Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA NULIDADE ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/08/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | SÁTÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS.220, 286, 289, 236, 237, 410, 875, 1340 CC | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. Um contrato formado pela “manifestação de interesse” em comprar um lote de terreno (segundo termos concretizados) seguido de uma “deliberação” de vender, sem ter sido formalizado por escritura pública é um contrato de compra e venda inválido por falta de forma e não um contrato-promessa (embora possa vir a ser convertido neste). II. O que interessa na pretensão da acessão é esta e não o valor que se pretende pagar (ou seja, este não constitui limite da sentença para efeitos do art. 661º/1 do CPC). III. O valor a pagar pelo terreno, no caso do art. 1340º/1 do CC, é o valor dele à data da incorporação, actualizado de acordo com a inflação entretanto verificada (IPC do INE), e não o valor actual. IV. A aquisição por acessão tem natureza potestativa (depende de declaração de vontade do beneficiário da acessão), estando dependente do pagamento da “indemnização”. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
O Município de Sátão representando pela Câmara Municipal de Sátão, intentou a presente acção contra J (…) e mulher D (…) residentes em Sátão, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe 18.180€ acrescidos de juros à taxa legal, após a citação e até efectivo pagamento. Alega para tanto que em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote de terreno do Município com 3636 m2, e a Câmara deliberou ceder ao réu o lote de terreno, a 50$ o m2; o réu não pagou o preço acordado e em 03/04/2008 ainda não o tinha feito, apesar de por diversas vezes ter sido instado a fazê-lo, o que sucedeu devido ao facilitismo que a edilidade de então permitia; então a Câmara tentou chegar a acordo com o réu, para que fosse pago o preço a 5€ [= 1.002,41$] o m2; como não conseguiu chegar a acordo com o réu, deliberou fixar o preço neste valor, tendo em conta os índices de inflação dos últimos 19 anos e solicitou ao réu o pagamento deste preço (que é o valor pedido nesta acção), mas o réu não o paga (dizendo que não se negou a pagar o que deve, uma vez que só deve no dia em que lhe fizerem os documentos; o que não é verdade, diz a Câmara, sendo que quando o réu lhe pagar, outorgará a respectiva escritura de compra e venda); propôs a acção também contra a mulher, porque o réu, aquando da compra do terreno, já era casado com ela, no regime de comunhão de adquiridos e porque o casal vive dos rendimentos da actividade do réu. O réu contestou, alegando, em suma, que nunca foi acordado pelas partes ou fixado pela Câmara qualquer prazo para a realização da escritura do contrato de compra e venda (que não pôde ser feita de imediato por falta de legalização do lote) e pagamento do preço [906,81€ = 3636 m2 x 50$], sendo a alteração do preço acertado do aludido lote de terreno uma atitude unilateral da Câmara; e excepcionou a ilegitimidade da ré, dizendo que estava separado judicialmente de pessoas e bens dela. Mais deduziu pedido reconvencional, onde peticionou que fosse reconhecido o direito de propriedade do mesmo sobre o aludido lote de terreno por usucapião ou, se assim não se entender, por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor [estipulado] do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€. O Município respondeu, defendendo a improcedência das excepções que viu deduzidas na contestação, entre elas a da ilegitimidade da ré, bem como da reconvenção (e volta a dizer que está disposto a outorgar na escritura de compra e venda – na reclamação contra a base instrutória, mais à frente, invocará o disposto nos arts. 878 e 879 do CC, normas do CC que se inserem no regime jurídico do contrato de compra e venda). No saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da ré. Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção improcedentes e absolvendo as partes dos pedidos contra elas formulados. O autor recorreu desta sentença – para que seja substituída por acórdão que julgue provada a acção, condenando os réus a pagar ao autor os 18.180€ - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: O réu não contra-alegou. Também o réu recorreu desta sentença – para que seja substituída por outra que reconheça o direito do réu em adquirir para si o lote de terreno em apreço pelo valor que ele tinha à data da incorporação das obras, devidamente actualizado de acordo com os coeficientes publicados pelo INE, nos termos da Portaria 785/2010 de 23/08 - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: O autor apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência deste recurso. * Questões que importa decidir: se os quesitos 1 e 2 devem ser considerados pelo menos em parte provados; se não há razões para falar em contrato-promessa e em execução específica do mesmo, ou seja, se a sentença não devia ter enquadrado os factos nesses termos; neste caso, em que termos é que os factos deviam ter sido enquadrados e quais as consequências, designadamente para a pretensão do pagamento do preço que o autor diz ser de, actualizado, 18.180€; por fim, a questão de saber se deve ser declarado que o réu adquiriu o lote por acessão, com condenação no pagamento do valor do lote, mesmo que o valor do lote seja superior ao valor que o réu queria dar por ele. I Quanto aos factos: (…) * São, assim, os seguintes os factos que estão provados: Do contrato celebrado pelas partes A sentença recorrida faz a aplicação das normas que cita e chega à conclusão de que não existe o contrato de compra e venda sugerido pela petição inicial e de que o