Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
913/19.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
FURTO DE VEÍCULO
DEVERES DO DEPOSITÁRIO
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 136.º DO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO
Sumário:
I – Na sub-rogação legal, o direito transmitido confere ao solvens (novo credor) os mesmos poderes que cabiam ao credor originário, tornando desnecessária uma declaração de sub-rogação.

II – No âmbito do regime legal do contrato de seguro, ficando o segurador que tiver pago a indemnização – no caso, o segurador do proprietário de veículo automóvel, com cobertura do risco de furto – sub-rogado, na medida do que pagou, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro (furto), importa demonstrar, para tanto, a existência de um terceiro a quem o evento seja imputável.

III – Tendo o proprietário colocado o veículo em oficina para execução de reparação, onde se encontrava, em espaço interior fechado, quando foi objeto de furto com escalamento/arrombamento, e sendo a guarda do veículo um dever secundário ou acessório da obrigação principal (esta traduzida na execução dos trabalhos de reparação previstos no contrato de empreitada), o direito de sub-rogação dependia da demonstração de ter sido violado, pelo depositário, o dever de cuidado e vigilância, não podendo concluir-se que um tal furto seja imputável àquele.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 913/19.6T8LRA
(Juízo Local Cível de Leiria - Juiz 2)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. Relatório
Nos presentes autos de ação de processo comum proposta por Z..., contra M..., Lda. e F..., S.A, todas melhor identificadas nos autos, pede a Autora (A.) que a 2ª Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 14.150,00€ acrescidos de juros de mora vencidos desde 06/09/2018 até efetivo e integral pagamento, caso se prove que o contrato de seguro subscrito com a 2ª Ré cobre o evento ocorrido. Mais pede que a 1ª Ré seja condenada ao pagamento da referida quantia, acrescida de juros de mora vencidos desde 06/09/2018 até efetivo e integral pagamento, caso se prove que o contrato de seguro subscrito com a 2ª Ré, não cobre o evento ocorrido.
Alega, em síntese, que no exercício da sua atividade, celebrou com AA, um contrato de seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, titulado pela Apólice nº ...40, que continha a cobertura facultativa “Furto ou Roubo”, com capital seguro no montante de 14.150,00€, contrato relativo ao veículo de matrícula ..-HH-.., como apólice que junta como doc. nº1 e que dá por integralmente reproduzida.
No âmbito da referida apólice foi participado à A. a ocorrência do furto da viatura segura, entre as 22h30 do dia 11 de março de 2017 e as 14h do dia 12 de março de 2017. O proprietário da mesma viatura apresentou queixa do furto do veículo de matrícula ..-HH-.., junto da PSP – ..., que deu origem ao NUIPC 120/17...., conforme doc. n.º4, que junta e dá por reproduzido.
Da averiguação efetuada pela A. resultou que, em data anterior a 11 de março de 2017, o proprietário da viatura segura colocou-a na oficina propriedade da 1ª Ré, sita na Rua ..., em ..., ..., para a realização de trabalhos de reparação, oficina que está inserida numa zona industrial junto ao ..., sendo as instalações compostas por um pavilhão, um espaço descoberto e vedado nas traseiras do mesmo, assim como um parque na frente, pavilhão que melhor descreve. A oficina donde o veículo seguro foi furtado, não possuí qualquer sistema de vigilância, quer no interior ou exterior do estabelecimento.
Após a ocorrência do furto supra descrito, o tomador de seguro acionou a cobertura “Furto ou Roubo” da Apólice nº ...40 tendo a A. a 12 de agosto de 2017 procedido ao pagamento da quantia de 14.150,00€ ao proprietário do veículo, correspondente ao capital seguro, a título de indemnização pelo furto, conforme recibo de indemnização que junta sob doc. n.º...0 e cujo teor dá por integralmente reproduzido.
Entre o proprietário da viatura segura na A. e a 1ª Ré, foi celebrado um contrato de empreitada, nos termos do qual, a 1ª Ré se obrigou a realizar certa obra, mediante um preço, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1207º do Código Civil. Além da obrigação principal de reparar a viatura, que recaí sobre a 1ª Ré, esta, acessoriamente está também vinculada à obrigação de guardar a viatura pelo tempo necessário à reparação. Assim, tendo ocorrido o furto da viatura segura, a 1ª Ré incumpriu a sua obrigação de restituir o veículo reparado ao s/proprietário, o que se traduz, no incumprimento culposo da obrigação que sobre si recaía, ao abrigo do disposto no artigo 798º e 799º n.º1 e n.º2 do CC, pelo que, é responsável pelos prejuízos que causou ao proprietário da viatura segura, e que, de acordo com o contrato de seguro subscrito com a ora A., ascendem à quantia de 14.150,00€.
A 1ª Ré celebrou com a 2ª Ré, um Contrato de Seguro do ramo Multiriscos, titulado pela Apólice ...92, conforme Apólice que junta sob doc. nº9 e cujo teor dá por integralmente reproduzido, sobre a oficina de onde o veículo seguro foi furtado, pelo que, é a 2ª Ré responsável pela ocorrência do evento, na medida e no limite do contrato de seguro celebrado.
