Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
271/02.8GAACN-A
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50º;56ºDO CP
Sumário: 1.Não existindo relatório social actualizado sobre o arguido e a sua evolução em todo este período, as condenações sofridas não são só por si suficientes para se ter por seguro a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, tanto mais que também naquelas novas condenações se fez um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido.
2.No caso, o juízo de prognose desfavorável subjacente ao despacho ora recorrido vai contra o juízo de prognose favorável da suspensão da execução das penas aplicadas nas posteriores condenações.
3.Assim antes de se proferida decisão sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena, previamente deve ser colhida junto do Instituto de Reinserção Social ou doutra entidade oficial vocacionada para o efeito, informação sobre as condições sócio/familiares e o comportamento social do arguido, em termos de saber se as novas condenações não terão correspondência a um ocasional comportamento desviante.
Decisão Texto Integral: 8

I- Relatório -
1- No referido processo A foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução lhe ficou suspensa por cinco anos, pela prática dum crime de furto qualificado.
Porém, veio a constatar-se que por factos cometidos no período da suspensão, o arguido voltou a ser condenado pelos crimes de detenção de arma proibida e tentado de furto, nas penas, respectivamente, de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano e na pena de 2 anos e 6 meses de prisão também suspensa por igual período de tempo.
Perante estas novas condenações foi-lhe revogada a suspensão da execução da pena neste processo.
O despacho revogatório é do seguinte teor –
1. Por sentença transitada em julgado a 31/10/2003, o arguido foi condenado pela prática dum crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos.
Compulsados os autos verifica-se que por sentença proferida no processo comum singular n.º…/06.3GDSTR que correu no 1.º Juízo Criminal de Santarém, o arguido foi condenado pela prática em 1/8/2006 dum crime de detenção ilegal de arma na pena de 8 meses de prisão suspensa na execução pelo período de 1 ano; e que por sentença proferida no processo comum colectivo n.º …/07.5GAACN do tribunal judicial de Alcanena foi condenado pela prática a 28/5/ 2007 dum crime de furto qualificado na forma tentada e dum crime de detenção de arma proibida, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo.
Tomadas declarações ao arguido, o mesmo veio reconhecer que errou e esclarecer que os actos ilícitos que praticou no decurso do período da suspensão foram motivados por problemas relacionados com a sua dependência do álcool, mas que, entretanto, solicitou apoio ao Centro de Apoio à Toxicodependência de Santarém, onde passou a receber acompanhamento médico. Mais referiu que vive com o filho mais velho, a nora e a neta e que os rendimentos do agregado familiar provêm da sua pensão de reforma e de um subsídio estatal atribuído à sua nora.
O Centro de Apoio à Toxicodependência de Santarém veio informar que o arguido teve a sua última consulta no dia 22 de Abril de 2008.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos.
Notificada para se pronunciar, a Ilustre Defensora do arguido nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Em conformidade com o disposto no artigo 56/1 do CP que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
No entanto salienta Maia Gonçalves que “a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão deixou de provocar automaticamente a revogação da suspensão, contrariamente à solução tradicional, tanto na vigência do CP de 1986 como na da versão originária do Código de 1982. Tudo depende agora tão só do condicionamento estabelecido no nº 1, o qual se aplica a todas as modalidades da suspensão da execução da pena de prisão” (cfr. Código Penal Português, Anotado e Comentado, 15ª edição, pág. 212).
A este propósito, "importa não olvidar que a suspensão da pena de prisão insere-se numa filosofia jurídico-penal assente num princípio de subsidiariedade da pena privativa de liberdade e que pressupõe que, no momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando, pois uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades de punição e, consequentemente, a ressocialização do arguido – em liberdade!” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1998, in CJ, tomo II, pág. 253).
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é, pois, clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção”, “melhora” ou – ainda menos – “metanóia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o “conteúdo mínimo) da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 519).
