Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5841/17.7T8CBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEITO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA. CRÉDITOS. COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 99º, 128º/5, 217º/1 E 233º DO CIRE; 847º/1/A) DO C. CIVIL
Sumário:
I – Havendo Plano, o processo de insolvência será encerrado e nele não será proferida sentença no apenso de verificação de créditos; prosseguindo as 4 acções declarativas referidas, porém, não incólumes: prosseguem, mas com os seus objectos processuais reduzidos, isto é, sem as instâncias reconvencionais.
II - É que, homologado o Plano, quanto aos créditos sobre a insolvência (e é destes que também tratam as instâncias reconvencionais das 4 acções), “manda o Plano”; ou seja, como dispõe o art. 217.º/1 do CIRE, “com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo Plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados.”.
III - Segundo o art. 128.º/5 do CIRE, “mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”; ou seja – é o que isto acaba por produzir – não tem força executiva no processo de insolvência uma sentença a reconhecer um crédito contra o devedor/insolvente, força essa que só é concedida à sentença que, em tal processo, julgar verificado esse crédito.
IV - Em contrapartida, as decisões proferidas no processo de insolvência – aqui se incluindo, naturalmente, as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo Plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados – têm força executiva dentro e fora deste processo, como resulta do art. 233.º/1/c) do CIRE: “Encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos (…), constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos (…)”.
V – Constituem pressupostos da compensação, segundo o art. 847.º do CCiv., a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante), a fungibilidade do objecto das prestações e a existência e validade do crédito principal (o débito do compensante).
VI - A “exigibilidade” – que constitui requisito do art. 847.º/1/a) do CCivil – pode ser averiguada e estabelecida no próprio processo/acção em que, a título reconvencional, a compensação é exercida e declarada; o que também significa – está bem explícito em todo o raciocínio que se fez – que, quando não se está perante uma compensação judiciária (perante uma declaração reconvencional de compensação numa acção), o contra-crédito (do compensante) tem que estar já reconhecido judicialmente.
VII - No atual art. 99.º do CIRE, o direito de compensação pode ser exercido para lá da declaração de insolvência, porém, tem tal exercício que obedecer o mais possível ao princípio da igualdade de tratamento dos credores (cfr. art. 604.º do C. Civil), ou seja, o preenchimento dos pressupostos legais da compensação tem que ocorrer antes da data da declaração da insolvência ou antes do contra-crédito da massa (ainda que a compensação possa ser exercida para lá da declaração de insolvência).
Decisão Texto Integral:
Rel.: Barateiro Martins;
Adjs.: Arlindo Oliveira e Emídio Santos
5.841/17.7T8CBR-D.C1
Comarca de Coimbra - Comércio
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
Tendo sido declarada a insolvência de “A..., SA.” (por sentença de 28 de Julho de 2017, transitada em julgado), veio esta apresentar proposta de Plano de Insolvência, na modalidade de plano de recuperação, que, submetido à apreciação, veio a ser aprovado por credores representativos das maiorias legalmente exigidas (mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados); sendo que, anteriormente, a credora C..., ACE havia manifestado a sua oposição à aprovação do Plano de Insolvência proposto, por, segundo invocou, a sua situação ao abrigo de tal Plano ser previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer Plano.
Foi dada publicidade à deliberação de aprovação do Plano de Insolvência e, tendo decorrido o prazo de 10 dias a que alude o art. 214.º do CIRE, conclusos os autos, foi proferida decisão que indeferiu a oposição da C... e que homologou o Plano de Insolvência apresentado pela devedora/insolvente.
Decisão em que se expendeu (no que aqui interessa) a seguinte argumentação:
“ (…)
A credora A... veio requerer a não homologação do plano de insolvência, com fundamento no disposto no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, alegando, em síntese, que em caso de liquidação, sempre poderia operar a compensação dos créditos litigiosos que lhe venham a ser reconhecidos por decisões judiciais que se encontram pendentes, ao passo que, com a aprovação do plano de insolvência e com o perdão dos créditos comuns nele previstos, o não poderá fazer. Assim, entende que o plano apresentado se traduz num expediente criado para eximir a insolvente das suas responsabilidades para com os seus credores, em especial para com a oponente.
Em resposta, a devedora veio opor-se à pretensão supra aludida, alegando que nunca estariam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 99.º, para fazer operar a compensação, razão pela qual não assiste fundamento para a não homologação.
(…)
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 216.º/1 do CIRE, que: (…)
Ora, não se afigura ao tribunal que a argumentação vertida pela A... possa fundamentar a recusa da homologação do plano com base no normativo acabado de enunciar; com efeito, os créditos litigiosos referidos são meramente hipotéticos, inexistindo qualquer acordo entre as partes referente ao seu reconhecimento, que faça com que a posição da credora fique mais fragilizada. Acrescenta-se que se entende não se afigurar razoável inviabilizar a recuperação de uma empresa, com base num argumento meramente hipotético, que poderá nunca suscitar-se, caso improcedam os pedidos reconvencionais deduzidos pela A..., que fundamentam os seus hipotéticos créditos, ainda não objeto de decisões judiciais que os reconheçam. Inexiste, assim, a plausibilidade mencionada na parte final, do n.º 1, do artigo 216.º.
