Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5133/19.7T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 496.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Integram-se nos danos não patrimoniais as dores físicas e morais; o dano estético; a privação de satisfações e prazeres da vida, por força da impossibilidade de levar a cabo atividades de índole extraprofissional e de lazer; a quebra da alegria de viver; o défice de bem-estar, resultante da existência de lesões muito graves; os danos irreversíveis na saúde da vítima; o prejuízo sexual e a necessidade do auxílio de uma terceira pessoa, para os atos correntes da vida diária.
II – É adequado fixar, à luz da equidade, em € 20.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais num caso em que a lesada, nascida em 1948, sofreu entorse do ligamento colateral medial do joelho direito, contusões do cotovelo direito e região lombar, cervicalgias, cefaleias, dor na mobilização do joelho direito, discreta instabilidade latero-medial com manobra de valgo forçado e mobilização dolorosa da coluna lombar, em consequência do que sentiu angústia, desânimo e tristeza, sujeitando-se, após a alta hospitalar, a fisioterapia, suportando um período de deficit funcional temporário parcial de 189 dias, com consolidações das lesões cerca de 7 meses após o acidente, um “quantum doloris” de grau 3 em 7, e um deficit funcional permanente de 4,94 pontos, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 em 7.
Decisão Texto Integral: Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: Paulo Correia
José Avelino Gonçalves

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, residente em ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação na forma comum contra, “A..., SA”, com sede na Av. ..., ... ....

Peticionando a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização no montante global de €228.371,82, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Para fundamentar tal pedido alega, em suma, que foi atropelada, quando atravessava uma passadeira, na Avenida ..., em ..., por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré.

Do que lhe advieram os danos que descreve na petição inicial, que contabiliza na peticionada quantia.

A Ré contestou, aceitando a dinâmica e culpa do seu segurado na produção do acidente e alguns dos danos alegados, impugnando os demais, defendendo que a indemnização a fixar, o deverá ser “em função da prova a produzir”.

 

Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva deduzida por outros réus, que haviam sido demandados, e se fixou o objeto do litigio e temas da prova e se consideraram assentes alguns factos por acordo.

Depois da instrução do processo, que incluiu perícias médico-legais, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 240 a 251 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, decide-se:

A) Condenar a Ré “A..., S.A.”, no pagamento à Autora AA, da quantia de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, contabilizados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, até efectivo e integral pagamento;

B) Absolver-se a Ré “A..., S.A.” do mais peticionado pela Autora.

***

As custas ficarão a cargo das partes proporção do seu decaimento, conforme o exposto no artigo 527.°, do Código de Processo Civil.”.

           

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, A..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 265), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso visa a reapreciação da decisão vertida na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância a respeito da vertente não patrimonial decorrente do dano biológico de que a autora ficou a padecer em virtude do acidente dos autos;

2. Por uma questão de economia e celeridade processual, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto julgada provada na sentença recorrida.

3. O Tribunal recorrido fixou em 32.000,00€ a indemnização devida à autora a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma em consequência do acidente dos autos.

4. Com o presente recurso não pretende a recorrente, de modo algum, minimizar/menosprezar a dor e os sofrimentos que advieram à recorrida, em consequência do acidente dos autos.

5. Na verdade, à luz do entendimento que vem dominando a generalidade da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, pretendemos com o recurso ora apresentado dizer e fazer salientar que, até em casos substancialmente mais graves do que o presente, vêm sendo atribuídos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais até inferiores àquele que o Tribunal recorrido entendeu arbitrar no presente caso.

6. Efectuando uma síntese interpretativa da factualidade que vem dada como provada com relevo para a decisão a proferir nos autos, verifica-se que a autora, em consequência do presente sinistro a apelada foi conduzida ao Serviço de Urgência do Hospital ..., onde foi medicada e submetida a exames, sendo-lhe diagnosticada uma entorse do ligamento colateral medial do joelho direito, contusões do cotovelo direito e região lombar, cervicalgias, cefaleias, dor na mobilização do joelho direito, discreta instabilidade latero-medial com manobra de valgo forçado e mobilização dolorosa da coluna lombar.

7. Depois disso, a apelada foi seguida na Sanfil - Casa de Saúde de Santa Filomena, SA, em Coimbra, com sujeição a fisioterapia no Hospital ..., em ... e na B... em ..., tendo sentido angústia, desânimo e tristeza.