que se tratou foi de um contrato-promessa de compra e venda. O Município pretende que não sugeriu a existência de qualquer contrato de compra e venda (: “em parte alguma do seu articulado o autor alega factos que possam inculcar tal entendimento”!) e também que a situação não corresponde a qualquer contrato-promessa. Diz simplesmente que existe um crédito do Município contra o réu. O Município não tem razão. Se invoca um crédito tem que dizer qual é a fonte dele. O crédito não nasce do nada. E o Município nos seus articulados é claro quando fala em compra e venda, posição que, aliás, é também assumida pelo réu (que fala em contrato, escritura de compra e venda, compradores, preço acertado com os compradores, etc). De qualquer modo, veja-se o que a sentença diz para afastar o contrato de compra e venda: Ou seja, a sentença considera que não há contrato de compra e venda porque esta não foi celebrada por escritura pública. O que equivale a dizer que para a sentença a situação de uma compra e venda nula por falta de forma não existe. Ora, como não é assim (veja-se o art. 220 do CC e, para já e apenas como exemplo, Antunes Varela, CC anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, págs. 18 e 19: “se o acto é nulo por vício de forma, como se, por exemplo, se compra um prédio por escrito particular, ou verbalmente…”) e como isto é tudo o que a sentença apresentava como fundamento para a conclusão da inexistência do contrato de compra e venda, pode-se desde já dizer que a conclusão está errada. E para considerar que o que existe é um contrato-promessa a sentença recorrida diz o seguinte: Ou seja, a sentença dá como existente um contrato-promessa, apenas fazendo apelo à noção que retira do art. 410º/1 do CC e concluindo que o autor prometeu vender e o réu obrigou-se a comprá-lo. Não diz, nem explica, apesar de ter feito apelo aos princípios da interpretação dos negócios jurídicos, onde é que vê, nos factos provados, a promessa de venda ou a promessa de compra. Posto isto: Na sua tese sobre A conversão dos negócios jurídicos civis, Carvalho Fernandes (Quid Juris, 1993, págs. 241 a 243) explica que: Depois, em nota expõe a proposta de um autor alemão para estabelecer a diferença: o recurso à distinção entre situações de facto (“Tatbestand”) do negócio e pressupostos de eficácia. E diz: Mais à frente continua no texto: Assim, no que isto tem de relevo para o caso, importaria saber se existe algum facto que permita considerar que o Município e o réu não se quiseram vincular desde logo (apesar de este ter “manifestado interesse” na aquisição e aquele ter deliberado vender, estando todos os elementos do negócio já concretizados, como se vê até do facto de ambos estarem de acordo com o facto de o preço estipulado ser de 50$), reservando esse efeito para o momento em que fosse feita a escritura pública. Ora, tal facto não existe. Os factos provados com relevo para a decisão desta questão são os seguintes [factos F), H) e I)]: O município deliberou alienar os lotes ao preço de 50$ o m2 à data, ou seja: fins de 1989 e princípios de 1990; em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote com a área de 3.636 m2 à Câmara; nesse sentido a Câmara deliberou, na sessão ordinária de 17/08/1989, ceder ao réu o lote de terreno n.º 4 e com a área de 3.636 m2 para a instalação de uma indústria, nas condições normais em que cedia os vários lotes, aos diversos interessados, ou seja a 50$ o m2. Não há aqui, provado, qualquer facto que permita concluir, no caso, pela existência de um compromisso das partes em virem a contratar, no futuro, uma compra e venda. As partes não se obrigaram a contratar no futuro (utilizam-se os termos de Calvão da Silva, Sinal e Contrato-promessa, 11ª edição, Almedina, 2006, pág. 25), contrataram logo E também não há, provado, qualquer facto que permita concluir pela intenção das partes em virem a formalizar, mais tarde, o contrato, e de só então se considerarem vinculadas. Aliás, como o contrato-promessa é um contrato completo (“um contrato verdadeiro e auto-suficiente, não obstante a sua natureza preparatória e instrumental, como diz Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil - pareceres, Almedina, 1996, pág. 55”), a sentença ao considerar que existe um contrato-promessa, não podia deixar de ter como existente, naqueles factos, um contrato completo (embora ainda inválido por falta de forma). Ainda como diz Calvão da Silva, obra citada, pág. 54: “a distinção entre negociação e conclusão de um contrato-promessa põe-se exactamente nos mesmos termos em que se coloca para um contrato definitivo, obedecendo ao mesmo critério, o critério do respeito pela vontade das partes: apurar se estas se não vinculam ainda ou se vinculam já ao conteúdo definido”. Mais ainda, se a sentença diz que não há contrato de compra e venda porque não foi feita a escritura, não se percebe porque é que diz que existe contrato-promessa… nulo por falta de forma. São posições incompatíveis. Se, para a sentença, a forma é condição da existência de um contrato, essa conclusão, seja a nulidade de conhecimento oficioso ou não, tem de valer quer para o contrato definitivo quer para o contrato preliminar. Em suma: existe um negócio (compra e venda) completo mas inválido por falta de forma, susceptível de conversão em contrato-promessa, mas não perante um contrato-promessa. Como diz Carvalho Fernandes, a invalidade do negócio emergente de vício de forma é um dos domínios de aplicação clássica do instituto da conversão (pág. 268 da obra citada) e um dos exemplos clássicos de convertibilidade do negócio nulo por vício de forma é o que se traduz em lhe atribuir o valor de um negócio preliminar correspondente (de que anteriormente tinha dado como exemplo o contrato-promessa) (pág. 