Por outro lado, o argumento utilizado, a existir um crédito a compensar, enquadra-se na natureza dos processos de insolvência onde são apresentados planos com perdão de dívidas, dado que, quer por compensação, quer com base nos créditos já reconhecidos, o perdão fará sempre com que os credores afetados pelo mesmo acabem por sair prejudicados, em nome da reestruturação da insolvente, objetivo primordial do legislador, ao permitir aqueles perdões.
Por fim, sempre assistirá razão à devedora quando alega que não estariam preenchidos os pressupostos para a compensação operar, num cenário de liquidação, dado que nunca o requisito do artigo 99.º. n.º 1, al. al. b), do CIRE, estaria preenchido, uma vez que o contra crédito da massa invocado pela credora seria de constituição simultânea ao desta – tratam-se de créditos e contra créditos em discussão nas mesmas ações judiciais, por via de ação e reconvenção, decorrentes da mesma relação comercial celebrada entre as partes.
(…)
Termos em que se indefere ao requerido.
(…)
Declarada a insolvência de A..., S.A., veio a devedora apresentar Plano de Insolvência.
Convocada a Assembleia de Credores para discutir e votar tal proposta de plano de insolvência, resultou a aprovação do mesmo, aprovação que foi publicada no portal citius, em 13/11/2017.
Como tal, e não sofrendo tal plano de qualquer das vicissitudes previstas nos arts. 215.º e 216.º, do C.I.R.E., tendo já decorrido o prazo aludido no artigo 214.º, homologa-se, pela presente sentença, o plano de insolvência apresentado e devidamente aprovado. (…)
Inconformada com tal decisão, interpõe a credora C..., ACE o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que “recuse a homologação do Plano de Insolvência da Recorrida e declare a possibilidade de operar a compensação dos créditos do Recorrente sobre a insolvência com os créditos que a Recorrida alega ter sobre si.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
A devedora/insolvente respondeu, sustentando que a decisão recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – Fundamentação de Facto
Além do que já consta do relatório, releva o seguinte:
...
III – Fundamentação de Direito
Está em causa no presente recurso, como resulta do relatório inicial, o indeferimento da oposição, oportunamente manifestada pelo apelante, à homologação do Plano de Insolvência.
O apelante havia invocado (e continua a invocar), para a não homologação, que a homologação do Plano o coloca perante a hipótese prevista no art. 216.º/1/a) do CIRE, isto é, que o Plano o irá colocar numa situação previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer Plano.
A isto se remete e circunscreve pois o objecto do recurso Nenhuma dúvida se suscitando quer quanto ao Plano haver sido aprovado por credores representativos das maiorias legalmente exigidas quer com reporte ao que se dispõe no art. 215.º do CIRE.: saber se está demonstrada em termos plausíveis a hipótese prevista no art. 216.º/1/a) do CIRE.
Na origem da invocação do apelante está o perdão total que o Plano propõe/estatui quanto aos créditos comuns e litigiosos (cfr. alíneas h) e i) dos factos provados), o que – argumenta o apelante – correndo termos acções, entre a devedora/insolvente e o apelante, em que aquela invoca ser credora deste em mais de 86 milhões de euros, impede o apelante, de acordo com o Plano, de compensar os créditos que ele detém sobre a devedora/insolvente com os que esta diz ter sobre si, compensação que, não havendo Plano, poderia ser oposta, sendo justamente nisto – na impossibilidade de invocar a compensação – que está, segundo o apelante, a situação previsivelmente desfavorável ao abrigo do Plano.
Comparemos pois a previsível situação do apelante com e sem Plano.
Começando por dizer que o apelante não verá ser-lhe pago, em ambas as situações, qualquer montante/parte dos seus créditos; embora ainda não haja sentença de verificação e graduação de créditos quer o crédito que lhe foi reconhecido pelo AI (alínea c) dos factos) quer aqueles que o AI não reconheceu e que o apelante impugnou são comuns e, num cenário de liquidação, o património da devedora/insolvente não dará sequer para pagar um décimo dos créditos garantidos e privilegiados (como facilmente se extrai das alíneas l) e m) dos factos) E as coisas não mudam de figura para os créditos do apelante caso a devedora/insolvente obtenha um, mesmo que significativo, ganho de causa nas 4 acções que, como autora, tem pendentes contra o próprio apelante..
É este um ponto pacífico e que resulta da própria posição/invocação do apelante, que não situa o “desfavor” na diferença entre o que recebe com e/ou sem Plano, mas sim, repete-se, o “desfavor” estará no que ele próprio apelante poderá ter que pagar à devedora/insolvente, uma vez que, havendo Plano, não pode fazer uso da compensação (uma vez que o Plano lhe extingue os créditos), tendo que pagar à devedora/insolvente a totalidade dos créditos que forem fixados nas 4 acções que pendem entre ambos (em que a devedora/insolvente é A. e o apelante R.).
É pois deste ponto de vista – do que o apelante poderá ter que pagar à devedora/insolvente – que importa comparar a previsível situação do apelante com e sem Plano.