Pressuposto formal da sua aplicação é que a medida da pena de prisão aplicada (em concreto) não seja superior, actualmente, a cinco anos. Pressuposto material é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido: a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Aliás, nunca será de mais lembrar que a suspensão de uma pena não prejudica os fins da prevenção criminal, sendo a ameaça da sua execução um factor que pode ser altamente dissuasor de novas violações criminais (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, in BMJ n.º 425, pág. 331 e ss).
Assim, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos. A função de socialização constitui actualmente o vector mais relevante da prevenção especial.
A medida das necessidades de socialização do agente é, pois, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1995, in CJ, tomo II , pág. 210 e ss).
Nesta conformidade, a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implicará a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 357), pois que então não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão.
No caso sub judice, verifica-se, desde logo, que o arguido foi condenado pela prática de três crimes no decurso do período da suspensão, sendo um desses crimes de natureza absolutamente idêntica à do crime a que o mesmo foi condenado nos presentes autos. Acresce que, do que nos foi possível avaliar, na sequência das declarações do arguido, este encontra-se perante um quadro sócio/familiar e habitacional muito disfuncional, o que associado a problemas de dependência do álcool já revelados, mas não sujeitos a compensação desde, pelo menos, Abril de 2008, o tem colocado num contexto de marginalização/ afastamento social e profissional.
Na verdade, compulsados os autos, verifica-se que, não obstante tenha sido condenado em pena de prisão, o arguido não tomou consciência de que tinha que aproveitar o período de suspensão da execução da mesma para transformar a sua vida, iniciando, com êxito um processo de reintegração social, procurando ajuda para colmatar os seus problemas de dependência do álcool e para controlar a sua conduta de molde a que o seu comportamento ilícito não se renovasse, nem interferisse com a sua inserção no contexto social.
Acresce que, o arguido não desenvolveu, nem apresentou, quaisquer projectos de inserção social, e as declarações do mesmo lograram criar a convicção no Tribunal de que estaremos perante um verdadeiro caso de insucesso das finalidades de punição.
Assim, não obstante o lapso temporal já decorrido desde a prática dos factos em causa nos nossos autos e a data da condenação e respectivo trânsito, entendemos que apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido será apta a desencadear um processo onde o sistema prisional, no cumprimento da finalidade última da punição penal, pode vir a ser bem sucedido.
Ademais, a natureza dos crimes praticados pelo arguido no decurso do período de suspensão e a personalidade revelada pelo mesmo justificam a opção pela pena privativa da liberdade, afigurando-se que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão poria em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 333).
Neste contexto, é nosso entendimento que o arguido deve cumprir a pena de prisão em que foi condenado na medida em que o prognóstico que foi feito quanto ao seu percurso existencial se encontra, no momento, marcado por um fortíssimo insucesso e que o arguido, após a condenação sofrida nestes autos, voltou a praticar exactamente o mesmo tipo de crime, violando bens jurídicos relevantes.
A ponderação de todos estes elementos permite-nos concluir que o juízo de prognose favorável está definitivamente infirmado e, por conseguinte, deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado.
3. Face ao exposto, o tribunal decide revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos e, em consequência, determinar o cumprimento pelo mesmo da pena de prisão fixada na sentença condenatória.
2- O arguido recorre, concluindo –
a) O presente recurso nasce da inconformidade do recorrente com o despacho que lhe revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos e ordenou o cumprimento da pena de prisão.
b) Entende o recorrente que a M.ma Juiz não considerou convenientemente todas as circunstâncias que são relevantes para a boa decisão da causa.
c) A M.ma Juiz fundamentou a sua decisão no facto do recorrente ter sido condenado pela prática de crimes durante o período da suspensão e no facto de entender que o recorrente tem um agregado familiar disfuncional.
d) Tal conclusão foi alicerçada na convicção que o tribunal retirou das declarações do recorrente, sem que para tanto tenha sido realizado o competente relatório social.