8. A consolidação das suas lesões ocorreu no dia 20.06.2017, tendo sofrido um período de deficit funcional temporário total correspondeu a 1 (um) dia e um período de deficit funcional temporário parcial de 189 dias.

9. Por fim, é de salientar que o “quantum doloris” padecido pela autora com o sinistro foi de grau 3/7 e que a mesma ficou a padecer de um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4,94 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1/7.

10. As indemnizações fixadas a título de danos não patrimoniais devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas.

11. Não se pretende o unanimismo, mas, pelo menos, que haja uma uniformidade de critérios.

12. Vejamos, pois, algumas decisões proferidas pela nossa Jurisprudência no que tange a

questão relativa às indemnizações por danos não patrimoniais atribuídas a sinistrados em diversas situações, todas elas mais gravosas do que aquela de que nos ocupamos e que aqui damos por reproduzidas:

- O Acórdão da Rel. Porto, datado de 12.07.2021 e proferido no âmbito do processo n. 3924/18.5T8AVR.P1;

- Ac. Rel. Porto, 04.04.2022, Proc. 542/19.4T8PVZ.P1;

- Ac. Rel. Coimbra de 11-06-2019, Proc. 107/17.5T8MMV.C1; e

13. Ora, não obstante considerarmos os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido dignos de uma compensação expressiva, ainda assim, entendemos ser forçoso reconhecer que os mesmos revestem uma gravidade muito menor do que a dos casos retratados nas sobreditas decisões.

14. Por conseguinte, considerando a, felizmente, menor gravidade das lesões sofridas pela autora em comparação com os casos citados, todos os demais factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais não deveria exceder os 7.500,00€.

15. Ainda a propósito desta questão cumpre sublinhar que a indemnização arbitrada pelo

Tribunal recorrido (e mesmo aquela pela qual se pugna), são muito superiores à que o legislador entendeu que seria, no caso, ajustada.

16. Com efeito, um dos contributos preponderantes do legislador nacional para a prossecução da uniformização das indemnizações atinentes a este tipo de danos foi a criação da “proposta razoável”, que as seguradoras devem apresentar ao lesado em cumprimento do disposto nos artigos 38º e 39º do DL 291/2007 (e, anteriormente, nos termos previstos no DL 83/2006).

17. Ao referir-se no DL 291/2007 e nas portarias 377/2008 e 679/2009 aos critérios de definição do montante da indemnização, o legislador mais não fez senão concretizar os critérios que a lei geral define para esse mesmo fim.

18. Assim, cremos que de tais critérios, fixados nas aludidas portarias e aplicáveis por força do artigo 291/2007, decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.

19. Tais critérios devem, pois, ser tidos como justos e conducentes à fixação da indemnização em valores equitativos face à lesão que pretendem reparar.

20. Sendo, de resto, tais critérios resultado directo não só de estudos sobre sinistralidade e da experiência das seguradoras e Fundo de Garantia Automóvel no domínio da regularização de sinistros (cfr preâmbulo da portaria 377/2008), como também coincidentes com o sentido maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

21. Ora, recorrendo às regras da aludida portaria, a compensação da autora por danos não patrimoniais (na sua vertente de dano biológico, quantum doloris e dano estético) seria na ordem dos 1.500,00€.

22. O que evidencia, salvo melhor opinião, a sobrevalorização da indemnização atribuída para compensar os danos não patrimoniais da autora, fixada na sentença recorrida, e bem assim, da justeza da pretensão recursiva da ré no que a este ponto respeita.

23. Assim, considera a Ré que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo

autor deve ser reduzida para o montante de 7.500,00€, o que se pede.

24. Seja como for, não deverá tal compensação ultrapassar – em caso algum – a quantia de 8.000,00€, ou outra que se lhe aproxime e que corresponda ao alto critério desse Venerando Tribunal.

25. A douta sentença sob censura violou as regras dos artigos 483º, 496º, 562º, 563º e 564º e 566º do Código Civil.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso Vossas Excelências farão inteira JUSTIÇA.