Comecemos pela sua situação, havendo Plano:
Como resulta dos factos (alíneas j) e b)) pendem entre a devedora/insolvente e o apelante C... 4 acções declarativas, em que a devedora peticiona créditos superiores a 86 milhões de euros e em que o apelante C... deduziu reconvenções peticionando os créditos que aqui, no apenso de verificação de créditos, também peticionou/reclamou.
Assim, havendo Plano, o processo de insolvência será encerrado e nele não será proferida sentença no apenso de verificação de créditos; prosseguindo as 4 acções declarativas referidas, porém, não incólumes: prosseguem, mas com os seus objectos processuais reduzidos, isto é, sem as instâncias reconvencionais.
É que, homologado o Plano, quanto aos créditos sobre a insolvência (e é destes que também tratam as instâncias reconvencionais das 4 acções), “manda o Plano”; ou seja, como dispõe o art. 217.º/1 do CIRE, “com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo Plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados.”
A tal propósito – e para se melhor perceber o que acontece às reconvenções deduzidas nas 4 referidas acções pela aqui apelante – não será despiciendo lembrar as especialidades que o processo de insolvência estabelece:
Segundo o art. 128.º/5 do CIRE, “mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”; ou seja – é o que isto acaba por produzir – não tem força executiva no processo de insolvência uma sentença a reconhecer um crédito contra o devedor/insolvente, força essa que só é concedida à sentença que, em tal processo, julgar verificado esse crédito.
Significa isto que o aqui apelante não tinha outro “remédio” senão reclamar (em repetição) aqui, no processo de insolvência, os créditos que antes já havia peticionado reconvencionalmente nas 4 acções declarativas intentadas contra si pela devedora/insolvente.
Em contrapartida, as decisões proferidas no processo de insolvência – aqui se incluindo, naturalmente, as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo Plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados – têm força executiva dentro e fora deste processo, como resulta do art. 233.º/1/c) do CIRE: “Encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos (…), constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos (…)”.
O que significa, muito simplesmente, que após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano passaremos a estar, quanto aos créditos do aqui apelante sobre a devedora/insolvente reconvencionalmente deduzidos nas 4 referidas acções, perante uma excepção de caso julgado – ou, mais exactamente, de autoridade de caso julgado Como excepção dilatória, visa o caso julgado (material) prevenir a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias com o mesmo objecto (efeito impeditivo); como autoridade de caso julgado, garante a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo). Quando o objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior; quando o objecto processual anterior funciona como condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo instaurado em 2.º lugar. – e não apenas perante uma questão de inutilidade superveniente da lide.
Muito se tem discutido – e continua discutível, mesmo após o Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 1/2014, de 25-02, em que se “assentou” que a inutilidade da lide ocorre necessariamente com o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência com caracter pleno – a questão de saber se se verifica a inutilidade superveniente da lide nas acções intentadas contra o devedor/insolvente antes da declaração de insolvência e, em caso afirmativo, em que momento ocorre e deve ser declarada essa inutilidade.
Tal inutilidade, a nosso ver, ocorrerá:
- sempre que o crédito for reclamado no processo de insolvência e nada obste à prolação da sentença de verificação e graduação de créditos; uma vez que tendo esta sentença força executiva dentro e fora do processo de insolvência, de nada serve o prosseguimento da anterior acção, visto que o seu efeito útil fica plenamente alcançado com a sentença de verificação e graduação de créditos.
- mesmo que o crédito não haja sido reclamado no processo de insolvência, sempre que, sendo o devedor uma sociedade, o processo de insolvência siga para liquidação; um vez que só poderão obter pagamento os créditos verificados no processo de insolvência e visto que a liquidação desemboca na extinção da sociedade comercial, de nada servindo o prosseguimento de acções para o pagamento de créditos não reclamados no processo de insolvência.
- quando for aprovado um Plano de insolvência que não preveja a liquidação da massa insolvente; uma vez que é tal Plano, depois homologado, que passa a “mandar” (cfr art. 217.º/1 do CIRE).
Seja assim ou, como resulta do Acórdão n.º 1/2014, mais “generalizadamente”, o certo é que, homologado por sentença o Plano proposto pela devedora/insolvente já nem estaremos sequer perante uma questão de inutilidade superveniente da lide, mas sim, repete-se, perante uma excepção de caso julgado (ou melhor, de autoridade de caso julgado) Ou seja, a referência do Plano à hipótese da devedora ser condenada (por decisão judicial ou ato equivalente, proferidos em sede própria e transitados em julgado), mesmo após o trânsito em julgado da sentença de homologação do presente Plano de Recuperação, não faz, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, muito sentido; transitada a sentença de homologação do Plano, as instâncias reconvencionais das 4 acções extinguem-se, sem chegar ao julgamento, pela verificação da excepção dilatória do caso julgado; aliás, levando à risca a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014 – em que, repete-se se “assentou” que a inutilidade da lide ocorre necessariamente com o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência com caracter pleno – já todas as 4 instâncias reconvencionais se encontrarão extintas por inutilidade superveniente..
