Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS MOMENTO ATÉ AO QUAL PODEM SER APRESENTADAS | ||
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Data do Acordão: | 11/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PINHEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 1129.º, DO CPC ARTIGOS 11.º A 13.º E 15.º, DA LEI N.º 117/2009, 13/9 ARTIGOS 1.º; 2.º; 8.º; 30.º; 32.º; 47.º, 1 E 5; 48.º, 1, 2 E 4 E 79.º, 1, DO RJPI | ||
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Sumário: | 1. A previsão do n.º 5 do art.º 32º do regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05.3 [que reza: as reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao início da audiência preparatória, sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável] não afasta o entendimento de que o mesmo interessado pode deduzir nova acusação de bens desde que não respeite aos que constituíram objeto da anterior (bens existentes na data em que deduz a arguição). 2. Relevando as disposições transitórias da Lei n.º 117/2019, de 13/9 (máxime, art.ºs 11º a 13º) e a relativa diversidade do objeto das reclamações, essa solução colherá ainda apoio na circunstância de, transcorridos mais de cinco anos, nada se ter decidido na fase notarial do inventário em que foram apresentadas. 3. À luz do disposto no art.º 1104º do CPC (redação da Lei n.º 117/2019, de 13.9), as reclamações contra a relação de bens são necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições, sob pena de preclusão, o que decorre de um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa, impondo às partes cominações e preclusões (anteriormente inexistentes). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Apelação 152/22.9T8PNH-A.C1 * (…) *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. AA requereu inventário, para partilha dos bens subsequente a divórcio, contra BB (cabeça de casal). Os autos, instaurados no Cartório Notarial, depois de vicissitudes várias e transcorridos mais de cinco anos, foram remetidos ao Juízo Local Cível ... – Comarca .... Neste Tribunal, a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho (de 15.5.2023): «I. / Tomei conhecimento de todo o processado. / Consigna-se que, notificados nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, n.º 2, da Lei 117/2019, de 13/9, não foram deduzidas impugnações contra decisões proferidas pela Sr.ª Notária.
II. / Através de requerimento datado de 01/03/2018 veio a cabeça-de-casal apresentar a reclamação[1] de bens. / Nos termos e para os efeitos previstos do artigo 32º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, o interessado AA apresentou reclamação contra a relação de bens na data de 14/08/2018. / Na data de 27/09/2018, veio a cabeça-de-casal responder à reclamação contra a relação de bens apresentada. / Por requerimento de 24/10/2018, veio o interessado exercer o contraditório quanto à resposta apresentada. / Através de requerimento datado de 07/10/2021, veio o interessado AA apresentar nova reclamação contra a relação de bens apresentada. Cumpre regularizar o processado de acordo com a tramitação legal. Pelo exposto: a) por intempestiva e legalmente inadmissível, rejeita-se a (segunda) reclamação de bens apresentada através de requerimento datado de 07/10/2021 e determina-se o seu desentranhamento dos autos, mantendo-se a reclamação contra a relação de bens apresentada a 14/08/2018, sem prejuízo do que as partes venham a acordar quanto a tal propósito; b) por não ter previsão legal o articulado de “resposta à resposta”, determino o desentranhamento do requerimento apresentado pelo interessado AA a 24/10/2018. Sem custas, apenas atenta a simplicidade do incidente, advertindo-se as partes que a futura apresentação de requerimentos anómalos e sem previsão legal será adequadamente tributada. (...)