Assim, nos termos do disposto na Cláusula 51ª das Condições Gerais da Apólice nº ...40 “A Z... uma vez paga a indemnização, fica sub-rogada nos respectivos direitos contra os causadores ou outros responsáveis pelos prejuízos, podendo exigir que a subrogação seja expressamente outorgada no acto do pagamento e recusar este, se tal lhe for negado, bem como exigir que lhe seja entregue quitação devidamente autenticada notarialmente”, pelo que, tem a A. direito de sub-rogação a exercer sobre as Rés, da quantia de 14.150,00€, despendida com a regularização do sinistro participado.
Nesse sentido, a A., interpelou as Rés, a 06/09/2018, para o pagamento da citada quantia, tendo as Rés declinado a responsabilidade.
Citada, a Ré M..., Lda. contestou, pugnando pela improcedência da ação. Mais sustenta a sua ilegitimidade. Pede a condenação da A. por litigância de má fé.
Alega, em síntese, que nada deve à Autora, seja a que título for. O sinistro ocorrido deveu-se a circunstâncias fortuitas e acidentais, e não previsíveis, não tendo tido qualquer responsabilidade na verificação do mesmo, não tendo agido com dolo, nem culpa, nem sequer a título de negligência. Mais diz que caso assim não se entenda, o que não concede, sempre se dirá que a responsabilidade por eventuais danos foi transferida para a ré F..., S.A.
A Ré tomou todas as diligências necessárias para guardar o veículo objeto de furto, não tendo contribuído para que o mesmo fosse furtado. O furto constitui um caso de força maior e por tal motivo exclui a responsabilidade do garagista, ora Ré.
Conclui que a Autora não tem fundamento legal nem factual para peticionar o que quer que seja a si, pretendendo locupletar-se à custa de um terceiro, consubstanciando esta atitude da autora enriquecimento sem justa causa, devendo ser condenada por litigância de má fé, “dado que ilegitimamente pretende ser ressarcida pela 1ª Ré de um direito que não lhe assiste e que a própria reconhece na sua petição inicial. (vide artºs 16º, 29º e 30º)”, artigos estes em que a A. refere o contrato de seguro celebrado entre as duas Rés.
A 2ª Ré também contestou, dizendo que deve ser absolvida do pedido.
Para tanto diz, em síntese, que é certo que celebrou com a 1ª Ré um contrato de seguro do ramo Multirriscos Negócio, titulado pela apólice nº ...92, que junta e dá por reproduzida. Tal contrato garante, entre outros, os riscos de “5. FURTO OU ROUBO”, cláusula que descreve.
Porém, de acordo com o alegado na petição inicial e com a averiguação feita pelo perito da Ré, o bem furtado não era propriedade do segurado mas de terceiro. O contrato de seguro celebrado com a ré M... Ldª, permite a contratação a cobertura facultativa de Danos em Bens de Terceiros e estabelece como Âmbito desta Garantia “1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.”
Todavia, tal contrato contém a seguinte exclusão: “2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.”
Conforme alegado pela A. a mesma à data do sinistro teria celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº ...40, o qual garantia a cobertura facultativa de Furto ou Roubo, pelo que nos termos do contrato de seguro celebrado entre a F... e a M... o presente sinistro está excluído da cobertura da apólice dado que o risco se encontra seguro noutra seguradora.
Mais diz que solicitou à GEP que procedesse à peritagem do presente sinistro, o que foi feito de acordo com o documento nº... que junta e dá por reproduzido, tendo o perito apurado condicionalmente o valor da viatura furtada em 12.000,00€.
Tendo em conta os danos apurados a R. F... efetuou o pagamento ao seu segurado do montante de 750,00€ e 2.622,47€, cfr. documento nº3 e 4 que junta e dá por reproduzidos, tendo o seu segurado dado plena e integral quitação no que respeita as “indemnizações por ele devidas ao abrigo da apólice em título em consequência do sinistro referenciado, subrogando-o em todos os nossos direitos contra os responsáveis pelos prejuízos indemnizados.” Assim a R. seguradora nada mais tem a pagar ao abrigo do presente sinistro.
Se a A. efetuou algum pagamento ao seu segurado terá sido porque a ele estava contratualmente obrigada, contrato esse a que a R. é totalmente alheia.
Mais diz que o perito da GEP também apurou que a viatura estava efetivamente no local para venda, pelo valor de 10.000,00€, pelo que o valor do veículo nunca seria o valor reclamado pela A. Acresce ainda que a R. desconhece se a A. pagou o veículo e se está sub-rogada nos direitos do seu segurado dado que não foi junto aos autos qualquer recibo.
Atento ao que a Autora pretende, à economia da decisão importa, fundamentalmente, apreciar e decidir se, por força do Contrato de Seguro Multirriscos, a que respeita a Apólice ...92, a 2ª Ré deve pagar-lhe a quantia peticionada ou, em caso negativo, se a 1ª Ré deve pagar-lhe tal quantia.

Julgada a causa pelo Juízo Local Cível de Leiria, foi proferida a seguinte decisão final:  
“Por todo o exposto julgo a ação parcialmente precedente e, em consequência:
a) Condeno a ré F..., S.A. a pagar à Autora a quantia de 13.250,00€ (treze mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos desde 12/09/2018 e vincendos até integral pagamento, absolvendo esta Ré do mais peticionado;
b) Absolvo a ré M..., Lda. do pedido.
c) Condeno a Autora e a ré F..., S.A no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique.
05/12/2021 (férias judiciais; ac. serv.)”
A Ré, F... SA, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
(…).
