Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1021/23.0T8CNT-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO
ARROLAMENTO DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS
EXTRATO DE CONTA
INTERESSE LEGÍTIMO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: LEVANTAMENTO DE SIGILO
Decisão: INDEFERIDO
Legislação Nacional: ARTIGOS 78.º, N.º 2, 79.º, AL.ª H), DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, 406.º, N.º 5, 417.º, N.ºS 1, 3, AL.ª C), E 4, 780.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 135.º, N.ºS 1 A 3, E 182.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – No arrolamento de depósitos bancários, ao qual são aplicáveis as regras da penhora, não deve ser exigida às instituições de crédito, sem fundamento válido que o justifique, a remessa do correspondente extrato de conta.
II – Tendo sido suscitado o incidente de levantamento do sigilo bancário, em face da recusa em fornecer ou disponibilizar o extrato de conta, deve o mesmo ser indeferido quando não exista um interesse que o legitime.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

        AA instaurou no Juízo Local Cível de Cantanhede procedimento cautelar contra BB, pedindo que se proceda ao arrolamento de bens comuns do casal constituído pelo requerente e pela requerida, traduzidos em depósitos bancários titulados pela ora demandada existentes na Banco 1..., Banco 2..., S.A e na Banco 3..., S.A..

        Por decisão proferida a 4/3/2024, foi decretado o requerido arrolamento, tendo, consequentemente, sido expedidos ofícios às entidades bancárias supra indicadas, com vista a efectivar a diligência.

         Através de ofício datado de 15/3/2024, a Banco 1... respondeu ao solicitado nos seguintes moldes: “A Banco 1..., C.R.L., em resposta à notificação datada de 5 de Março de 2024, V/ referência n.º 93622259, relativamente ao processo melhor identificado em epígrafe, vem informar que, à presente data, o saldo da conta n.º ...21, titulada pela requerida BB, é de 0,97€ (noventa e sete cêntimos), tendo a Banco 1... arrolado esse mesmo valor, aguardando as devidas instruções do Douto Tribunal.”.


***

         Em 22/3/2024, foi proferido o seguinte despacho:

         “Refªs 8730025 e 8749978:

        As instituições bancárias não responderam ao solicitado, apesar da clareza da notificação.

         Assim, insista pela resposta em 2 dias ao ordenado, ou seja, junção de extrato com saldo das contas bancárias tituladas pela requerida no período compreendido entre 01.07.2023 e 24.01.2024, sob a cominação de condenação em multa, por falta de colaboração com o tribunal .(…). 


***

        Após ter sido notificada do teor do antecedente despacho, a referida instituição de crédito, por ofício de 26/3/2024, respondeu nos seguintes termos:

         “A Banco 1..., C.R.L., em resposta à notificação datada de 25 de Março de 2024, relativamente ao processo melhor identificado em epígrafe, vem invocar o dever de sigilo bancário a que se encontra cometida por força do disposto no artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que a impede de revelar informações respeitantes às relações com os seus clientes cujo conhecimento lhe advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

        Sem a devida autorização do(s) titular(es)/cliente(s) esta Instituição de Crédito apenas poderá ser obrigada a prestar informações cobertas pelo sigilo bancário após ser ordenado o levantamento de tal sigilo, devendo o mesmo ser efetuado através de um processo especial para o efeito, tendo em conta que a situação em apreço não se encontra incluída nas exceções previstas no n.º 2 do artigo 79º do RGICSF.”


***

         Em 8/4/2024, a 1ª instância proferiu o seguinte despacho:

         “Refª 8771687:

         Notifique a instituição bancária para cumprir o ordenado em 2 dias, sob a cominação de condenação em multa por falta de colaboração com o tribunal (extrato com saldo entre 01.07.2023 e 24.01.2024).”.


***

        Por ofício de 12/4/2024, a Banco 1..., C.R.L, respondeu nos mesmos termos que constam do ofício de 26/3/2024, reiterando o invocado dever de sigilo bancário.

***

        Nessa sequência, em 15/4/2024, foi proferido o seguinte despacho:   “Refª 8807910:

         Cumpre proferir despacho sobre a recusa da «Banco 1...» em juntar aos autos extrato da conta bancária titulada pela requerida BB, entre 01.07.2023 e 24.01.2024, tal como foi notificada por duas vezes, a última das quais sob a cominação de condenação em multa por falta de colaboração com o tribunal.

        Este processo ainda se encontra na fase prévia ao contraditório da requerida, pelo que carece de sentido solicitar autorização de levantamento do sigilo bancário por parte da mesma requerida.  

         Vejamos.

