Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
928/19.4T8LMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DECISÃO FINAL
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
DISPENSA DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 18.º, N.º 2, DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO - LEI DE ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Sumário: Se o apoio judiciário foi requerido tempestivamente, na pendência do litígio, e antes da decisão final do processo, a sua concessão produz efeitos plenos, abrangendo toda a tributação processual, a isso não se opondo o regime plasmado no artigo 18.º, n.º 2, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais de AA, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lamego, em que é requerido BB – e, ainda, CC –, foi proferida decisão final, em 15 de Julho de 2024, que, além do mais, determinou que as custas ficassem “a cargo dos requeridos em igual proporção (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ex vi artigo 33.º, n.º1 do RGPTC)”.


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            Em 15 de Outubro de 2024 foi elaborada a conta de custas da responsabilidade de BB no valor de € 630,12 (seiscentos e trinta euros e doze cêntimos), tendo o mesmo sido notificado para os termos do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) nessa mesma data.

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            A 29 de Outubro de 2024 o requerido apresentou o seguinte requerimento: “BB, notificado para pagar custas da sua responsabilidade, vem dizer e solicitar a Vossa Ex.ª o seguinte: Ao requerido BB foi concedida proteção jurídica nas modalidades de: Pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e Nomeação e pagamento da compensação a patrono, conforme consta a fls…. dos autos no e-mail datado de 28 de Junho de 2023 da Segurança Social. /Termos em que o referido BB se encontra isento do pagamento constante das guias que ora lhe foram enviadas referentes às custas do processo, pelo que se solicita que as mesmas sejam dadas sem efeito.”

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            A 26 de Novembro de 2024 foi lavrada a seguinte cota pela Secção de processos: “O disposto no artº. 18 nº. 2 da Lei 34/2004 de 29/07 (Lei do Apoio Judiciário) refere que o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que só se a insuficiência económica for superveniente (devendo a mesma ser alegada) é que poderá ser solicitada no decurso do mesmo. / Não vislumbrei nos autos qualquer alegação de insuficiência económica superveniente. /Ora o requerido BB interveio no processo 11-02-2020 refª. 4007388 solicitado o apoio judiciário em 25-05-2023 e deferido a 27-06-2023 e não tendo sido alegada qualquer insuficiência económica superveniente, não poderá o mesmo o beneficiar da dispensa de pagamento de Taxa de Justiça e demais encargos com o processo. /Diferente sucede nos processos de natureza penal, em que o apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância (artº. 44 nº. 1 da Lei do Apoio Judiciário). /É pois o que me cumpre exarar face ao explanado e às disposições legais acima referidas, levando os autos Conclusos à Mmª. Juiz , para os fins tidos por convenientes.”

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            A 29 de Novembro 2024 o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão relativamente à questão do pagamento das custas processuais:

“Veio o requerido BB invocar por requerimento apresentado a 28.06.2023 foi junto aos autos comprovativo da concessão de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que não terá de proceder ao pagamento da taxa de justiça.

Pronunciou-se a secção. Vejamos.

O requerido BB teve a sua primeira intervenção nos autos em 13.06.2019 com a junção de procuração; juntou novo requerimento em 13.11.2019. Esteve presente na conferência pais no dia 20.01.2020; apresentou alegações em 11.02.2020.

Em 26.05.2023 é que veio juntar aos autos o comprovativo do pedido formulado para concessão do beneficio de apoio judiciário; sendo a decisão de deferimento do pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono proferida a 28.06.2023.

Dispõe o art. 18º da Lei 34/2004 de 29 de Julho “ (…) 2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.

3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos (…).

O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no art.º 20.º, n.º 1, da CRP.

Dos autos resulta, por um lado que a decisão de concessão de apoio judiciário foi junta após várias intervenções do requerente nos presentes autos e por outro lado que a própria decisão da SS e mesmo o pedido foram formulados já no decurso destes autos.

Analisada a decisão verifica-se que da mesma consta “O apoio judiciário requerido destina-se: propor acção judicial- processo: 928/19.4T8LMG”.