Z..., Autora nos autos à margem indicados, apresenta as suas contra-alegações, assim concluindo:
(…)

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da apelante, cumpre apreciar a seguinte questão:
A autora/recorrida está sub-rogada nos direitos do seu segurado tendo o direito de reaver de terceiro o montante por ela pago, ao abrigo do seu contrato de seguro?
A 1.ª instância fixa, assim, a sua matéria de facto:
A) Estão provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A autora, Z...-Sucursal Portugal, exerce a indústria de seguros em diversos ramos.
2. No exercício da sua atividade celebrou com AA, um contrato de seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o qual continha a cobertura facultativa “Furto ou Roubo”, titulado pela Apólice nº ...40, com início a 01/10/2012, através do qual transferiu para a A. a responsabilidade civil decorrente de furtos ou roubos relativamente ao veículo de matrícula ..-HH-.., conforme apólice junta como doc. nº1 da petição inicial e que se dá aqui por integralmente reproduzida.
3. A cobertura facultativa “Furto ou Roubo” tinha como capital seguro o montante de 14.150,00€.
4. No âmbito da referida apólice foi participado à A. a ocorrência de um furto da viatura segura, entre as 22h30 do dia 11 de março de 2017 e as 14h do dia 12 de março de 2017.
5. O proprietário da viatura segura, e simultaneamente segurado da A., AA, apresentou queixa do furto do veículo de matrícula ..-HH-.., junto da PSP – ..., o qual deu origem ao NUIPC 120/17.....
6. Participada a ocorrência do furto da viatura segura a A. diligenciou pela realização de uma averiguação ao mesmo, por forma a apurar os moldes em que ocorrera.
7. Em data anterior a 11 de março de 2017, o proprietário da viatura segura, colocou-a na oficina Ré M..., Lda. (1ª Ré), sita na Rua ..., em ..., ..., para a realização de trabalhos de reparação, a levar a cabo pela 1ª Ré, para posterior venda.
8. A oficina, propriedade da 1ª Ré, onde o veículo seguro se encontrava estacionado para realização de trabalhos de reparação, está inserida numa zona industrial junto ao ..., sendo as instalações compostas por um pavilhão, um espaço descoberto e vedado nas traseiras do mesmo, assim como um parque na frente.
9. O referido pavilhão, possuí um portão de entrada na sua frente para os veículos/clientes, com ligação ao parque frontal, utilizado para estacionamento e que por sua vez está ligado à via pública, sem qualquer vedação.
10. O edifício possuí uma porta na zona traseira, utilizada para o depósito de material/resíduos para o terreno exterior, possuindo ainda diversas janelas e claraboias em seu redor.
11. No dia 12 de março de 2017, AA foi contatado por BB, gerente da 1ª Ré, dando-lhe conta que a viatura segura, havia sido furtada do interior da oficina, o qual, por sua vez, teria sido informado por CC, que havia passado junto à oficina da 1ª Ré, no referido dia e constatou que um portão e uma porta da oficina se encontravam abertos.
12. A referida oficina não possuí qualquer sistema de vigilância, quer no interior quer no exterior da oficina.
13. Quem levou o referido veículo e outros bens ali existentes, no exterior, no alçado lateral direito, no topo, sobre a parede em zona de remate com a cobertura, onde terá chegado com a ajuda de uma escada, arrancou parte das chapas translucidas aí existentes, que fechavam o edifício, após o que se introduziu na oficina, tendo danificado a fechadura do portão, por onde saiu.
14. A 1ª Ré celebrou com a 2ª Ré, F..., S.A., um Contrato de Seguro do ramo Multiriscos, titulado pela Apólice ...92, com início em 12/07/2012, sobre a referida oficina, conforme Apólice junta com a contestação da 2º Ré, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. O tomador do seguro da A., AA, acionou o contrato de seguro subscrito entre si e a A., nomeadamente a cobertura “Furto ou Roubo” - Apólice nº ...40.
16. A 12 de agosto de 2017, sem que o referido veículo tivesse sido encontrado, a A. procedeu ao pagamento da quantia de 14.150,00 € ao proprietário do veículo, correspondente ao capital seguro, a título de indemnização pelo furto.
17. Nos termos a Cláusula 51ª das Condições Gerais da Apólice nº ...40 “A Z... uma vez paga a indemnização, fica sub-rogada nos respectivos direitos contra os causadores ou outros responsáveis pelos prejuízos, podendo exigir que a subrogação seja expressamente outorgada no acto do pagamento e recusar este, se tal lhe for negado, bem como exigir que lhe seja entregue quitação devidamente autenticada notarialmente.”.
18. A 1ª Ré participou a ocorrência supra descrita, à 2ª Ré, conforme Participação de Sinistro junta com a petição inicial.
19. A A., interpelou as Rés, por cartas datadas de 06 de setembro de 2018, para o pagamento da referida quantia de 14.150,00€.
20. A 1.ª Ré respondeu por carta de 10 de setembro de 2018, informando a A., que não lhe caberia pronunciar-se sobre o assunto em apreço, remetendo para a s/seguradora, 2ª Ré, a questão.
 21. A 2.ª Ré respondeu por carta de 12 de setembro de 2018, informando a A. que declinava qualquer responsabilidade emergente do evento supra descrito.