e) Das declarações do recorrente resultou que este está inserido familiarmente e tem rendimentos económicos provenientes de uma pensão de sobrevivência.
f) O tribunal também não considerou devidamente as motivações do arguido nem o facto deste ter manifestado o propósito de continuar o seu programa de desintoxicação do consumo do álcool.
g) A prática dos crimes pelos quais foi condenado no âmbito dos processos 114/06.3GDSTR e 140/07.5GAACN ocorreu quando já tinha decorrido metade do tempo de suspensão da execução da pena.
h) A prática dum crime durante o período em que vigorava a suspensão da pena só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando por ela se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, impõe-se pois que nesses casos se apure se "as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas".
i) Face à fundamentação da suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos e das penas de prisão aplicadas nos processos acima referidos pode concluir-se que apesar da condenação do arguido os Srs. Juízes que proferiram aquelas sentenças entenderam que não havia qualquer razão que impedisse a aplicação da suspensão da execução das penas de prisão, por terem considerado que a ameaça da prisão continuava a ser adequada e suficiente para as finalidades da punição.
j) Acresce que, no que concerne às declarações prestadas pelo arguido e porque importava averiguar da sua veracidade, a M.ma Juiz podia e deveria ter ordenado a realização de relatório social com vista igualmente a apurar se encontrava definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, isto é, se estavam ou não já esgotadas as possibilidades duma socialização em liberdade.
k) Só na posse desses elementos poderia então a M.ma Juiz aferir se se justificava a revogação da suspensão da pena ou se, pelo contrário, o arguido se achava já reintegrado e ressocializado não se impondo a privação da liberdade.
l) Ao não averiguar quaisquer outros factos que justifiquem considerar-se que o recorrente já não merece um juízo de prognose favorável e que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena não foram alcançadas, padece o despacho do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (v/ art.º 410/2- a) do CPP).
m) A M.ma Juiz deveria ter optado em vez da revogação pela imposição de regras de conduta, cumprimento de deveres ou regime de prova, como condicionantes da suspensão.
n) Ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, o despacho violou os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade consagrados constitucionalmente ( art.º 27 da CRP).
o) O despacho violou os artigos 50/2; 56/- b) do Código Penal.
3.1- Respondeu-lhe o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso.
3.2- Porém, em douto parecer o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto vai no sentido do seu provimento.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!

II- Apreciação –
Com o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto não deixaremos de dizer que para a melhor solução do caso será preferível colher previamente junto do Instituto de Reinserção Social ou doutra entidade oficial vocacionada para o efeito, profícua informação sobre as condições sócio/familiares e o comportamento social do arguido, em termos de saber se as novas condenações não terão correspondência a um ocasional comportamento desviante.
Isto porque nas novas condenações que suportam a decisão de revogação da suspensão da execução da pena também nelas as penas aplicadas ficaram suspensas na sua execução -, o que confere alguma incongruência à revogação.
Não existindo relatório social actualizado sobre o arguido e a sua evolução em todo este período, tais condenações não serão só por si suficientes para se ter por seguro a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, já que também nas novas condenações se fez um juízo de prognose favorável ao quanto ao futuro comportamento do arguido.
O juízo de prognose desfavorável subjacente ao despacho esbarra com o juízo de prognose favorável da suspensão da execução das penas aplicadas nas posteriores condenações, a justificar que o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto afirme “poder existir na revogação algum aparente automatismo (…) quando nos parece que em face da insuficiência de elementos atinentes ao arguido se deveria amadurecer melhor a avaliação [ da situação] por forma a que se possa seguramente concluir que o condenado já não é merecedor de qualquer prognose favorável, mesmo que acompanhada de deveres ou regras de conduta.
III- Decisão –
Termos em que se revoga o despacho que deverá ser substituído por outro após se proceder a diligências conducentes a uma avaliação actualizada da postura social do arguido.
Sem custas.
Coimbra,