III. / Por considerar conveniente e por se afigurar possível a obtenção de um acordo sobre reclamação contra a relação de bens apresentada, revelando-se útil a audição do ex-casal e de forma a procurar promover o célere andamento dos autos, pendentes há quase seis anos (!) decido convocar uma audiência prévia subordinada a tais fins, nos termos do disposto no artigo 1109º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. / Em face do exposto, designo o dia (...), para a realização da audiência prévia. / Notifique (...).» Dizendo-se inconformado, o requerente apelou[2] formulando as seguintes conclusões: 1ª - Em 07/10/2021, o Recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 32º, n.ºs 1 e 5, do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), junto do Cartório Notarial onde os presentes autos de Inventário corriam termos àquela data, apresentou uma reclamação à relação de bens, tempestivamente, na justa medida em que àquela data ainda não fora iniciada a conferência preparatória a que aludem os art.ºs 47º e 48º do RJPI. 2ª - Encontrando-se os referidos autos parados, sem realização de diligências úteis por período superior a seis meses - nomeadamente despacho de admissão da reclamação apresentada pelo Exmo. Senhor Notário - em 23.8.2022, o Recorrente requereu a sua remessa para o Tribunal competente, nos termos conjugados dos art.ºs 13º e 12º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 117/2019, de 13.9, o que veio a suceder em 06.3.2023. 3ª - Nos termos conjugados dos art.ºs 11º, n.º 2, e 13º, n.º 3, da Lei n.º 117/2019, de 13.9, o RJPI, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 05.3, continua a aplicar-se aos presentes autos no que concerne à tramitação anterior à sua remessa a juízo, ou seja 06.3.2023, apenas lhes sendo aplicável o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil (CPC) após aquela. 4ª - O Tribunal a quo ao não admitir a reclamação à relação de bens apresentada pelo Recorrente em 07.10.2021 junto do Cartório Notarial fundamentou-se exclusivamente na sua intempestividade, alicerçando-se, erroneamente, no atual CPC, apenas aplicável aos presentes autos, reitera-se, após 06.3.2023. 5ª - Quanto à aplicação sucessiva no tempo de distintas leis processuais, a regra é a de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa, presumindo-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular – vide art.º 12º, n.º 1, do Código Civil (CC). 6ª - Sendo aplicável o atual CPC aos presentes autos apenas após 06.3.2023 não se poderá ajuizar quanto à (in)tempestividade de uma reclamação à relação de bens apresentada em momento anterior com base naquele, mas sim considerando a legislação aplicável àquela data, ou seja, o RJPI, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 05.3, segundo o qual aquela foi tempestivamente apresentada. 7ª - Entendimento diverso, como aquele sufragado pelo Tribunal a quo, sempre se mostraria violador das legítimas expetativas do Reclamante em processo de Inventário, fundadas na Lei, o qual, atenta a legislação aplicável àquela data, confiava que poderia apresentar reclamações à relação de bens até ao início da conferência preparatória a que aludem os art.ºs 47º e 48º do RJPI, adotando uma estratégia processual condizente. 8ª - A interpretação do Tribunal a quo do art.º 13º, n.º 3, da Lei n.º 117/2019, de 13.9, no sentido de aplicar retroativamente o atual CPC a uma reclamação deduzida sob a alçada do RJPI, ofende o princípio constitucional da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito que se encontra consagrado no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 9ª - A decisão proferida pela Tribunal a quo não respeitou a necessidade de contradição a que alude o art.º 3º, n.º 3, do CPC, proferindo uma verdadeira “decisão surpresa” - em momento algum foi o Recorrente notificado para se pronunciar quanto à (in)admissibilidade da reclamação à relação de bens apresentada junto do Cartório Notarial em 07.10.2021. 10ª - Tal violação do contraditório é ainda mais gritante no caso sob apreciação, na justa medida em que nos termos do especificamente preceituado no n.º 4 do art.º 13º da Lei n.