        Nos termos do citado art. 79º h), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, mesmo sem a autorização do cliente transmitida à instituição, esta última deverá revelar os dados de outra forma cobertos pelo sigilo bancário “quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.

        Ora, não há dúvida que, conforme disposto no n.º 2, do art. 78º, do citado Regime, os “nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos” estão sujeitos a segredo.

         Porém, prescreve o art. 417 n.º 1 do C.P.C.:

        “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados”.

        A respeito do sigilo bancário oposto pelas instituições bancárias no âmbito de processos de natureza civil, designadamente providências cautelares e inventários, a nossa jurisprudência superior tem sido perentória: “O cabeça-de-casal, na qualidade de herdeiro (...) não pode ser considerado um terceiro e, por isso, não pode a instituição bancária (...) opor-lhe o sigilo bancário.

        Mas ainda que se admitisse a situação como abrangida por tal segredo, o mesmo teria de ceder perante os interesses da administração da justiça em ver esclarecida a verdadeira situação patrimonial do inventariado e apurar quais os bens que constituíam a sua herança, de modo a reparti-la pelos seus herdeiros”[1].

         O mesmo é dizer que, “considerando as finalidades próprias de um processo de inventário, em que se visa fazer uma partilha igualitária de todos os bens da herança, não se coloca a questão do sigilo bancário, devendo a instituição prestar ao tribunal todas as informações por este solicitadas”[2].

        Ora, a providência cautelar é instrumental da posterior partilha dos bens entre o extinto casal conjugal.

        Acresce, no caso vertente, que o requerente justifica adequadamente o seu interesse no arrolamento da dita conta.

        Acresce que não se percebe, de todo, a postura diferenciada da «Banco 1...» nos apensos B) e C).

        Com efeito, neste apenso C), a «Banco 1...» recusa-se a prestar as informações solicitadas quanto à conta bancária da requerida BB.

        Contrariamente, no apenso B), tal recusa não aconteceu e a mesma «Banco 1...» prestou todas as informações relativas à conta bancária do aí requerido AA, requerente nos presentes autos.

        De todo o modo, formalmente, não poderemos deixar de considerar a recusa da «Banco 1...» legítima, à face dos arts. 417º n.º 3 c) do CPC, por referência ao art. 78º n.º 2 do RGICSF.

        Assim, de acordo com o n.º 3 do art. 135º do CPP, ex vi o n.º 4 do art. 417º do CPC, suscita-se a intervenção do tribunal superior (Relação de Coimbra) em ordem a ser decidido – se assim for considerado – o levantamento do sigilo invocado pela Banco 1....

        Para o efeito, organiza-se traslado digital com a petição de divórcio dos autos principais, a integralidade deste apenso C) e, quanto ao apenso B), a decisão de decretamento da providência e todas as respostas apresentadas pela Banco 1....”.


***

         II – FUNDAMENTOS.

         2.1. Factos provados.

        Com relevo para a decisão importa considerar a tramitação processual que vem descrita no antecedente relatório.

            2.2. Enquadramento jurídico.

           Suscitou a 1ª instância o presente incidente com fundamento no regime previsto no art. 417º, nº4, do C.P.C., norma, como é sabido, que se insere num capítulo que se ocupa da instrução do processo e que possui a epígrafe “dever de cooperação para a descoberta da verdade”.

            A redacção integral do art 417º é a seguinte:

            “1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

           2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

            3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:

            a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;

            b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;

           c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.

           4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”.

           No caso vertente, foi entendido que tendo sido recusada, por parte da referida instituição de crédito, a remessa do extrato da conta bancária titulada pela requerida, seria admissível o recurso ao incidente de levantamento do sigilo, de harmonia com os arts. 135º, nºs 1 a 3, e 182º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.P., atenta a remissão operada pelo nº4 do art. 417º do C.P.C..

            No art. 135º, nºs 1 a 3, do C.P.P., prescreve-se o seguinte:

           “1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.

           2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

           3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.”.

           Por sua vez, o art. 182º, nºs 1 e 2, do C.P.P., apresenta o seguinte teor:

           “1 - As pessoas indicadas nos artigos 135.º a 137.º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.

           2 - Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 135.º, nºs 2 e 3, e 136.º, n.º 2.”.

           A recusa a que os autos se reportam é fundada no art. 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), disposição normativa que institui um dever de segredo relativamente a tais entidades nos seguintes moldes:

           “1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços

           2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.

3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.”

           Analisando a questão, tal como a mesma foi colocada pela 1ª instância, e considerando a tramitação que resulta dos autos de arrolamento, afigura-se, salvo melhor entendimento, que não existem motivos ou fundamentos que possam determinar o levantamento do sigilo que, legitimamente, foi invocado pela instituição de crédito visada.