269 da obra citada). E mais à frente (págs. 823 a 825) trata precisamente da conversão do contrato de compra e venda nulo por falta de forma em contrato-promessa (veja-se também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 592). Assim, perante estes factos o que existe é uma proposta de compra, por parte do réu, feito com base nos dados da deliberação anterior do Município, proposta que foi aceite pelo Município, o que corresponde a um contrato de compra e venda sem a forma especial exigida pela lei. Não há qualquer prova de que as partes só se tivessem querido vincular mais tarde, quando formalizassem o negócio. Venda nula, por falta de forma legal que poderia, eventualmente (se ainda se provasse que a proposta do autor tinha sido reduzida a escrito particular, já que a proposta verbal não permitiria a conversão – neste sentido veja-se Carvaho Fernandes, obra citada, pág. 824 e Mota Pinto, TGDC, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, págs. 640 e 641) ser convertida em contrato-promessa de compra e venda, se tal tivesse sido pedido por alguma das partes no contrato [Carvalho Fernandes, obra citada, págs. 351 e segs, especialmente págs. 352 e 353, ensina que a convertibilidade do negócio tem que ser arguida por quem seja interessado na sua actuação, ou seja carece de ser invocada por quem dela pretenda valer-se, não operando por si (ipso iure)], inclusive com posterior execução específica do contrato-promessa (Carvalho Fernandes, obra citada, pág. 825). Ou seja, no fundo, a sentença escolhe a solução prática que parece a mais correcta para a situação, e que poderia ser a adoptada, se as partes o tivessem querido. Mas o juiz não se pode substituir às partes na escolha da via prática que melhor corresponde à situação de facto. A qualificação pode-a fazer, mas já não a escolha dos efeitos práticos que elas visam [vejam-se os dois acórdãos do STJ relatados por Lopes do Rego, de 05/11/2009, publicado sob o nº. 308/1999.C1.S1: 2. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, e o de 25/02/2010, publicado sob o nº. 399/1999.C1.S1: a qualificação jurídica que a parte realiza quanto à pretensão de tutela processual que deduz não impede que o tribunal possa reconfigurar adequadamente tal pretensão, dando-lhe a adequada configuração jurídico-normativa, suprindo ou corrigindo o erro de direito da parte na formulação jurídica do pedido que deduz: como temos sustentado (veja-se o ac. do STJ de 05/11/2009, proferido no proc. 308/ 1999.C1.S1): o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo este fenómeno que permite compreender, por exemplo, que seja lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (cfr, por exemplo, o acórdão uniformizador 3/2001, de 23/1/2001)]. Ora, como um contrato de compra venda composto de uma declaração que não se prova estar escrita (do réu) e de uma deliberação escrita (da Câmara), não observa a forma legal então em vigor (a escritura pública: art. 875º do CC), tal contrato é nulo (art. 220º do CC) e, sendo tal nulidade de conhecimento oficioso (art. 286º do CC), impõe-se que assim seja declarado, pelo que a pretensão do autor, de que lhe seja pago o preço acordado (mas actualizado) nesse contrato, não pode proceder. Note-se que no caso não há qualquer pedido de restituição, pelo que o assento do STJ 4/95, no DRI de 17/05/1995 (Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289º do Código Civil) não pode ser aplicado a esta declaração de nulidade (veja-se neste sentido o já citado ac. do STJ de 05/11/2009, publicado sob o nº 308/1999.C1.S1 da base de dados do ITIJ: 3. Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº 1 do art. 661º do CPC). Assim, embora por fundamentos diversos, improcede a pretensão do autor e as restantes conclusões do recurso do mesmo contra a sentença recorrida, que se mantém, com o acrescento de que se declara nulo o contrato celebrado entre autor e réu. III Do recurso do réu: Da acessão industrial imobiliária: Disse a sentença quanto a esta questão: Compare-se: o réu deduziu pedido reconvencional, onde peticionou subsidiariamente [e neste recurso não põe em causa a improcedência do pedido principal] que fosse reconhecido o direito de propriedade do mesmo sobre o aludido lote de terreno por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor [estipulado] do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€. Agora [neste recurso] o réu quer que se lhe reconheça o direito de adquirir para si o lote de terreno em apreço pelo valor que ele tinha à data da incorporação das obras, devidamente actualizado de acordo com os coeficientes publicados pelo INE, nos termos da Portaria 785/2010 de 23/08, ou seja, segundo diz, com o coeficiente de desvalorização de 2,30 que, aplicado ao valor de 906,81€ dá 2.085,66€. Apesar desta evidente diferença entre o pedido na reconvenção e o que o réu agora defende, o réu nada diz contra o argumento jurídico-processual invocado pela sentença, de que não podia dar procedência à reconvenção por força do art. 661/1 do CPC, pois que deste modo estaria a condenar em mais do que o “pedido”. Seja como for… IV Se o valor pedido pelo réu é limitativo do valor a fixar pelo tribunal: A sentença diz que sim e invoca o disposto no art. 661º/1 do CPC. A sentença, no entanto, invocou uma série de jurisprudência e o réu refere que, tendo em conta essa jurisprudência, o valor podia ser actualizado, sugerindo que a tal não obstava o valor por ele concretizado no pedido, mas sem dizer porquê. Vão-se passar a analisar todos os acórdãos citados pela sentença recorrida, para se fazer uma ideia do que tem sido decidido, para já apenas quanto a este aspecto. 