º 117/2019, de 13.9, determinada que seja a remessa do processo ao Tribunal, o Juiz, ouvidas as partes, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial. 11ª - Tal “prévio contraditório” assume especial relevo em casos como o vertente em que a tramitação do processo de inventário se processou junto do Cartório Notarial ao longo de quase seis anos, com audição de testemunhas e dedução de duas reclamações, em momento anterior ao início da audiência preparatória e, assim, admissíveis nos termos do preceituado no art.º 32º, n.ºs 1 e 5 do RJPI. 12ª - O legislador pretendeu privilegiar, na eventualidade de remessa de inventário notarial para o Tribunal, não só o contraditório das partes quanto à tramitação subsequente, mas também a validade dos atos anteriormente praticados ao abrigo do RJPI. 13ª - A sentença em crise violou, de entre outras, as seguintes disposições legais: art.ºs 32º, n.ºs 1 e 5, do RJPI; 11º, n.º 2, e 13º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 117/2019 de 13.9; 12º, n.º 1, do CC; 3º, n.º 3, do CPC e 2º da CRP. Remata dizendo que deve ser revogado o referido despacho que “julgou - por intempestiva e legalmente inadmissível - rejeitada a (segunda) reclamação de bens apresentada pelo Recorrente, através de requerimento datado de 07/10/2021, (...) substituindo-se o mesmo por decisão que a admita, seguindo-se os ulteriores termos processuais”. A requerida/cabeça de casal não respondeu. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, há que apreciar e decidir, apenas, sobre a admissibilidade/tempestividade da (segunda) reclamação contra a relação de bens. * II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e o seguinte: a) A relação de bens foi apresentada pela requerida em 01.3.2018, sendo constituída por ativo [bens móveis (verbas n.ºs 1 a 15) e bem imóvel (verba n.º 16)] e passivo [verbas n.ºs 17, 18 e 19, a 1ª, “crédito pessoal habitação” contraído junto da CGD e, as restantes, pretensas “dívidas do Requerido à Requerente”]. b) Notificado para, designadamente, “reclamar da relação de bens – artigo 32º do RJPI”, o requerente, em 14.8.2018, apresentou junto do Cartório Notarial a seguinte reclamação contra a relação de bens:1) acusou a falta de relacionação de uma dívida do casal a CC (seu pai) no montante de € 15 000 (empréstimo), utilizado na aquisição da casa da verba n.º 16; 2) pediu a exclusão dos bens e das “dívidas” das verbas n.ºs 2, 15, 18 e 19; 3) impugnou o valor referido pela cabeça de casal para os bens das verbas n.ºs 1, 3, 8, 9, 11 a 14 e 16, e o crédito da verba 17, referindo desconhecer o valor desta “dívida” (não comprovado documentalmente) e indicando diversos valores para aquelas restantes verbas. c) A cabeça de casal respondeu pugnando pela manutenção da relação de bens “como apresentada pela requerente”; indicou uma testemunha. d) Em 17.01.2020, a Senhora Notária procedeu à inquirição de três testemunhas sobre a matéria da aludida reclamação. e) Sem que houvesse qualquer decisão relativamente à reclamação dita em b), em 07.10.2021, o requerente, invocando o “disposto no artigo 32º, n.ºs 1, alínea a), e 5” do RJPI, apresentou (segunda) reclamação contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1) acusou a falta de relacionação dos bens móveis que integram as 23 verbas do art.º 2º da reclamação, bem como das dívidas do património comum do casal perante o reclamante compreendidas nas 5 verbas do art.º 3º da reclamação[3]; 2) pediu a exclusão das “dívidas” das verbas n.ºs 18 e 19 da relação de bens, porquanto, além do mais, “extravasam claramente o objeto dos presentes autos”[4]. f) Encontrando-se os autos parados, sem realização de diligências úteis por período superior a seis meses - nomeadamente despacho de admissão da reclamação aludida em e) - em 23.8.2022[5], o Recorrente requereu, à Senhora Notária, a sua remessa para o Tribunal competente, nos termos conjugados dos art.ºs 13º e 12º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 117/2019, de 13.9, o que veio a suceder, primeiro, na sequência do despacho da Senhora Notária de 25.10.2022 e, depois, do seu despacho datado de 03.3.2023.[6] 2. Cumpre apreciar e decidir. O presente processo de inventário, com o n.º 1933/17, foi instaurado em finais do ano de 2017; daí, na fase que aqui releva, encontrava-se sujeito ao regime jurídico do processo de inventário (RJPI) aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5.3 (art.