22. O contrato de seguro celebrado entre as Rés, titulado pela Apólice ...92, na “Cláusula 2ª- Objeto e Garantias do Contrato” diz que:
1. O contrato garante, nos termos estabelecidos nas respetivas coberturas contratadas, indemnizações devidas por:
a) Perdas ou danos causados aos bens seguros indicados em Condições Particulares, destinados exclusivamente à atividade do Segurado;
b) Responsabilidade civil extracontratual do Segurado no exercício da sua atividade
2. Mediante convenção expressa nas Condições Particulares poderão ser objeto de contrato outros riscos e/ou garantias de harmonia coim o disposto nas respetivas Condiçoes Especiais que tiverem sido contratadas.”
23. Tal contrato garante, entre outros, os riscos de “5. FURTO OU ROUBO
1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares de indemnizações por danos sofridos pelos bens seguros em consequência de furto ou roubo, tentado, frustrado ou consumado, quando:
a) Praticado com arrombamento - das portas exteriores, telhado, janelas ou paredes, sobrado ou teto do imóvel - escalamento ou chaves falsas;
b) Praticado por quem se introduza furtivamente ou a ocultas no local do risco ou nele se haja escondido para o efeito;
c) Praticado com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
d) Praticado com violência contra as pessoas que trabalhem ou se encontrem no local do risco, ou através de ameaças com perigo eminente para a sua integridade física ou vida, ou pondo-as, por qualquer forma, na impossibilidade de resistir.
2. Para efeitos desta garantia entende-se por:
• Arrombamento: O rompimento, fratura ou destruição no todo ou em parte de qualquer elemento ou mecanismo que sirva para fechar ou impedir a entrada exterior ou interior no estabelecimento seguro, ou lugar fechado dele dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objetos;
 • Escalamento: A introdução no estabelecimento seguro, ou em lugar fechado dele dependente, por telhados, portas, janelas ou paredes ou por qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entrada;
• Chaves Falsas:
• As imitadas, contrafeitas ou alteradas;
• As verdadeiras quando, fortuita ou sub-repticiamente, estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar;
• As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança.
(…)”
24. Incluindo “014-Danos em Bens de Terceiros – o que está seguro
1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.
2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.”, sendo o limite de indemnização de 54.121,6€.
25. Na sequência da participação do sinistro pela 1ª Ré à 2ª Ré esta solicitou à GEP que procedesse à peritagem do sinistro o que foi feito, constando no respetivo relatório junto com a contestação da 2ª Ré:
“(…)
Danos em Bens de Terceiros (condicional)
Viatura Furtada – Foi-nos reclamado o valor e 12.000,00€, conforme consta da listagem (…)
Em consulta no mercado apuramos que o veículo com aquelas características o valor atual é de 13.000,00€ a 13.500,00€ pelo que aceitamos o valor reclamado de 12.000,00€, que fixamos com prejuízo, apurado a título condicional uma vez que a Z... já assumiu o pagamento da indemnização ao seu Segurado. (…)”
26.Tendo em conta os danos apurados a R. F... efetuou o pagamento à sua segurada do montante total de 3.394,47€, de que a 1ª Ré deu “plena e integral quitação (…) no que respeita às indemnizações por ele devidas ao abrigo da apólice em título em consequência do sinistro referenciado, subrogando-o em todos os nossos direitos contra os responsáveis pelos prejuízos indemnizados.”
*
B) Factos não provados:
- O perito da GEP apurou que o valor da viatura era efetivamente 12.000,00€ e que o valor pelo qual se encontrava à venda era 10.000,00€:
- O valor da viatura era 14.150,00€”.
A 1.ª instância entendeu dar razão à Autora, condenando, parcialmente, a 2.ª Ré/Apelante.
Para assim concluir, escreveu:
“O contrato de seguro é o acordo pelo qual o segurador assume, mediante o pagamento de uma retribuição (prémio) paga pelo segurado, a cobertura de determinado(s) risco(s), comprometendo-se a satisfazer as indemnizações ou a pagar o capital seguro em caso de concretização do(s) risco(s), nos termos acordados, ao segurado ou a terceiro (o beneficiário ou o terceiro lesado).
É um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso e de execução continuada - cfr. neste sentido Ac. R.P. de 23/03/2015, proc. 3144/13...., in www.dgsi.pt. Citando este Acórdão, o contrato de seguro “Na maioria dos casos assume-se como um contrato de adesão, pois que a vinculação do segurado faz-se através da subsunção de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais da apólice.”
No caso dos autos, dos factos provados resulta que autora, Z...-Sucursal Portugal, no exercício da sua atividade celebrou com AA, um contrato de seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o qual continha a cobertura facultativa “Furto ou Roubo”, titulado pela Apólice nº ...40, com início a 01/10/2012, através do qual transferiu para a A. a responsabilidade civil, decorrente de furtos ou roubos relativamente ao veículo de matrícula ..-HH-.., tendo a cobertura facultativa “Furto ou Roubo” como capital seguro o montante de 14.150,00€.
Temos também provado que no âmbito da referida apólice foi participado à A., a ocorrência do furto da viatura segura, entre as 22h30 do dia 11 de março de 2017 e as 14h do dia 12 de março de 2017, em consequência do que a A. diligenciou pela realização de uma averiguação ao mesmo, em consequência do que a 12 de agosto de 2017, sem que o referido veículo tivesse sido encontrado, procedeu ao pagamento da quantia de 14.150,00€ ao proprietário do veículo, correspondente ao capital seguro, a título de indemnização pelo furto.