1 O caso do ac. do STJ de 18/12/2007 (07A4132 da base de dados do ITIJ): 2 O caso do acórdão do STJ de 06/07/2006 (05A4270 da base de dados do ITIJ): O caso do ac. do STJ de 10/02/2000, publicado sob o nº. 99B1208 da base de dados do ITIJ (e também no BMJ 494, pág. 347 e segs): 4 O caso do ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96I, pág. 129 e segs (com sumário na base de dados do ITIJ sob o nº. 087676): 5 O caso do ac. do TRC de 22/11/2005, publicado sob o nº. 3204/05 da base de dados do ITIJ: 6 O caso do acórdão da Relação do Porto de 27/11/2008 (0836816 da base de dados do ITIJ): 7 O ac. do TRC de 31/01/2006 (3659/05 da base de dados do ITIJ): * De todos estes casos resulta que nunca se considerou relevante, para este efeito, o valor indicado pelos pretendentes do funcionamento da acessão. Em quase todos os casos o valor fixado afinal pelo tribunal ultrapassou o valor referido pelos pretendentes da acessão. Em vários casos o pretendente da acessão nem sequer referiu qualquer valor. E noutros casos apenas referiu que pretendia a aquisição por acessão, pelo valor que viesse a ser fixado. De tudo isto resulta que o que está em causa num pedido de aquisição por acessão é este pedido, sendo irrelevante, para o efeito, que se refira algum valor em concreto como sendo o valor a pagar pela acessão. O valor que o pretendente da acessão terá que pagar é aquele que vier a ser apurado em julgamento ou o que vier a ser liquidado em momento posterior à sentença. Assim, o valor eventualmente indicado não serve de limite a ser respeitado pelo tribunal. Pelo que a sentença não tem razão em considerar improcedente o pedido apenas porque o valor referido pelo réu no seu pedido, era inferior, necessariamente, na lógica dos considerandos da sentença, ao valor que ele teria de pagar para o adquirir por acessão. V Não estando discutidos os pressupostos do direito de acessão – o autor não os discute em recurso ou nas contra-alegações ao recurso do réu -, ou seja, não estando discutida a sentença quando considera que todos eles se verificam, fica agora por resolver qual o valor a pagar pelo réu pela aquisição, por acessão, do lote de terreno em causa. VI Antes de prosseguir importa no entanto dizer que a afirmação da sentença recorrida de que: é uma afirmação que corresponde a jurisprudência quase unânime (e mais à frente serão citados alguns acórdãos nesse sentido) mas que é muito contestada por parte da doutrina. Por exemplo, Carvalho Fernandes, no seu estudo sobre a Aquisição do direito de propriedade na acessão industrial imobiliária, publicado nos Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. I, págs. 637 a 665, não aceita como boa a ideia de que o que releva é o valor da parte do prédio em que a incorporação foi feita (ver págs. 644 e 663/664 – também os estudos de Rui Pinto Duarte, citados abaixo, não aceitam esta posição – ver, do de 2002, a parte inicial da pág. 206, e, do de 2004, as reservas que vão surgindo pontualmente, para além das lições do autor, segundo diz Carvalho Fernandes, que também cita um autor que defende o contrário). A questão, no caso, no entanto, não tem interesse no caso dos autos, visto que o terreno em causa é um lote delimitado pela própria Câmara, a proprietária de todo o prédio, necessariamente que com observância de todos os formalismos legais que poderiam ser postos em causa na tese seguida (veja-se, de algum modo conexo com estas questões, o ac. do STJ de 03/12/2009, publicado sob o nº. 1102/03.7TBILH.C1.S1: 2. Oposta à pretensão do reivindicante contra-direito, fundado em invocada acessão industrial imobiliária, o pedido reconvencional deduzido só pode proceder se, para além do preenchimento dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão, não implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, as quais, visando proteger interesses de ordem pública, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, também os Tribunais. 3. Não pode considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos réus por se tratar de elemento constitutivo do direito de que se arrogam, de que a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento). VII Qual então o valor a pagar pelo lote? A posição da doutrina: Quirino Soares, no seu artigo sobre Acessões Benfeitorias, publicado na CJ.STJ96.I, págs. 11 e segs, especialmente págs. 24 e segs defende que: Este autor aborda ainda, aqui, a questão da distribuição da eventual mais valia contida no valor acrescentado (o conceito deste tinha sido explicado antes, a págs. 22/23): A posição deste autor é pois clara e coerente: o valor da indemnização é o valor que o prédio tinha antes das obras, isto é, à data da incorporação, com actualização monetária reportada à data da decisão final. Note-se: para efeitos da indemnização [para efeito de verificação do pressuposto valor acrescentado a questão é outra], não se trata, nesta concepção, de calcular o valor actual do prédio, mas de actualizar monetariamente o valor que ele tinha à data da incorporação. O prédio actualmente pode valer 20.000€, por variadíssimas razões. Ou pode valer só 100€. Tal não interessa. O que interessa é o valor que o prédio tinha à data da incorporação, por exemplo de 1.000€. Este valor é actualizado monetariamente, de acordo com os índices de inflação, o que pode levar à multiplicação, por exemplo, por 177% com o resultado de 1.770€. São pois resultados muito diferentes com base em formulações que terminologicamente podem parecer idênticas. A situação é um pouco diferente, para quem seguir a tese de Antunes Varela (mas veja-se, contra, a nota 618, pág. 374, da obra citada já a seguir de Júlio Gomes, a defender a posição contrária à de Antunes Varela, ou seja, sendo antes favorável à de Quirino Soares/Oliveira Ascensão), se for introduzida a questão da mais valia contida no valor acrescentado pela