Sendo assim, sintetizando a situação do apelante, havendo Plano, temos que, como nada tem a receber, nada poderá compensar, tendo que pagar os créditos que forem reconhecidos à devedora/apelada; créditos esses em que, em 1.ª Instância, a devedora/insolvente já obteve ganho parcial de causa num dos 4 processos (cfr. alínea k) dos factos), sendo plausível supor, em face da posição da devedora/apelada E da específica proposta do Plano quanto aos créditos litigiosos (alínea i) dos factos), em que se estatui que “caso a devedora venha a ser condenada (por decisão judicial ou ato equivalente, proferidos em sede própria e transitados em julgado), mesmo após o trânsito em julgado da sentença de homologação do presente Plano de Recuperação, no pagamento de eventuais créditos relativos às obras nos emissários de captação n.º 1 e 2 e à execução das respectivas garantias, os mesmos ficarão sujeitos e vinculados aos exactos termos e condições (pagamento ou perdão) aplicáveis aos restantes créditos da classe a que pertencem (sendo os créditos referidos de natureza comum) e conforme se encontra previsto no presente Plano de Recuperação”; em que não se ressalva (“convenciona”) qualquer margem de funcionamento para a compensação., que outros créditos serão concedidos à devedora/insolvente nos 3 outros processos pendentes, pelo que é plausível e razoável prever, que, havendo Plano, o apelante terá que pagar alguns milhões de euros à devedora/insolvente (não podendo declarar qualquer compensação).
Passemos pois à sua situação, não havendo Plano:
Como é evidente, não havendo Plano, o processo de insolvência seguirá para liquidação e nele será proferida sentença no apenso de verificação de créditos, sentença em que serão verificados e graduados todos os créditos reclamados – quer o crédito reconhecido pelo AI quer os créditos não reconhecidos pelo AI e sob impugnação – pelo aqui apelante.
Mas não prosseguirão as instâncias reconvencionais das 4 acções pendentes; de facto, como já se referiu, a sentença de verificação e graduação de créditos tem força executiva dentro e fora do processo de insolvência, pelo que de nada serve o prosseguimento das 4 instâncias reconvencionais – o seu efeito útil fica plenamente alcançado com a sentença de verificação e graduação de créditos – que, a partir do momento em que o processo segue para liquidação, se extinguem por inutilidade superveniente (277.º/e) do CPC) Sem necessidade de esperar pelo caso julgado material que a sentença de verificação de créditos formará.; aliás, como também já se referiu, mesmo que os créditos do apelante não tivessem aqui sido reclamados, sendo a devedora uma sociedade, também as instâncias reconvencionais ficariam extintas, um vez que só poderão obter pagamento os créditos verificados no processo de insolvência e visto que a liquidação desemboca na extinção da sociedade comercial (de nada servindo o prosseguimento de acções para o pagamento de créditos não reclamados no processo de insolvência).
Na sentença de verificação de créditos aqui a proferir, em face do que consta da lista (apresentada pelo AI) de créditos reconhecidos e não reconhecidos, é extremamente plausível que ao apelante seja reconhecido, pelo menos, o crédito referido na alínea c) dos factos, no valor global de € 1.866.354,83.
Quanto aos créditos da devedora/insolvente sobre o apelante, sob discussão nas 4 acções referidas, passar-se-á o já referido: em 1.ª Instância, a devedora/insolvente já obteve ganho parcial de causa num dos 4 processos (cfr. alínea k) dos factos), sendo plausível supor, em face da posição da devedora/apelante, que outros créditos lhe serão concedidos nos 3 outros processos pendentes, pelo que é plausível e razoável prever, que, não havendo Plano, o apelante tenha que pagar alguns milhões de euros à devedora/insolvente.
Isto dito, somos chegados ao ponto nevrálgico da oposição (da apelante) à não homologação do Plano, ou seja, à questão de saber se, não havendo Plano, o apelante pode compensar o crédito da devedora/insolvente sobre si (previsivelmente de alguns milhões de euros, como se acaba de referir) com o seu crédito sobre a devedora/insolvente (previsivelmente de, pelo menos, €1.866.354,83).
E, antecipando a conclusão, entendemos que não ou, mais exactamente, que tal não está “plausivelmente demonstrado”.
Expliquemo-nos:
Começando pelos pressupostos legais, nos termos gerais, da compensação:
Constituem pressupostos da compensação, segundo o art. 847.º do CC, a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante), a fungibilidade do objecto das prestações e a existência e validade do crédito principal (o débito do compensante) Cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol II, pág. 163 a 171 (3.ª ed.)..
Dentre tais pressupostos, há um – exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante) – cujo significado e sentido tem suscitado posições dissonantes com apoio doutrinal e jurisprudencial, como decorre das citações efectuadas nas alegações do apelante e da apelada.
A questão, aparentemente, está no significado e sentido da expressão “ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material” – contida no art. 874.º, n.º 1, a), do CC. Segue-se de perto o que sobre o assunto se expendeu no Acórdão desta Relação de Coimbra, proferido em 26/06/2007, na apelação n.º 347/06, do Tribunal de Ansião.
Embora resulte do art. 817.º do CC que é exigível judicialmente todo o crédito que, não sendo voluntariamente cumprido, dê lugar a uma acção de cumprimento, não parece que seja com um sentido tão amplo que, no art. 874.º/n.º 1/a) do CC, é usada a expressão “exigível judicialmente”.
