imputação), em violação do dito preceito do art.º 2068.º do CCiv..

Vejamos.

Dispõe este preceito da lei substantiva (em matéria de “Encargos da herança” e sob a epígrafe “Responsabilidade da herança”):

«A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.».

Trata-se, então, da «menção completa das obrigações que recaem sobre os bens deixados pelo falecido» ([5]), sabido, nessa senda, que “Pelos encargos da herança é directamente responsável, nos termos dos arts. 2068.º e 2069.º do Código Civil, a massa patrimonial que constitui a herança”, tudo numa “tónica objectivista” como “reflexo da autonomia patrimonial da herança e do seu caráter de universalidade de direito”, mormente “no caso de herança indivisa”, “um património autónomo directamente responsável (art. 2097.º do CCiv.)” ([6]), quadro em que não surpreende “que o art.º 2097.º claramente estipule que «os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos». Ou seja, respondem todos e cada um dos bens da herança, como universalidade (…)” ([7]).

Relativamente à organização do mapa da partilha ([8]), explica Lopes Cardoso ([9]) haver “três aspectos a considerar”, desde a (i) determinação da importância total do ativo, passando pela (ii) determinação da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, até ao (iii) preenchimento das quotas. O primeiro daqueles aspetos reporta-se «à prática de duas operações:

I Soma dos valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas;

II Dedução a essa soma das dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos».

Assim se encontra – sabido sempre que “o passivo da herança funciona independentemente do activo da mesma” ([10]) – o ativo líquido a partilhar, tendo em conta que todo o passivo da herança constitui um valor negativo que tem de deduzir-se aos valores positivos que a constituem, também para responsabilizar os herdeiros pelo seu pagamento e na devida proporção e para fixar concretamente aquilo que cada um recebe na verdade ([11]).

É esse ativo líquido que importa para o preenchimento da quota ou quinhão de cada um dos herdeiros, na parte em que se pretende partilhar/dividir o património/ativo.

Mas também o passivo haverá, do mesmo modo, de ser partilhado/distribuído, na falta de acordo em sentido diverso – no caso inexiste um tal acordo (quanto ao passivo que agora importa, no montante total aludido de € 8.395,08).

Ou seja, na falta – como in casu – de acordo em contrário ([12]), o passivo aprovado deve ser submetido às mesmas regras da partilha do ativo (divisão entre os herdeiros, na proporção das respetivas quotas, com recurso, se necessário, a compensação de créditos).

A tal em nada obsta, salvo o devido respeito, a operação inicial de subtração do passivo ao ativo, visto que nesse momento inicial das operações tendentes à partilha o que se procurava era somente determinar o dito ativo líquido, o valor total dos bens/ativos a partilhar, para cálculo das posições ativas a que são chamados os herdeiros e decorrente preenchimento dos seus quinhões.

Operada a inicial dedução (abatimento/subtração) do valor do passivo, encontrado está o valor global a atender para a partilha do ativo e preenchimento dos respetivos quinhões: apurada a importância total do ativo, segue-se a determinação da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, de molde a apurar quanto cabe a cada interessado no montante global e a fazer a destrinça desse quantitativo com referência a cada espécie de bens ([13]).

Mas como é a herança que responde pelo passivo, também o valor global deste tem de ser submetido à partilha, em operação subsequente à inicial dedução de valores passivos (uma não impede a outra).

Havendo passivo aprovado e inexistindo acordo em sentido diverso, esse passivo tem de ser partilhado/distribuído entre os interessados, do mesmo modo que o ativo.

Com efeito, importa proceder ao preenchimento de cada quota ou quinhão, de acordo com um “princípio igualitário” ([14]), seja quanto ao que compõe a massa do ativo, seja quanto ao passivo.

Se é certo poderem os interessados acordar “em diferentes formas de pagamento do passivo”, caso em que no mapa da partilha “cumpre observar o que ficou deliberado a tal respeito, considerando-se ainda que pode ficar a cargo de algum ou alguns dos herdeiros”, seguro é também – reitera-se – que nada os aqui interessados acordaram no sentido de o passivo em questão ser suportado apenas por algum ou alguns deles, devendo, por isso, a decisão determinativa da partilha mostrar também como distribuir o passivo, com o pagamento a “constar em relação a cada um dos interessados responsáveis” ([15]).

Em suma, não se vê, com todo o respeito devido, que tenha havido no caso uma duplicação de dedução do passivo ao ativo, razão pela qual também não se pode acompanhar a argumentação do Apelante no sentido de ter ocorrido erro de julgamento e/ou violação do disposto no art.º 2068.º do CCiv..

Donde, pois, a improcedência da apelação.

Finalmente, em matéria de custas do recurso, vale a regra do decaimento, a que alude o art.º 527.º, n.º 1, do NCPCiv.: as custas da apelação serão suportadas pelo Recorrente, que ficou vencido no âmbito recursivo.

***

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo Recorrente, atento o seu decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).


Coimbra, 07/05/2024    

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Carlos Moreira

Luís Cravo


([1]) Mas que tiveram início/origem em cartório notarial.
([2]) Que se deixa transcrito, com destaques retirados.
([3]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Reclamação também deduzida pela interessada EE.
([5]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 117.
([6]) V. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1990, ps. 109 e seg.. O Autor esclarece que «os herdeiros vêm a ser responsáveis pelos encargos da herança apenas porque titulares dessas massas patrimoniais autónomas e por isso mesmo a sua responsabilidade não se processa ultra vires hereditatis (art. 2071.º do CCiv.)» (cfr. ps. 110-111).
([7]) Cfr. p. 114. No mesmo sentido, João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, ps. 126 e seg., aludindo a “um património autónomo, de afectação especial, pelo que somente o seu activo, e não o património do herdeiro, responde pela satisfação das respectivas dívidas”.
([8]) Como referem Abrantes Geraldes e outros, o «mapa da partilha constitui a peça que materializa a divisão que será sujeita a sentença de homologação», configurando um “documento-síntese” que se decompõe «em três elementos: enunciação do ativo e do passivo (…); indicação da quota de cada interessado, tendo por base a forma à partilha anteriormente fixada (…); preenchimento dos quinhões de cada interessado com bens ou lotes de bens. Concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado (…); corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos (…)», sendo «uma operação de natureza essencialmente aritmética» – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, ps. 642 e seg..
([9]) Partilhas Judiciais, cit., p. 457.
([10]) Vide Capelo de Sousa, op. cit., p. 157.
([11]) Cfr. Partilhas Judiciais, cit., p. 460, enfatizando-se que a “forma do pagamento” do passivo “em nada influi no seu abatimento”, sendo que, se o passivo foi aprovado por unanimidade, “cumpre deduzi-lo ao activo na primeira parte das operações em que o mapa da partilha se desdobra”.
([12]) Com efeito, o interessado HH apenas se responsabilizou – havendo, pois, acordo nesse sentido – quanto a (outro) passivo pelo seguinte modo: «Este interessado assumirá a dívida ao condomínio relativa a estas fracções que, em 01/06/2023, era no valor de €4.558,12.”;».
([13]) Cfr. Partilhas Judiciais, cit., p. 463.
([14]) Vide Partilhas Judiciais, cit., p. 465. Assim sendo, a “partilha supõe igualdade e é mister fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau” (cfr. p. 468), sem esquecer que, no mapa da partilha, “não se faz unicamente a distribuição do activo pelos interessados; determina-se ainda a parte que a cada um deles compete no pagamento do passivo” (p. 490).
([15]) Partilhas, cit., ps. 490-491.