incorporação, mas essa questão tem de ser introduzida pelas partes, em termos coerentes [e tem que ser por elas sustentada em termos coerentes, designadamente nos recursos] que têm que alegar os factos necessários, designadamente para se apurar se se trata de uma mais valia (que assim, na tese de Antunes Varela, poderá relevar) ou se trata de o terreno ter passado a ter actualmente mais valor por causas que nada têm a ver com a incorporação (por exemplo: estradas construídas por outrem que não o incorporador… - e então, mesmo na tese de Antunes Varela, não poderá relevar para o valor a pagar). * Júlio Gomes, no seu O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, UCP, Porto, 1998, para além de muitas outras questões, discute a questão das mais valias (págs. 352 e 354), seguindo a posição de Oliveira Ascensão: o lucro ou o valor acrescentado pertence ao beneficiário da acessão, o que resulta das, entre outras, expressões utilizadas pela lei: “valor que tinham ao tempo da incorporação” (art. 1340º/3), “valor que o prédio tinha antes das obras…” (art. 1340º/1). O autor, mais à frente volta à questão (nota 618 – pág. 374) concordando com a posição de Quirino Soares quando sustenta que o valor a pagar ao autor da incorporação é apenas o valor da obra e não mais, mesmo que o valor acrescentado seja superior (posição contrária, como lembra, à de Antunes Varela), acrescentando: afigura-se-nos que o lucro da intervenção, o valor acrescentado (e todo ele) é reservado por lei ao beneficiário da acessão (salvo na hipótese de licitação prevista no nº. 2 do art. 1340º/1 do CC). Por outro lado, este autor, que adere à tese de que a acessão tem um carácter automático contra a tese do direito potestativo de aquisição (o que discute de págs. 354 a 367), lembra (nota 604 – págs. 362 a 363) que à tese da aquisição automática tem estado ligada, na jurisprudência, uma indemnização reportada ao valor no momento da incorporação (ac. do STJ de 25/03/1996, publicada na CJ.STJ96.I, págs. 153 e segs) e à tese do direito potestativo tem estado ligada [mas nem sempre – parenteses deste ac. do TRC] uma indemnização que atende ao valor do bem acedido nesse momento (por exemplo, o ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96.I, págs. 129 e segs). Ou seja, sob terminologia semelhante têm estado a ser assumidas posições muito diversas. Como se verifica no caso da sentença recorrida, em que são invocados, todos no mesmo sentido, vários acórdãos que têm posições diametralmente opostas. Mas a verdade é que aquela ligação (= direito potestativo => valor actual; aquisição automática => valor à data da incorporação) não é necessária, como se vê da posição seguida por Oliveira Ascensão e por Quirino Soares, que entendem que a aquisição por acessão, no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC é potestativa (do último autora, veja-se a pág. 22, 2ª coluna do estudo já citado – posição que reforça no seu artigo publicado nos CDP, nº. 12, Out/Dez 2005, esp. págs. 8 e segs) mas continuam a entender, e coerentemente, que o valor que importa é o valor antigo, à data da incorporação (embora, pelo menos segundo Quirino Soares, actualizado). Por fim, Júlio Gomes também concorda que quanto ao montante a restituir (obrigação de “indemnização” – o autor explica na nota 609 – e nas págs. 368 e segs - a razão porque prefere a outra expressão…) se trata de uma dívida de valor, como o afirmou o ac. do TRC de 07/06/1988 (CJ88.III, págs. 86 e segs): no cálculo do valor a pagar deve […] atender-se ao estado do prédio no momento em que o art. 1340º do CC indica, mas pelo valor do momento em que o pagamento é realizado (invocando a seguir a erosão monetária entretanto verificada e defendendo a aplicação dos índices de preços no consumidor). O autor diz que concorda com o acórdão (nesta questão) embora este acórdão defenda a tese do direito potestativo. * Rui Pinto Duarte, no seu artigo sobre A jurisprudência portuguesa sobre acessão industrial imobiliária, algumas observações Thémis, 5 (este estudo, que é de Junho de 2002, só considera, no entanto, a jurisprudência do STJ até à decisão de 17/02/2002 e das Relações até 24/02/2002), diz (págs. 261/26) que: julgo que a boa interpretação é a que sustenta a possibilidade de actualização do valor nominal do terreno anterior à obra; só por ela se pode alcançar que o valor monetário a pagar corresponda ao valor substancial do terreno, na data relevante (e de seguida cita no mesmo sentido, o ac. do TC que será citado abaixo). Este estudo é principalmente interessante por demonstrar que em 2002 ainda a tese do valor actual dos terrenos quase não se punha. A alternativa era entre o valor à data da incorporação sem ou com actualização monetária. Daí que o estudo nem sequer atente que a partir do acórdão do STJ de 05/03/1996, depois seguido pelo de 10/02/2000, se passou a defender a tese do valor actual (com base apenas na ideia de que tal seria uma consequência da natureza potestativa do direito – repita-se, entretanto, que o autor que deu origem à tese da potestatividade, Oliveira Ascensão, entendia que o valor relevante era o valor à data da incorporação…). * Note-se assim que a doutrina que se conhece sobre a questão defende, e isso independentemente da posição assumida quanto à questão da natureza do modo de aquisição por acessão (automática ou potestativa), que o valor a pagar pelo autor da obra ao dono do terreno, deve ser o valor do terreno à data da incorporação e não o valor actual. Parte dela (três autores), depois, admite a actualização monetária, com aplicação dos índices de preços no consumidor ao valor à data da incorporação, parte (um autor) não se pronuncia quanto a esta actualização e um dos autores, Antunes Varela (como se verá já de