ºs 1º, 2º e 8º). Este diploma foi revogado pela Lei 117/2019 de 13.9 (que vigora desde 01.01.2020 – art.º 15º), mantendo-se, no entanto, aplicável aos processos de inventário pendentes em cartório notarial à data da sua entrada em vigor, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 11º da referida Lei[7]. Por conseguinte, à tramitação dos presentes autos aplicou-se (aplica-se), primeiro, o regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05.3 (à tramitação anterior à sua remessa a juízo, ou seja, 06.3.2023), e, depois, o preceituado no atual CPC (na redação conferida pela Lei n.º 117/2019, de 13.9 - cf. art.ºs 11º a 13º).[8] 3. Ante o objeto do recurso, vejamos, agora, as normas (do RJPI) que contendem com a situação em análise. Apresentada a relação de bens, todos os interessados podem, no prazo previsto no n.º 1 do art.º 30º [20 dias], reclamar contra ela: a) Acusando a falta de bens que devam ser relacionados; b) Requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir; ou c) Arguindo qualquer inexatidão na descrição dos bens, que releve para a partilha (art.º 32º, n.º 1, sob a epígrafe “Reclamação contra a relação de bens”). Os interessados são notificados da apresentação da relação de bens, enviando-se-lhes cópia da mesma (n.º 2). Quando o cabeça de casal apresentar a relação de bens ao prestar as suas declarações, a notificação prevista no número anterior tem lugar conjuntamente com as citações para o inventário (n.º 3). No caso previsto no número anterior, os interessados podem exercer, no prazo da oposição, as faculdades previstas no n.º 1 (n.º 4). As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao início da audiência preparatória, sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável (n.º 5) Resolvidas as questões suscitadas que sejam suscetíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o notário designa dia para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (art.º 47º, n.º 1). A conferência pode ser adiada, por determinação do notário ou a requerimento de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões (n.º 5). Na conferência, os interessados podem deliberar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes: a) Designando as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; b) Indicando as verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados; c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados (art.º 48º, n.º 1, sob a epígrafe “Assuntos a submeter à conferência preparatória”). As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de avaliação, requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo notário, destinada a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados (n.º 2). Aos interessados compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e da forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança (n.º 3). Na falta da deliberação prevista no n.º 1, incumbe ainda aos interessados deliberar sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha (n.º 4). Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação (art.º 79º, n.º 1). O inventário segue os termos prescritos nas secções e subsecções anteriores (n.º 3, 1ª parte).[9] 4. A Lei n.º 117/2019, de 13.9, alterou o Código de Processo Civil, nomeadamente, em matéria de processo de inventário, revogou o RJPI, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05.3 e aprovou o regime do inventário notarial (art.ºs 1º a 4º e 10º). Nos termos do art.º 12º da referida Lei, o notário remete oficiosamente ao tribunal competente os inventários em que sejam interessados diretos menores, maiores acompanhados ou ausentes (n.º 1); nos restantes inventários, qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa ao tribunal competente, sempre que: a) se encontrem suspensos ao abrigo do disposto 16º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano; b) estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses (n.º 2). Regulando o “procedimento da remessa”, estabelece o art.º 13º da mesma Lei: O notário, ouvidos os demais interessados, defere o requerimento apresentado por interessado com legitimidade e determina a remessa do processo ao tribunal, no estado em que se encontrar, sempre que se verifiquem os pressupostos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior (n.