Contra-alegando, a autora, pugna pela manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de fixar o quantitativo da indemnização a conceder à autora, a título de danos não patrimoniais.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1- No dia 13.12.2016, pelas 10,30 horas, na Av. ..., em ..., ocorreu um acidente de viação;

2- No descrito local a via descreve-se em recta, plana, com cerca de 8 metros de largura, em bom estado de conservação e é dotada de uma passadeira para peões;

3- No dia e hora e local identificados em 1-, fazia bom tempo, sendo a visibilidade boa, não havendo obstáculos que de alguma forma perturbassem ou embaraçassem o trânsito automóvel;

4- Nas descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, a Autora atravessava a via pela dita passadeira para peões, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha .../...;

5- Não sem antes, se ter certificado de que o podia fazer em segurança e sem perigo de acidente;

6- Nas circunstâncias descritas de 1- a 5-, no sentido de marcha .../..., circulavam dois veículos automóveis, com as matrículas “..-..-TG” e “..-OR-..”, o primeiro seguido do segundo, respetivamente;

7- Sucede que, enquanto a condutora do veículo “..-..-TG” deteve a sua marcha junto à referida passadeira para permitir o atravessamento da via pela Autora, o condutor do veículo com a matrícula “..-OR-..”, não o fez, tendo embatido frontalmente na traseira do veículo “..-..-TG”, projetando-o em mais de 10 metros para a frente, na diagonal;

8- Em consequência de tal projeção, o veículo “..-..-TG” embateu frontalmente no corpo da Autora, colhendo-a em plena travessia na passadeira, fazendo com que caísse ao chão;

9- Sendo que, em momento imediatamente anterior ao embate o condutor do veículo com a matrícula “..-OR-..” não desacelerou, abrandou ou fez manobra de redução de velocidade, nem tão pouco acionou o sistema de travagem do veículo que conduzia;

10- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8-, a Autora foi conduzida ao Serviço de Urgência do Hospital ..., onde foi medicada e submetida a exames;

11- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8- resultou para a Autora entorse do ligamento colateral medial do joelho direito, contusões do cotovelo direito e região lombar, cervicalgias, cefaleias, dor na mobilização do joelho direito, discreta instabilidade latero-medial com manobra de valgo forçado e mobilização dolorosa da coluna lombar;

12- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8-, a Autora sentiu angustia, desânimo e tristeza;

13- Após a alta hospitalar, a Autora passou a ser seguida na Sanfil - Casa de Saúde de Santa Filomena, SA, em Coimbra, carecendo de fazer fisioterapia no Hospital ..., em ... e na B... em ...;

14- Em sede de perícia de avaliação do dano corporal concluiu-se que, em consequência directa e necessária do descrito de 1- a 8-, a data da consolidação das lesões sofridas pela Autora ocorreu no dia 20.06.2017; que o período de deficit funcional temporário total correspondeu a 1 (um) dia; que o período de deficit funcional temporário parcial correspondeu a 189 (cento e oitenta e nove) dias; que o “quantum doloris” foi de grau 3/7; que o período de deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica correspondeu a 4,94 pontos; e que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer corresponde foi de grau 1/7.

15- A Autora nasceu no dia ../../1948;

16- A Autora encontra-se aposentada desde ../../2013, auferindo pensão social de velhice no montante mensal de € 261,95 (duzentos e sessenta e um euros e noventa e cinco cêntimos), ao que acresce a quantia de € 182,71 (cento e oitenta e dois euros e setenta e um cêntimos) a título de complemento solidário para idosos;

17- Em 13.12.2016, a Autora dedicava-se à agricultura e criação de galinhas para consumo próprio;

18- No dia 13.12.2016 a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula “..-OR-..” encontrava-se transferida para a Ré, pela apólice n.º ...69;

B) Factos não provados:

Da discussão da causa, com relevo para a decisão, não resultou provado que:

Ø Em 13.12.2016, a Autora trabalhava “à jorna” em limpezas e na agricultura, sempre que era solicitado os seus serviços, auferindo mensalmente quantia não inferior a € 400,00 (quatrocentos euros);

Ø Até 13.12.2016 a Autora, era uma mulher activa, desenvolta, saudável, cheia de vigor e energia, jovial, alegre, equilibrada, feliz e trabalhadora;

Ø Até 13.12.2016 a Autora dedicou-se à criação de coelhos e da actividade agrícola retirava vinho, batata, feijão, milho, azeite, cebolas, cenouras, tomates, couves e outras hortícolas;

Ø Com a criação de tais animais e produção agrícola a Autora conseguia economizar importância não inferior a € 200,00 por mês;

Ø A partir de 13.12.2016 Autora deixou de poder dedicar-se à agricultura e à criação de galinhas para consumo próprio;