Acresce que, após a primeira intervenção no processo o apoio apenas pode ser pedido se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.

Não foi feita qualquer alegação da insuficiência económica, nem no processo, nem no pedido formulado.

De todo o modo o apoio foi concedido e não compete ao tribunal atualmente apreciar o pedido de apoio judiciário, mas sim à Segurança Social, nos termos da LAJ, referido artº 20º. O tribunal não pode retirar efeito à decisão, sob pena de estar a imiscuir-se sem apoio na lei, num poder que já não tem – Vd. Ac. RG (penal) de 10.03.2011, processo nº. 39/09.0PABRG.AG1, onde se refere: “ Como a propósito bem salienta a Exm.ª Procuradora-Geral adjunta no seu esclarecido parecer, “constatando-se que o pedido de apoio judiciário foi deferido por quem tinha competência para o fazer afigura-se-nos que não poderá, nem deverá o Tribunal pronunciar-se sobre o seu deferimento e sobre as consequências desse deferimento, limitando o seu alcance, por carecer de legitimidade e competência para o fazer.”

Perfilhamos, no entanto, o entendimento seguido no Acórdão da Relação de Évora, de 12.06.2019, in www.dgsi.pt, onde se sumariou, entre o mais que “como decorre do disposto no n.º2 do art.º 18º da Lei do Apoio Judiciário, “O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.”

Do que se pode retirar, acompanhando o Cons. Salvador da Costa, na sua obra Apoio Judiciário, em comentário a este artigo, que se a insuficiência económica for superveniente “o benefício do apoio judiciário só opera em relação aos atos ou termos posteriores à formulação do pedido.”

V - Não requerendo a parte, ab initio, o benefício de apoio judiciário, é de retirar dessa conduta que a parte assume que tem capacidade para custear as despesas do pleito, podendo, a qualquer momento, verificando que não tem capacidade para custear alguma fase do processo ou quaisquer encargos futuros, solicitar o competente apoio judiciário o qual, uma vez deferido, lhe permite continuar a pleitear para o futuro, sem custear as custas devidas a partir do momento em que solicitou esse benefício (se o mesmo lhe for concedido).”

Face ao exposto, temos de concluir que, ainda que se tenha em consideração a decisão de concessão do beneficio do apoio judiciário ao requerido BB, tal pedido foi formulado e deferido após a primeira intervenção processual do requerido, operando apenas para os termos posteriores à sua formulação, ou seja, sendo a taxa de justiça em causa devida em momento anterior a mesma terá de ser liquidada (o art. 15º do RCP apenas dispensa pagamento prévio), pelo que, indefere-se o requerido.

Notifique.”


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            Inconformado com esta decisão veio recorrer BB e nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

“1ª) O recorrente solicitou ao Tribunal “a quo” o pedido de não proceder ao pagamento da taxa de justiça na conta do processo ora em causa, dado que ao mesmo lhe havia sido concedido Proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo em 27-06-2023.

2ª) Entendeu o Meritíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal “a quo” que quando a insuficiência económica for superveniente só deve operar em relação aos actos ou termos posteriores à formulação do pedido de Apoio judiciário.

3ª) Decidiu o Meritíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal “a quo” que a taxa de justiça devida em momento anterior à formulação do pedido de Apoio judiciário teria que ser liquidada, indeferindo o requerido pelo recorrente.

4º) A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 20º assegura o direito de acesso à justiça, impondo ao Estado a obrigação de garantir que ninguém seja prejudicado pela falta de meios financeiros.

5ª) O Tribunal “a quo” não tem legitimidade para desconsiderar o benefício de Apoio judiciário concedido ao ora recorrente

6º) O tribunal “a quo” não pode cobrar uma taxa de justiça ao recorrente precisamente na altura em que o mesmo beneficia do Apoio judiciário já referido.

7ª) O tribunal “a quo” não considerou as circunstâncias da actual insuficiência económica do recorrente, que levaram à concessão do Apoio judiciário.