º 1). No prazo de 15 dias, contados do despacho a que se refere o número anterior, podem os interessados deduzir as impugnações contra decisões proferidas pelo notário, que pretendessem impugnar nos termos do n.º 2 do artigo 76º do regime jurídico do processo de inventário (n.º 2). É aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil (n.º 3). O juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial (n.º 4). 5. Para a dilucidação da questão em análise (admissibilidade de segunda reclamação contra a relação de bens), não é despiciendo verificar os pretéritos (e sucessivos) regimes jurídicos nesta matéria. Assim, previa o art.º 1379º do CPC de 1939: “Apresentadas as relações dos bens ou findo o prazo em que o deviam ser, facultar-se-á o exame do processo, por quarenta e oito horas, a cada um dos herdeiros que tiver constituído advogado (...), depois ao advogado do donatário e do cabeça de casal, e por fim dar-se-á vista, pelo mesmo prazo, ao Ministério Público, quando o inventário for orfanológico. / Durante o prazo do exame ou da vista podem os advogados e o Ministério Público acusar a falta de descrição de bens ou dizer o que se lhes oferece (...). / O mesmo podem fazer, por meio de requerimento, até ao termo dos exames, os herdeiros e o meeiro que não tiverem constituído advogado. / § único. A falta de descrição de bens pode ser acusada posteriormente em qualquer altura; mas o arguente procurará convencer de que só teve conhecimento da existência dos bens na data em que deduz a arguição. (...).” Idêntico o regime estabelecido no art.º 1340º do CPC de 1961 (na sua versão primitiva): “Apresentada a relação de bens, ou logo que o responsável pela apresentação declare que ela não deve ter lugar, e citados todos os interessados (...), facultar-se-á o exame do processo, por cinco dias, a cada um dos advogados (...), sendo por último ao do cabeça de casal, e por fim dar-se-á vista, pelo mesmo prazo, ao Ministério Público, quando o inventário for obrigatório (n.º 1). Durante o prazo do exame ou da vista podem os advogados e o Ministério dizer o que se lhes ofereça quanto à relação ou à sua falta, outro tanto podendo fazer, por meio de requerimento, até (...) ao quinto dia posterior à respetiva notificação, os interessados que não tenham constituído advogado (n.º 2). A falta de descrição (relacionação) de bens pode ser acusada posteriormente, mas o arguente procurará convencer de que só teve conhecimento da existência dos bens na altura em que deduz a arguição (n.º 3, 1ª parte).” Com o DL n.º 227/94, de 08.9 (que reformulou a tramitação do processo de inventario), a disciplina da “reclamação contra a relação de bens” passou a integrar o art.º 1348º do CPC, com a seguinte redação: “Apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de oito dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexatidão na descrição dos bens, que releve para a partilha (n.º 1). Os interessados são notificados da apresentação da relação de bens, enviando-se-lhes cópia da mesma (n.º 2). Quando o cabeça-de-casal apresentar a relação de bens ao prestar as suas declarações, a notificação prevista no número anterior terá lugar conjuntamente com as citações para o inventário (n.º 3). No caso previsto no número anterior, os interessados poderão exercer as faculdades previstas no n.º 1 no prazo da oposição (n.º 4). Findo o prazo previsto para as reclamações contra a relação de bens, dá-se vista ao Ministério Público, quando tenha intervenção principal no inventário, por oito dias, para idêntica finalidade (n.º 5). As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado a multa, exceto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável (n.º 6). A reforma de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12.12) limitou-se a ampliar (para 10 dias) os prazos fixados nos n.ºs 1 e 5 do art.º 1348º, mantendo a anterior redação. Releva, também, naturalmente, o regime introduzido pela Lei n.º 23/2013, de 5.3, nos termos mencionados em II. 2. e 3., supra, aqui aplicável.