Atento o disposto no art. 777.º, n.º 1, do CC – segundo o qual “na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação” – a quase generalidade dos créditos dá lugar a acção de cumprimento; e, em consequência, dariam lugar a declaração de compensação.
Assim, podendo a declaração de compensação ser feita extrajudicialmente e sem dependência de forma (art. 217.º e 219.º do CC), admitir que basta, para fundamentar uma declaração de compensação, ser-se titular dum crédito que dá lugar a uma acção de cumprimento seria pouco operativo e proveitoso.
Propendemos pois (…) para considerar que a expressão “exigível judicialmente” se refere a um crédito certo, seguro, e não meramente hipotético ou eventual Cfr. Ac. Rel. Porto, de 12-04-1983, in BMJ 327.º-702; e Ac. Rel Lisboa, de 21-10-1992, in BTE, 2.ª Série, p.544.; a situações em que se possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra - crédito) que se arroga contra este Cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 204..
Assim, estando o contra-crédito do compensante dependente de prova a produzir – isto é, não sendo certo e/ou seguro, mas controvertido e hipotético, podendo até, a final, não dar em nada – a solução é a inadmissibilidade da compensação.
Sucede, porém, que uma coisa é a compensação que se declara extrajudicialmente e outra, diversa, tem que ser a compensação operada/declarada em processo judicial.
Daí o termos dito que, aparentemente, a questão está na interpretação do art. 847.º/1/a) do CC.
A compreensível perturbação interpretativa decorre e surge, a nosso ver, por causa das alterações que o C. Civil de 1966 provocou na compensação; mais exactamente, nas modificações processuais então introduzidas “(…) com o fim quase exclusivo de consagrar as inovações e as alterações exigidas pela entrada em vigor da nova lei civil Como se refere no preambulo do DL n.º 47.690, de 11-06-1967, que visou tão só articular e adaptar a lei adjectiva à nova lei civil..
O anterior CC (art. 765.º) era mais exigente quanto aos requisitos da compensação – o crédito tinha que ser líquido – mas esta produzia os seus efeitos ipso iure, automaticamente, não precisando de ser alegada Sem prejuízo da evolução que, segundo refere Menezes Cordeiro (in Da compensação, pág. 73 e ss.), o C. de Seabra sofreu no sentido do sistema germânico (passando a exigir-se que a compensação fosse oposta ao devedor).; compensação esta a que se chamava “compensação legal”.
Ao lado desta “compensação legal”, porém, funcionava a chamada “compensação judiciária”, a operar ope judicis, por determinação da sentença.
Para que esta se produzisse – escrevia Alberto dos Reis In Comentário, III Vol. Pág. 107 e 108.“(…) é indispensável que o réu faça valer, em reconvenção, o seu crédito contra o autor e provoque a compensação através do processo ou por obra dele. Quando se trata de compensação judiciária, os requisitos do art. 765.º hão-de verificar-se no momento da sentença, mas não têm que se verificar, nem se devem verificar no momento da propositura da acção ou da dedução da defesa do réu; se se verificarem estamos em face da compensação legal (…)”.
Compensação esta, “judiciária”, que constava da letra quer do primitivo art. 279.º/2.º do CPC quer da alteração operada pelo DL 44.129 de 1961 (em que a reconvenção passou a constar do art 274.º) – em que expressamente se dizia “a reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter compensação judiciária
O que aconteceu com a Reforma de 1966 foi que o DL 47.690 retirou, sem qualquer explicação, o termo “judiciária” do art. 274.º/2.
“Corte” que, a nosso ver, não teve em vista limitar ou confinar o exercício processual da até então chamada compensação judiciária.
Em face das alterações substantivas introduzidas – maxime, do facto de a compensação (segundo o art. 848.º/1 do CC actual) se passar a tornar efectiva, sempre, mediante declaração duma das partes à outra – ter-se-á entendido que seria desnecessário que o CPC continuasse a fazer referência expressa a uma 2.ª modalidade de compensação (que fugia ao esquema ipso iure da lei substantiva), uma vez que, a partir dali, toda a compensação – judicial e extra-judicial (legal) – passaria a funcionar do mesmo modo: por declaração duma parte à outra.
Confirma-o claramente o preambulo, já citado, do diploma que, em 1966, procedeu às adaptações adjectivas, uma vez que, repete-se, no mesmo se diz que se teve o “fim quase exclusivo de consagrar as inovações e as alterações exigidas pela entrada em vigor da nova lei civil, por não se julgar necessário nem oportuno levar mais longe, neste momento, a revisão do direito adjectivo.
Em síntese, após 01/06/1967 continuou e continua inteiramente válido – embora adaptada aos actuais requisitos substantivos da compensação – o que até ali sempre foi sustentado para a chamada compensação judiciária; isto é, concluindo, quando num processo a compensação é, por via reconvencional, invocada, os requisitos do art. 847.º do CC têm de verificar-se no momento da sentença e não no momento da propositura da acção e/ou no da dedução da defesa/reconvenção.