Ø A partir de 13.12.2016 Autora deixou de poder fazer toda a lida da casa, desde preparar e confeccionar refeições, lavar e passar roupa a ferro, fazer camas, varrer, limpar o pó e arrumar a casa, a rachar e acartar lenha, transportar botijas de gás;

Ø Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8-, a Autora perdeu um casaco no montante de € 200,00 (duzentos euros), despendeu em deslocações a hospitais, farmácias e consultas médicas a quantia de € 200,00 (duzentos euros) e € 96,96 (noventa e seis euros e noventa e seis cêntimos á sociedade Sanfil, esteve acamada durante 30 (trinta) dias, apresenta dores ao nível da anca, com marcha claudicante, dores fortes da coluna lombar, dor quando faz flexão do pescoço, dificuldade em permanecer na posição de pé, adormecimento dos membros, diminuição de força muscular na perna direita, sendo incapaz de esforços acrescidos;

Quantitativo da indemnização a conceder à autora, a título de danos não patrimoniais.

Como decorre da sentença recorrida, fixou-se à autora a quantia de 32.000,00 €, a título dos danos morais de que esta padeceu.

A ré, ora recorrente, defende que tal indemnização, deve cifrar-se no montante de 7.5000,00 €, não devendo ultrapassar a quantia de 8.000,00 €, por ser a mais consentânea com os danos que sofridos pela autora.

Nos termos do disposto no artigo 496, n.º 1, do Código Civil:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Por outro lado, como se refere, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.

Ou, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal, de 26/01/2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, disponível no mesmo sítio do anterior deve “ser tratado por igual o que merece igual tratamento”, para o que se deve atender aos valores que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais e no qual se referem os que como tal foram concedidos em alguns Arestos de tal Tribunal.

Entendimento que o STJ vem mantendo, podendo ver-se, exemplificativamente e por último, o seu Acórdão de 21 de Abril de 2022, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores e em que se refere que o recurso à equidade tem papel preponderante, devendo ter-se em conta as regras da experiência, tendo em vista a actividade levada a cabo pelo lesado, designadamente, a conexão entre as lesões sofridas pelo mesmo e as condicionantes/exigências próprias de tal actividade, bem com as sequelas das lesões e seus reflexos no desempenho da actividade profissional habitual do lesado, sem esquecer os seus rendimentos, idade, tempo de vida activa e esperança média de vida.

E, ainda mais recentemente, no Acórdão de 30 de Abril de 2024, Processo n.º 1548/21.9T8PVZ.P1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores, se reiterou tal posição.

Aqui se reforçando a ideia de que, em tais casos, a fixação da indemnização deve ser orientada por critérios de equidade e proporcionalidade à gravidade dos danos (no mesmo sentido e por último, os Acórdãos do STJ, de 11/01/2024, Processo 76/13.0TBTVD.L2.S1; 16/01/2024, Processo 15898/16.2T8LSB.L1.S1 e 10/04/2024, Processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1), todos disponíveis no mesmo sítio dos anteriores.

Por isso, contrariamente ao defendido pela apelante, não há que ter em consideração o que consta do DL 291/2007, de 21/8, nem nas Portarias 377/2008, de 26/5 e 679/2009, de 25/6.

Resulta da exposição de motivos da Portaria n.º 377/2008, de 26/5 que o seu objectivo “… não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis …”.

Acrescentando-se no seu artigo 1.º, n.º 2 que:

“As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.”.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 01/07/2010, Processo 457/07.9TCGMR, in http://www.dgsi.pt/jsj: “..., as tabelas em causa constam, não obviamente de diploma legal, mas de mero diploma regulamentar, editado no exercício das competências administrativas do Governo – pelo que naturalmente nunca poderiam ter a pretensão de introduzir alterações inovatórias aos preceitos da lei civil que regem sobre o cálculo das indemnizações, restringindo os direitos que a lei civil, tal como vem sendo jurisprudencialmente interpretada, confere aos lesados.”.

Aos Tribunais cumpre interpretar e aplicar a lei e no cálculo das indemnizações decorrentes de acidentes de viação valem os critérios e padrões estabelecidos nos preceitos atinentes do Código Civil, tal como se fez na sentença recorrida.

Os valores e funcionalidade da citada Portaria (bem como da n.º 679/09, de 25 de Junho, que se lhe seguiu) apenas servem para vincular as seguradoras na apresentação das ditas “propostas razoáveis” em sede de negociação extra-judicial.