Mais se provou que o veículo de matrícula ..-HH-.., em data anterior a 11 de março de 2017, foi colocado pelo seu proprietário na oficina Ré M..., Lda., sita na Rua ..., em ..., ..., para a realização de trabalhos de reparação, a levar a cabo por esta Ré e que tal oficina está inserida numa zona industrial junto ao ..., sendo as instalações compostas por um pavilhão, um espaço descoberto e vedado nas traseiras do mesmo, assim como um parque na frente, que o pavilhão possuí um portão de entrada na sua frente para os veículos/clientes, com ligação ao parque frontal, utilizado para estacionamento e que por sua vez está ligado à via pública, sem qualquer vedação, e possui uma porta na zona traseira, utilizada para o depósito de material/resíduos para o terreno exterior, possuindo ainda diversas janelas e claraboias em seu redor.
Temos também provado que quem levou o referido veículo e outros bens ali existentes, no exterior, no alçado lateral direito, no topo, sobre a parede em zona de remate com a cobertura, onde terá chegado com a ajuda de uma escada, arrancou parte das chapas translucidas aí existentes, que fechavam o edifício, após o que se introduziu na oficina, tendo danificado a fechadura do portão, por onde saiu.
Provou-se também que 1ª Ré celebrou com a 2ª Ré, F..., S.A., um Contrato de Seguro do ramo Multiriscos, titulado pela Apólice ...92, com início em 12/07/2012, sobre a referida oficina, em cujo interior se encontrava a referida viatura e onde se introduziram através de escalamento, seguindo de arrombamento do referido portão de entrada, após o que a levaram bem como outros bens, como antes referido.
Pretende a Autora obter o pagamento da quantia peticionada, que pagou ao seu segurado, proprietário do veiculo automóvel com matrícula ..-HH-.., objeto do contrato de seguro a que respeita a Apólice ...40, em primeiro lugar da 2ª Ré, por força de contrato de seguro celebrado entre esta e a 1ª Ré, a que respeita a Apólice ...92. Caso se venha a considerar que este contrato de seguro não cobre o sinistro pretende então que a referida quantia lhe se paga pela 1ª Ré. Está-se aqui perante pedido subsidiário – art. 554º, nº1 do CPC.
Por sua vez, a 2ª Ré diz não ser responsável pelo pretendido pagamento por força da cláusula que refere do contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré, com o seguinte teor:
“014-Danos em Bens de Terceiros – o que está seguro
1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, dos danos diretamente sofridos por bens pertencentes a Terceiros, que se encontrem em poder do Segurado, em consequência direta de sinistro garantido pelo presente contrato.
2. Se, no momento em que se verificar qualquer ocorrência coberta por esta cobertura, existirem ou vigorarem outros contratos de seguro que garantam os mesmos danos, subscritos pelos terceiros depositários, em data anterior à da subscrição da presente cobertura, esta funcionará apenas em excesso desses seguros.” (sublinhado nosso), mais precisamente com base no ponto 2. que considera cláusula de exclusão da responsabilidade.
Todavia, na argumentação que apresenta com base neste nº 2 omite a 2ª Ré – cfr. art. 8º da contestação - o excerto que sublinhamos e que, afigura-se-nos, faz toda a diferença para a solução a dar à questão em discussão. É que, se a cláusula não tivesse tal excerto apenas haveria que considerar a existência de dois contratos de seguro no momento do sinistro, enquanto que na versão da cláusula há que contar com outros dois momentos – o da celebração de cada um dos contratos de seguro e só no caso do contrato da 2ª Ré ter sido celebrado em momento posterior ao outro contrato de seguro, no caso o da Autora (que garanta o mesmo dano, subscrito pelo terceiro depositário) é que funciona a cláusula, ou seja, o seguro que garante os mesmos danos, subscrito pelo terceiro depositário, tem de ser de data anterior à do seguro celebrado entre as Rés.
Ora, tal não se verifica no caso dos autos, pois o seguro da 2ª Ré é anterior ao seguro da A. - cfr. II.1.A) 2. e 14.
Significará esta conclusão que a Autora tem direito a todo o valor pago ao seu segurado, por força da cláusula referida em II.1. A) 17.?
A resposta afigura-se-nos ser negativa pois tal cláusula apenas tem validade entre a A. e o seu segurado, podendo a 2ª Ré discutir se o valor indemnizatório correspondente ao capital seguro que foi pago pela Autora é ou não adequado, como fez. E não logrou a Autora provar que tal valor é efetivamente o do veículo à data do sinistro, ou seja do furto – cfr. II. 1.A) 25. e II.1.B).
Assim, considerando ainda a data do início do contrato de seguro e a conhecida desvalorização dos veículos com o decurso do tempo considera-se ser de fixar o valor do veículo e, consequentemente o da indemnização devida pela 1ª Ré à Autora, em 13.250,00€ (média do indicado em II.1.A) 25., como sendo o valor de mercado do veículo e que se posiciona entre o valor pago pela A e o indicado pela 2ª Ré).
Pelo exposto mostra-se prejudicada a apreciação do pedido formulado pela Autora relativamente à 1ª Ré – arts. 554º, nº1 e 608º, nº2, do CPC –, razão pela qual não há que proceder à sua apreciação.
Pede a Autora juros vencidos desde 06/09/2018 e vincendos até integral pagamento.
A mora no cumprimento da prestação constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor pelo não cumprimento atempado, correspondendo a indemnização nas obrigações pecuniárias aos juros a contar do dia da constituição em mora (art°s 804° e 806° do Cód. Civil).