Temos pois que a “exigibilidade” – que constitui requisito do art. 847.º/1/a) do CC – pode ser averiguada e estabelecida no próprio processo/acção em que, a título reconvencional, a compensação é exercida e declarada; o que também significa – está bem explícito em todo o raciocínio que se fez – que, quando não se está perante uma compensação judiciária (perante uma declaração reconvencional de compensação numa acção), o contra-crédito (do compensante) tem que estar já reconhecido judicialmente.
Dupla ideia esta que constitui hoje jurisprudência maioritária do STJ, como resulta da resenha jurisprudencial constante do Ac. do STJ de 02/06/2015 (Relatado pelo Conselheiro Fernandes do Vale, in ITIJ), em que, em linha com o que dissemos, se estabeleceu:
- que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação Chegando ao mesmo resultado prático, Ac. STJ de 02/07/2015 (Relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos), in ITIJ, em que se considerou:
- que a exigibilidade do crédito para efeito de compensação – art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC – não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais “não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.
- e que realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem..
- que a admissibilidade da compensação, no processo executivo, se encontra condicionada ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último crédito, ou seja, o executado não pode aspirar a que o reconhecimento judicial do seu contra-crédito seja obtido na oposição à acção executiva.
E – é a questão – em que medida tal entendimento sobre o que significa, nos termos gerais, a “exigibilidade judicial”, pressuposto da compensação, funciona e se repercute na interpretação do art. 99.º do CIRE (respeitante à compensação)?
Em tal preceito, com a epígrafe “compensação”, estabelece o CIRE o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos:
a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência
b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra crédito da massa os requisitos estabelecidos no art 847.º do CC”.
Estando o cerne da questão em estabelecer o que é que o art. 99.º do CIRE quer dizer com a expressão “preenchimento dos pressupostos legais estabelecidos no art. 847.º” (contida em ambas as alíneas).
A nosso ver, com todo o respeito por opinião diversa, só pode/deve querer dizer que, a partir da data de declaração de insolvência, o contra-crédito compensante, invocado na declaração de compensação então efectuada, tem que ser já “exigível judicialmente”; tem que ser certo, seguro (e não meramente hipotético ou eventual); tem que ser, no momento da declaração compensatória (posterior à data da declaração de insolvência), susceptível de realização coactiva; ou seja, não pode o contra-crédito do compensante, no momento da declaração compensatória (posterior à data da declaração de insolvência), estar dependente de prova a produzir.
Como já referimos, a compensação abandonou, com o actual C. Civil, a doutrina da verificação ipso iure, passando a exigir, para operar, uma declaração à outra parte (cfr. art. 848.º/1 do C. Civil); declaração que tanto pode ser extra-judicial como judicial.
Ora, declarada a insolvência – e durante a pendência do processo de insolvência – os credores da insolvência não podem sequer deduzir pedidos reconvencionais (em acções contra si intentadas pelo devedor/insolvente), tendo que reclamar “os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE” (cfr. art. 90.º do CIRE), o que significa, tendo isto presente, que o legislador, no art. 99.º do CIRE, não está certamente a referir-se a algo – compensação judiciária (declaração reconvencional da compensação) – que não pode sequer acontecer; tendo assim que estar necessariamente a referir-se, no art. 99.º do CIRE, à compensação que tem como pressuposto/requisito a exigibilidade sem o desvio supra referido, isto é, em que o contra-crédito (do compensante) está já reconhecido judicialmente Na compensação que normalmente vemos declarada e operada, a “exigibilidade” é averiguada e estabelecida no próprio processo/acção, porém, é assim por, repete-se, a mesma ser exercida e declarada a título reconvencional, ou seja, por ser uma compensação judiciária, em que, como se referiu, há um desvio aos pressupostos do art. 847.º do C. Civil (desvio justamente consistente em o pressuposto da “exigibilidade” não ter que se verificar no momento da declaração, construindo-se/estabelecendo-se com a sentença do próprio processo/acção)..
Só assim se percebendo, na economia do art. 99.º do CIRE, a sua alínea b); ou melhor, só assim não sendo tal alínea redundante.
Efectivamente, se entre os pressupostos legais da compensação, exigidos pela alínea a), não estivesse o prévio reconhecimento judicial, anterior à data da declaração de insolvência, do contra-crédito compensante, então, se apenas se exigisse que a data de constituição de tal contra-crédito (ainda dependente de prova/sentença a produzir) fosse anterior à data da declaração de insolvência, não seria necessária a alínea b), uma vez que, segundo esse critério – da data da constituição do contra-crédito – sempre, mesmo na hipótese da alínea b), tal contra-crédito seria anterior à data da declaração da insolvência e assim se verificaria também a alínea a) (sendo desnecessária e redundante a alínea b)).
Mais, quando se fala, na alínea b), em o crédito do compensante sobre a insolvência preencher os requisitos estabelecidos no art 847.º do CC antes do contra crédito da massa, só poderá estar a contemplar-se a exigibilidade Na medida em que o requisito da reciprocidade dos créditos se verifica em simultâneo para crédito e contra-crédito. com o sentido de reconhecimento judicial; ou seja, a contemplar-se um crédito constituído antes da declaração de insolvência, mas que adquiriu a sua exigibilidade compensatória após a declaração de insolvência.