            Vejamos.

           Em primeiro lugar, verifica-se que estamos no âmbito de um arrolamento [3] que segue o regime especial previsto no art. 409º, nº1, do C.P.C. [4], dado que foi requerido na pendência de uma acção de divórcio [5].

           A providência em causa foi deferida por decisão exarada a 4/3/2024, sendo que a Banco 1..., C.R.L., por ofício datado de 15/3/2024, deu conhecimento de que tinha arrolado o saldo da respectiva conta, cujo valor indicou.

           Não existiu, desde modo, recusa de cumprimento da diligência ordenada pela 1ª instância, sendo que a questão, levantada posteriormente, que diz respeito ao extrato da conta em apreço, extravasa claramente o âmbito do procedimento cautelar de arrolamento, dado que sendo aplicáveis as regras da penhora, por força do disposto no art. 406º, nº5, do C.P.C., é de levar em consideração o regime que se encontra previsto no art. 780º do mesmo Código.

            Com uma redacção extensa, o art. 780º [6], estabelece o seguinte:

           “1 - A penhora que incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo é feita por comunicação eletrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo, aplicando-se o disposto nos números seguintes e no n.º 1 do artigo 417.º.

           2 - O agente de execução comunica, por via eletrónica, às instituições de crédito referidas no número anterior, que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo fica bloqueado desde a data do envio da comunicação, até ao limite estabelecido no n.º 3 do artigo 735.º, salvaguardado o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 738.º.          

           3 - Na comunicação, o agente de execução, sob pena de nulidade:

           a) Identifica o executado, indicando o seu nome, domicílio ou sede e, em alternativa, o número de identificação civil ou de documento equivalente, ou o número de identificação fiscal; e

          b) Determina o limite da penhora, expresso em euros, calculado de acordo com o n.º 3 do artigo 735.º.

           4 - Salvo o disposto no n.º 10, as quantias bloqueadas só podem ser movimentadas pelo agente de execução.

           5 - Sendo vários os titulares do depósito, o bloqueio incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais.

           6 - Quando não seja possível identificar adequadamente a conta bancária, é bloqueada a parte do executado nos saldos de todos os depósitos existentes na instituição ou instituições notificadas.

           7 - São sucessivamente observados, pela instituição de crédito e pelo agente de execução, os seguintes critérios de preferência na escolha da conta ou contas cujos saldos são bloqueados:

            a) Preferem as contas de que o executado seja único titular àquelas de que seja contitular e, entre estas, as que têm menor número de titulares àquelas de que o executado é primeiro titular;

           b) As contas de depósito a prazo preferem às contas de depósito à ordem.

           8 - Após a comunicação referida no n.º 2, as instituições de crédito, no prazo de dois dias úteis, comunicam, por via eletrónica, ao agente de execução:

           a) O montante bloqueado; ou

           b) O montante dos saldos existentes, sempre que, pela aplicação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 738.º, a instituição não possa efetuar o bloqueio a que se refere o n.º 2; ou

            c) A inexistência de conta ou saldo.

            9 - Recebida a comunicação referida no número anterior, o agente de execução, no prazo de cinco dias, respeitados os limites previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 738.º, comunica por via eletrónica às instituições de crédito a penhora dos montantes dos saldos existentes que se mostrem necessários para satisfação da quantia exequenda e o desbloqueio dos montantes não penhorados, sendo a penhora efetuada comunicada de imediato ao executado pela instituição de crédito.     

           10 - O saldo bloqueado ou penhorado pode, porém, ser afetado, quer em benefício, quer em prejuízo do exequente, em consequência de:

          a) Operações de crédito decorrentes do lançamento de valores anteriormente entregues e ainda não creditados na conta à data do bloqueio;

           b) Operações de débito decorrentes da apresentação a pagamento, em data anterior ao bloqueio, de cheques ou realização de pagamentos ou levantamentos cujas importâncias hajam sido efetivamente creditadas aos respetivos beneficiários em data anterior ao bloqueio.

           11 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da comunicação a que se refere o n.º 2 e fornece ao agente de execução extrato onde constem todas as operações que afetem os depósitos penhorados após a realização da penhora.

           12 - Apenas nos casos em que o exequente seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, é devida uma remuneração às instituições que prestem colaboração à execução nos termos deste artigo, cujo quantitativo, formas de pagamento e cobrança e distribuição de valores são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo, nessa fixação, atender-se à complexidade da colaboração requerida e à circunstância de a penhora se ter ou não consumado.

           13 - Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o agente de execução entrega ao exequente as quantias penhoradas que não garantam crédito reclamado, até ao valor da dívida exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução referido no n.º 3 do artigo 735.º.