Segundo o art. 805º, nº1 do Cód. Civil há mora do devedor de depois de “ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
No caso dos autos são, pois, devidos juros de mora desde a interpelação da 2ª Ré, que se considera efetuada a 12/09/2018, data da carta de resposta ao pedido de pagamento formulado pela A. por carta datada de 06/09/2018, por não se saber em que data foi rececionada esta carta pela Ré - cfr. II.1.A) 19. e 21. – e não desde 06/09/2018, como peticionado. Os juros devidos são os juros legais civis, à taxa legal, de 4% - art. 559º do Cód. Civil e Portaria nº 291/2003, de 08/04”.
O que alega a apelante:
“a) A A. Recorrida encontra-se sub-rogada nos direitos do seu segurado?
De acordo com o alegado na douta PI a A. Recorrida fundamenta o seu direito de sub-rogação na responsabilidade da 1ª Ré dizendo expressamente (artº27º da PI) “Do Direito de Sub-Rogação da ora A. 27.º Conforme supra exposto, o evento supra descrito é da inteira responsabilidade da 1ª Ré, pois que no âmbito do contrato de empreitada celebrado com o proprietário da viatura segura na ora A., incumpriu os deveres contratuais a que estava obrigada. 28.º  Nomeadamente, o dever de guarda da viatura segura. Pelo que, é a 2ª Ré responsável pela ocorrência do evento, na medida e no limite do contrato de seguro celebrado – Apólice ...92.”
Alega ainda a A. que o veículo furtado se encontrava-se seguro na A. através do chamado seguro de danos próprios - seguro facultativo - que incluía o risco de furto do veículo.
A A., face à informação do furto, alega que paga o valor seguro ao seu segurado.
Note-se que a A. ora Recorrida com a sua petição inicial apenas junta aos autos o documento nº10, print informático, que não é um recibo, que não está assinado e que não contém qualquer declaração de sub-rogação, do recebedor para com o pagador.
Mais, a A. juntou aos autos documento intitulado Condições Gerais Automóvel, que a fls 17 e seguintes contém as cláusulas relativas ao “seguro automóvel facultativo”.
A Cláusula 51º com título sub-rogação, estabelece:
A Z... uma vez paga a indemnização fica sub-rogada nos respetivos direitos contra os causadores ou outros responsáveis pelos prejuízos, podendo exigir que a sub rogação seja expressamente outorgada no ato de pagamento e recusar este, se tal lhe for negado, bem como exigir que lhe seja entregue quitação devidamente autenticada notarialmente.”
Alega ainda a A. na sua PI
“31.º Assim, nos termos do disposto na Cláusula 51ª das Condições Gerais da Apólice, que ora se juntam sob doc. n.º13 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos: “A Z... uma vez paga a indemnização, fica sub-rogada nos respectivos direitos contra os causadores ou outros responsáveis pelos prejuízos, podendo exigir que a subrogação seja expressamente outorgada no acto do pagamento e recusar este, se tal lhe for negado, bem como exigir que lhe seja entregue quitação devidamente autenticada notarialmente”,
32.º Pelo que, tem a ora A., direito de sub- rogação a exercer sobre as Rés, da quantia de 14.150,00 €, despendida com a regularização do sinistro participado.”
Ora,
a) a A. não juntou aos autos qualquer quitação;
b) nem declaração de sub rogação;
Acresce que
c) não alega nem prova que a R. Recorrente, nem o seu segurado são causadores ou responsáveis pelo prejuízo;
(…)No caso dos autos, estamos perante o seguro facultativo não previsto nesse diploma e que se rege pelas condições do contrato de seguro celebrado entre a Recorrida e o seu segurado a que Recorrente é totalmente alheia.
Ora, assim sendo, a A. não tem qualquer fundamento – nem legal nem contratual - para o alegado direito de sub-rogação.
A douta sentença violou os artºs 217º, 589º, 590º do CC
Acresce ainda a A. podia e devia, se assim pretendesse, ter exigido do seu segurado a declaração de sub rogação mas, a verdade é que não exigiu, obstando assim que a própria possa vir a reclamar de terceiro o que alega ter pago pois não está sub rogada nos direitos do segurado.
Mas, ainda que a A. recorrida tivesse tal declaração, tal nunca seria suficiente, só por si, para fundamentar o seu direito”.
Vejamos a lei de seguro – Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16/04:
“Artigo 11.º
Princípio geral
O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção, - nomeadamente as normas imperativas dos artigos 12.º a 15.º -, e os decorrentes da lei geral.
Artigo 136.º
Sub-rogação pelo segurador
1 - O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.
2 - O tomador do seguro ou o segurado responde, até ao limite da indemnização paga pelo segurador, por acto ou omissão que prejudique os direitos previstos no número anterior.
3 - A sub-rogação parcial não prejudica o direito do segurado relativo à parcela do risco não coberto, quando concorra com o segurador contra o terceiro responsável, salvo convenção em contrário em contratos de grandes riscos.
4 - O disposto no n.º 1 não é aplicável:
a) Contra o segurado se este responde pelo terceiro responsável, nos termos da lei; b) Contra o cônjuge, pessoa que viva em união de facto, ascendentes e descendentes do segurado que com ele vivam em economia comum, salvo se a responsabilidade destes terceiros for dolosa ou se encontrar coberta por contrato de seguro.