8ª) O Despacho de indeferimento do Pedido de não pagamento da taxa de justiça por parte do ora recorrente, coloca-o em condições de desigualdade processual.

Termos em que, nos melhores de Direito, que Vossas Ex.ªs Venerandos Juizes Desembargadores doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser revogado o Despacho de indeferimento proferido pelo Tribunal “a quo”, e em substituição, deferido o pedido de não pagamento da taxa de justiça, considerando a actual insuficiência económica superveniente do recorrente.

Assim se fazendo e já costumada Justiça”.


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O Ministério Público contra-alegou aduzindo as seguintes conclusões:

“1. Não está em causa, nos autos, a decisão de concessão do apoio judiciário, que, naturalmente, compete aos serviços da Segurança Social, conforme resulta do quadro legal aplicável, mas antes a apreciação dos efeitos e abrangência daquela decisão nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais em causa, para a qual o tribunal a quo dispõe de plena legitimidade e competência;

2. Entende, o ora recorrente, que, tendo-lhe sido concedido apoio judiciário, requerido já no decurso da ação, por ter ficado em situação de insuficiência económica, após a instauração da RERP, não lhe cabe efetuar o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição da mesma ação, cujo pagamento prévio foi dispensado, por se tratar de processo de jurisdição de menores, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais;

3. A concessão de apoio judiciário apenas tem efeitos para o futuro, assim não abarcando conduta processual pretérita. O benefício de apoio judiciário, na modalidade concedida, só produz efeitos em relação a taxa de justiça e demais encargos que sejam devidos após a formulação do respetivo requerimento de proteção de jurídica;

4. No caso, para que o ora recorrente pudesse beneficiar de dispensa do pagamento de taxa de justiça devida no processo e dos demais encargos, o pedido de apoio judiciário tinha de ter sido apresentado, pelo mesmo, junto da Segurança Social, antes da sua primeira intervenção processual, devendo comprová-lo nos autos, o que não ocorreu;

5. Apesar de desonerado do prévio pagamento da taxa de justiça, não fica o ora recorrente desonerado de pagar o que vier a ser contado, por devido, já que de mero adiamento do pagamento se trata, sendo que o apoio judiciário concedido ao ora recorrente apenas foi requerido no decurso da ação e não antes da sua instauração;

6. Consequentemente, o ora recorrente não se encontra dispensado do pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos do processo.

Nestes termos, deverá o recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

V. Ex.ª s, porém, e como sempre, farão Justiça.”


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo a questão a apreciar saber se o recorrente deve ou não pagar as custas contadas no processo de regulação das responsabilidades parentais supra identificado.

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A. Fundamentação de facto.

Além da factualidade que resulta do antecedente relatório está, ainda, provado que:

1. Em 3 de Outubro de 2019 o Ministério Público propôs acção de regulação das responsabilidades parentais do menor AA contra BB e CC – Proc. n.º 928/19.4T8LMG –, tendo o requerido sido citado e intervindo naqueles autos a partir do requerimento com a ref.ª citius 3857051, de 13 de Novembro de 2019.

2.  Em 26 de Maio de 2023 BB apresentou requerimento com vista à concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono o qual foi deferido a 27 de Junho de 2023.

3. A conta de custas do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 928/19.4T8LMG foi notificada a BB a 15 de Outubro de 2024.


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B. Fundamentação de Direito.

A questão a resolver neste recurso consiste em indagar se o ora recorrente deve ou não pagar as custas contadas no processo de regulação das responsabilidades parentais supra identificado.

Entendeu-se na decisão recorrida que a concessão de apoio judiciário apenas tem efeitos para o futuro, não abarcando a conduta processual pretérita, razão pela qual o benefício de apoio judiciário, nomeadamente na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” só produz efeitos em relação a taxa de justiça e demais encargos que sejam devidos após a formulação do requerimento de protecção jurídica. Como tal, para que o ora recorrente pudesse beneficiar de dispensa do pagamento de taxa de justiça devida no processo e dos demais encargos, o pedido de apoio judiciário tinha de ter sido apresentado, pelo mesmo, junto da Segurança Social, antes da sua primeira intervenção processual, devendo comprová-lo nos autos, o que não ocorreu.