[10] 6. Prosseguindo. No domínio de aplicação do CPC de 1939 chegou a sustentar-se que a reclamação contra a relação de bens podia deduzir-se até transitar em julgado a sentença homologatória da partilha, e depois do termo do próprio processo. A expressão da letra da lei “em qualquer altura” foi eliminada nos regimes jurídicos posteriores, talvez por se considerar origem de perturbações na marcha do processo de inventário que era mister impedir. Contudo, continuou por delimitar o momento até ao qual era possível acusar a falta de relacionação, consentindo-se a mesma amplitude para a reclamação em causa, já que dizer que podia arguir-se “posteriormente” era reportar a arguição a qualquer altura, já que o significado daquele advérbio não consente entendimento diverso. Tal quadro normativo apresentava vantagens e inconvenientes: se, por um lado, contribuía para demorar o andamento do processo de inventário e, até, levar à retificação ou inutilização de parte do processado, por outro lado, poderia evitar a partilha adicional (tida como um “mal maior”). 7. Entretanto, ante a fraca ou insuficiente imposição decorrente da expressão “o arguente procurará convencer de que só teve conhecimento da existência dos bens na altura em que deduz a arguição” (qualificada como “meramente platónica”, já que dela não derivava a inadmissibilidade da arguição), passou a defender-se o estabelecimento de sanção (não prevista no cit. art.º 1340º do CPC de 1961, na sua redação primitiva), “criada” ou introduzida pelo DL n.º 227/94, de 08.9 (cit. art.º 1348º, n.º 6, do CPC). Quer antes desta descrita versão do CPC de 1961, quer à luz do aludido regime pretérito (de 1961 e 1939), entendia-se que não era natural que, averiguando-se a existência de outros bens além dos relacionados, durante o decurso do inventário, os interessados fossem remetidos para partilha adicional, quando o inventário não findou e era possível partilhar nele esses bens, e bem assim que o mesmo interessado pode(ia) deduzir nova acusação de bens desde que não respeite aos que constituíram objeto da anterior, bastando, para tanto, que convença da existência dos bens na data em que deduz a arguição.[11] 8. Feito este “excurso” sobre o regime jurídico pretérito, parece-nos, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que o mesmo dará algum contributo para a aplicação ao caso da previsão do cit. art.º 32º do RJPI, mormente à luz do que se prevê no seu n.º 5 conjugado com o art.º 13º, n.º 3, a contrario, da Lei n.º 117/2019, de 13/9, tanto mais que estamos perante partilha de bens subsequente a divórcio que, volvidos cerca de seis anos..., permanece na fase da definição do acervo patrimonial a partilhar! Na verdade, ante a amplitude da previsão do n.º 5 do art.º 32º do RJPI [as reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao início da audiência preparatória (prevista nos art.ºs 47º e 48º do RJPI), sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável] e considerando que no âmbito do descrito (e aplicável) quadro normativo não será de enjeitar (sendo, pois, defensável) o entendimento de que o mesmo interessado pode deduzir nova acusação de bens desde que não respeite aos que constituíram objeto da anterior (bens existentes na data em que deduz a arguição), e bem assim o (ainda incipiente) estado dos autos e a relativa diversidade do objeto das reclamações mencionadas em II. 1. b) e e), supra, afigura-se, salvo o devido respeito por perspetiva diversa, que será ainda de atender ao teor da dita segunda reclamação (de 07.10.2021), pelo que o Tribunal a quo deverá apreciar e ponderar o que decorre da conhecida posição dos interessados (requerente/recorrente e requerida) e as demais questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, sem prejuízo do que deva ser excluído do âmbito destes autos e/ou dilucidado nos meios comuns (cf., v. g., art.ºs 1093º, n.º 1, do CPC e 13º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 117/2019, de 13/9). 9. Não obstante as particularidades dos autos, esta, cremos, a solução que também diminuirá o risco de uma eventual partilha adicional (art.º 1129º do CPC). 10. Mostra-se prejudicado ou desnecessário conhecer de outras matérias. 11. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso (quanto à decisão de rejeição da segunda reclamação de bens apresentada pelo requerente/recorrente).