Ora, o contrato de seguro facultativo, seguro de danos, encerra um negócio jurídico por via do qual a seguradora assume o risco, nomeadamente, no caso de apropriação ilícita, garantindo os danos nos bens seguros, em consequência de furto, de acordo com o definido nas condições gerais, especiais e particulares da apólice, recebendo, em troca, o pagamento do respetivo prémio - o sinistro é o evento, singular ou múltiplo, que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato.
A apólice encerra o documento que titula o contrato de seguro celebrado, de onde constam as respetivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.
Da apólice deverão constar o objeto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objeto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações que visam excluir certo tipo de riscos.
O risco constitui um elemento essencial do contrato de seguro e traduz-se na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, conforme estabelecido no contrato de seguro, a par de que o sinistro é a ocorrência concreta do risco contratado, devendo reunir as mesmas características com que é ali configurado.
Ora, o que alega a apelante:
Que a Autora não juntou aos autos qualquer quitação nem declaração de sub rogação, nem o tinha de fazer, adiantamos nós.
 Desde logo, porque na cláusula que esta levou ao seu contrato - Cláusula 51º com título sub-rogação -, se pode ler que pode exigir que a sub rogação seja expressamente outorgada no ato de pagamento, bem como exigir que lhe seja entregue quitação devidamente autenticada notarialmente.
Mais, não se exigindo prova vinculada para a prova de tais factos, a Autora logrou provar, na 1.ª instância, que: “15. O tomador do seguro da A., AA, acionou o contrato de seguro subscrito entre si e a A., nomeadamente a cobertura “Furto ou Roubo” - Apólice nº ...40; 16. A 12 de agosto de 2017, sem que o referido veículo tivesse sido encontrado, a A. procedeu ao pagamento da quantia de 14.150,00 € ao proprietário do veículo, correspondente ao capital seguro, a título de indemnização pelo furto”, o que se mostra suficiente, para o efeito.
O direito de sub-rogação traduz “a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” - arts. 589º e segs., do Código Civil -, sendo uma forma de transmissão de créditos, que opera a favor de terceiro que cumpre a obrigação do devedor ou com cujos meios a obrigação é cumprida pelo próprio devedor.
A sub-rogação deriva, historicamente, do instituto romano “beneficium cedendarum actionum”, pelo qual os devedores acessórios podiam, quando compelidos a pagar pelo devedor principal, exigir do credor que este sub-rogasse nas ações que lhe competiam contra o devedor, para depois se poderem ressarcir do pagamento efetuado.
Como é sabido, tradicionalmente, a sub-rogação cinde-se em voluntária e legal: voluntária quando provocada pelo acordo entre o sub-rogante e o sub-rogado ou devedor e legal quando deriva de cominação jurídica, associada à adveniência de qualquer outro evento – a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, assim, se não extingue com o cumprimento, nos termos do art. 593º do Código Civil.
Tratando-se de sub-rogação legal - quando opera por determinação da lei, independentemente de declaração do credor ou devedor – o direito transmitido confere ao solvens - novo credor - o mesmo amplexo de poderes e deveres jurídicos que se encontrava na esfera do credor originário, sendo, por isso, desnecessária a expressa sub-rogação do credor ao sub-rogado da sua posição, não se exigindo, por isso, uma expressa declaração de vontade nesse sentido, manifestada no acto do cumprimento da obrigação ou anteriormente.
A sub-rogação, no âmbito do contrato de seguro, funda-se no disposto no mencionado artigo 136º, cujo nº 1 dispõe que “o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro”.
Consequentemente, as condições da sub-rogação pelo segurador são, tão só, o pagamento da indemnização por força do contrato de seguro e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável que, uma vez verificadas, fazem funcionar a sub-rogação “ipso iure” - por via do que o segurador adquire os poderes que ao segurado competiam contra o terceiro responsável.
Alega, ainda, a Apelante:
“Acresce que, a A. teria que ter alegado e provado que o furto era da responsabilidade da M..., Lda ou que a R. M... era a causadora do furto (…)  Para exercer legalmente o seu eventual direito de sub-rogação a A. Recorrida teria que ter alegado e provado que o furto era da responsabilidade da M..., Lda. elencando e provando todos os pressupostos da responsabilidade civil da R. M..., nomeadamente o facto ilícito, a culpa e o nexo de causalidade entre estes e os danos.
Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que, neste particular, a Apelante tem razão.
Devassados os autos, temos como assente que:
“2. No exercício da sua atividade celebrou com AA, um contrato de seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o qual continha a cobertura facultativa “Furto ou Roubo”, titulado pela Apólice nº ...40, com início a 01/10/2012, através do qual transferiu para a A. a responsabilidade civil decorrente de furtos ou roubos relativamente ao veículo de matrícula ..-HH-.., conforme apólice junta como doc. nº1 da petição inicial e que se dá aqui por integralmente reproduzida.
3. A cobertura facultativa “Furto ou Roubo” tinha como capital seguro o montante de 14.150,00€.
4. No âmbito da referida apólice foi participado à A. a ocorrência de um furto da viatura segura, entre as 22h30 do dia 11 de março de 2017 e as 14h do dia 12 de março de 2017.
5. O proprietário da viatura segura, e simultaneamente segurado da A., AA, apresentou queixa do furto do veículo de matrícula ..-HH-.., junto da PSP – ..., o qual deu origem ao NUIPC 120/17.....
6. Participada a ocorrência do furto da viatura segura a A. diligenciou pela realização de uma averiguação ao mesmo, por forma a apurar os moldes em que ocorrera.