Por seu turno, segundo o recorrente, na senda do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o tribunal a quo não tem legitimidade para desconsiderar o benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido e cobrar uma taxa de justiça ao recorrente precisamente na altura em que o mesmo beneficia desse apoio, tendo a 1.ª Instância desvalorizando as circunstâncias da actual insuficiência económica do recorrente, que levaram à concessão do apoio judiciário e colocando-o em condições de desigualdade processual.

Vejamos.

É pacífico que cabe na competência exclusiva da Segurança Social a apreciação da oportunidade e atendibilidade de requerimento de apoio judiciário apresentado na pendência de acções judiciais, depois da primeira intervenção processual do requerente – cf., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-05-2024, Proc. n.º 10/19.4T8VVD.G1.[2]

O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, relativo ao “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, no seu n.º 1, prescreve que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Em linha com este preceito constitucional, a Lei n.º 34/2004, de 29-07, que aprovou a designada Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (LADT), dispõe no seu artigo 1.º, n.º 1: “O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.

O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por escassez ou dificuldades económicas, seja denegada justiça a todos aqueles que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais e, segundo o artigo 7.º, n.º 1, da LADT, são beneficiários de protecção jurídica os cidadãos nacionais, da União Europeia, estrangeiros e apátridas, com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica.

De acordo com o artigo 18.º da LADT, intitulado “Pedido de apoio judiciário”, na redacção conferida pela Lei n.º 47/2007, de 28-08:

“1. O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.

2. O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.

3. Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º

4. O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.

5. O apoio judiciário mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado.

6. Declarada a incompetência do tribunal, mantém-se, todavia, a concessão do apoio judiciário, devendo a decisão definitiva ser notificada ao patrono para este se pronunciar sobre a manutenção ou escusa do patrocínio.

7. No caso de o processo ser desapensado por decisão com trânsito em julgado, o apoio concedido manter-se-á, juntando-se oficiosamente ao processo desapensado certidão da decisão que o concedeu, sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior”.

Está em causa, neste momento, fundamentalmente, a interpretação do n.º 2 do artigo 18.º da LADT.

A propósito da aplicação deste  normativo, Salvador da Costa – O Apoio Judiciário, 10.ª edição actualizada e ampliada, 2021, p. 67 – tece as seguintes considerações: “O n.º 2 prescreve a regra de que o apoio judiciário, nas modalidades acima referidas, deve ser requerido antes da primeira intervenção processual do interessado, e a exceção no caso de a situação de insuficiência económica ser superveniente, caso em que deve ser requerido após o seu conhecimento dessa insuficiência.

Temos, pois, que o apoio judiciário não pode ser requerido em qualquer estado da causa, mas sim antes do seu início, como regra, ou após a verificação da situação económica superveniente do impetrante, como exceção.

Este regime conforma-se com o facto de a insuficiência económica do interessado para custear os custos da demanda se verificar antes da instauração da ação pelo autor, ou da apresentação da posição pelo réu, ou depois da apresentação em juízo das concernentes peças processuais.

Concedido o apoio judiciário previamente à propositura da ação ou aquando da apresentação da contestação, abrange os atos processuais subsequentes à respetiva concessão.

A concessão do apoio judiciário com base na insuficiência económica superveniente do impetrante é suscetível de funcionar, como é natural, em relação à fase do recurso, ou durante o seu decurso, em qualquer caso só em relação aos atos processuais subsequentes à formulação do respetivo pedido.

Para que a referida exceção funcione é necessário que o requerente do apoio judiciário alegue e apresente um mínimo de prova sobre a superveniência da sua insuficiência económica.

Esta circunstância é suscetível de resultar, por exemplo, da superveniência de encargo excecional, derivado da necessidade de realização de uma perícia dispendiosa, ou da perda abruta e grave de bens ou rendimentos”.