seguida), pronuncia-se contra (mas note-se a posição deste autor quanto à questão das mais valias, que, se aproveitada de forma coerente e se tivesse êxito, poderia levar a consequências muito mais proveitosas para aquele que não é beneficiado com a acessão). * Antunes Varela (parecer publicado na CJSTJ98.II, págs 11 e seguintes) entende que o valor a pagar, reportado à data da incorporação, não deve ser actualizado, apesar de se tratar de uma dívida de valor (do valor que o prédio tinha antes de as obras terem sido iniciadas e não do valor que o prédio tiver à data da decisão proferida sobre a decisão). Na RLJ põe-se assim a formulação: “este é, ao mesmo tempo, um caso de dívida de valor, em que a lei fixa a data rígida da sua actualização” (pág. 339). Se houver danos moratórios, esses são indemnizáveis como tal. É o parecer que deu origem ao ac. do STJ de 17/03/1998 (referido já de seguida), depois comentado favoravelmente na RLJ 132 (1999/2000), págs. 246 e segs e 333 e segs. Note-se, assim, que, para Antunes Varela, a tese da actualização do valor vai levar a que o valor seja o da data da decisão, mas não é sempre esse o sentido que tem sido dado à actualização monetária (de resto, tendo em conta o exemplo dado acima, o valor actualizado monetariamente pode ser de 1.770€ enquanto que o valor actual, à data da decisão, pode ser de 100€ ou de 20.000€). Anote-se, para outra questão mais à frente, que o valor aceite neste caso (do acórdão do STJ de 1998) foi o do preço da venda apesar desta ter sido anulada. * A posição da jurisprudência: A que segue a tese do valor à data da incorporação, sem actualização: Quanto à jurisprudência apenas se conhecem dois acórdãos que, defendendo a tese do valor à data da incorporação, rejeitam a actualização monetária. Um deles é o referido acórdão do STJ de 17/03/1998, CJSTJ98.I, págs 134 e segs (= BMJ. 475, pág. 690 e na RLJ 132, págs. 246 e 333), baseado no parecer acabado de referir de Antunes Varela: Diz o acórdão sobre a questão: Anote-se, de novo, para utilização posterior, que o valor fixado para o prédio à data da incorporação era o valor pago no acto anulado. Outro é o ac. do TRL de 21/01/2003, publicado na CJ2003.I, 64 (citado pelo ac. do TRC de 22/11/2005) que cita o parecer e o ac. do STJ acabados de referir. * Quanto aos acórdãos citados na decisão recorrida, cinco deles seguem a posição do valor actual (à data da decisão): No ac. do STJ de 18/12/2007 (07A4132), descrito acima, diz-se o seguinte, no sumário: Como se vê do resumo do caso feito acima e do sumário que antecede, este acórdão confirma um entendimento que atende ao valor actual da coisa (tendo em conta, designadamente a degradação do prédio causada pelo decurso do tempo), embora se fale em expressão pecuniária actualizada e de uma dívida de valor; ou seja, rejeita-se claramente a tese do valor da coisa à data da incorporação com actualização monetária. Segue a tese do direito potestativo. Este acórdão diz, entre o mais: No mesmo sentido vai o ac. do STJ de 10/02/2000 (99B1208) como se vê, em termos práticos, da seguinte afirmação: “a resposta restritiva ao quesito 17 vem a significar que o Tribunal Colectivo actualizou o valor da parcela de terreno adquirida pelo réu: não se sabe quanto valia ao tempo da incorporação das obras, mas sabe-se que este valor é, agora (ao tempo do exercício do direito de acessão na reconvenção) de 1.800.000$. No entanto, o sumário sugere (mal) que o acórdão vai no sentido da tese do valor à data da incorporação actualizado: Bem como o acórdão do TRC de 22/11/2005 (3204/05) que defende coerentemente a tese do direito potestativo, pois que condiciona a acessão ao pagamento (embora se incorra no lapso de se falar em transmissão do direito, quando a acessão é uma forma originária de aquisição). O sumário deste acórdão é o seguinte: Este acórdão diz ainda: E o ac. do TRC de 31/01/2006 (3659/05): E todos eles tiveram origem, como já se referiu acima, no ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96I, pág. 129 e segs (087676): Com efeito foi este acórdão que, pela primeira vez defendeu tal posição e isso com base apenas no seguinte (que depois tem sido citado pelos outros acórdãos acabados de referir): Note-se que em quase todos estes acórdãos se cita a posição de Quirino Soares como se ela fosse favorável à posição assumida, quando ela lhes é claramente contrária, pois que, como se viu, este autor defende o valor à data da incorporação, com actualização monetária. * Os dois outros acórdãos citados na decisão recorrida seguem a posição do valor à data da incorporação, ou seja, a posição de toda a doutrina conhecida, mas actualizado monetariamente de acordo com os índices de preços no consumidor (aqui só seguidos pela maioria da doutrina). O acórdão do STJ de 06/07/2006 (05A4270) tem o seguinte sumário: Como se vê do resumo do caso feito acima e do sumário que antecede, este acórdão confirma um entendimento que atende ao valor da coisa à data da incorporação, actualizado segundo os índices de inflação por ser uma dívida de valor. A decisão segue a tese do direito potestativo com coerência, aparentemente (a decisão não está toda transcrita), pois que põe a aquisição na dependência do pagamento. Neste acórdão, que também desenvolve a questão do valor acrescentado para aferição do beneficiário da acessão, e a questão da acessão tanto poder abranger a totalidade do prédio como a parte em que se incorporaram as obras, esclarece-se que: No sentido deste acórdão vai o do TRP de 27/11/2008 (0836816) da base de dados do ITIJ, com o seguinte sumário: VIII Antes ainda de se optar por uma das teses, veja-se o que tem sido dito quanto à natureza do modo de aquisição da propriedade por acessão (mais especificamente