           14 - Os números anteriores aplicam-se, com as necessárias adaptações, à penhora de valores mobiliários, escriturais ou titulados, integrados em sistema centralizado, registados ou depositados em intermediário financeiro ou registados junto do respetivo emitente.”.

           Da norma supra transcrita, resulta, muito claramente, que as obrigações da instituição de crédito são as previstas no nº8, ou seja, a mesma obriga-se a comunicar o montante que foi bloqueado (arrolado), obrigação esta que se mostra cumprida no caso em análise.

           O fornecimento de um extrato apenas tem lugar nas situações previstas no nº11 do art. 780º, sendo que os presentes autos não se enquadram dentro desse segmento normativo.

           Em segundo lugar, sem prejuízo de tudo quanto acaba de se expor, não se vislumbra que interesse ou interesses a 1ª instância pretendeu acautelar ao exigir o extrato da referida conta bancária, uma vez que nada consta nos respectivos despachos relativamente a essa matéria.

           Recorde-se que o fundamento legal invocado – sem motivos factuais que o sustentem – é o já mencionado art. 417º do C.P.C., norma esta, como salientámos, que se aplica à instrução do processo.

           Não foi minimamente referido que matéria ou factualidade se pretende demonstrar com o extrato de conta [7], pelo que a recusa da instituição de crédito em fornecer os pretendidos elementos afigura-se legítima, inexistindo motivos que determinem o levantamento do invocado sigilo.

           Nesta conformidade, deverá improceder o incidente suscitado perante esta Relação, com as consequências legais.


***

         III – DECISÃO.

         Pelo exposto, decide-se julgar o presente incidente improcedente e, em consequência, não autorizar o levantamento do sigilo bancário invocado pela Banco 1..., C.R.L.

              Coimbra, 21 de Maio de 2024


(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Luiz Falcão de Magalhães

(1º adjunto)

Maria Teresa Albuquerque

(2ª adjunta)



[1] Cfr. o Ac. da RC, de 12.12.2000, in http://www.dgsi.pt./jtrc.nsf/. No mesmo sentido, o acórdão da RL de
09.02.2017, in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. o Ac. da RC, de 26.09.2000, in http://www.dgsi.pt./jtrc.nsf/.
[3] O procedimento cautelar de arrolamento exige, em regra, a verificação dos pressupostos a que alude o art. 403º, nº1, do C.P.C., o qual estabelece que “Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.”.
Os requisitos em apreço, uma vez que trata de um arrolamento que tem como pressuposto uma acção de divórcio pendente, não são aplicáveis, atento o disposto no art. 409º, nº3, do C.P.C..
Em qualquer dos casos, o procedimento cautelar em apreço é concretizado através da forma prevista no art. 406º do C.P.C., disposição que rege o seguinte: 1 - O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.
2 - É lavrado auto em que se descrevem os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram; o auto menciona ainda todas as ocorrências com interesse e é assinado pelo funcionário que o lavre, pelo depositário e pelo possuidor dos bens, se assistir, devendo intervir duas testemunhas quando não for assinado por este último.
3 - Ao ato do arrolamento assiste o possuidor ou detentor dos bens, sempre que esteja no local ou seja possível chamá-lo e queira assistir; pode este interessado fazer-se representar por mandatário judicial.
4 - O arrolamento de documentos faz-se em termos semelhantes, mas sem necessidade de avaliação.
5 - São aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta secção ou a diversa natureza das providências.”.
[4] Art. 409º nº1, do C.P.C.: “Como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro.”.
[5] Accção que corre termos sob o nº 1021/23.....
[6] Sob a epígrafe “penhora de depósitos bancários”.
[7] Como se salienta no Acórdão da Relação de Guimarães de 25/11/2021 (disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9a6145935cb9c0e1802587ab00404d2b?OpenDocument) “Decidir sobre a dispensa do dever de sigilo bancário nos termos do n.º 3 do art. 135º do Cód. de Processo Penal “ex vi” do n.º 4 do art. 417º do Cód. de Processo Civil, pressupõe a ponderação do valor relativo dos interesses em confronto, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação pretendida para a descoberta da verdade, em confronto com a tutela da reserva da vida privada protegida pelo sigilo bancário.”.
No mesmo sentido, refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/4/2022 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d8ae98794fa128398025883f003a0ae1) que “Na decisão do incidente de quebra do segredo profissional , nomeadamente de quebra de sigilo bancário , cumpre ter em consideração o princípio da prevalência do interesse preponderante , devendo atentar-se na imprescindibilidade do meio em questão para a descoberta da verdade e a necessidade de protecção de bens jurídicos.”.