In casu, está-se em face de um processo de regulação das responsabilidades parentais prevendo a alínea f), do n.º 1, do artigo 15.º do RCP, a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça pelas partes nos processos de jurisdição de menores.

O recorrente, reitera-se, atenta que tendo o apoio judiciário sido requerido e deferido pela entidade competente, a Segurança Social, na pendência da acção, em que estava dispensado de liquidar a taxa de justiça, comprovada a concessão desse apoio, nada tem a pagar a título de custas.

É facto que há decisões onde se entendeu, tal como no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-06-2019, Proc. n.º 38/16.6T8OLH.E1, citado na decisão recorrida,  que “[n]ão requerendo a parte, ab initio, o benefício de apoio judiciário, é de retirar dessa conduta que a parte assume que tem capacidade para custear as despesas do pleito, podendo, a qualquer momento, verificando que não tem capacidade para custear alguma fase do processo ou quaisquer encargos futuros, solicitar o competente apoio judiciário o qual, uma vez deferido, lhe permite continuar a pleitear para o futuro, sem custear as custas devidas a partir do momento em que solicitou esse benefício (se o mesmo lhe for concedido)”.

No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-11-2023, Proc. n.º 679/22.2T8MTS-A.P1, abordando uma situação de apoio judiciário numa acção de regulação das responsabilidades parentais, exarou-se que o “instituto do apoio judiciário visando obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no art.º 20.º, n.º 1, da CRP, não se destina a produzir efeitos para o passado. A concessão de apoio judiciário apenas tem efeitos para o futuro, nos casos em que o respetivo pedido é formulado na pendência de ação judicial, assim não abarcando conduta processual pretérita. O benefício de apoio judiciário, na modalidade concedida, só produz efeitos em relação a taxa de justiça e demais encargos que sejam devidos após a formulação do respetivo requerimento de proteção de jurídica. E deve ser indeferido o pedido de apoio judiciário “depois do trânsito em julgado da decisão final da causa, salvo com vista à interposição de recurso de revisão”.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acompanhado a interpretação normativa segundo a qual o pedido de apoio judiciário, quando requerido já após a decisão final, não pode implicar um efeito retroactivo em relação à actividade processual já tributada, não constituindo violação da garantia de acesso aos tribunais, nos casos em que a parte litiga sem suscitar a existência de dificuldades económicas e requeira a protecção jurídica apenas para se eximir ao pagamento de custas judiciais em que tenha sido condenada – cf., a este respeito, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13-03-2025, Proc. n.º 3661/23.9T8PTM-A.E1.

Como se dá nota no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/2024, de 05-06-2024: “O que não pode seguramente o recorrente é pretender eximir-se ao pagamento das custas em dívida por efeito da concessão de um apoio judiciário peticionado em momento posterior à prolação da decisão que procedeu à sua condenação em custas”.[3]

Porém, no processo em apreço, a situação não é idêntica à debatida nos processos acima enunciados, em que o apoio judiciário só surgiu depois de já ter sido proferida decisão final.

Na verdade, quando o recorrente apresentou o requerimento de apoio judiciário e foi notificado da decisão da Segurança Social – em 26 de Maio e 27 de Junho de 2023, respectivamente –, ainda não tinha sido proferida decisão judicial no processo, sendo certo que a conta de custas apenas foi notificada em 15 de Outubro de 2024, colocando-se, assim, a questão de saber se, apesar de desonerado do prévio pagamento da taxa de justiça, o recorrente também deve ficar desonerado de pagar o que veio a ser contado no processo após a prolação da decisão final em 15 de Julho de 2024.

A este respeito, rege o artigo 15.º, n.º 2, do RCP: “As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias”.

Tal como anota José António Coelho Carreira – Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2.ª edição, 2018, p. 285: “As partes nos processos de jurisdição de menores se não estiverem isentas de custas ou não beneficiarem de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, serão notificadas pela secretaria do tribunal, e com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para no prazo de 10 dias a contarem da notificação efetuarem o pagamento da taxa de justiça, bem como para juntarem o respetivo documento comprovativo”.