Em resumo, no art. 99.º do CIRE caberão hipóteses pouco frequentes e residuais: na alínea a), estão aquelas hipóteses em que o compensante, no momento da declaração de insolvência, já tinha o seu contra-crédito reconhecido judicialmente Contra-crédito que, como referimos, ele tem que reclamar, mas em que o reconhecimento judicial anterior lhe dá direito à compensação; colocando-se, naturalmente, a questão de saber se pode compensar sem ter reclamado., não tendo ainda feito, em tal data, a declaração a que alude o art. 848.º do C. Civil; acrescentando-se, na alínea b), aquelas outras hipóteses em que o contra-crédito do compensante foi reconhecido em momento posterior ao da declaração de insolvência, porém, ainda assim em data anterior ao crédito da insolvência sobre o compensante.
Interpretação esta, do art. 99.º do CIRE, que está em linha com as limitações que a declaração de falência/insolvência sempre colocou à compensação de créditos Limitações que são, em certa medida, um corolário do princípio da igualdade de tratamento dos credores..
No CPC (vigente até à entrada em vigor do CPEREF), o art. 1220.º/1 apenas salvaguardava os efeitos da compensação legal operada antes da declaração da falência; fora disso, o n.º 2 afastava a compensação, quando ela não operasse nos termos do nº 1, dizendo expressamente que o devedor do falido tinha de pagar quanto a este devesse, recebendo depois o que lhe coubesse segundo o valor e a natureza do seu crédito. E, lembra-se, a “compensação legal” da data da redacção de tal preceito (embora o art. 1220.º haja vigorado algumas décadas já com o actual C. Civil) era a do anterior C. Civil (art. 765.º) Cfr., neste sentido, Pedro Macedo, Manual das Falências, Vol. II, pág. 141/2., mais exigente quanto aos requisitos da compensação (o crédito tinha que ser líquido e esta produzia os seus efeitos ipso iure, automaticamente) e num contexto em que havia uma “compensação judiciária” expressamente prevista no CPC; ou seja, mesmo interpretando o art. 1220.º do CPC à luz do conceito de “compensação legal” do novo C. Civil, a verdade é que, claramente, a compensação que seria atendível não era a expressamente prevista “compensação judiciária” e que para a compensação ser atendível teria que estar “operada antes da declaração de falência” (não sendo assim atendíveis compensações judiciárias pendentes ou ainda nem sequer “iniciadas”).
Com o art. 153.º do CPEREF passou a estabelecer-se, sem distinções, que a partir da data da sentença de falência os credores perdiam a faculdade de compensar os seus débitos com quaisquer créditos que tivessem sobre o falido; admitindo-se agora no CIRE, no já referido art. 99.º, a compensação posterior à data da insolvência, mas nos apertados termos referidos.
Não havendo – é onde pretendemos chegar – em termos de concretas hipóteses abarcáveis, com todo o respeito por opinião diversa, significativa diferença entre tais três preceitos legais: todas conduzindo à escassez de hipóteses em que, declarada a falência/insolvência, é exercitável a compensação.
Como refere Catarina Serra In O Novo Regime Português da Insolvência, 4.ª ed., pág. 80.(…) no CPEREF, os credores perdiam o direito de compensação a partir da declaração de falência, mas como eram citados logo após o início do processo tinham, até à declaração de falência, tempo suficiente para fazer valer o seu direito. Ora, no âmbito do CIRE, os credores são citados mais tarde, já depois da insolvência ter sido declarada (cfr. art. 37.º). Só então o processo de insolvência chega ao conhecimento dos credores. Não admira, pois, que o direito de compensação subsista para lá dessa data”.
Daí que, no actual art. 99.º do CIRE, o direito de compensação possa ser exercido para lá da declaração de insolvência, porém, tem tal exercício que obedecer o mais possível ao princípio da igualdade de tratamento dos credores (cfr. art. 604.º do C. Civil), ou seja, o preenchimento dos pressupostos legais da compensação tem que ocorrer antes da data da declaração da insolvência ou antes do contra-crédito da massa (ainda que a compensação possa ser exercida para lá da declaração de insolvência).
Enfim, a alteração do CPEREF para o CIRE é um mero ajustamento, decorrente do momento, posterior, em que ocorre a citação dos credores; e a diferença para o antigo CPC está na redacção deste vir duma época em que a “compensação legal” funcionava de modo diferente (automaticamente) O art. 1220.º do CPC valia acima de tudo pela negativa, isto é, queria é dizer que a “compensação legal” que tivesse operado os seus efeitos ipso iure, automaticamente, após a declaração de falência, não era atendível (a anterior, até pela sua automaticidade, por já ter produzido efeitos, sem necessidade de declaração, já se sabia que teria que ser atendida); aliás, à época, a “compensação legal” era vista como um “duplo pagamento”, pelo que, ficando o falido inibido de pagar, tinha que ficar vedada a compensação após a declaração de falência..
Em conclusão, assim interpretado o art. 99.º do CIRE, não parece que se possa dizer que o regime da compensação decorrente do CIRE reforce excessivamente a força da compensação como garantia Cfr Menezes Leitão, in «Os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso», p 63..