no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC), já que, bem ou mal, como se viu acima, a questão tem sido ligada a esta. Da natureza do modo de aquisição por acessão As posições são conhecidas e já foram sendo afloradas. Assim, sem necessidade de se estarem a expor as respectivas teses e sem se citarem os autores que já tomaram posição sobre a questão e que vêm amplamente referidos em todos os artigos e acórdãos citados (entre eles, os ainda não expressamente referidos, como Menezes Cordeiro, Penha Gonçalves e Carvalho Martins), vale só a pena referir, relativamente à doutrina, que existem as seguintes tomadas recentes de posição: Menezes Leitão diz, como se fosse um dado adquirido, que a acessão é potestativa (Enriquecimento sem causa no direito civil - Cadernos de ciência e técnica fiscal – Centro de Estudos Fiscais, 1996, pág. 699). Rui Pinto Duarte, no seu artigo sobre A jurisprudência portuguesa, já citado acima, considera que a tese correcta é a do direito potestativo (principalmente págs 257, 260 e 261– em nota cita a doutrina que existe a favor de uma e outra tese). Este estudo nesta parte tem interesse por demonstrar que já então (2002) se anunciava que a tese da aquisição potestativa estava a alcançar a unanimidade na jurisprudência (sendo já muito minoritárias as vozes em sentido contrário). Pouco mais tarde (o artigo, embora publicado em 2009, é de Setembro de 2004), no seu artigo Dois apontamentos sobre acessão industrial imobiliária, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prol Doutor Manuel Henrique Mesquita, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Vol. I, Out2009, págs. 783 a 795, o autor entre o mais diz (pág. 798 e segs) que quase toda a jurisprudência entende que a aquisição não é automática e diz que na doutrina há mais equilíbrio e faz a referência aos autores que defendem uma e aos autores que defendem a outra tese. Rui Pinto Duarte defende a necessidade de declaração do autor da obra (no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC que está a tratar). Carvalho Fernandes, no estudo citado acima, volta a defender a tese de que o modo de aquisição por acessão é potestativo. Elsa Sequeira Santos, no seu artigo sobre: A aquisição por acessão é potestativa?, publicado nos Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. I, defende que a aquisição por acessão não é automática, nem potestativa. Aliás, defende que a acessão nem sequer é um modo de adquirir a propriedade. Do que se trata é que com a acessão se cria automaticamente uma situação de contitularidade de direitos e que cada um dos sujeitos tem o poder de, fazendo aplicar os critérios legais, provocar a alteração na ordem jurídica que se traduz na cessação da indivisão (págs. 697 a 710). Esta autora lembra (nota 31 da pág. 708) que “se entendermos que a aquisição a favor de um dos sujeitos tem efeito retroactivo, ser a aquisição automática ou potestativa em nada afecta a solução procurada”. Quanto à jurisprudência, para além daqueles que foram sendo citados, os mais recentes acórdãos do STJ sobre a matéria vão todos no mesmo sentido: No ac. do STJ de 03/12/2009 (1102/03.7TBILH.C1.S1) fala-se, como de um dado adquirido, na aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão. No mesmo sentido vai o ac. do STJ de 30/06/2009 (268/04.3TBTBU.C1.S1), o acórdão do STJ de 27/05/2008 (08B1276) tal como o acórdão do STJ de 08/11/2007 (07B3545) e ainda o ac. do STJ de 04/12/2007 (07B4321), sendo que aqui o STJ declara a aquisição pelos recorrentes do direito de propriedade sobre o terreno onde implantaram a sua casa sob condição de, em cinco dias a contar da notificação deste acórdão, depositarem a favor dos recorridos o valor da condenação. Em suma: existe hoje quase unanimidade da jurisprudência no sentido de que a incorporação faz nascer um direito potestativo, ou seja, não ela não é de funcionamento automático. E como existem razões fortes num sentido e noutro, não repugnando qualquer das soluções (note-se que Antunes Varela admitia que este entendimento poderá apresentar algumas vantagens de iure constituendo – CC anotado, 2ª edição, 1984, Coimbra Editora, vol. III, págs. 165/166), entende-se que não se deve dar origem a um questão que já não existe e, por isso, sem mais, aceita-se também a tese da natureza potestativa da aquisição por acessão. Como diz Júlio Gomes, obra citada, pág. 363: “em todo o caso, seja qual for a solução para que tenda a jurisprudência, é desejável que cesse o estado actual de hesitação e incerteza por parte dos tribunais” e por isso, a construção de Elsa Sequeira Santos, por mais interesse que suscite, não deve provocar agora, nova divergência (ao menos neste caso, em que não teria relevo prático algum – isto, pois, sem prejuízo de ser aplicada a solução desta autora nos casos que a solução agora seguida não consiga resolver e para as questões que esta autora levanta) atendendo ao princípio da segurança jurídica e a que finalmente se chegou hoje a uma quase unanimidade de opiniões quanto ao funcionamento potestativo da aquisição por acessão, sob pena de os particulares nunca saberem qual é o direito em vigor. IX Opção relativamente às teses do valor à data da incorporação e do valor actual: Quanto a isto, reconhecendo-se embora que a maioria da jurisprudência, ao menos do STJ, adere à tese do valor actual do terreno, entende-se, no entanto, que tal tese é errada, porque contrária à vontade da lei, contra toda a doutrina, baseada e potenciada num equívoco terminológico (começa-se a falar em valor actualizado e passa-se para o valor actual da coisa) e sem qualquer suporte legal (e daí que a frase que sintetiza esta posição, seja ela própria um equívoco, que, salvo o devido respeito, nada quer dizer: “[…] segundo o valor dos bens