7. Em data anterior a 11 de março de 2017, o proprietário da viatura segura, colocou-a na oficina Ré M..., Lda. (1ª Ré), sita na Rua ..., em ..., ..., para a realização de trabalhos de reparação, a levar a cabo pela 1ª Ré, para posterior venda.
8. A oficina, propriedade da 1ª Ré, onde o veículo seguro se encontrava estacionado para realização de trabalhos de reparação, está inserida numa zona industrial junto ao ..., sendo as instalações compostas por um pavilhão, um espaço descoberto e vedado nas traseiras do mesmo, assim como um parque na frente.
9. O referido pavilhão, possuí um portão de entrada na sua frente para os veículos/clientes, com ligação ao parque frontal, utilizado para estacionamento e que por sua vez está ligado à via pública, sem qualquer vedação.
10. O edifício possuí uma porta na zona traseira, utilizada para o depósito de material/resíduos para o terreno exterior, possuindo ainda diversas janelas e claraboias em seu redor”.
“11. No dia 12 de março de 2017, AA foi contatado por BB, gerente da 1ª Ré, dando-lhe conta que a viatura segura, havia sido furtada do interior da oficina, o qual, por sua vez, teria sido informado por CC, que havia passado junto à oficina da 1ª Ré, no referido dia e constatou que um portão e uma porta da oficina se encontravam abertos.
12. A referida oficina não possuí qualquer sistema de vigilância, quer no interior quer no exterior da oficina.
13. Quem levou o referido veículo e outros bens ali existentes, no exterior, no alçado lateral direito, no topo, sobre a parede em zona de remate com a cobertura, onde terá chegado com a ajuda de uma escada, arrancou parte das chapas translucidas aí existentes, que fechavam o edifício, após o que se introduziu na oficina, tendo danificado a fechadura do portão, por onde saiu;”
A ré F... estaria obrigada a reembolsar a autora se o segurado da F... - a ré M... - respondesse pelo furto do veículo. Ora, com o devido respeito, os autos não nos fornecem elementos suficientes para a responsabilizar. Senão vejamos.
A M... tinha o veículo nas suas instalações por efeito de um contrato de prestação de serviços/empreitada celebrado entre ela e o segurado da autora - AA. Apesar de a ré ter o dever de guardar o veículo e de o restituir quando ele estivesse reparado, parece-me que não se pode afirmar que o veículo tenha sido furtado porque a ré não cumpriu,culposamente, o dever de o guardar.
Resulta da matéria de facto que o veículo estava no interior das instalações, que estas estavam fechadas e que o ou os autores do furto introduziram-se no interior pela cobertura com a ajuda de uma escada e que arrombaram. Estamos, pois, perante um furto qualificado, com arrobamento e escalamento. As circunstâncias em que se deu o furto fazem presumir que o furto se deu fora do horário de funcionamento da oficina. Assim sendo, a única forma de evitar o furto teria sido a existência de pessoas a vigiar as instalações.
Perguntamos: era exigível à ré que quando não estivesse a laborar contratasse pessoal para vigiar as instalações, com o fim de evitar os furtos dos veículos do interior das instalações?
Parece-nos que não, à luz do critério da culpa apreciada pela diligência de um bom pai de família - n.º 2 do artigo 87.º aplicável por remissão do artigo 799.º do Código Civil. Já assim o foi entendido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.03.1983,BMJ, 325.º-564, citado no Código Civil anotado, Abílio Neto, 14.ª Edição actualizada, onde se lê: “I – O furto, é por si mesmo, uma causa não imputável ao depositário, para o efeito do art. 1188.º do Cod. Civil, isto é, para o efeito de exonerar o depositário das obrigações de guarda e restituição. II – Assim, provado o furto da coisa depositada, fica o depositário, por isso mesmo, exonerado dessa obrigação; só sobrevindo impossibilidade de cumprimento por outras causas que não as previstas no artigo, é que o depositário teria de provar a sua falta de culpa, de harmonia com o art. 799.º do Cod. Civil.”
Sendo a guarda do veículo um dever secundário ou acessório da obrigação principal, a execução dos trabalhos de reparação do veículo previstos no contrato de empreitada, por contraposição aos deves acessórios de conduta - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol I, 10ª ed., pgs 121/128; Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pág. 7680 -, haveria que apurar se houve violação do dever cuidado e vigilância que incidiam sobre a 1ª R. atento ao disposto nos artºs 762º, nº 1, 798º e 799º, nº 1 e 2, e 487º, nº 2, todos do Código Civil.
Ora, perante o que resulta provado nos pontos 8 a 13, não existe fundamento factual que permita configurar tal violação por parte da 1ª R, por não ter adoptado uma outra conduta, que ser-lhe-ia exigível de acordo com padrão imposto pela lei - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4«5ª ed., pg 311 -, nem permite tão-pouco a aplicação da presunção de culpa, o que obsta, consequentemente à condenação da seguradora ora Apelante.
Procede, pois, a apelação, revogando-se a decisão do Juízo Local Cível de Leiria, com a consequente absolvição da Ré, ora Apelante, do pedido.

As conclusões (sumário):
(…).

4.Decisão
Na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Leiria – J2, absolvendo-se a ré F... SA do pedido.

Custas a cargo da apelada.

Coimbra, 5 de Abril de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Paulo Brandão - 1.º adjunto)

(Arlindo Oliveira– 2.º adjunto)