* III. Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida - na parte em que declarou intempestiva e legalmente inadmissível, rejeitando-a, a (segunda) reclamação de bens apresentada através de requerimento datado de 07/10/2021 -, com as consequências referidas em II. 8., supra. Custas da apelação, segundo o decaimento (a final) no incidente da reclamação contra a relação de bens. * 21.11.2023
[2] Recurso admitido para subir “imediatamente e em separado, tendo efeito meramente devolutivo (...) (entendendo-se não ser de fixar ao recurso efeito suspensivo nos termos do n.º 3 deste artigo 1123º) (...).” [5] Mencionado no despacho de 13.7.2023 da Mm.ª Juíza do Tribunal a quo (despacho sobre o requerimento de interposição do recurso) como “requerimento apresentado pelo recorrente junto do Cartório Notarial em 23/08/2022 e junto a fls. 103”. [8] Vide, sobre esta matéria, C. Lopes do Rego, A recapitulação do inventário (in JULGAR - on line / dezembro de 2019), sublinhando que “na economia do regime inovatoriamente instituído pela Lei 117 assumem particular relevância as normas e regimes transitórios”, em primeiro lugar, “a regra segundo a qual se mantêm no cartório notarial os processos iniciados à sombra da Lei n.º 23/2013 e que aí devam prosseguir a sua tramitação, por não se verificar situação determinante da migração para o tribunal judicial – aplicando-se ao respetivo processamento o estatuído pelo RJPI, aprovado por aquela Lei, apesar de revogada, mas com as alterações prescritas nos art.ºs 8º e 9º da Lei 117 (...); o art.º 13º define os termos do procedimento aplicável à remessa para o tribunal, procurando garantir, desde logo, o direito ao recurso contra decisões interlocutórias do notário (...) e, por outro lado, fazendo um apelo decisivo ao poder de gestão e adequação processual do juiz, de modo a conciliar os efeitos de procedimentos heterogéneos, respeitando os efeitos já produzidos de decisões tomadas no inventário notarial (salvo se for julgada procedente a sua impugnação, deduzida ao abrigo do n.º 2) – e cabendo ao juiz , ouvidas as partes (o que normalmente implicará a realização da conferência prévia prevista no art.º 1109º CPC), estabelecer a tramitação futura que se mostre idónea e adequada”. Correto, pois, o que a esse respeito se consignou no despacho da Mm.ª Juíza do Tribunal a quo de 12.6.2023: «Os processos de inventário instaurados no domínio da RJPI que se encontrem pendentes em 01/01/2020 e que transitem para o Tribunal, são remetidos no estado em que se encontrarem, sendo aplicável à tramitação subsequente o regime dos artigos 1082º a 1135º do Código de Processo Civil, cumprindo ao juiz, fazendo uso dos poderes de gestão processual e de adequação formal, conciliar essa tramitação subsequente com a realizada anteriormente à remessa do processo para o Tribunal. (...)» [9] Para melhor compreensão do descrito quadro normativo, veja-se, ainda, sobretudo, o disposto nos art.ºs 3º, n.ºs 1, 4 e 6, 25º, n.ºs 1 a 3, 31º e 35º, n.ºs 1 a 3, do citado RJPI. [10] Dir-se-á, ainda, que com a Lei n.º 117/2019, de 13.9, o (atual) regime jurídico ficou assim conformado: “Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, apresentar reclamação à relação de bens (art.º 1104º, n.º 1, alínea d), do CPC, na redação da referida Lei). As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo (n.º 2). Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada (art.º 1105º, n.º 1). As provas são indicadas com os requerimentos e respostas (n.º 2). A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092º e 1093º (n.º 3) Como na alegação de recurso, poder-se-á dizer resultar do apontado regime que «a faculdade a que aludia o anterior CPC, no seu artigo 1348º, n.º 6, foi suprimida no atual, ou seja, hodiernamente, não sendo apresentada reclamação à relação de bens no prazo previsto no artigo 1104º, n.º 1, alínea d), do CPC, fica precludido tal direito, sem prejuízo do disposto no seu art.º 1129º.» Neste contexto, em idêntico sentido, refere C. Lopes do Rego (estudo cit.; sublinhado nosso): «Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objeções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição. Assim, do regime estabelecido no art.º 1104º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art.º 574º CPC). Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art.º 573º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (...), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal. Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições (...), no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão. (...).» |