no momento da conversão em dinheiro, em relação ao valor que a parcela de terreno, autonomizada como unidade económica, tinha antes da incorporação”). A lei (art. 1340º/1 do CC) fala no valor que o terreno tinha antes das obras, tal como (art. 1340º/3 do CC) “no valor que [as obras] tinham ao tempo da incorporação”, a denotar claramente que a intenção da lei era outra (ou seja, não era a de aceitar o valor actual), desconsiderando a valorização ou desvalorização posterior do prédio pelo menos por circunstâncias que nada tivessem a ver com a incorporação (e com o “pelo menos” está-se a salvaguardar a posição de Antunes Varela quanto à questão das mais valias…, que, como se viu, não é seguida por mais ninguém). Por isso, Oliveira Ascensão, que foi quem deu origem à tese da potestatividade, defende, apesar disso, que o beneficiário da acessão é quem fica com a mais valia contida no valor acrescentado. E a tese seguida pela maioria da jurisprudência traduz-se, na prática, em dar esta mais valia ao proprietário do terreno. Pode-se considerar que solução legal não é a correcta mas, para já, é a solução legal e ela, como se viu acima, não é inconstitucional, pelo que tem que ser aplicada. Pelo que se se segue a tese do valor do terreno à data da incorporação e não a do valor actual do terreno. Não se aceita, por outro lado, a posição de Antunes Varela que recusa a actualização. O valor de 900€ em 1989 não é igual, em 2010, ao valor de 900€ mas sim ao valor correspondente acrescido da inflação. * Qual o valor do terreno à data da incorporação? A questão pode-se pôr pelo seguinte: poderia dizer-se que o valor de 50$ foi fixado num contrato que vai ser declarado nulo e que por isso não deveria produzir quaisquer efeitos, designadamente, não poderia subsistir o valor de 50$ nele estipulado. A verdade, no entanto, é que, por um lado, tem-se aceitado que o valor fixado em contratos anulados sirva de base de cálculo para o valor da obrigação de restituição, como se foi vendo e assinalando acima (com este fim), em alguns dos casos referidos, pois que neles se tomou o valor do acto anulado como o valor do bem à data da incorporação. Por outro lado, no caso dos autos, o valor de 50$ nem sequer é só o valor acertado no contrato, era também o valor pelo qual a Câmara colocou à venda os terrenos, sem dúvida com base na avaliação que fez do mesmo de acordo com as circunstâncias dos mesmos. Assim o valor estipulado pelas partes no contrato anulado e fixado numa deliberação camarária anterior com base na qual os lotes foram postos à venda, pode ser considerado como consubstanciando o valor de mercado da coisa, nas circunstâncias concretas dos lotes em causa. * E para que valor é que deve ser actualizado? A Câmara diz que os índices de inflação apontam para um valor de mais de 20 vezes superior e diz que foi assim que calculou o preço pedido agora (e nas contra-alegações defende que o valor deve ser actualizado… para o valor actual, de 18.180€). Mas, como é evidente, só se pode tratar de um erro de cálculo, pois que o valor dos índices da inflação, de Agosto de 1989, data de entrada da petição, ao fim de 2010 (data próximo deste acórdão) não iam para além de, aplicados sucessivamente, 148,19% (segundo os índices de preços no consumidor, total geral, continente, e depois Portugal, publicados pelo INE a inflação foi: 1989 - 12,7% (só com 1/3); 1990 - 13,6%; 1991 - 12%; 1992 – 9,4%; 1993 - 6,7%; 1994 - 5,4%; 1995 - 4,2%; 1996 – 3%; 1997 - 2,4%; 1998 - 2,8%; 1999 - 2,3%; 2000 - 2,9%; 2001 - 4,4%; 2002 - 3,6%; 2003 - 3,3%; 2004 - 2,4%; 2005 - 2,3%; 2006 - 3,1%; 2007 - 2,5%; 2008 - 2,6%; 2009 - (- 0,8%); 2010 - 1,4% http://www.pordata.pt/azap_runtime/?n=4 tendo por fonte o Instituto Nacional de Estatística), + 0,2% da inflação de 2011. Pelo que o preço de 906,81€ corresponde, em 08/02/2011, a 2.223,41€. O réu propõe, por sua vez, a aplicação de um aumento de 2,30 (tendo em conta os nºs. da Portaria 785/2010 de 23/08). Mas essa portaria é uma norma fiscal, para efeitos de aplicação dos arts. 47 do IRC e 50 do IRS, pelo que não tem razão de ser. * Sumário: I. Um contrato formado pela “manifestação de interesse” em comprar um lote de terreno (segundo termos concretizados) seguido de uma “deliberação” de vender, sem ter sido formalizado por escritura pública é um contrato de compra e venda inválido por falta de forma e não um contrato-promessa (embora possa vir a ser convertido neste). II. O que interessa na pretensão da acessão é esta e não o valor que se pretende pagar (ou seja, este não constitui limite da sentença para efeitos do art. 661º/1 do CPC). III. O valor a pagar pelo terreno, no caso do art. 1340º/1 do CC, é o valor dele à data da incorporação, actualizado de acordo com a inflação entretanto verificada (IPC do INE), e não o valor actual. IV. Há, hoje, quase unanimidade na jurisprudência no sentido de que a aquisição por acessão tem natureza potestativa (depende de declaração de vontade do beneficiário da acessão), estando a aquisição dependente do pagamento da “indemnização”. * Pelo exposto, julga-se: Improcedente o recurso do autor. Declara-se a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o autor e o réu tendo por objecto o lote em causa nos autos. Procedente o recurso do réu, declarando-se a aquisição, pelo réu, do direito de propriedade sobre o lote de terreno em causa nestes autos (referido em I) dos factos assentes), por o ter adquirido por acessão, sob condição de, em cinco dias a contar da notificação deste acórdão, depositar a favor do réu 2.223,41€ (sob pena de caducidade do direito), mantendo-se a absolvição do autor relativamente ao pedido principal da reconvenção. Custas dos recursos pelo autor. Custas da reconvenção pelo autor em 25% e pelo réu em 75%.
|