Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO VALÉRIO | ||
Descritores: | RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO VIOLÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 03/06/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 347.º DO CP | ||
Sumário: | A violência a que alude o n.º 1 do artigo 347.º do Código Penal não tem de ser agressão física, bastando a simples hostilidade idónea a coagir ou impedir a actuação legítima do funcionário. | ||
Decisão Texto Integral: | Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO 1- No 2.º juízo do Tribunal Judicial de Ourém, no processo acima referido, foi o arguido A... julgado em processo comum singular , tendo sido a final proferida a decisão seguinte : - condenado, como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p. pelo art. 347.º do Cod. Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 12 meses.
2 - Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
3 - Nesta Relação, o Exmo. PGA emitiu douto parecer em que, acompanhando o MP da 1.ª instância, se pronuncia pela improcedência do recurso.
4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
5 - Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos: 1. No dia 16.11.2010, pelas 22h34, o arguido encontrava-se no interior do estabelecimento denominado Café … denotando sinais de estado de embriaguez. + FUNDAMENTAÇÃO Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas, a saber, a ausência de prova dos factos provados e que os mesmos , mesmo que provados, não integram o crime em causa por não serem idóneos para tal. Porque vem questionada a matéria de facto e o juízo que levou à respectiva fixação, importa começar por deixar exposta aos meios de prova e as razões de convicção do tribunal convicção, em resumo e com interesse : Diga-se então que o próprio arguido confessou de forma genérica os factos,. E depois há os depoimentos dos 2 agentes da GNR, que lograram convencer o tribunal da sua idoneidade e veracidade. O acto de julgar tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção e tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formulação lógico-intuitiva. Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal. 135 e ss) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte : - a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença dá-se com a produção da prova em audiência: sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal, que é livre ( art. 127.º do CódProcPenal ), mas não arbitrária, porque motivável e controlável, condicionada pelo princípio de persecução da verdade material ; - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana; Ora o que o recorrente pretende é que o tribunal devia ter valorado as provas de acordo com a convicção dele próprio recorrente, substituindo-se ela ao julgador, mas como se extrai do art. 127.º do CódProcPenal, salvo os casos de prova vinculativa, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum. E, só perante a constatação de que tal convicção se configurou em termos errados é legalmente possível ao tribunal superior alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido. Como se diz no Ac. Rel. Coimbra de 6/12/2000 (www.dgsi.pt - Acórdãos da Relação de Coimbra) «o tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos ( carácter; probidade moral) que só são verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1.ª instância ». Ou, consoante se escreveu no Ac. Rel. Coimbra de 3-11-2004 ( recurso penal n.º 1417/04 ) «... é evidente que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha » (Cfr. entre outros; Ac de. 02.06.19 e de 04.02.04, recursos n.ºs 1770/02 e 3960/03 ; Ac de. 02.06.19 e de 04.02.04, recursos n°s 1770/02 e 3960/03 ; Ac de 6-3-2002, CJ, Ano XXVII, 2.º-44, todos da Relação de Coimbra ). Este último diz : « (...) uma incomensurável diferença entre a prova produzida em primeira instância e a efectuada em sede de recurso com base nas transcrições dos depoimentos (...) quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação ( vg o julgador refere que os depoimentos não são convincentes num determinado sentido), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar ao concreta de tal princípio » a não ser que « a convicção do julgador na primeira instância mostre ser contrária ás regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos» Da motivação de facto consta que o tribunal recorrido ponderou as declarações das testemunhas, e nesse exercício, e fundamentando tal convicção, entendeu dar crédito às testemunhas da acusação. E é pertinente que ali se diga que não se vê qualquer interesse menos louvável ou qualquer motivação dúbia para os queixosos sustentarem a versão que apresentaram. Embora a coerência ou consistência das declarações não constitua um critério de verdade – pela simples razão de que mesmo provas demonstrávelmente consistentes podem ser falsas –, a incoerência ou inconsistência já indicia a falsidade. O que sugere que devemos combinar as ideias de verdade e de conteúdo numa única – a ideia de um grau de melhor ( ou pior ) correspondência com a verdade, ou de uma maior (ou menor) semelhança ou similaridade com a verdade; ou seja, a ideia de graus de verosimilhança. Depois, no caso presente a fundamentação de facto é suficiente para dar como provados e não provados os factos referidos como tal na decisão recorrida, pois faz uma análise critica e objectiva dos meios de prova, e não há qualquer contradição entre os factos provados entre si, entre estes e os não provados, e entre uns e outros e a respectiva fundamentação, e entre esta e a decisão recorrida . Dispõe o art. 347.º do CodPenal : «Resistência e coacção sobre funcionário : Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos». No crime de resistência e coacção sobre funcionário, como resulta da sua própria inserção sistemática, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de actuação do seu funcionário ou membro de força armada, posta em causa pelo emprego de violência ou resistência do agente arguido, não abrangendo, por isso, a tutela da integridade dos mesmos, como bem pessoal. A violência a que se alude não tem que ser agressão física, bastando a simples hostilidade idónea a coagir ou impedir a actuação legítima do funcionário (No mesmo sentido : Ac STJ, de 25-9-2002 , CJ/STJ, ano IX , t. III, p. 180). Estando provado em suma que foi necessário usar da força física para imobilizar o arguido na sua resistência às ordens da autoridade policial, que o arguido arranhou com uma das mãos a face do lado esquerdo de um dos agentes, entortando-lhe a armação dos óculos., e que proferiu palavras ameaçadoras contra os dois agentes policiais, estão perfectibilizados os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo, do tipo legal em causa, pois aquela conduta global configura uma obstrução ao exercício da autoridade, é idónea a dificultar essa acção da autoridade, + DECISÃO Pelos fundamentos expostos : I - Nega-se provimento ao recurso, assim se mantendo a decisão recorrida II - Custas pelo arguido, com 3 Ucs de taxa de justiça - - Paulo Valério (Relator) Jorge Jacob |