Em suma, os Tribunais devem reger-se pelos critérios fixados no Código Civil e não nas citadas Portarias, que aqueles não vinculam, o que, de resto, vem constituindo jurisprudência uniforme – cf., para além do acima já citado, os Acórdãos do STJ, de 26/11/2009 e de 20/05/2010, respectivamente, Processos 2659/04.0TJVNF.P1.S1 e 500/04.3TBCHV.P1.S1 e o de 17 de Maio de 2012, Processo n.º 48/2002.L2.S2, todos disponíveis no respectivo sítio da d.g.s.i., bem como o desta Relação de 20 de Janeiro de 2009, in CJ, Ano XXXIV, tomo 1, pág.s 17 a 19.

Conclusão, que se manteve, por último, no Acórdão do STJ, de 17 de Dezembro de 2019, Processo n.º 2224/17.2T8BRG.G1.S1 (igualmente disponível no referido sítio).

Na categoria dos danos não patrimoniais abarcam-se todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, tudo, como acima já referido, a aferir objectivamente.

Concretizando, como se refere no Aresto de 21 de Abril de 2022, acima já citado, aqui se integram as dores físicas e morais; o dano estético; privação e satisfações e prazeres da vida, por força da impossibilidade de levar a cabo actividades de índole extra-profisisonal e de lazer; quebra da alegria de viver; défice de bem estar, resultante da existência de lesões muito graves; danos irreversíveis na saúde da vítima; prejuízo sexual e necessidade do auxílio de uma terceira pessoa, para os actos correntes da vida diária.

Cotejando os factos apurados, no que a tal concerne, designadamente os que constam dos itens 10.º a 15.º, resultaram para a autora os seguintes danos:

10- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8-, a Autora foi conduzida ao Serviço de Urgência do Hospital ..., onde foi medicada e submetida a exames;

11- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8- resultou para a Autora entorse do ligamento colateral medial do joelho direito, contusões do cotovelo direito e região lombar, cervicalgias, cefaleias, dor na mobilização do joelho direito, discreta instabilidade latero-medial com manobra de valgo forçado e mobilização dolorosa da coluna lombar;

12- Em consequência direta e necessária do descrito de 1- a 8-, a Autora sentiu angústia, desânimo e tristeza;

13- Após a alta hospitalar, a Autora passou a ser seguida na Sanfil - Casa de Saúde de Santa Filomena, SA, em Coimbra, carecendo de fazer fisioterapia no Hospital ..., em ... e na B... em ...;

14- Em sede de perícia de avaliação do dano corporal concluiu-se que, em consequência directa e necessária do descrito de 1- a 8-, a data da consolidação das lesões sofridas pela Autora ocorreu no dia 20.06.2017; que o período de deficit funcional temporário total correspondeu a 1 (um) dia; que o período de deficit funcional temporário parcial correspondeu a 189 (cento e oitenta e nove) dias; que o “quantum doloris” foi de grau 3/7; que o período de deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica correspondeu a 4,94 pontos; e que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer corresponde foi de grau 1/7.

15- A Autora nasceu no dia ../../1948;

A nível das sequelas, há ainda que ter em conta, embora noutra perspectiva, o próprio grau de IPG, ou défice funcional, de que a autora foi portadora.

Desta factualidade destaca-se o facto de as consolidações das lesões ter operado cerca de 7 meses depois do acidente; as lesões e dores referidas no item 11.º; a necessidade de fazer fisioterapia (desconhecendo-se por quanto tempo – item 13.º); défice temporário parcial durante 189 dias; quantum doloris de grau 3 em 7; deficit funcional permanente que correspondeu a 4,94 pontos e grau de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 1 grau em 7.

Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas lesões e sequelas de que a autora padeceu, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que a atribuída a este título, até por comparação com outros casos e indemnizações atribuídas, se revela um pouco alta e, consequentemente, em face do que julgamos ser mais equitativo e justo, carecendo, nessa medida, de ser ajustada, pelo que, reputamos de mais adequada, a este título, a quantia de 20.000,00 €.

Assim, fixa-se a indemnização devida à autora, a título de danos morais, na quantia de 20.000,00 €, o que implica a procedência, parcial, do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se altera a decisão recorrida, nos seguintes termos:

- a indemnização a título dos danos morais sofridos pela autora fixa-se no montante de 20.000,00 € (vinte mil euros);

Mantendo-se a mesma, quanto ao mais nela, decidido.

Custas por apelante e apelada, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza a autora, ora apelada.

            Coimbra, 21 de Maio de 2024