Não se ignora, naturalmente, que a compensação acaba por funcionar como uma verdadeira garantia, que coloca o respectivo credor em posição favorável; “a compensabilidade constitui uma garantia real na medida em que aumenta o grau de probabilidade de satisfação do crédito pela afectação específica e preferencial de um objecto de satisfação, sem acrescentar um novo património (…) prevalece[ndo] sobre os direitos de terceiro e resiste à insolvência Isabel Figueiredo, A Natureza Jurídica do Plano de Insolvência, in Direito da Insolvência – Estudos, p 388-391 e 420..
Função esta, de garantia, que, como refere Pestana de Vasconcelos, “(…) é ainda mais impressiva na insolvência, onde os credores comuns pouco receberão, ao passo que teriam, ainda assim, que realizar a sua prestação face ao administrador de insolvência para integração na massa”; acrescentando, porém, mais à frente, que o credor, ao conseguir por esta via a satisfação do seu crédito, “atinge o princípio da igualdade dos credores, levando a que, por essa razão, seja proibida, ou, pelo menos, limitada In Direito das Garantias, pág. 629 e 631..
Ora, é esta “limitação” que, a nosso ver, resulta do art. 99.º do CIRE; segundo o qual serão residuais, repete-se, as situações em que os credores, após a declaração de insolvência, podem vir a declarar a compensação.
Até porque – é o nosso ponto de vista – a reclamação de créditos (do art. 128.º e ss do CIRE) não pode ser vista como um “sucedâneo” duma reconvenção; como um equivalente ao exercício processual, no processo de insolvência, da chamada compensação judiciária; como o meio processual de obter o reconhecimento judicial do contra-crédito compensante, o mesmo é dizer, de obter a exigibilidade que é pressuposto/requisito da compensação Se fosse assim, seria bem mais fácil o art. 99.º do CIRE dizer que os credores podem compensar os créditos que lhe sejam reconhecidos (no apenso de verificação e graduação) com as suas dívidas à massa., E as compensações/reconvenções, deduzidas pela aqui apelante (nas 4 acções já várias vezes referidas), só no momento da prolação das respectivas sentenças, não proferidas (foi proferida uma, sem trânsito, desfavorável ao aqui apelante), produziriam o reconhecimento judicial dos créditos do apelante, isto é, as compensações/reconvenções deduzidas – supervenientemente inúteis, com Plano ou sem Plano, como supra de se referiu – não serviram como meio de obter a exigibilidade que é pressuposto/requisito da compensação..
Sem prejuízo de, caso a exigibilidade do crédito do compensante, decorrente da prolação da própria sentença de verificação e graduação de créditos, ser anterior à exigibilidade do contra-crédito da massa, se poder estar perante a hipótese prevista no art. 99.º/1/b) do CIRE.
E é justamente aqui que acaba por desembocar a questão da oposição/apelação.
Em face do sentido dado à expressão “preenchimento dos pressupostos legais estabelecidos no art. 847.º” (contida em ambas as alíneas do art. 99.º do CIRE), não se verifica a hipótese prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 99.º do CIRE, uma vez que, antes da declaração de insolvência, o apelante não tinha sobre a devedora/insolvente créditos judicialmente exigíveis A exigibilidade, como refere Rui Pinto, in Manual da Execução, pág. 227, é “a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor”.; ou seja, por aqui o apelante não consegue compensar e, assim sendo, a sua situação não muda – não fica previsivelmente mais favorável – não havendo Plano.
Pode, no entanto, a exigibilidade decorrente da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos vir a ocorrer em data anterior à exigibilidade do contra-crédito da massa decorrente da prolação das sentenças das 4 acções pendentes (entre devedora/insolvente como A. e o apelante como R.).
Trata-se, porém, de hipótese – a “anterioridade” da exigibilidade do crédito do apelante – que o apelante não “demonstra em termos plausíveis” (como o exige o art. 216.º/1 do CIRE).
Efectivamente, nenhum juízo de prognose é possível fazer – em face do que se discute quer na reclamação/impugnação intentada pelo apelante nestes autos de insolvência quer nas 4 referidas acções – a favor ou contra a referida “anterioridade” (da exigibilidade do crédito do apelante em relação à exigibilidade do contra-crédito da massa); ou seja, também por aqui não dizemos que o apelante consegue compensar e, assim sendo, também por aqui a sua situação do apelante não muda – não fica previsivelmente mais favorável – não havendo Plano.
Em síntese final, comparando a previsível situação do apelante, com e sem Plano, não conseguimos afirmar que haja diferença e, por conseguinte, não está demonstrada, em termos plausíveis, a hipótese prevista no art. 216.º/1/a) do CIRE, ou seja, que a situação do apelante, ao abrigo do Plano, seja previsivelmente menos favorável, do que a que aconteceria na ausência de qualquer Plano.
Em conclusão, improcede tudo o que o apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva – estando prejudicados, em face dos raciocínios expostos, os argumentos invocados pelo apelante que não foram directamente abordados e “conhecidos” – o que determina o completo naufrágio da apelação e a confirmação do decidido na 1ª instância, que não viola as disposições indicadas.
IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Coimbra, 12/04/2018
(Barateiro Martins)
(Arlindo Oliveira)
(Emídio Santos)