Na situação vertente, o recorrente beneficiava já de apoio judiciário quando foi proferida a decisão judicial que dirimiu o processo de regulação das responsabilidades parentais e fixou a responsabilidade tributária dos intervenientes processuais

Neste sentido, entende-se que, é de acompanhar a jurisprudência sufragada pelos seguintes arestos:

– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-09-2021, Proc. n.º 197/19.6SHLSB-A.L1-5:

“Fixando a lei um prazo para a formulação do pedido do apoio judiciário, se o mesmo for respeitado, o deferimento do pedido abrangerá naturalmente todo o processo, não devendo o aplicador da lei distinguir onde o legislador nenhuma razão viu para diferenciar”;

– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-01-2022, Proc. n.º 582/14.0TBPTG-A.E1:

“Em processo “não penal”, o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.

Deve ser considerado extemporâneo o pedido de apoio judiciário formulado quando a causa a que se dirige está definitivamente julgada, sendo o mesmo deduzido tão-só para evitar o pagamento das custas da ação.

O apoio judiciário, uma vez requerido tempestivamente e sendo contemporâneo com a pendência do litígio, produz os respetivos efeitos em todo o processo”.

Deste modo, na senda da jurisprudência citada, uma vez que é às entidades administrativas e à Segurança Social que compete avaliar e decidir, em exclusivo, a insuficiência económica superveniente do requerente do apoio judiciário, se este foi requerido tempestivamente, na pendência do litígio, e antes da decisão final do processo, a sua concessão, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, produz efeitos plenos, abrangendo toda a tributação processual, designadamente a taxa de justiça de que o recorrente fora dispensado de pagar, nos termos do art. 15.º, n.º 1, al. f), do RCP.

Pelo exposto, procedem, na íntegra, as conclusões recursivas, sendo de revogar a decisão recorrida.

Por ter ganho de causa, não é o recorrente responsável pelo pagamento de quaisquer custas processuais – cf. arts. 527.º e 607.º, n.º 6, ambos a contrario do CPC

Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…).

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida.

Sem custas.


Coimbra, 30 de Setembro de 2025

Luís Miguel Caldas

Hugo Meireles

Cristina Neves (votou vencida)


«VOTO DE VENCIDO»

Voto vencida por entender que o despacho datado de 29/11/2024 transitou em julgado, não sendo assim susceptível de recurso, nem de apreciação nesta Relação, atenta a regra da sucumbência: o valor de custas imputado ao recorrente e que se pretende ver revertido em sede de recurso é € 630,12.

Com efeito, notificado da conta veio o requerido dela reclamar, alegando estar isento do pagamento de custas por lhe ter sido atribuído apoio judiciário. Proferido despacho sobre a pretensão do requerido, este despacho só seria impugnável num grau se o montante excedesse o valor de 50 UC., conforme decorre do disposto no artº 31, nº6 do RCP.

Mesmo que se julgasse inaplicável este preceito ao despacho que se pronuncie sobre a pretensão do requerido de ser dispensado de custas por via do apoio judiciário que lhe foi concedido, ainda assim não seria admissível o recurso nos termos do disposto no nº1 do artº 629 do C.P.C., não existindo qualquer dúvida fundamentada sobre o valor da sucumbência, nem se integrando a decisão da primeira instância ou os fundamentos de recurso nas excepções previstas nos nºs 2 e 3 do artº 629 do C.P.C.

Nestes termos, formou-se caso julgado sobre esta questão, a que não obsta o recebimento do recurso em primeira instância.


Cristina Neves (2ª Adjunta)


[1] Juiz Desembargador Relator: Luís Miguel Caldas / Juízes Desembargadores Adjuntos: Dr. Hugo Meireles e Dra. Cristina Neves.
[2] Acessível, tal como os demais Acórdãos citados, em http://www.dgsi.pt
[3] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240440.html